Entrevistas

Sônia Rigueira – Entrevista sobre as Libélulas

Libélulas – Os insetos especialistas na arte de voar

 


Libélulas – Os insetos especialistas na arte de voar


Silvestre Gorgulho, de Brasília


A natureza em equilíbrio é um complexo jogo de forças, de interesses e de visibilidade. No meio desta complexa luta pela sobrevivência e pelo equilíbrio, reina o Ser humano. É ele que, com sua racionalidade e fantástico poder de intervenção, permite interferir terrivelmente nas condições ambientais, elegendo o que parece ser bom ou ruim para sua supremacia. Por exemplo, quando os pesquisadores publicam uma lista da flora e da fauna ameaçadas de extinção, nem todas as pessoas se dão conta de que existem também pequeníssimos animais e desconhecidas plantas que são fundamentais para manter o equilíbrio da vida na Terra. Isso mostra que nem sempre a importância está no tamanho ou na visibilidade. Assim, existem muitos insetos, como as abelhas e as borboletas, essenciais na reprodução das espécies vegetais pelo milagre da polinização, e que também estão ameaçados de extinção. As libélulas não participam do processo de polinização, pois são insetos predadores e não buscam o pólen e néctar ofertado pelas flores. Mas também estão ameaçadas, apesar da importância que têm para manutenção do equilíbrio ecológico. Enfim, essa erosão genética passa despercebida aos olhos de muita gente. Segundo os biólogos, o Brasil tem umas 680 espécies de libélulas das cerca de 5 mil existentes no mundo. Uma espécie brasileira já é considerada extinta. Daí o esforço de se criar, em Minas Gerais, na serra São José, ao lado do município de Tiradentes, duas unidades de conservação: a Área de Proteção Ambiental São José e o Refúgio Estadual de Vida Silvestre Libélulas da Serra de São José. É esse o tema de nossa conversa com a bióloga Sônia Rigueira, presidente do Instituto Terra Brasilis, que atua ainda nas regiões da Serra da Canastra e da Serra do Espinhaço.






Quem é Sônia Rigueira


Mineira de Belo Horizonte, Sônia Rigueira é bióloga e Mestre em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre pela Universidade Federal de Minas Gerais. Sua vasta experiência vem de um longo trabalho dedicado às questões ambientais como vice-presidente da UICN-União Internacional para a Conservação da Natureza e a várias outras instituições como o IEF-MG, o WWF-US e a Conservation International. Em 1998, juntamente com outros profissionais, fundou o Instituto Terra Brasilis. Desde, então, se dedica com exclusividade ao trabalho e projetos dessa ONG que tem sede em Belo Horizonte e desenvolve pesquisas na serra de São José, na serra da Canastra e na serra do Espinhaço.


Sônia Rigueira – ENTREVISTA


Folha do Meio – Minas criou duas unidades de conservação que é a APA da serra de São José e o Refúgio Estadual de Vida Silvestre Libélulas da Serra de São José. Primeiro vamos falar da serra de São José…
Sônia Rigueira –
A serra de São José está situada na bacia de drenagem do rio das Mortes em terras dos municípios de São João Del Rei, Tiradentes, Santa Cruz de Minas, Prados e Coronel Xavier Chaves. A serra é belíssima e tem um relevo bastante acidentado, afloramentos de arenito quartzítico entremeados pela vegetação nativa. A altitude varia entre 900m e 1.430m.


FMA – Por ali passa a Estrada Real. Qual a história da ocupação desta área?
Sônia –
A história de ocupação desta região data do Brasil Colonial. Início do século XVIII. Em 1702, com a descoberta de veios de ouro junto a serra de São José, começaram a nascer os primeiros arraiais na região. Os vestígios da atividade mineradora ainda podem ser facilmente encontrados. Na região há um acervo histórico-cultural de altíssimo valor e importância. Igrejas, casario colonial, chafarizes, aqueduto, remanescentes da estrada real, fazendas antigas e ruínas de mundéus são também testemunhos da antiga ocupação. Mas o importante, mesmo, o que faz a região da serra de São José única é que existe uma associação muito forte com o valiosíssimo patrimônio natural.







A bacia do rio das Mortes, ao pé da Serra São José, faz parte do Refúgio de Vida Silvestre Libélulas, onde está representado 55,5% das libélulas encontradas em Minas Gerais


FMA – Então explica melhor para gente…
Sônia –
A região tem uma importância inigualável porque a serra encontra-se localizada numa zona de contato entre os domínios da Floresta Atlântica (floresta estacional semidecidual montana) e do Cerrado. Existem aí três ambientes distintos marcadamente importantes: a mata atlântica, o campo rupestre e o cerrado.
Em toda sua face sul, ao longo dos contrafortes da serra de São José, estende-se a mata atlântica, um dos maiores fragmentos remanescentes desta tipologia florestal em toda a região. Na serra propriamente dita, ou na porção de maior altitude, está o campo rupestre, separando os ambientes de Mata Atlântica e Cerrado. Descendo das áreas de maior altitude, formando verdadeiros corredores, temos as matas de galeria que nos levam até as porções mais baixas da face norte, onde está o Cerrado.


FMA – E o que torna a serra de São José um local tão especial?
Sônia –
Justamente a grande variedade de ambientes num espaço de área tão pequena. Em apenas um milésimo da área do Estado, a região da serra de São José guarda uma mostra bastante significativa da biodiversidade brasileira. É considerada como uma das áreas prioritárias para a sua conservação. Essa riqueza e diversidade na vegetação são certamente refletidas na fauna. Temos representados ali, por exemplo, 55,5% das libélulas encontradas em toda Minas Gerais, ou seja, 120 espécies. Aí estão também presentes cerca de 80 espécies de orquídeas, 32 espécies de anfíbios anuros, 242 espécies de aves, e pelo menos 9 espécies de mamíferos que ocorrem na área estão ameaçados de extinção. Tudo isso sem falar na beleza cênica que tem atraído turistas do mundo inteiro


FMA – E o Refúgio de Vida Silvestre Libélulas?
Sônia –
Pois é, as libélulas são parte da outra riqueza da serra de São José. Como eu disse, temos ali representados 55,5% das libélulas encontradas no nosso Estado. Isso corresponde a quase 20% das espécies de libélulas encontradas em todo o Brasil! Estamos falando de um lugar relativamente pequeno e muito especial.
Por tudo isso, para preservar esse patrimônio natural, é que o governo de Minas criou o Refúgio Estadual de Vida Silvestre Libélulas da Serra de São José, que tem apenas uns 3.700 hectares. Vale lembrar que uma das espécies de libélula recém descobertas pelos cientistas ocorre exatamente no córrego do Chafariz, que desde o ano de 1749 fornece água para Tiradentes. Por causa do fornecimento da água aos habitantes, o córrego e sua mata circundante foram mais protegidos que os demais, que sofreram muito com o garimpo durante o Ciclo do Ouro.






Fotos: Werner Piper



Coryphaeshna perrensi



Oxyagrion basale



Telebasis carmesina



Orthemis discolor



Castoraeshna sp


FMA – Existe algum trabalho específico para proteção das libélulas ou simplesmente basta preservar seu habitat?
Sônia –
A nossa principal contribuição é preservar os ambientes aquáticos, como córregos, rios e lagoas naturais. As libélulas são consideradas bons indicadores de qualidade ambiental, o que significa que várias espécies são sensíveis a alterações como represamento de rios, aporte de poluentes, como esgotos domésticos e industriais, assoreamento e desmate das matas galeria, por exemplo. Em alguns casos podemos contribuir com a criação de pequenos ambientes que serão utilizados pelas libélulas, como uma forma de enriquecimento ambiental. Isso pode ser feito em projetos de recuperação de áreas degradadas, por exemplo. Na Europa e no Japão, é comum as pessoas fazerem pequenas lagoas para as libélulas, simplesmente pelo prazer de ter esses insetos por perto.


FMA – Como no caso do turismo de observação de aves, também existem grupos interessados na observação de libélulas?
Sônia –
Vem aumentando o número de estudos científicos, principalmente pelo fato das libélulas serem importantes indicadores da qualidade ambiental.
O brasileiro, em geral, não tem relação cultural em relação às libélulas. No entanto, em países asiáticos, especialmente no Japão, as libélulas têm uma inserção cultural muito forte.
Apenas a título de ilustração, no Japão hoje existem pelo menos 23 unidades de conservação criadas especificamente para a proteção de libélulas.


FMA – O turismo já é uma realidade na região?
Sônia –
Sim, já é uma realidade, por ser tão rico e especial. O turismo é a vocação da região de inserção da serra de São José. O turismo, ou uso público, quando bem planejado, torna-se uma ferramenta importante para as áreas protegidas. Assim, dando início ao processo de implantação das duas unidades de conservação aí presentes, o Instituto Terra Brasilis, que possui uma longa história de trabalho na região, está desenvolvendo, em parceria com o Instituto Estadual de Florestas, um grande projeto visando a implementação de infraestrutura de apoio ao uso público.
Em breve poderemos visitar a região da serra de São José contendo infraestruturas adequadas para receber e informar as pessoas, na forma de núcleos de informação, visitação e apoio à fiscalização, trilhas estruturadas, folhetos e cartilhas educativas. Tudo isso faz parte deste projeto inicial em fase de implementação.


FMA – Fale de seu trabalho no Terra Brasilis e dos projetos mais recentes?
Sônia –
O objetivo institucional do Instituto Terra Brasilis é promover a conservação dos ecossistemas e o uso sustentado e racional dos recursos naturais, conciliados com o desenvolvimento econômico-social equitativo.
Nosso trabalho é organizado em cinco linhas de atuação: conservação da biodiversidade, áreas protegidas, educação ambiental, uso sustentado de recursos naturais e planejamento e políticas públicas.
O Instituto Terra Brasilis possui hoje diversas linhas de trabalho e atua na região da Serra da Canastra, Serra de São José e na Serra do Espinhaço.


As 15 metamorfoses







Castoraeshna-januaria larvai


Quem conta com muita competência a metamorfose das libélulas é o biólogo marinho Marcelo Szpilman, diretor do Instituto Ecológico Aqualung.


Segundo Szpilman, as libélulas são larvas que se transformam em avião: duas a três semanas depois de postos os ovos, surgem as larvas das libélulas. Começa então um longo ciclo de vida aquática, que, em algumas espécies, pode durar até cinco anos. Em sua existência submersa, a larva se alimentará de microcrustáceos, filhotes de peixes e outras larvas. Ela atua como ápice de uma importante cadeia alimentar dos ambientes aquáticos dos rios e lagos.


Vai passar por até 15 sucessivas metamorfoses até se transformar em uma naiade, que já se assemelha ao inseto adulto porém se movimenta no meio aquático através de jatos de água que saem pelo reto, como um sifão. Em um dado momento, atendendo aos chamados de um relógio biológico, cujo mecanismo permanece inexplicado, a naiade faz a transição do meio aquático para o terrestre onde fará sua última metamorfose.


A escalada do trampolim para o novo mundo é feita geralmente à noite, para escapar dos predadores. Subindo pela haste de alguma planta, a larva para de se alimentar e se mantém várias horas imóvel se preparando para a mudança.


A libélula rompe seu último exoesqueleto pelo dorso, liberando primeiro a cabeça e o tórax e depois o abdômen (o processo leva de 30 a 40 minutos). Suas asas, úmidas, precisarão de duas a três horas para se solidificarem em contato com o ar, quando a libélula estará, então, aparelhada e pronta para decolar.


Curiosidades sobre as Libélulas


Nome comum: Libélula
Nomes populares: lavadeira, canzil, cavalinho do diabo, pito.
Origem do nome: O nome está ligado ao latim, porque a libélula se parece com um livro aberto. Em latim, libellulus é o diminutivo de livro (liber).


— Seus dois pares de asas funcionam separadamente. Quando precisa voar devagar, o primeiro par bate um pouco antes do segundo. Quando quer voar rápido ou planar, os dois pares de asas batem em uníssono.


— Planar é uma capacidade exclusiva das libélulas, justamente pelo aparelhamento biológico de suas asas. Isso não acontece com os outros insetos.


— Por causa das asas, as libélulas são classificadas em dois grandes grupos: os anisópteros e os zigópteros. O primeiro grupo é da libélula propriamente dita: tem o segundo par de asas mais estreito do que o primeiro. Já os zigópteros apresentam dois pares de asas do mesmo tamanho. Uma curiosidade: o nome para as Anisoptera nos EUA é “dragonfly” (dragão voador), pois algumas espécies são tão exóticas que parecem ser um pequeno dragão voador. Os Zygoptera são chamados por lá de “damselflies” (dançarinas), pelo seu porte delicado e graça dos seus movimentos.


— Uma abelha vibra suas asas 4 vezes por segundo. Outros insetos conseguem bater até 8 vezes as asas por segundo. Já a libélula consegue a incrível marca de bater suas asas até 50 vezes por segundo.


— Foi esse perfeito controle das asas que levou os franceses a chamarem a libélula de “demoiselle” (senhorita). E foi o nome que inspirou Santos Dumont a colocar no seu modelo de avião mais bem sucedido: Demoiselle.


— Os olhos da libélula são os maiores, proporcionalmente, no reino animal. Os olhos dela funcionam como verdadeiro radar para identificar presas, predadores ou até uma parceira ou rival.


— O tempo de vida de uma libélula é muito curto: média de dois meses. Tempo que justifica sua irrequieta vida voando, planando, subindo e descendo. Dois meses é o tempo entre sua última metamorfose para se transformar libélula e sua morte. E ainda tem que acasalar para perpetuar a espécie.


— A libélula é uma ótima caçadora, capaz de comer até 14% de seu peso. Ela se alimenta de outros insetos voadores.


— As libélulas podem ser muito úteis, pois comem mosquitos e pernilongos que, eventualmente, transmitem dengue e malária. Ainda, existem muitas espécies de libélulas que são verdadeiros termômetros ambientais. Elas não vivem onde há poluição. Tem até o teste libélula: “se tem libélula, a água é limpa”. À menor alteração físico-química da água ou nas margens dos corpos d´água, além de impedir sua reprodução expulsa libélulas do local.


summary


Dragon Flies
Insect specialist in the art of flying


Nature is a complex balance of forces, interests and visibility. In the midst of this complex struggle to survive and achieve balance, man reigns. He is the one endowed with rational thought and the fantastic power to intervene, enabled to wreak travel interference in the state of the environment, choosing what appears to be good or bad to maintain his supremacy. For example, when researchers publish a list of flora or fauna threatened by extinction, not everyone takes into account the smallest animals or unknown plants vitally important to preserve the balance of life on Earth. This just goes to show that importance is not always based on size or visibility. Thus, there are many insects, such as bees and butterflies which are essential to the reproduction of vegetable species through the miracle of pollination and which are also threatened with extinction. The dragon flies are not part of the pollination process but are rather predator insects and are not in search of pollen or nectar offered by the flowers. Nevertheless, they are also threatened, despite their importance in sustaining the ecological balance. This genetic erosion has gone unnoticed by many people. According to biologists, Brazil has roughly 680 species of dragon flies out of the approximately 5,000 in existence in the world. One Brazilian species is already regarded as extinct. However, there are efforts to create, in the state of Minas Gerais, in the São José mountain range, along side the town of Tiradentes, two conservation units: The São José Environmental Protection Area and the Dragon Fly State Wildlife Refuge of the Serra de São José. This is the theme of our conversation with biologist, Sonia Rigueira, President of the Terra Brasilis Institute who also works in the regions of the Serra da Canastra and the Serra do Espinhaço.


SÔNIA RIGUEIRA – INTERVIEW


Who is she – Sônia Rigueira is a biologist and holds a Masters Degree in Ecology, Conservation and Management of Wild Life from the Universidade Federal de Minas Gerais. Her vast experience is based on her many years devoted to working on environmental issues and she has been involved in entities such as the UICN-International Union for the Conservation of Nature, where she was the vice president, as well as a number of other institutions such as the IEF-MG, the WWF-US and Conservation International. In 1998, working jointly with other professionals, she founded theTerra Brasilis Institute. Since then she has been dedicated exclusively to working with this NGO, which is headquartered in Belo Horizonte, as well as developing research in other regions of the state of Minas Gerais.


SERRA – The São José Serra, or mountain range, is located at the Mortes River mouth basis in the land included in the municipalities of São João Del Rei, Tiradentes, Santa Cruz de Minas, Prados and Coronel Xavier Chaves. The Serra is breathtaking, the terrain is very rough and there are outcroppings of quartzite sandstone, veined with native vegetation. The altitude ranges from 900m to 1,430m.


HISTORY – Occupation of this region dates back to the Brazilian Colonial period, beginning in the 18th century. In 1702, when the veins of gold ore were discovered in the Serra de São José, the first villages in the region began to appear. The remains of mining sites can still be readily found. There are also extremely important historical and cultural heritage landmarks located within the region. Churches, colonial mansions, fountains, aqueducts, remainders of the royal highway, old farms and outbuilding ruins are also witnesses to the former occupants. Most importantly and what makes the region of the Serra de São José unique is its very strong link to the highly inestimable natural heritage.


VARIETY OF ENVIRONMENTS – The São José range harbors within only one thousandth of the State area, a highly significant sample of Brazilian biodiversity. It is regarded as one of the priority conservation areas. This wealth and diversity of plant life is certainly reflected in the wildlife. We can see there for example, 55.5% of dragon flies found throughout the state of Minas Gerais, i.e., 120 species. There are also nearly 80 species of orchids, 34 types of tailless amphibians, 242 species of birds and at least nine species of mammals which live in the area are threatened with extinction, not to mention the scenic panorama that attracts tourists the world over.


DRAGON FLIES – Dragon flies are part of the other riches that the São José Serra offers. As mentioned, there are 55.5% of the dragon flies found in our state there and nearly 20% of the species found within Brazil! In order to preserve this natural heritage, the Minas Gerais state government has created the Serra de São José State Dragon Fly Wildlife Refuge encompassing close to 3,700 hectares.

ENVIRONMENTAL QUALITY – Dragon flies are regarded as good indicators of the quality of the environment, meaning that several species are sensitive to changes such as damming rivers, water borne pollutants, such as household and industrial sewage, river silt accumulation and deforestation of the wooded areas. In Europe and in Japan, people commonly dig small lakes to attract dragon flies, simply for the pleasure of having these fantastic insects nearby. In Japan today there are at least 23 conservation units that have been created specifically for the protection of the dragon fly species.


Instituto Terra Brasilis – The institutional purpose of the Instituto Terra Brasilis is to promote and preserve the ecosystems and the sustained and rational use of the natural resources in line with equitable economic and social development. Our work is organized along five lines of engagement: preservation of the biodiversity, protected areas, environmental education, sustained use of natural resources and public planning and policies. The Instituto Terra Brasilis today conducts ongoing work projects in the regions of the Serra da Canastra, Serra de São José and Serra do Espinhaço.


 

Continue Lendo
Clique para comentar

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Entrevistas

CUBATÃO: Entrevista com Celma do Carmo de Souza Pinto

Em entrevista à Folha do Meio, Celma do Carmo de Souza Pinto fala sobre a paisagem de Cubatão e a história de uma cidade estigmatizada pela poluição.

Publicado

em

 

 

Historiadora, pesquisadora, Doutora em Teoria, História e Crítica, pela Universidade de Brasília, Celma de Souza Pinto é profunda conhecedora da realidade do patrimônio industrial e da paisagem cultural brasileira. Celma do Souza é autora de três livros sobre a memória da industrialização na Baixada Santista: “Anilinas” – “Meu lugar no mundo: Cubatão” – “Cubatão, história de uma cidade industrial” e uma dissertação de mestrado “A construção da paisagem industrial de Cubatão – o caso da Companhia Fabril e da Usina Henry Borden”. É ex-servidora da Prefeitura Municipal de Cubatão e trabalhou por mais de 10 anos no IPHAN Sede, em Brasília. Atualmente dirige o Instituto Base no desenvolvimento de projetos culturais.  Para Celma de Souza, mais do que resgatar a impactante história do desenvolvimento industrial de Cubatão é abrir possibilidades para novos olhares sobre a paisagem do município.

CELMA DO CARMO DE SOUZA PINTO – ENTREVISTA

“Somos humanos e a vida humana é inseparável da história, da natureza, do patrimônio. O reconhecimento da paisagem de Cubatão como bem cultural abre novas possibilidades de conhecimento, de projetos educacionais, de lazer e da percepção da memória social. Vivemos dentro ou junto às paisagens”.

 

FOLHA DO MEIO – Cubatão era símbolo de poluição. Cidade estigmatizado pela poluição e com um dos maiores parques industriais do Brasil. Qual a relação com as paisagens culturais?

CELMA – Cubatão está inserido em um território com as marcas de eventos históricos desde o início da ocupação portuguesa pela sua localização entre o litoral e o Planalto Paulista. A partir de princípios de fins do século XIX, o município testemunha a evolução técnica e tecnológica do País, em suas obras de infraestrutura viária fabris e industriais. Isso somado, é claro, ao ambiente natural no qual se destacam a Serra do Mar, a Mata Atlântica e os manguezais típicos da região costeira. Por isso, Cubatão, além de ter um dos maiores parques industriais do Brasil abriga monumentos históricos como a Calçada do Lorena, o Caminho do Mar, antigos testemunhos fabris, de infraestrutura e várias reservas ambientais como o Parque Estadual da Serra do Mar. Todos esses elementos compõem e influenciam, direta ou indiretamente, a vida dos moradores do município, configurando uma paisagem cultural.

 

FMA – Sim, a paisagem é emblemática, o esforço de despoluição foi grande, mas Cubatão já tem esse reconhecimento?

CELMA – Verdade, a paisagem de Cubatão é uma das mais emblemáticas do Brasil pela imbricação de todos esses elementos somados aos problemas ambientais que manteve a atenção. Mas ainda não tem o reconhecimento que merece no âmbito cultural. Minha pesquisa “O (In)visível patrimônio da industrialização – reconhecimento de paisagens em Cubatão”, procura rever essa paisagem, considerando seus paradoxos, defendendo a urgência de iniciativas para sua valorização e reconhecimento também pelos seus relevantes aspectos históricos, culturais, paisagísticos e até afetivos.

Celma de Souza Pinto: Paisagem industrial em Cubatão-SP: o caso da companhia fabril e da usina Henry Borden.

 

FMA – Mas, você poderia explicar melhor o que é uma paisagem cultural?

CELMA – O termo advém da geografia a partir da evolução dos estudos e da compreensão da noção de paisagem, que remonta ao século XIV no Ocidente. A Unesco, em 1994, inseriu a categoria de paisagem cultural em sua relação de bens culturais passíveis de serem declarados como Patrimônio Mundial. Paisagens culturais são as que foram afetadas, construídas ou resultantes do desenvolvimento humano e da sua ação e relação com a natureza. Como atualmente todo o planeta, e até o espaço sideral, é marcado pela ação humana, as paisagens culturais têm uma variedade muito grande. Tanto podem abarcar grandes territórios, quanto pequenas parcelas territoriais, como áreas industriais, locais de notável beleza, fazendas, jardins e outros. Isso abriu possibilidade para o reconhecimento e valorização também das paisagens industriais, como a de Cubatão, no campo do patrimônio cultural.

FMA – Quais os critérios para reconhecimento de uma paisagem cultural?

CELMA – Os critérios de reconhecimento de uma paisagem cultural variam conforme são estabelecidos pelos documentos de cada país, ou como definidos pela Unesco. No Brasil, por exemplo, a Chancela da Paisagem Cultural Brasileira, estabelecida pela Portaria IPHAN nº 127/2009, define a paisagem como “uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores”. Busca abranger a diversidade de lugares, costumes e paisagens brasileiras. O reconhecimento de uma paisagem cultural perpassa primeiro o Espaço, as pessoas que nele vivem ou interage.

FMA – Paisagem cultural é aquela constituída a partir da interferência humana na natureza…

CELMA – Sim, é o lugar onde se vive, o meio que reflete a interação entre as pessoas e a natureza. É o legado das culturas com o mundo natural, com o tempo: com os eventos do passado, a fruição do presente e as expectativas para o futuro, entre outros. As paisagens culturais são uma narrativa de expressões culturais e de identidade regional para grupos sociais, para comunidades e para a coletividade.

 

FMA – Então, qual a importância da paisagem de Cubatão?

CELMA – Aí que vamos chegar. A paisagem de Cubatão se distingue pelo forte caráter histórico, pela associação com o movimento de ocupação portuguesa desde o século XVII e pela vinculação ao processo industrial e de desenvolvimento técnico paulista e do Brasil, expresso nas vias de transporte já existentes antes da chegada do europeu e das construídas ao longo do tempo. Mas também ostenta um capítulo importante da história ambiental e do operariado brasileiro cuja memória está se perdendo e é parte fundamental da construção da paisagem que não se dá somente no município de Cubatão, mas em outros municípios da Baixada Santista, como Santos.  Enfim, é uma região que ostenta uma paisagem plena de história e, ao mesmo tempo, dotada de uma beleza natural, cênica, ecológica, educacional, contemplativa, de lazer… em suma, um incomparável patrimônio cultural a ser conhecido, divulgado e desfrutado.

 

FMA – Com toda essa importância, por que pouco se fala da paisagem cultural de Cubatão?

CELMA – Não é bem assim. Na verdade, desde a década de 1980, muito se tem falado de Cubatão e da sua paisagem. Sobretudo quando houve uma massiva divulgação na mídia sobre os altos índices de poluição industrial. A partir de 1950, após a construção da Refinaria Presidente Bernardes, até a década de 1970, Cubatão recebeu mais de vinte indústrias de base na área da petroquímica e siderurgia, tornando-se um dos mais importantes complexos industriais do País. Como o Brasil ainda não dispunha de uma legislação ambiental, as indústrias foram instaladas sem o devido cuidado com emissão de poluentes no ar, na água e no solo. Tais consequências nefastas ao meio ambiente e à saúde humana, valeram à cidade a alcunha de Vale da Morte. Mesmo com o trabalho bem-sucedido da Cetesb no controle da poluição ambiental, a imagem negativa de Cubatão ficou no imaginário. Não queremos que essa história seja esquecida, apenas mostrar outros aspectos.

 

FMA – Como é a atual relação dos moradores de Cubatão com a chamada paisagem cultural?

CELMA – Boa questão. Em entrevistas que fiz com moradores de Cubatão, ficou evidente que consideram a paisagem como seu patrimônio cultural. Demonstraram também inquietação com a preservação dos testemunhos da industrialização e da infraestrutura. Eles se preocupam com a natureza, a Serra do Mar, que constitui o envoltório cênico que emoldura a cidade e é o elemento visual mais relevante da região. Mas eles se afligem com o descaso pelos remanescentes de antigas fábricas, pelos antigos caminhos e pela ferrovia. Também evidenciaram que, apesar da carência de políticas de preservação, educacionais, de lazer, entre outros, existe uma relação de identidade com a paisagem local e uma consciência sobre a necessidade de preservação dos testemunhos materiais remanescentes.

 

FMA – Por que é importante o reconhecimento dessa paisagem?

CELMA – Primeiro, porque somos humanos e a vida humana é inseparável da história, da natureza, do patrimônio. O reconhecimento da paisagem como bem cultural abre novas possibilidades de conhecimento, projetos educacionais, lazer e percepção da memória social. Vivemos dentro ou junto às paisagens. Nesse sentido, pode contribuir para que a cidade se torne mais humanizada com melhoria na qualidade de vida, proporcionando um sentido de lugar e de identidade às gerações futuras, assim como propiciar à comunidade uma melhor compreensão sobre o lugar onde vivem e a como buscar uma maior fruição dos testemunhos arquitetônicos e bens tombados da região. Além de possibilitar a novas atividades econômicas ligadas ao potencial histórico e paisagístico que insira a população local.  

A pesquisa de Celma do Carmo, “O (In)visível patrimônio da industrialização – reconhecimento de paisagens em Cubatão”, procura rever essa paisagem, considerando seus paradoxos, defendendo a urgência de iniciativas para sua valorização e reconhecimento também pelos seus relevantes aspectos históricos, culturais, paisagísticos e até afetivos.

 

FMA – Como preservar os elementos arquitetônicos e outros que tornam essa paisagem tão importante?

CELMA – Para isso é imprescindível a atuação séria e isenta dos órgãos de preservação locais e estadual. A preservação do patrimônio cultural exige uma ação conjunta da população com o governo municipal não só no âmbito do patrimônio, mas também para desenvolvimento de projetos de valorização, reabilitação, revitalização ou mesmo requalificação urbana de sítios de valor histórico reconhecidos pela população, como por exemplo, a orla do rio Cubatão, que atravessa a cidade. Ou com a recuperação de locais degradados que remontam à história ferroviária na região. A paisagem pode ser também um meio para criação de mecanismos de reparação que pode incluir também a preservação da memória do trabalhador e fortalecimento da identidade local como museus, centros culturais, projetos educativos, enfim…

 

FMA – Fico imaginando o tamanho desse desafio: Cubatão está entre o maior complexo industrial do Brasil e o maior porto do Brasil?

CELMA – E põe desafio nisso. De fato, como Cubatão situa-se entre um complexo industrial e o Porto de Santos gera um desafio que é conciliar as necessidades de modernização desses setores com as aspirações da população, que almeja o indispensável respeito ao patrimônio cultural e à história. As paisagens estão em constante transformação. Quando relacionadas à indústria isso fica ainda mais evidente, pois a principal característica da indústria é o dinamismo por processos de mudança no modo de produção, de estruturação econômica, entre outros. Por isso é urgente a revisão do atual modelo de desenvolvimento excludente e pautado em projetos que atendem somente às necessidades industriais e portuárias, sem considerar os interesses dos moradores. Não é possível manter o conceito de desenvolvimento da década de 1950 no qual somente a ampliação industrial irá trazer benefícios para a cidade.

 

FMA – Mas o IDH de Cubatão é bem alto…

CELMA – É verdade. O IDH de Cubatão é bem alto, se comparado aos outros municípios da Baixada Santista. No entanto, os moradores não estão imunes aos mesmos problemas de seus vizinhos, cujo IDH e arrecadação tributária é perceptivelmente inferior. Donde se vê que o desenvolvimento e o progresso alardeados pela industrialização não se concretizaram. Então, fica claro que ali os efeitos negativos da industrialização se fazem sentir de modo muito mais adverso do que os benefícios.

A superação desses desafios exige, dentre outros, mecanismos de reconhecimento da paisagem, de forma conjunta com as propostas de gestão compartilhada, com apoio de todos os setores envolvidos e do poder público. Sem isso, é possível que em poucos anos a cidade de Cubatão desapareça como local de vida e convivência humana, vindo a se tornar um mero depósito de contêineres ou um grande pátio de estacionamento de caminhões. Não podemos esquecer que ali vivem pessoas.

 

 

Continue Lendo

Entrevistas

John Elkington: A Vanguarda da Sustentabilidade Empresarial e Global

Explorando a Vida e o Legado do Arquiteto da Tripla Linha de Base e Defensor Incansável da Responsabilidade Corporativa

Publicado

em

Na arena global da sustentabilidade, poucos nomes ressoam com a mesma reverência que o de John Elkington. Conhecido como o arquiteto da “Tripla Linha de Base”, Elkington emergiu como um pioneiro na integração de preocupações ambientais, sociais e financeiras no mundo dos negócios. Sua jornada como defensor incansável de práticas sustentáveis e responsáveis ​​é um testemunho vivo de sua influência e impacto duradouro.

As Raízes da Visão de Elkington

Nascido com uma consciência intrínseca do poder transformador da sustentabilidade, John Elkington começou sua jornada na Universidade de Londres, onde se formou em Economia e Estudos de Engenharia. Desde o início, seu interesse abrangente pelas interseções entre o mundo dos negócios e as questões ambientais e sociais o levou a explorar novos paradigmas de desenvolvimento econômico que priorizassem não apenas o lucro, mas também o bem-estar coletivo.

A Tripla Linha de Base e Seu Legado Duradouro

É inegável que o maior legado de John Elkington é a popularização do conceito de “Tripla Linha de Base”. Sua inovadora abordagem de avaliação de desempenho empresarial não apenas com base em lucros financeiros, mas também em impactos ambientais e sociais, foi revolucionária. Essa estrutura conceitual permitiu que as empresas repensassem suas práticas e redefinissem o sucesso empresarial, levando em consideração não apenas os resultados financeiros, mas também o impacto em comunidades e ecossistemas.

O Compromisso Contínuo com a Mudança Sistêmica

Além de suas contribuições teóricas, Elkington é conhecido por seu compromisso contínuo com a mudança sistêmica. Ele trabalhou incansavelmente para influenciar políticas e práticas corporativas, promovendo a sustentabilidade como um imperativo central para o crescimento econômico e o bem-estar social. Sua atuação como autor prolífico e palestrante renomado ampliou ainda mais o alcance de suas ideias e inspirou uma geração de líderes a repensar o papel das empresas na sociedade.

O Legado Duradouro e o Caminho à Frente

À medida que o mundo enfrenta desafios cada vez mais complexos, o legado de Elkington permanece como um farol de esperança e um lembrete constante de que a sustentabilidade não é apenas uma opção, mas uma necessidade urgente. Sua visão e dedicação incansável continuam a orientar não apenas empresas, mas também formuladores de políticas e defensores da sustentabilidade em direção a um futuro mais equitativo e próspero.

John Elkington personifica a noção de que a sustentabilidade não é apenas um conceito acadêmico, mas uma filosofia de vida e uma abordagem essencial para moldar um mundo mais resiliente e sustentável. Sua jornada continua a inspirar e a moldar a narrativa global da responsabilidade empresarial e do ativismo sustentável.

 

Entrevista

John Elkington: Bem, ao longo das últimas décadas, testemunhamos um crescente reconhecimento da importância da sustentabilidade, tanto a nível empresarial quanto global. As empresas estão percebendo que devem abordar não apenas suas operações, mas também sua cadeia de suprimentos e impacto social. Vemos um movimento contínuo em direção a práticas mais responsáveis e transparentes, mas ainda há muito trabalho a ser feito.

Com certeza. Quais são os principais desafios que você identifica atualmente em termos de implementação de práticas sustentáveis em larga escala?

John Elkington: Um dos principais desafios é a integração da sustentabilidade no cerne dos modelos de negócios. Muitas empresas ainda veem a sustentabilidade como uma iniciativa isolada, em vez de uma parte fundamental de sua estratégia. Além disso, a falta de regulamentações e políticas sólidas em muitas partes do mundo dificulta a adoção generalizada de práticas sustentáveis. Também é fundamental envolver os consumidores e criar uma demanda por produtos e serviços mais sustentáveis.

Concordo plenamente. Considerando o cenário atual, como você visualiza a importância da inovação e da tecnologia na promoção da sustentabilidade?

John Elkington: A inovação e a tecnologia desempenham um papel crucial na transição para práticas mais sustentáveis. Novas tecnologias podem aumentar a eficiência, reduzir desperdícios e permitir o uso mais inteligente dos recursos. Da energia renovável aos avanços na agricultura sustentável e na gestão de resíduos, a tecnologia tem o potencial de impulsionar mudanças positivas significativas. No entanto, é importante garantir que essas inovações sejam acessíveis e amplamente adotadas, especialmente em comunidades com recursos limitados.

Definitivamente. Quais conselhos você daria para os líderes empresariais e os formuladores de políticas que desejam impulsionar práticas mais sustentáveis?

John Elkington: Para os líderes empresariais, eu enfatizaria a importância de incorporar a sustentabilidade em toda a cadeia de valor, desde a concepção do produto até o descarte responsável. Isso não apenas beneficia o planeta, mas também pode gerar eficiências operacionais e melhorar a reputação da marca. Para os formuladores de políticas, é fundamental criar um ambiente regulatório favorável e incentivar a inovação e o investimento em práticas sustentáveis. Além disso, é crucial promover a conscientização e a educação sobre a importância da sustentabilidade em todas as esferas da sociedade.

 

 

Continue Lendo

Entrevistas

Kátia Queiroz Fenyves fala a respeito de sustentabilidade e meio ambiente

Publicado

em

 

Kátia Fenyves é Mestre em Políticas Públicas e Governança pela Sciences Po Paris e formada em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo. Ao longo de sua trajetória profissional, acumulou experiências em cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável no terceiro setor e na filantropia. Atualmente é Gerente do Programa de Finanças Verdes da Missão Diplomática do Reino Unido no Brasil.

 

1. Você estudou e tem trabalhado com a questão de sustentabilidade e o meio ambiente. Pode nos falar um pouco a respeito desses temas?
Meio ambiente é um tema basilar. Toda a vida do planeta depende de seu equilíbrio. A economia, da mesma forma, só se sustenta a partir dos recursos naturais e de como são utilizados. Sustentabilidade, portanto, foi o conceito que integrou as considerações aos aspectos ambientais, sociais e econômicos, revelando de forma mais sistêmica esta inter-relação e, sobretudo, colocando o meio ambiente como eixo estratégico do desenvolvimento, para além de seu valor intrínseco.

2. Quando se fala em sustentabilidade, pensa-se no tripé social, ambiental e econômico. Como você definiria esses princípios? Qual deles merece maior atenção, ou todos são interligados e afetam nossa qualidade de vida integralmente?
Exatamente, sustentabilidade é o conceito que revela as interligações entre os três pilares – social, ambiental e econômico e, portanto, são princípios interdependentes e insuficientes se tomados individualmente. Talvez, o ambiental seja realmente o único que escapa a isso. A natureza não depende da economia ou da sociedade para subsistir, mas, por outro lado, é impactada por ambos. Por isso, sustentabilidade é um conceito antrópico, ou seja, é uma noção que tem como referencial a presença humana no planeta.

3. Questões relacionadas à sustentabilidade, preservação do meio ambiente e consumo consciente são discutidas nas escolas e universidades?
Há entre as Diretrizes Curriculares Nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, que são normas obrigatórias, as específicas para Educação Ambiental que devem ser observadas pelos sistemas de ensino e suas instituições de Educação Básica e de Educação Superior a partir da Política Nacional de Educação Ambiental. Estas contemplam todos os temas citados na pergunta. Não sou especialista na área então é mais difícil avaliar a implementação, mas em termos de marco institucional o Brasil está bem posicionado.

4. Quando se fala em preservação do meio ambiente, pensa-se também nos modelos de descarte que causam tantos danos ao meio ambiente. Existe alguma política de incentivo ao descarte consciente?
Mais uma vez, o Brasil tem um marco legal bastante consistente para o incentivo ao descarte consciente que é a Política Nacional de Resíduos Sólidos de 2010, que é inclusive uma referência internacionalmente. Na verdade, mais que um incentivo ela é um desincentivo ao descarte inconsciente por meio do estabelecimento da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e a logística reversa. Isso significa que a PNRS obriga as empresas a aceitarem o retorno de seus produtos descartados, além de as responsabilizar pelo destino ambientalmente adequado destes. A inovação fica sobretudo na inclusão de catadoras e catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis tanto na logística reversa como na coleta seletiva, algo essencial para um país com nosso contexto social.

5. Você acha que os modelos de descarte atuais serão substituídos por novos modelos no pós-pandemia? O que fazer, por exemplo, para incentivar as pessoas a descartar de forma consciente as máscaras antivírus?
Sempre é preciso se repensar e certamente a pandemia deu destaque a certas fragilidades da implementação da PNRS. Grande parte dos hospitais brasileiros ainda não praticam efetivamente a separação e adequada destinação de seus resíduos e, na pandemia, este problema é agravado tanto pela maior quantidade de resíduos de serviços de saúde gerados como por uma maior quantidade de geradores, uma vez que a população também começa a produzir este tipo de resíduo em escala. Falta ainda muita circulação da informação, então talvez este seja o primeiro passo: uma campanha de conscientização séria que jogue luz nesta questão.

6. Na sua opinião, o mundo está mais consciente das necessidades de preservação do meio ambiente e dos recursos naturais para que gerações futuras possam deles usufruir?
Acredito que tenhamos passado do ponto em que estas necessidades de preservação eram uma questão de consciência e chegamos a um patamar de sobrevivência. Também não se trata apenas das gerações futuras, já estamos sofrendo as consequências do desequilíbrio ambiental provocado pela ação humana e do esgotamento dos recursos naturais desde já. A própria pandemia é resultado de relações danosas entre o ser humano e o meio ambiente e os conflitos por fontes de água, por exemplo, são uma realidade.

7. Quais as ações que mais comprometem e degradam o meio ambiente?
Nosso modelo produtivo e de consumo como um todo é baseado em uma relação predatória com o meio ambiente: retiramos mais do que necessitamos, sem respeitar os ciclos naturais de reposição e, além disso, quando descartamos os resíduos e rejeitos não cumprimos com os padrões adequados estabelecidos. Já temos conhecimento suficiente para evitar grande parte dos problemas, mas ainda não conseguimos integrá-lo nas nossas práticas efetiva e definitivamente.

8. O que na sua opinião precisa ser feito para que as sociedades conheçam mais a respeito de sustentabilidade, preservação do meio ambiente e consumo consciente?
Acredito que para avançarmos como sociedade precisamos tratar a questão das desigualdades socioeconômicas que estão intrinsicamente relacionadas a desigualdades ambientais, inclusive no que diz respeito às informações, ao conhecimento. A educação é, portanto, um componente estratégico para este avanço, mas é preciso ter um entendimento amplo que traga também os saberes tradicionais para esta equação. Além disso é preciso cada dia mais abordar o tema da perspectiva das oportunidades, pois a transição para modos de vida mais sustentáveis, que preservam o meio ambiente e que se baseiem em consumo conscientes alavancam inúmeras delas; por exemplo, um maior potencial de geração de empregos de qualidade e menos gastos com saúde.

9. A questão climática está relacionada com a sustentabilidade? Como?
A mudança do clima intensificada pela ação antrópica tem relação com nossos padrões de produção e consumo em desequilíbrio com o meio ambiente: por um lado, vimos emitindo uma quantidade de gases de efeito estufa muito significativa e, por outro, vimos degradando ecossistemas que absorvem estes gases, diminuindo a capacidade natural do planeta de equilibrar as emissões. Assim, a questão climática está relacionada com um modo de vida insustentável. A notícia boa é que práticas sustentáveis geram diretamente um impacto positivo no equilíbrio climático do planeta. Por exemplo, o Brasil tem potencial para gerar mais de 25 mil gigawatts em energia solar, aproveitando sua excelente localização geográfica com abundância de luz solar, uma medida sustentável que, ao mesmo tempo, é considerada uma das melhores alternativas para a diminuição das emissões de CO2 na atmosfera, que é um dos principais gases intensificadores do efeito estufa.

 

 

Continue Lendo

Reportagens

SRTV Sul, Quadra 701, Bloco A, Sala 719
Edifício Centro Empresarial Brasília
Brasília/DF
rodrigogorgulho@hotmail.com
(61) 98442-1010