Entrevistas

Elza Alves Marques: a agua tem valor econômico

Elza Alves Marques – ENTREVISTA

 


A Água tem Valor Econômico



Elza Alves Marques – ENTREVISTA


A advogada Elza Alves Marques demonstra em sua monografia  a essencialidade da água para toda e qualquer sobrevivência. Discorre sobre a crescente importância conferida à água como bem de valor econômico e apresenta os principais conceitos relativos ao gerenciamento.
O trabalho vale por discutir a Política Nacional de Recursos Hídricos, sob a luz da outorga do direito de uso da água e sobre a cobrança pelo uso da água. E mais: esclarece sua natureza jurídica, sua finalidade e, especificamente, onde serão aplicados os valores arrecadados com a cobrança. Num segundo momento, Elza Marques fala sobre a relação jurídica existente entre a água e o homem, o que é chamado de “Direito das Águas”.
Segundo ela, o tratamento jurídico dispensado às águas no Brasil deve ser visto “como um comportamento a ser seguido por todos, pois contém princípios basilares de preservação da água, do meio ambiente e da sobrevivência da Terra”. Seu trabalho acadêmico aborda um tema, ainda, que deve ser mais utilizado pela sociedade: a água como bem de valor econômico. Quem sabe  não está aí a equação para solucionar a escassez.


Quem é
Elza Alves Marques
Elza Alves Marques, bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UniCeub é advogada desde outubro de 2006. Durante sua vida acadêmica, Elza Marques trabalhou em diversas áreas do direito, passando pelo Tribunal Regional Federal da 1a Região e vários escritórios de advocacia. Tão jovem e tão experiente, justamente porque navegou muito  pelo Direito Aeroportuário, Direito do Trabalho e Direito Civil. Atualmente, Elza Marques faz parte do quadro de advogados do escritório Wilfrido Augusto Marques Advogados Associados, onde o “carro chefe” é o Direito Tributário.


Folha do Meio – Qual é a importância dos princípios jurídicos norteadores do Direito das Águas?
Elza – As normas jurídicas têm como fundamento os princípios básicos do Direito, com o Direito das Águas também não é diferente.  Na busca de fundamentos para a existência do Direito das Águas é que se torna importante o estudo dos princípios, pois o conjunto deles constitui uma base para toda a estrutura jurídica relacionada aos recursos hídricos e que ainda atingem de perto as normas ambientais.
É a partir do estudo dos princípios relacionados à água e também ao meio ambiente, que podemos extrair as bases do Direito das Águas em vigor no Brasil. É importante fazer uma síntese do que sejam esses quatro princípios.
1)Os princípios norteadores do Direito das Águas, bem como do próprio Direito Ambiental, se resumem nos seguintes aspectos: 2)Possibilitar um desenvolvimento econômico, político, tecnológico e social com a ajuda do próprio meio ambiente, onde a exploração dos recursos naturais possibilita o desenvolvimento da sociedade, porém sem a degradação da natureza.
3) Incentivos populares, a partir da educação ambiental, acerca das medidas de precaução e prevenção que devem ser tomadas por todos para que a natureza ainda possa gerar frutos para as gerações futuras.  4) Participação mútua entre sociedade e Poder Público, gerando uma conscientização sobre o equilíbrio que deve haver nas diversas formas de utilização dos recursos hídricos.  


FMA – O que significa di zer que a água possui valor econômico?
Elza – A água, por ser um recurso natural finito, possui um valor econômico. Isso significa dizer que a água do pla neta não é um bem gratuito que pode ser utilizado de qualquer forma. A água não pode ser poluída e nem desperdiçada. É exatamente por sua escassez que se atribui um valor econômico aos recursos hídricos. Ou melhor, ao considerar a água como um bem econômico passível de valoração monetária pode-se compreender melhor os limites da natureza para aquilo que nos parece ser abundante.


FMA – Qual é a natureza jurídica da água?
Elza – Conforme está previsto na Constituição Federal (art. 225), a água, por fazer parte do meio ambiente, é um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. A água é um patrimônio estatal, porém de uso comum do povo. Cabe ao Poder Público empreender esforços para garantir à coletividade a efetivação de um direito humano fundamental, qual seja, o acesso à água.


FMA – O que é a Política Nacional de Recursos Hídricos?
Elza – A Política Nacional de Recursos Hídricos é o instrumento legal que prevê a gestão integrada dos recursos hídricos, possuindo instrumentos eficazes que viabilizam manter tal Política de Gestão, tais como: os Planos para cada Bacia Hidrográfica, o enquadramento dos corpos d’água em classes segundo os usos preponderantes, a Outorga de Direito de Uso da Água, a Cobrança pelo Uso da Água, a ANA – Agência Nacional de Águas e o Sistema de Informações.
A Política Nacional traz como fundamento o conceito da água como um bem de domínio público, dotado de valor econômico. Tem como usos prioritários o abastecimento humano, a dessedentação de animais e a gestão realizada por bacia hidrográfica.


FMA – Como se aplica a Política Nacional de Recursos Hídricos?
Elza – É pelos instrumentos de gestão que se dá a aplicação da Política Nacional dos Recursos Hídricos. E o que são instrumentos de gestão? Previsto na Lei das Águas (Lei Federal n° 9.433/97), são aqueles a serem utilizados para se trilhar o caminho balizado pelas diretrizes da Política Hídrica. Esse é o meio vislumbrado para implementação dos objetivos propostos na Lei.


FMA – E o que é a Outorga do direito de uso dos recursos hídricos?
Elza – É um ato do Poder Público que autoriza um interessado, seja este público ou particular, a usar privativamente o recurso hídrico, nos termos e nas condições expressas no respectivo ato público administrativo, e que, sem esse consentimento, o uso da água seria legalmente proibido.


FMA – O que é a cobrança pelo uso da água?
Elza – É um encargo econômico suportado por alguém que queira ter acesso e uso a uma parcela de certo manancial hídrico. Essa cobrança pelo acesso e uso da água possui condições específicas e pré-determinadas. Ou seja, a cobrança pelo uso da água é uma atividade econômica exercida pelo Estado com o objetivo de satisfazer suas despesas e investimentos no setor hídrico, entendendo-se essa atividade como um instrumento de racionalização e de planejamento do uso da água.
Não se trata de um mero mecanismo de arrecadação financeira, mas sim um forte instrumento de implantação das políticas ambientais, e de metas de qualidade e quantidade previstas na legislação.


FMA – Quais os objetivos de se instituir um sistema efetivo de cobrança pelo uso da água?
Elza – O sistema de cobrança pelo uso da água busca uma contraprestação de todos os usos que venham a alterar a quantidade ou qualidade da água. Deste modo, tanto a captação e consumo, como o despejo de águas servidas, irão ter seu valor atribuído e pago pelo usuário. Ou melhor, o propósito da cobrança é direcionar a população a uma utilização racional da água, pois a determinação de um preço e a efetiva cobrança pelo uso e poluição da água de mananciais, são instrumentos importantes para a gestão racional dos recursos hídricos, o que beneficia tanto a geração presente, quanto as gerações futuras.


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MARCOS TERENA

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De filho pródigo à liderança internacional, o índio, piloto e cacique Marcos Terena, tornou-se um líder respeitado e o ponto de equilíbrio entre autoridades brancas e os povos indígenas.

O índio, piloto e cacique Marcos Terena é uma liderança respeitada internacionalmente e o ponto de equilíbrio autoridades brancas e os povos indígenas. Terena tem uma de luta, de diálogos e de fé.
Voltemos no tempo. Em 1990, o jornalista Zózimo Barroso do Amaral deu em sua coluna do Jornal do Brasil uma nota, com o título “Procura-se” dizendo que o líder indígena Marcos Terena acabara de ser demitido da Funai, onde era piloto – mesmo tendo entrado em avião só como passageiro e morrendo de medo.
Foi na resposta de Marcos Terena ao JB, que se conheceu o valor, a grandeza, a altivez e a dignidade de um índio. Escreveu ele ao JB:
“Sou um dos 240 mil índios brasileiros e um dos seus interlocutores junto ao homem branco. Quando ainda tinha nove anos, fui levado a conhecer o mundo. Era preciso ler, escrever e falar o português. Um dia a professora me pôs de castigo, não sabia por quê, mas obedeci. Fiquei de frente para o quadro negro, de costas para a sala. Quando meus colegas entraram, morreram de rir. Não sabia o motivo, mas sentia-se orgulhoso por fazê-los rir. Eles riam porque descobriram meu segredo: meu sapato não tinha sola, apenas um buraco, amarrado por arame. Naquele momento, sem querer, acabei descobrindo o segredo do homem civilizado: suas crianças não eram apenas crianças. Apenas uma palavra as separava das outras crianças: pobreza.” 
E Terena continua sua carta:
“Um dia me chamaram de “japonês”. Decidi adotar essa identidade. E fiz isso por 14 anos.” 
Foi passando por japonês que Marcos Terena conseguiu estudar, entrar para a FAB, aprender a pilotar. Veio para Brasília. Deixou de ser japonês para voltar a ser índio. Ai descobriu que era “tutelado”. Mais: como tinha estudo, começou a explicar a lei para seus companheiros de selva. “Expliquei – diz ele – e fui acorrentado. Pelos índios, como irmãos. Pela Funai, como subversivo da ordem e dos costumes”. Veio o drama: continuar sendo branco-japonês e exercer sua profissão de piloto, ou voltar a ser índio, mesmo sendo subversivo. Marcos Terena era o próprio filho pródigo. Sabia ler, escrever, analisar o mundo, entender outras línguas. Mas, como índio, recebeu um castigo dos tutores da Funai: não podia exercer sua profissão, pilotar. Só depois de muita luta, recebeu seu brevê do Ministério da Aeronáutica. A carta de Terena ao JB continua. É linda. Uma lição! Quando publicada, mereceu uma crônica especial da Acadêmica Rachel de Queiroz.
E Terena, ao concluir sua carta, lembrou ao jornalista: “Não guardo rancores pela nota. Foi mais uma oportunidade de fazer valer a nossa voz como índio. Gostaria apenas que o jornalista inteirasse dessas informações todas e soubesse de minha vontade em tê-lo como amigo”. 
Respeitado por índios e brancos, sulmatogrossense de Taunay, Marcos Terena, 66 anos, maior líder do Movimento Indigenista Brasileiro – é um exemplo. Seu nome, sua obra e sua luta se confundem com a própria natureza: rica, dadivosa, exuberante, amiga e fiel.
CINCO BRANCOS E CINCO ÍNDIOS DE VALOR
1 – CINCO HOMENS BRANCOS QUE SOUBERAM OU SABEM VALORIZAR A CULTURA INDIGENISTA?
TERENA – O Marechal Cândido Rondon, o antropólogo Darcy Ribeiro, o escritor Antônio Callado, o cantor Milton Nascimento e o sertanista Orlando Villas Boas.
2 – QUAIS OS CINCO ÍNDIOS MAIS IMPORTANTES NA HISTÓRIA BRASILEIRA?
TERENA – Cacique Cunhambebe, da Conferência dos Tamoios; Cacique Mário Juruna, dos Xavantes; Cacique Raoni, dos Txucarramãe, Cacique Quitéria Pankararue; e Cacique Marcolino Lili, dos Terena.
3 – A POLÍTICA É UMA ARMA PARA SE FAZER JUSTIÇA OU UM CAMINHO MAIS FÁCIL PARA ENCOBRIR INJUSTIÇAS?
TERENA – O poder legislativo é um pêndulo necessário entre os três poderes. Mas a única participação que tivemos foi do Deputado Mario Juruna, eleito pelo voto do RJ. O ideal seria assegurar algumas cadeiras no Senado e na Câmara aos diversos setores sociais, como uma verdadeira “assembleia do povo brasileiro” e não somente aos sindicatos organizados ou aos cartéis dos ricos e poderosos.
POPULAÇÃO INDÍGENA HOJE
4 – NAS SUAS CONTAS, QUAL A POPULAÇÃO INDÍGENA HOJE NO BRASIL?
TERENA –  Já fomos mais de 5 milhões, com 900 povos. Hoje estamos em fase de reorganização e crescimento já beirando os 530 mil em aldeias, e depois dos eventos nacionais e internacionais de afirmação outros 500 mil em centros urbanos, com mais de 300 sociedades e 200 línguas vivas em todo o Brasil.
5 – AS MISSÕES RELIGIOSAS QUE ATUAM NAS ÁREAS INDÍGENAS SÃO BOAS OU RUINS?
TERENA – As missões religiosas sempre foram a parte a abençoar os primeiros contatos com os indígenas. Elas foram criadas para gerenciar os mandamentos bíblicos e cristãos, mas no caso indígena cometeram um grande pecado. Consideraram os índios como pecadores e sem almas por não usarem roupas e não terem a mesma fé dos brancos. Isso foi ruim pois sempre respeitamos de forma sagrado o Grande Espírito.
6 – OS ÍNDIOS JÁ SERVIRAM COMO MARKETING PARA OS PORTUGUESES (MOTIVO DE FINANCIAMENTO DE NOVAS EXPEDIÇÕES, POIS O MUNDO CATÓLICO TINHA QUE SALVAR ALMAS) JÁ SERVIRAM COMO MARKETING PARA CANTORES DE ROCK, PARA ONGS, PARA CANDIDATOS E PARA GOVERNOS. ÍNDIO É UM BOM MARKETING?
TERENA – Índio é uma marca muito boa, porque índio é terra, é ecologia, é bem viver. Isso não foi usado só por artistas da mídia, mas por fabricantes de joias, de produtos de beleza, de comida e medicina alternativas. Geralmente isso não traz nenhum retorno para nossa causa, basta ver o descaso como a Funai é tratada dentro do Governo e, com ela, os índios.
7 – QUEM PENSA GRANDE E QUEM PENSA PEQUENO NA FUNAI?
TERENA – Os índios pensam de forma ampla porque pensam nas suas terras, nos seus ecossistemas como fonte para o futuro do país. Em compensação os últimos presidentes da Funai foram passivos, paternalistas e incompetentes para a promoção dos valores indígenas e da própria instituição como empoderamento étnico, institucional e fonte de respostas para o País e para o mundo.
SONHO: DEMARCAÇÃO E CÁTEDRA ÍNDÍGENA
8 – JURUNA FOI UM LÍDER ELEITO PELO HOMEM BRANCO. VALEU, PARA OS ÍNDIOS, ESSA EXPERIÊNCIA PARLAMENTAR?
TERENA – A lembrança de Mário Juruna é um marco na história dos Povos Indígenas. Como Cacique foi o maior dos últimos tempos, sendo respeitado pelas autoridades brasileiras por sua forma de ser, mas como Parlamentar não foi bem assim. Houve falta de assessoria suficientemente hábil, para sua reeleição por exemplo, para abrir portas para novos valores indígenas, até hoje…
9 – QUAL O GRANDE SONHO DA FAMÍLIA INDIGENISTA PARA O ANO 2020?
TERENA – A demarcação de todas as terras. Cumprir a Constituição e não rasgá-la como querem alguns parlamentares como a bancada ruralista; eleger o maior número de vereadores e prefeitos índios; criar uma Cátedra Indígena com um perfil de Universidade Intercultural, e transformar a Funai num Ministério do Índio, e inovar nas relações com os poderes públicos, nomeando indígenas para esses cargos, pois eles existem.
10 – RELIGIÃO: O HOMEM BRANCO NÃO RESOLVEU SEUS PROBLEMAS COM A RELIGIÃO QUE TEM, MAS ACHA QUE DEVE LEVAR SUA RELIGIÃO PARA OS ÍNDIOS. O QUE ACHA DISSO?
TERENA – Os índios creem em Deus, o grande Criador. Muitas aldeias já aderiram aos costumes cristãos, tendo inclusive pastores e sacerdotes indígenas, que rezam e cantam na língua nativa. Acho que acima de tudo, Deus tem um plano para os índios. Ajudar o homem branco a conhecer o verdadeiro Deus, que fez os céus, a terra e a água, onde estão as fontes de sabedoria, de respeito às crianças e aos velhos, e dos alimentos e medicamentos do futuro. Lamentamos muito que em nome da Paz e do seu Deus, o homem branco continue matando.
11 – O QUE O ÍNDIO ESPERA DA CIVILIZAÇÃO, DO HOMEM BRANCO DE HOJE?
TERENA – Na verdade, agora estamos mais especializados em assuntos do branco, percebemos uma grande carência de metas e ideais que não dependem apenas de dinheiro ou poder. A sociedade do novo Milênio se perdeu entre as novas tecnologias e está gerando uma sociedade sem velhos e jovens, onde a Mulher por ser Mulher, poderá ser o equilíbrio, a tábua de salvação dos valores sociais, interétnicos, econômicos e religiosos. Um governo que defende o armamento de sua sociedade não está a favor do bem estar de seu Povo e sim dos interesses das indústrias de armas e guerras. O índio brasileiro não aceita ser parte da pobreza, mas quer mostrar que podemos ajudar, contribuir, mas dentro de um respeito mútuo.
“POSSO SER O QUE VOCÊ É, SEM DEIXAR DE SER QUEM SOU!”
12 – SUA LUTA É PROVAR QUE A DIFERENÇA CULTURAL É FATOR DE DISCRIMINAÇÃO QUANDO DEVERIA SER FATOR DE UNIÃO PELA PLURALIDADE ÉTNICA. VOCÊ CONSEGUE PASSAR ESSA MENSAGEM?
TERENA – Eu tive oportunidade de nascer em uma pequena aldeia, de estudar sem qualquer apoio ou cotas, e mesmo com a discriminação poder chegar a fazer um curso de aviadores na FAB. Aprendi muito com os valores militares. Tenho uma profissão rara, que é pilotar aviões. Outros índios não tiveram essa oportunidade. Muitos cansados, desiludidos voltaram para suas Aldeias para formar um novo espírito de lideranças tradicionais, religiosas e políticas. Mas no novo Milênio é impossível aceitar quaisquer argumentos que nos isolem das oportunidades, por isso quando começamos o movimento indígena nos anos 80, buscamos aliados para trocas de ideias dos nossos valores e da sociedade como um todo, organizando os índios, debatendo com mestres da Antropologia, da CNBB, da OAB, da SBPC, envolvendo artistas e personalidades – tudo isso ajudou a sermos melhores compreendidos. Ajudou-nos a levar uma nova mensagem aos brasileiros: “Posso ser o que você é, sem deixar de ser quem sou!”
CULTURA FORTE, MAS ECONOMIA FORTE
13 – OS ÍNDIOS PARECIS SÃO HOJE GRANDE PRODUTORES RURAIS. FAZEM DUAS SAFRAS POR ANO DE SOJA, MILHO, GIRASSOL E OUTROS PRODUTOS. TRÊS MIL ÍNDIOS FAZEM MAIS DE R$ 50 MILHÕES COM O AGRONEGÓCIO. TEM ÍNDIO PILOTO DE COLHEITADEIRA, AGRÔNOMO E TEM ÍNDIO ESPECIALISTA EM MERCADO. FUNAI E IBAMA CRIAM TODAS AS DIFICULDADES BUROCRÁTICAS A ELES. O QUE VOCÊ ACHA DISSO?
TERENA – Temos que olhar com desconfiança tudo que é mágico. Se todos os agricultores fossem plantar soja para ficarem ricos, não haveria pobreza e fazendeiros endividados com bancos e credores. Teríamos condições de plantar soja, mas também seguir os princípios indígenas de gerar a segurança alimentar familiar. O Agronegócio não funciona assim. Por outro lado, os irmãos indígenas estão se empenhando em fazer a sua parte, que é demonstrar sua inteligência no manejo com a terra e sua força de trabalho. Ainda não sabemos como foram feitos os acordos financeiros das partes envolvidas.
14 – VOCÊ ACHA QUE O GOVERNO ESTÁ MEIO INDECISO?
TERENA – O Ministério da Agricultura do governo Bolsonaro tem demonstrado sua contradição interna. Alguns assessores de alto nível emitem sons de discriminação histórica e até de ódio. Então como acreditar fielmente que esse Ministério é um aliado. Seria um marketing ou seria a reformulação do Anhanguera quando mentiu para os antigos donos dessas terras, ao ameaçar por fogo em todos os rios, ao acender um fogo com aguardente? O mais estranho é que os órgãos de fiscalização e controle e defesa dos povos indígenas como a FUNAI e o IBAMA, estão sendo descontruídos como tais, mas felizmente isso não acontece com o Ministério Público Federal, que certamente dará um norte nos encaminhamentos futuro.
De toda forma, sempre defendo a livre determinação dos Povos Indígenas, a começar pela demarcação territorial, com cultura forte, mas economia forte também.
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Entrevistas

Guillermo Planas Roca – Entrevista sobre a energia eólica

Brasil começa a diversificar sua matriz energética e busca a sustentabilidade

Publicado

em

Energia: a força dos ventos

Silvestre Gorgulho

Os moinhos de ventos são conhecidíssimos. Desde o século V eles eram usados para bombear água e moer grãos. E agora, também, para gerar eletricidade. O sonho ambiental é ambicioso e o jogo, daqui para frente, vai ser pesado. Segundo técnicos do Greenpeace, a energia do vento, ou eólica, pode garantir 10 por cento das necessidades mundiais de eletricidade até o ano 2020. Mais ainda: deve criar 1,7 milhão de novos empregos e reduzir a emissão global de dióxido de carbono na atmosfera em mais de 10 bilhões de toneladas. Hoje, há uma convicção generalizada: o Protocolo de Kioto decretou o fim do uso dos combustíveis fósseis. Agora, governos e empresas não têm outra alternativa do que investir em tecnologias limpas e fontes energéticas renováveis. Está aí a força da energia do vento e dos biocombustíveis.

O Brasil tem sua matriz energética baseada nas hidroelétricas. As barragens brasileiras produzem cerca de 70 mil MV. Mas tem que diversificar esta matriz, para evitar o fantasma do apagão e caminhar em direção à sustentabilidade. Para a construção de novas hidroelétricas, como as do rio Madeira e do Xingu, a polêmica aumenta. Para a energia proveniente de termoelétricas de petróleo, carvão, gás ou nuclear, nem se fala. O jeito é contemplar fontes renováveis, mais atraentes para os ambientalistas, como a eólica e a energia solar.
O Rio Grande do Sul acaba de ganhar uma central de produção de energia do vento, com a mais avançada tecnologia: os Parques Eólicos de Osório. Este é o maior projeto de energia eólica da América Latina, que coloca o Brasil no mapa mun-dial do desenvolvimento sustentável. Subdividido em três parques – Osório, Sangradouro e Índios – o empreendimento, que passou a operar em sua integralidade em janeiro de 2007, tem um total de 75 aeroge-radores e uma potência instalada de 150 MW, capaz de produzir 425 milhões de kw/h por ano de energia – o suficiente para abastecer anualmente o consumo residencial de cerca de 650 mil pessoas. É metade de Porto Alegre.
O projeto gaúcho de R$ 670 milhões começou há cinco anos e tem como sócio majoritário o grupo espanhol Elecnor, através de sua subsidiária Enerfin Enervento, responsável por cerca de 1500 MW de energia eólica no mundo.
Para falar sobre o projeto e o futuro da energia dos ventos, no mundo, entrevistamos o diretor-geral da Enerfin Enervento, o espanhol Guillermo Planas Roca.

A energia eólica é produzida pela transformação
da energia cinética dos ventos em energia elétrica,
que é realizada através de um aerogerador.

GUILLERMO PLANAS ROCA – ENTREVISTA

Guilhermo Roca: “Estudamos  outros investimentos

tanto  na área de energia eólica como, também,

na área dos biocombustíveis”.

Folha do Meio – O que levou o grupo espanhol Elecnor implantar o maior parque eólico da América Latina no Brasil?
Guilhermo Roca
– Foram vários fatores. Primeiro, o incentivo do governo através do Proinfa [Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia]. Depois, acreditamos no trabalho desenvolvido pela ministra Dilma Roussef na re-gulamentação do programa, aliado à demonstração de solidez dos governos federal e gaúcho. O então governador Germano Rigotto passou para os investidores muita segurança e seriedade. Tem ainda um componente técnico importante: O Rio Grande do Sul comprovou que possui boas condições de vento para produção de energia eólica, principalmente nas regiões litorâneas. Foram estas conjunções de  fatores, inclusive uma parceria com o município de Osório, que abriu condições para a implantação do projeto. Tornamos realidade um empreendimento do porte do Parque de Osório, com 150 MW
instalados.

FMA – A energia eólica tem suas vantagens ecológicas? Mas, no Brasil, dada a força das hidroelétricas, ela tem vantagens no custo benefício de implantação?
Guilhermo –
De fato é uma energia limpa que respeita o meio ambiente. No caso do Brasil, devido ao comportamento dos regimes de vento e chuvas anuais, esta energia é complementar com a energia hídrica, o que permite poupar reservatórios de água em épocas de seca, como o
acontecido no ano passado na região sul.
O recurso eólico está espa-lhado por uma infinidade de regiões no mundo e isto facilita a diversificação geográfica da geração onde for necessária. Na verdade, é uma excelente alternativa às energias não-re-nováveis e às grandes centrais hidroelétricas.

FMA – Mesmo assim, existe um impacto ambiental?
Guilhermo –
O impacto ambiental de um projeto de
energia eólica é praticamente nulo, se comparado à implantação de uma usina hidrelétrica ou termelétrica. E tem mais. Sua instalação é completamente reversível. Os Parques Eólicos de Osório respeitam a fauna e a flora dos campos onde foram instalados, preservando, ainda, as atividades produtivas da região. O processo de ge-ração de energia eólica é inteiramente limpo, isento de contaminações e de resíduos radioativos. Não emite gases poluentes, causadores do chamado efeito estufa, responsável pelo aquecimento global. A energia gerada através do vento evita o consumo de ou-tros recursos naturais não re-nováveis e mais poluentes.

FMA – Em tempos tão difíceis para o licenciamento ambiental, como os Parques Eólicos de
Osório conseguiram atender a todas as exigências ambientais?
Guilhermo
– O projeto, que foi pioneiro na obtenção das respectivas licenças junto à FEPAM que é o órgão responsável pelo licenciamento am-
biental no Rio Grande do Sul,  teve sua implantação precedida de quatro anos de rigorosos estudos ambientais. Foi inclusive precursor, no Brasil, com estudos desta profundidade e complexidade.
Os resultados estão servindo de fonte de consulta para a FEPAM e para novos projetos na área eólica. Uma equipe de oito mestres e doutores em meio ambiente trabalhou continuamente, desde 2002, tendo o monitoramento ambiental prosseguido durante o período de implantação do parque eólico, ocorrida entre outubro de 2005 a dezembro de 2006.

FMA – Depois da entrada em operação dos parques, há cinco meses, o monitoramento ambiental continua?
Guilhermo
– Continua sim. E continua sempre muito rigoroso. Agora com ênfase no estudo do comportamento das aves e morcegos e análise do ruído na região após a implantação dos aerogeradores. E isto é muito importante para nós, como  empresa,  para  o  estado do Rio Grande do Sul e, evidentemente, para o Brasil. É sempre uma referência para novos projetos.

O modelo E-70 mede 135 metros de altura,  pesa quase 1.000 ton e produz 2MW de potência.

 No chão, o tamanho de uma hélice: só a pá mede 35 metros

FMA – Os parques foram enquadrados no processo MDL para obterem créditos de carbono?
Guilhermo
– Olha, a  ONU registrou o projeto dos parques eólicos como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, em dezembro de 2006. Isto porque é um projeto bem caracterizado por ser dirigido por empresas européias e que demonstra contribuir para o desenvolvimento sustentável. O projeto vai evitar a emissão na atmosfera de 148.325 toneladas de CO2 anuais e evitará a queima de uns 236.000 barris de petróleo ao ano.

FMA – Em matéria de tecnologia, o projeto de Osório tem tecnologia de ponta ou é uma média?
Guilhermo
– Ah, isso é importante dizer. Os Parques Eólicos de Osório foram um dos primeiros no mundo a implantar aerogeradores de 2MW de potência, fabricados no Brasil. Fabricados e instalados pela empresa alemã Enercon GmbH, atraves da sua subsidiária Wobben Windpower, com sede em Sorocaba, São Paulo.
A Enercon é um dos líderes mundiais em tecnologia eólica de ponta, e os aerogeradores instalados em Osório, o modelo E-70, são reconhecidos internacionalmente como um dos mais avançados na atualidade.
Tecnicamente eu poderia dizer que o modelo E-70 mede 135 metros de altura e pesa quase 1.000 toneladas. Os aerogeradores de Osório contam com gerador síncrono e um gabinete de eletrônica para manter em cada instante a relação entre a velocidade de giro das pás e a velocidade do gerador. Isto os diferencia de outros modelos convencionais que precisam de um sistema de engrenagens.
Um detalhe importante é que a pá utilizada no empreendimento mede 35 metros e é ângulo de passo variável, o que permite melhorar automaticamente o ângulo de incidência do vento sobre o rotor e aproveitar ao máximo a intensidade dos ventos da região.

FMA – Podemos dizer que o Brasil entrou de vez, no mapa mundial do desenvolvimento de energia renovável?
Guilhermo
– Podemos ir até além, porque a matriz brasileira de energia já é renovável com as hidroelétricas. Agora o Brasil dá outro passo importante, pois usa a energia eólica que é renovável e causa muito menos impacto ambiental. Assim caminham as nações desenvolvidas.
Queria destacar outra coisa. O Rio Grande do Sul, pelo que aprendi, tem forte história no movimento ambientalista brasileiro. E agora, ele se apresenta como o primeiro estado a investir forte na energia eólica, mostrando mais sensibilidade social e de sustentabilidade. Ou seja, o Rio Grande avança nesta linha do desenvolvimento sustentável, pois este empreendimento traz largos benefícios nas áreas de infra-estrutura, com a diversificação da matriz energética brasileira. Traz benefícios tecnológicos, sociais e ambientais. Acima de tudo, benefícios ambientais globais, por ser um processo limpo de produção de energia renovável sem emissão de ga-ses do efeito estufa.

FMA – Este projeto tem algum significado especial para seu grupo?
Guilhermo
– Em âmbito internacional, o projeto de Osório é um dos mais importantes para nosso grupo. Veja que aqui temos 150 MW instalados. Isto equivale a uma hidroelétrica maior do que Corumbá 4, recentemente inaugurada.
Como lhe disse, a Elecnor é hoje um dos principais grupos espanhóis na área de promoção e gestão integral de projetos e desenvolvimento de infra-estrutura. A Elecnor é sócia majoritária dos Parques Eólicos de Osório, através de sua subsidiária Enerfin Enervento, que tem como objeto impulsionar a atividade na área de energias renováveis.
Podemos dizer que durante seus quase 10 anos de trajetória, a Enerfin adquiriu grande experiência em promoção e exploração de parques eólicos. Atualmente, possui 650 MW em operação e mais de 1.500 MW em desenvolvimento pelo mundo. Isto é igual a uma Hidroelétrica do tama-nho de Paulo Afonso.

FMA – O investimento é integralmente privado?
Guilhermo
– Posso lhe di-zer que trata-se de um investimento de capital inteiramente privado. R mais ainda: não especulativo, gerador de infra-estrutura e que veio para ficar. Ele está enquadrado nas exigências do Proinfa [Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de
Energia]. O investimento total é de R$ 670 milhões, tendo o
BNDES financiado R$ 465 mi-lhões, através de um consórcio entre o ABN Amro Real, Banco do Brasil, Banrisul, BRDE, Caixa RS e Santander. O restante foi investido pelo Grupo Elecnor.

FMA – Há planos para novos parques eólicos? Existe vontade de investir em bio-combustíveis?
Guilhermo
– A área de Osório permite a possibilidade de ampliar a capacidade instalada destes parques. Mas esta é uma ação a ser desenvolvida no futuro. Mas, quando a gente entra com um empreendimento deste tamanho num país, não pode ficar alheio a outras oportunidades. Evidente que a empresa estuda outros investimentos tanto  na área de energia como nos biocombustíveis.

FMA – Qual a próxima ação?
Guilhermo
–  Já estamos estudando uma próxima ação. O Grupo Elecnor prevê, ainda no setor eólico, a construção de um Parque Eólico em Palmares do Sul, também no Rio Grande, até 2008.

O processo de geração de energia eólica é inteiramente limpo,

isento de contaminações. Não emite gases poluentes,

 causadores do chamado efeito estufa, responsável pelo aquecimento global.

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Entrevistas

Arne Sucksdorff – Uma vida dividida

A última entrevista

Publicado

em

Arne Sucksdorff – Uma vida dividida

A última entrevista dada por Arne Sucksdorff foi para o jornalista Silvestre Gorgulho, da Folha do Meio Ambiente, em abril de 1999. Logo depois ficou doente e morreu em julho de 2001.

Silvestre Gorgulho
Arne Sucksdorff, uma legenda do cinema e um dos pioneiros no movimento pela ecologia no mundo, tem uma história de vida fantástica e que a nova geração brasileira não conhece. Sucksdorff nasceu em Estocolmo, Suécia, em 1917, escreveu livros, roteiros, fotografou, dirigiu e produziu 15 filmes de longa-metragem e vários de curta-metragem. Mais do que um apaixonado pelo que faz, Arne foi um gênio que soube fazer. Com o documentário “Ritmo da Cidade”, ganhou o Oscar da Academia Americana de Cinema. Ganhou, ainda, a Palma de Ouro do Festival de Cannes com o filme “A Grande Aventura” e o Festival de Veneza com o filme “O Vento e o Rio”. Chegou ao Rio de Janeiro em 1962 para dar um curso de cinema para jovens brasileiros: eram seus alunos, Vladimir Herzog, Nelson Pereira dos Santos, Eduardo Escorel, Luiz Carlos Saldanha, Arnaldo Jabor, Joaquim Pedro de Andrade e até um nordestino que acabou sendo mais artista que cineasta, José Wilker. Mas algo não estava no roteiro e entrou no script, dividindo para sempre a vida de Arne Sucksdorff: sua paixão pelo Brasil. Fascinado pela natureza, do Rio de Janeiro resolveu conhecer e fotografar o Pantanal matogrossense. Nova paixão à primeira vista: no Pantanal morou durante 30 anos e lá escreveu, filmou fotografou, casou, teve filhos. Seu livro “Pantanal, um Paraíso Perdido” encantou o mundo. E hoje, véspera do Ano 2.000, nem o Brasil esqueceu Arne e nem Arne esqueceu o Brasil. O cineasta mineiro Fernando Carmargos acaba de colocar o ponto final em um belo filme sobre Arne Sucksdorff chamado “Uma Vida Dividida”. Já está acertado que o filme será mostrado no Festival de Cannes e de Estocolmo; E Arne acaba de anunciar um novo projeto para o Brasil, a criação da Fundação São Francisco de Assis, com a qual pretende voltar ao Pantanal para salvar índios, meninos de rua e as selvas brasileiras. São os planos de Arne – o Viking que conquistou e foi conquistado pelo Brasil – que o amigo leitor vai conhecer agora.

O senhor é respeitado pelo seu trabalho, já ganhou o Oscar de Hollywood, foi premiado em Cannes, Veneza, Nova York, Vaticano, Moscou, Berlim. O senhor é um homem realizado?
Arne –
Com 83 anos, ainda estou à beira de entrar nas missões mais exigentes da minha vida. Tenho muitos planos e sonhos. Quero salvar os meninos de rua, quero salvar os índios e quero salvar as florestas. Esta nova geração não me conhece, mas quem tem uma certa idade lembra dos meus filmes, livros e fotos. Com 20 anos, no início da Segunda Guerra Mundial, eu já tinha feito uma série de filmes de curta metragem que chamou a atenção internacional. Mas ainda tenho muito o que fazer. E tudo que quero fazer, o principal está no Brasil.

Para o Sr qual foi seu melhor filme?
Arne –
Ah, prá mim e muitos outros foi MITT HEM ÄR COPACABANA. Um filme sobre os meninos de rua do Rio de Janeiro, feito em 1962.

Depois de morar aqui 30 anos, o sr voltou para a Suécia em 1988. Como ficou sua relação com o Brasil?
Arne –
Hoje o Brasil – Mato Grosso, Pantanal e as selvas – são mais a minha terra que a Suécia. Quando puder andar bem sem as muletas, vou voltar para o Brasil para realizar o maior projeto da minha vida: salvar índios, meninos de rua e a floresta com a ajuda de uma silvicultura sã para o meio ambiente.

Mas antes de falar de seus planos, conta para gente porque o sr, um homem de sucesso, deixou a Suécia em 62?
Arne –
Isso foi depois do fiasco econômico com o filme POJKEN OCH TRÄDET, onde as únicas coisas boas foram o ator Tomas Bolme e a música de Quincy Jones. A “esquerda doida”, que tinha uma conjuntura bem forte, me carimbou como um reacionário anti-social. Todo mundo acha que os fascistas representavam a extrema direita, quando na verdade – exatamente como os nazistas – são socialistas na extrema esquerda. Comunistas e fascistas são crianças com a mesma alma e são os piores coveiros para a Democracia. Foi a maior razão que eu deixei a Suécia em 62 e emigrei para a Sardenha, na Itália. Nesse tempo recebi um convite da UNESCO e do Itamaraty para dar um curso de cinema no Rio. O curso, que era de poucos vezes, me segurou por aqui mais de 30 anos.

Sua vinda para o Brasil foi um divisor de água para o Cinema Brasileiro. Quem foram seus alunos?
Arne –
Conhecer o Brasil, foi um atalho feliz em minha vida. Como cineasta e como defensor da natureza. Tive muitos alunos e guardo muitas saudades de todos eles. Mais do que alunos, foram grandes amigos. Joaquim Pedro de Andrade, Arnaldo Jabor, Nelson Pereira dos Santos, Vladimir Herzog, Escorel, Saldanha.

E como nasceu sua paixão pelo Pantanal?
Arne –
Depois do curso no Rio, resolvi fazer fotos e filmes sobre o Pantanal. Nunca esqueço meu primeiro contato. Foi em 66. A sensação era como se eu tivesse chegado ao Jardim de Deus. Um parque zoológico natural. Tinha vida em cada lugar que eu pisava. Na beira do rio tinha jacarés tomando sol. De repente passava um bando de araras como uma rajada. Na planície os veados, capivaras e emas se misturavam ao gado zebu. Os abutres revelavam onde a vítima estava escondida. A onça pintada deixava os traços de sua pata redonda. Pássaros de todos os tipo. Uma maravilha e um drama em cada lugar!

E por quanto tempo o sr viveu essa experiência?
Arne – Foi uma experiência fantástica. Durante dois anos vivi como índio, da caça e da pesca. Foi muito interessante como o homem pode ter a experiência de viver em harmonia com a natureza e feliz sem a bênção da civilização. Não senti nem falta da música clássica, que eu gosto tanto. Isso me faz lembrar um lema antigo na Suécia, “é preferido caminhar livre nos terrenos desertos, do que estar na cadeira confortável recebendo comida dos outros”. Quanto mais eu amava o Pantanal, com mais intensidade eu me engajava contra a destruição que ameaça este paraíso.

E de onde vinha esta destruição?
Arne –
Além da terrível caça e pesca predatórias, da queima da floresta, as cidades e as fazendas crescem pelo quatro cantos do Pantanal. Nenhuma das cidades tem instalações para tratamento de esgoto. E os esgotos vão diretamente para os rios que abastecem o Pantanal. É a mesma coisa com os agrotóxicos usados na agricultura. Era comum ver lagoas esbranquiçadas, tantos eram os peixes mortos boiando com ventre para cima. Quando pássaros e outros animais comem os peixes contaminados, os venenos se espalham na corrente alimentícia. O mercúrio produzido na lavagem de outro e a poluição industrial tornam a situação ainda mais sombria.

Como o sr vê a construção da Hidrovia no Pantanal?
Arne –
O projeto da Hidrovia é muito caro, mas sou contra porque os rios que vêm do norte deverão ser dragados e alargados para se tornarem navegáveis e serem utilizados no transporte de cargas. Para que se tornem navegáveis e as rotas mais curtas, muitas curvas serão cortadas. Isso pode trazer a erosão, o desmatamento da mata ciliar. Tanta violência contra a natureza me faz lembrar o entomologista Ivar Trädgardh: “O homem precisa aprender como as malhas seguem no tecido da vida, antes que ele comece a desfiá-las”.

O sr fala do Pantanal e do Brasil como se ainda tivesse planos para eles?
Arne –
E tenho. Com 30 anos de vivência na selva e no Pantanal, estou criando a Fundação São Francisco de Assis, que entre outras coisas tem o objetivo de determinar como estas regiões ricas podem ser exploradas sem a destruição da natureza. Para mim, arrumar e cuidar da casa dos seres humanos de uma maneira digna é uma questão humanitária.

Mas antes de falar de seus planos, como foi sua volta para a Suécia depois de morar esses 30 anos no Brasil?
Arne –
Quando eu voltei para a Suécia, em 1988, eu estava pobre como um mendigo. Estava muito abatido com derrotas e acidentes. Maria, minha esposa e mãe dos meus filhos Cláudio e Anders, pequenos na época, sofreu uma doença mental devido a um trauma de infância. Além disso eu sofri um acidente de carro que quase me custou a vida. Em março do ano passado sofri uma fratura no fêmur. Quem não conhece o que é dor antes, conhece depois. Tudo isso acabou com minhas finanças. Mas tão logo eu largue estas muletas, volto ao Brasil para realizar o maior projeto de minha vida: salvar os índios e os meninos de rua, utilizando uma silvicultura sã para o meio ambiente.

O sr acha que encontrará apoio para seus projetos?
Arne –
Acredito que sim. Sempre tive apoio da imprensa brasileira que me apelidou de “O Viking da Selva”. Também o Ministério das Relações Exteriores do Brasil sempre me apoiou. Recebi, há pouco, uma carta do Chanceler brasileiro. Foi uma carta de agradecimento, dizendo que minha luta foi um exemplo de pioneirismo e minha coragem foi importante para salvar os Parques e ajudar na elaboração de leis que protegessem a natureza. Terei apoio do Banco Mundial e também dos muitos amigos que fiz pelo mundo, especialmente aqui na Suécia. O rei e a rainha já me garantiram seu apoio.

E o sr ainda tem forças para levar em frente tantos planos?
Arne –
Sou um perfeccionista idealista. A vida parece curta demais para se ocupar apenas de coisas que estão na média. Às vezes me acusam de ser um sonhador irrealista. Mas estou com o escritor sueco Ivar Johansson quando ele diz que o homem não está onde estão seus pés, mas onde estão seus sonhos. Quando eu tinha 7 anos, sonhei que era um índio. E já vivi com os índios. Quando tinha 9 anos sonhava em caçar tigres que comem homens. Também já fiz isso. Mulheres lindas também nunca faltaram em minha vida. E quem não sonha em ficar independente economicamente? Também vou ficar. Olha uma coisa. Trabalho como cidadão do mundo e meu lema é para quem segue sempre sua consciência, a vida nunca é vazia e sem sentido.

Conta, então, qual é seu projeto?
Arne –
Meu plano é comprar uma grande fazenda de gado no Pantanal e lá montar um competente centro de pesquisas e demonstrações. Junto ao centro vou construir umas duas vilas ecológicas, para menino de rua, equipadas com escolas e assistência médica. A natureza exuberante é saudável para o corpo e a alma, portanto é o melhor lugar para recuperação. A verdade é que nas grandes cidades, como Cuiabá, os meninos de rua convivem com os riscos e acabam se afundando na prostituição e drogas. São presas fáceis para os traficantes.

E como realizar esse sonho?
Arne –
Você quer saber onde vou arrumar o dinheiro? Lógico, preciso de muito dinheiro. Mas veja só, há 26 anos eu fui dono de 63 mil hectares de floresta no Mato Grosso. Em 71, durante a ditadura, essa terra foi confiscada, apesar de ter sido uma medida contra a Constituição. Por isso entrei com um processo no Supremo Tribunal de Justiça. Agora, tudo indica que vou receber uma indenização muito grande. Suficiente para realizar esse projeto. E como disse, tenho quase certeza que o Rei e a Rainha da Suécia vão ser os patrocinadores da Fundação São Francisco de Assis que vou criar.

E como vai funcionar esta Fundação?
Arne –
Bem, é o que disse. Vou comprar uma fazenda no Pantanal e criar esta Fundação para administrar o projeto. Quero recuperar os meninos de rua, ajudar os índios e fazer todo um trabalho de preservação da natureza, com pesquisas e demonstrações agronômicas. Quero introduzir espécies de árvores no Pantanal, como o Leucena que não espalha raízes horizontalmente, mas penetram verticalmente na terra. Assim a Leucena é ideal para diminuir e parar a erosão na beira dos rios.

E esta Fundação terá outras finalidades?
Arne –
Além destes trabalhos agronômicos, quero que ela dedique muito à educação. Tão importante quanto criar oportunidades para quem está excluído da sociedade é conscientizar e educar. Mostrar o valor da Cidadania. Tanto para quem vive nas cidades e como nos campos.

Alguma mensagem aos brasileiros?
Arne –
Primeiro, pela Folha do Meio Ambiente, quero dizer que a natureza é o sorriso de Deus, um raio de luz na escuridão dos seres humanos. Quando eu era pequeno, tinha um professor de matemática que todos os alunos adoravam. E ele iniciava cada aula, lembrando o seguinte: “Pensar é bom. Pensar certo é melhor. Pensar grande é melhor ainda”. Temos que pensar e agir com amor, ter a verdade como arma e não esmorecer nunca. Cada um tem que cumprir bem sua missão e os governantes têm que cumprir as missões suas pessoais e as missões para as quais foram eleitos. Se Fernando Henrique Cardoso cumprir suas missões, como cidadão e como Presidente da República, também conseguir que cada brasileiro cumpra seus deveres e todos paguem seus impostos, a situação brasileira vai melhorar significativamente. Se o governador Dante de Oliveira me ajudar, eu mesmo vou cuidar para que o Mato Grosso não tenha mais meninos de rua e que esse Estado se torne um modelo para os outros. Mas tudo depende de pensar certo e grande. É como eu disse, para quem segue sua consciência, a vida nunca é vazia e sem sentido. Meus amigos, só os peixes mortos se vão pelas correntezas dos rios.

 

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