Entrevistas
Margi Moss – Entrevista sobre o Brasil das Águas
Brasil das Águas ganha o von Martius

Brasil das Águas ganha prêmio von Martius
Silvestre Gorgulho, de Brasília
A Câmara de Comércio Brasil-Alemanha entregou solenemente os Prêmios von Martius-2004, em São Paulo. Na categoria Natureza o vencedor foi o Projeto Brasil das Águas, idealizado e executado pelo casal Gérard e Margi Moss. Mas o que pretende esse projeto pioneiro no mundo? Simples, saber como estão as águas de todos os rios e lagos brasileiros. Do Oiapoque ao Chuí. De operação extremamente complexa e de uma logística fantasticamente bem elaborada, o Brasil das Águas acaba de fazer um levantamento inédito da qualidade das águas brasileiras. O resultado geral foi apresentado pela primeira vez à Agência Nacional das Águas, em Brasília, dia 12 de dezembro.
Margi e Gérard Moss percorreram 110 mil km, coletaram mais de mil amostras e promoveram exames completos das águas interiores do Brasil
O que é o projeto “Brasil das Águas”
O projeto utiliza um avião anfíbio, transformado em laboratório aéreo, para realizar um levantamento inédito sobre a qualidade das nossas águas doces. O Brasil possui 12% de toda a água doce do planeta. Segundo Grard Moss, somente um avião poderia alcançar os cantos mais distantes do território nacional para coletar amostras de água e tornar possível a realização de um estudo tão abrangente dentro de um período de pouco mais de um ano.
O projeto começou em outubro de 2003. Mais de mil amostras foram coletadas em vôos que até agora totalizam aproximadamente 110.000 km, uma distância equivalente a mais de duas voltas do nosso planeta pela linha do equador. Todas as regiões hidrográficas do país foram analisadas pelo projeto. Os resultados finais vão ser apresentados à diretoria da ANA em 12 de dezembro.
Resultados
Há um mutirão de pesquisadores engajados no projeto. Várias universidades – UFRJ, USP, UFV (Viçosa), UFF (Fluminense) estão analisando as amostras em busca de informações diferentes segundo a especialidade de cada uma. O parecer final e comparativo sobre os resultados dessas análises será dado pelo limnólogo professor José Galizia Tundisi e ficará pronto em meados do ano que vem.
Conscientização
Segundo Margi Moss, que acompanha o piloto como fotógrafa da expedição e como responsável pelo manuseio das amostras, além da pesquisa sobre a qualidade das águas brasileiras, o projeto objetiva sempre conscientizar a população para os problemas relacionados à água, sua preservação e uso racional. “Nosso objetivo é interagir não somente com o meio acadêmico mas também com o público em geral” (Veja sua entrevista na página seguinte).
Através do site também é possível acessar fotos, acompanhar o diário e obter informações completas sobre a pesquisa. A seção “Salvem Nossas Águas” abre um canal direto com o usuário, publicando as mensagens e apelos enviados por todas as camadas da população brasileira, preocupadas com a saúde das águas de suas regiões. Com material especial dirigido aos jovens, a “Página das Escolas” foi criada para atender a estudantes e professores que estudam a escassez de água no mundo.
MARGI MOSS – Entrevista
“A vida continua e a nossa vontade de buscar caminhos para ajudar a preservar nossos recursos naturais também
continua cada vez mais forte”.
O Brasil está cuidando bem deste patrimônio fantástico que é sua grande reserva de água doce?
Margi – Gostaria de dizer que sim. De um lado, tem pessoas, tem cidades, tem empresas, tem institutos, universidades e ONGs, tem a ANA, todos tentando cuidar desse patrimônio. Do outro lado, tem pessoas, municípios, indústrias e fazendeiros que não se importam com nada. Não ligam para essa riqueza fantástica. As cidades que tratam o esgoto no Brasil são muito poucas. Basta descer às margens de qualquer rio para ter uma visão de tristeza: lixo, saco plástico, garrafas PET, latas de cerveja. Só não se vê baterias e pilhas porque não bóiam. Uma tristeza! Isso no Brasil inteiro. Na Amazônia, os grandes rios são tão grandes e as águas tão abundantes que os rios são tratados como verdadeiras lixeiras que leva tudo embora… No Sul e Sudeste, também, os rios são os grandes receptores de esgoto e lixo. E isso não é só no Brasil, tem lugar no mundo que é ainda pior. Mas não podemos perder a esperança. Temos que ir à luta e fazer como aquelas pouquíssimas cidades que tratam o esgoto e o lixo como, por exemplo, Brasília, Araçatuba-SP e Cachoeira de Itapemirim-ES. São poucas comunidades que se organizaram em mutirões de limpeza para que nossas águas doces continuem ‘doces’ e não amargamente intragáveis.
Qual será o produto final do projeto?
Margi – Primeiro, será um mapeamento completo, agora em 2004, das condições das nossas águas interiores. Do Oiapoque ao Chuí, da Paraíba ao Acre, tudo coletado e medido usando os mesmos parâmetros. Sabemos muito bem que isso não é uma palavra final sobre o assunto, até porque somente passamos uma vez por cada ponto. Mas a diferença é a abrangência do projeto e a inclusão de rios e lagos remotos.
O professor José Galizia Tundisi é uma autoridade em recursos hídricos e está envolvido no projeto desde o início. Ele vai escrever o parecer final e coletar os dados analisados pelos vários pesquisadores num livro especializado, de teor técnico e científico. Todos os pesquisadores vão participar desse livro.
Além disso, pretendemos publicar um livro fotográfico. Como todo o projeto, que é patrocinado pela Petrobras e Eletrobras, vamos mostrar a abundância e a beleza das nossas águas. A publicação será acompanhada de um DVD, é claro. Captamos imagens lindíssimas. As pessoas vão perceber a grandiosidade e a maravilha que foi realizar este trabalho. Além de entender melhor como funcionava o sistema de captação de amostras, as pessoas vão se sentir viajando conosco na cabine do hidroavião.
Como as escolas, prefeituras e instituições terão acesso a essas publicações?
Margi – Para falar a verdade, ainda não sei como, até mesmo porque ainda não decidimos nem o formato do livro. O fato é que temos interesse que esse trabalho, pela sua importância e pela sua beleza, não fique longe do alcance da população brasileira. Até mesmo os patrocinadores do projeto terão interesse em distribuí-lo e torná-lo acessível ao maior número de escolas, de tomadores de decisão e de formadores de opinião de todos os cantos do Brasil. Não é um trabalho para ficar na gaveta e, tenho certeza, não ficará na gaveta.
Qual foi o momento mais emocionante desta epopéia?
Margi – Silvestre, é impossível responder esta pergunta… Foram tantos! Foi uma experiência fantástica para os olhos e para o coração. Imagina você ver aquele bando de botos cor-de-rosa nos rios amazônicos dando um show de alegria. Olha, é de emocionar. Lembro muito bem, e é uma imagem que não sai de minha retina, quando vi um boto cor-de-rosa na foz de um afluente do alto Tocantins. Na hora eu pensei, o que acontece com os botos quando fecham os rios com grandes barragens? Isto porque o boto estava rio acima das obras de mais uma hidroelétrica [do Peixe] nesse rio maravilhoso. Tive a impressão que na sua ingenuidade animal o boto nem podia imaginar que estava numa prisão, a espera de uma sentença de morte. Suponho que botos não gostam de águas paradas e eutróficas. Então é uma grande alegria vê-los livres e soltos pelas águas da Amazônia.
E qual o próximo projeto?
Margi – Ah, ainda não posso contar por vários motivos, inclusive porque estamos estudando. Mas garanto que esse projeto Brasil das Águas não termina aqui. Nem poderia! Ele é muito maior, ele precisa de ter continuidade. Só a organização dos resultados finais, a tabulação da pesquisa e a própria confecção do livro e do DVD já é outra aventura. É muito complexo. Mas a vida continua e a nossa vontade de buscar caminhos para ajudar a preservar nossos recursos naturais também continua cada vez mais forte.
Entrevistas
Kátia Queiroz Fenyves fala a respeito de sustentabilidade e meio ambiente

Kátia Fenyves é Mestre em Políticas Públicas e Governança pela Sciences Po Paris e formada em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo. Ao longo de sua trajetória profissional, acumulou experiências em cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável no terceiro setor e na filantropia. Atualmente é Gerente do Programa de Finanças Verdes da Missão Diplomática do Reino Unido no Brasil.
1. Você estudou e tem trabalhado com a questão de sustentabilidade e o meio ambiente. Pode nos falar um pouco a respeito desses temas?
Meio ambiente é um tema basilar. Toda a vida do planeta depende de seu equilíbrio. A economia, da mesma forma, só se sustenta a partir dos recursos naturais e de como são utilizados. Sustentabilidade, portanto, foi o conceito que integrou as considerações aos aspectos ambientais, sociais e econômicos, revelando de forma mais sistêmica esta inter-relação e, sobretudo, colocando o meio ambiente como eixo estratégico do desenvolvimento, para além de seu valor intrínseco.
2. Quando se fala em sustentabilidade, pensa-se no tripé social, ambiental e econômico. Como você definiria esses princípios? Qual deles merece maior atenção, ou todos são interligados e afetam nossa qualidade de vida integralmente?
Exatamente, sustentabilidade é o conceito que revela as interligações entre os três pilares – social, ambiental e econômico e, portanto, são princípios interdependentes e insuficientes se tomados individualmente. Talvez, o ambiental seja realmente o único que escapa a isso. A natureza não depende da economia ou da sociedade para subsistir, mas, por outro lado, é impactada por ambos. Por isso, sustentabilidade é um conceito antrópico, ou seja, é uma noção que tem como referencial a presença humana no planeta.
3. Questões relacionadas à sustentabilidade, preservação do meio ambiente e consumo consciente são discutidas nas escolas e universidades?
Há entre as Diretrizes Curriculares Nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, que são normas obrigatórias, as específicas para Educação Ambiental que devem ser observadas pelos sistemas de ensino e suas instituições de Educação Básica e de Educação Superior a partir da Política Nacional de Educação Ambiental. Estas contemplam todos os temas citados na pergunta. Não sou especialista na área então é mais difícil avaliar a implementação, mas em termos de marco institucional o Brasil está bem posicionado.
4. Quando se fala em preservação do meio ambiente, pensa-se também nos modelos de descarte que causam tantos danos ao meio ambiente. Existe alguma política de incentivo ao descarte consciente?
Mais uma vez, o Brasil tem um marco legal bastante consistente para o incentivo ao descarte consciente que é a Política Nacional de Resíduos Sólidos de 2010, que é inclusive uma referência internacionalmente. Na verdade, mais que um incentivo ela é um desincentivo ao descarte inconsciente por meio do estabelecimento da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e a logística reversa. Isso significa que a PNRS obriga as empresas a aceitarem o retorno de seus produtos descartados, além de as responsabilizar pelo destino ambientalmente adequado destes. A inovação fica sobretudo na inclusão de catadoras e catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis tanto na logística reversa como na coleta seletiva, algo essencial para um país com nosso contexto social.
5. Você acha que os modelos de descarte atuais serão substituídos por novos modelos no pós-pandemia? O que fazer, por exemplo, para incentivar as pessoas a descartar de forma consciente as máscaras antivírus?
Sempre é preciso se repensar e certamente a pandemia deu destaque a certas fragilidades da implementação da PNRS. Grande parte dos hospitais brasileiros ainda não praticam efetivamente a separação e adequada destinação de seus resíduos e, na pandemia, este problema é agravado tanto pela maior quantidade de resíduos de serviços de saúde gerados como por uma maior quantidade de geradores, uma vez que a população também começa a produzir este tipo de resíduo em escala. Falta ainda muita circulação da informação, então talvez este seja o primeiro passo: uma campanha de conscientização séria que jogue luz nesta questão.
6. Na sua opinião, o mundo está mais consciente das necessidades de preservação do meio ambiente e dos recursos naturais para que gerações futuras possam deles usufruir?
Acredito que tenhamos passado do ponto em que estas necessidades de preservação eram uma questão de consciência e chegamos a um patamar de sobrevivência. Também não se trata apenas das gerações futuras, já estamos sofrendo as consequências do desequilíbrio ambiental provocado pela ação humana e do esgotamento dos recursos naturais desde já. A própria pandemia é resultado de relações danosas entre o ser humano e o meio ambiente e os conflitos por fontes de água, por exemplo, são uma realidade.
7. Quais as ações que mais comprometem e degradam o meio ambiente?
Nosso modelo produtivo e de consumo como um todo é baseado em uma relação predatória com o meio ambiente: retiramos mais do que necessitamos, sem respeitar os ciclos naturais de reposição e, além disso, quando descartamos os resíduos e rejeitos não cumprimos com os padrões adequados estabelecidos. Já temos conhecimento suficiente para evitar grande parte dos problemas, mas ainda não conseguimos integrá-lo nas nossas práticas efetiva e definitivamente.
8. O que na sua opinião precisa ser feito para que as sociedades conheçam mais a respeito de sustentabilidade, preservação do meio ambiente e consumo consciente?
Acredito que para avançarmos como sociedade precisamos tratar a questão das desigualdades socioeconômicas que estão intrinsicamente relacionadas a desigualdades ambientais, inclusive no que diz respeito às informações, ao conhecimento. A educação é, portanto, um componente estratégico para este avanço, mas é preciso ter um entendimento amplo que traga também os saberes tradicionais para esta equação. Além disso é preciso cada dia mais abordar o tema da perspectiva das oportunidades, pois a transição para modos de vida mais sustentáveis, que preservam o meio ambiente e que se baseiem em consumo conscientes alavancam inúmeras delas; por exemplo, um maior potencial de geração de empregos de qualidade e menos gastos com saúde.
9. A questão climática está relacionada com a sustentabilidade? Como?
A mudança do clima intensificada pela ação antrópica tem relação com nossos padrões de produção e consumo em desequilíbrio com o meio ambiente: por um lado, vimos emitindo uma quantidade de gases de efeito estufa muito significativa e, por outro, vimos degradando ecossistemas que absorvem estes gases, diminuindo a capacidade natural do planeta de equilibrar as emissões. Assim, a questão climática está relacionada com um modo de vida insustentável. A notícia boa é que práticas sustentáveis geram diretamente um impacto positivo no equilíbrio climático do planeta. Por exemplo, o Brasil tem potencial para gerar mais de 25 mil gigawatts em energia solar, aproveitando sua excelente localização geográfica com abundância de luz solar, uma medida sustentável que, ao mesmo tempo, é considerada uma das melhores alternativas para a diminuição das emissões de CO2 na atmosfera, que é um dos principais gases intensificadores do efeito estufa.
Entrevistas
MARCOS TERENA

De filho pródigo à liderança internacional, o índio, piloto e cacique Marcos Terena, tornou-se um líder respeitado e o ponto de equilíbrio entre autoridades brancas e os povos indígenas.



Entrevistas
José Carlos Pinheiro Neto – Acelerando na Anfavea
Pinheiro Neto entra em campo e acelera fundo na Anfavea

Mas, se o mundo do automóvel está ocupando todo este espaço na vida de cada cidadão, o mundo do business conhece, desde o dia 13 de abril, um novo técnico da seleção brasileira de dirigentes e negociadores internacionais. O setor automobilístico brasileiro colocou em campo um nome que vai dar o que falar: José Carlos Pinheiro Neto, Diretor de Assuntos Corporativos e de Exportação da General Motors, que acaba de assumir a presidência da ANFAVEA.
Conhecido no meio como um executivo que faz acontecer, Pinheiro Neto, advogado, pai de 2 filhos, começou na GM em 1970, ocupou vários cargos na montadora, inclusive no exterior.
Antes de sua posse, Pinheiro Neto esteve, na sexta-feira, dia três de abril, com o presidente Fernando Henrique Cardoso, no Palácio do Planalto. E neste encontro três assuntos foram abordados com o maior interesse de parte a parte: primeiro, o setor automobilístico é um setor que serviu de base para análises e projetos para os principais investidores internacionais sobre as potencialidades econômicas do Brasil; segundo, a ANFAVEA deverá ter mais sinergia com o Governo porque hoje já não se discute mais só mercado interno, pois o filão são as exportações e o maior ou menor sucesso lá fora será uma resultante direta deste relacionamento; e, terceiro, no ano 2.000 o Brasil deverá estar produzindo cerca de 3 milhões de veículos/ano, ou seja, será o quarto maior produtor de automóveis do mundo, logo depois dos EUA, Japão e Alemanha.
O que tudo isto significa para a imagem do Brasil e para sua economia? Como tudo isto vai influir na vida de cada brasileiro?
Fácil saber, basta ir de carona nesta entrevista de José Carlos Pinheiro Neto. Mas, atenção: fique atento às curvas dos preços, às subidas e descidas das importações e exportações e à disparada competitiva com que chegam ao Brasil os seis novos associados pesos-pesados da ANFAVEA, Honda, Mercedez Automóveis, Chrysler, Toyota, Pegeuot e Renault. Afinal de contas, está todo mundo querendo saber qual o “pulo do gato” que o Brasil está dando para enfrentar os grandes mundiais do setor automobilístico.
A ENTREVISTA
A Anfavea já teve cinco presidentes. O carro vai rodar como sempre rodou ou tem idéia nova por aí?
JCPN – Num certo sentido vai rodar como sempre, ou seja, congregando os fabricantes de automóveis na defesa dos seus interesses. Mas, em outro, inovará. Será a luta para reduzir impostos. Não podemos, também, mais conviver com uma frota tão ultrapassada como a nossa. Dos quase 20 milhões de veículos que circulam no país, com certeza pelo menos 25% não têm mais condições de trafegabilidade.
A administração da Anfavea que terminou agora em abril, vamos assim dizer, foi muito discreta. Qual será o estilo da administração Pinheiro Neto: estará mais para André Beer ou para Silvano Valentino?
JCPN – Cada dirigente tem sua marca. A gestão André Beer, meu querido amigo e professor, foi muito marcante. Já a do Silvano Valentino foi discreta, mas caracterizada por um crescimento impressionante do setor, com recordes em cima de recordes. Como presidente da Anfavea, vou buscar a união de todos associados para enfrentar as adversidades e buscar maior sinergia com o Governo e outras entidades representativas do setor. O filão são as exportações e já não se discute mais só mercado interno. O maior ou menor sucesso lá fora será uma resultante direta do relacionamento iniciativa privada e Governo.
Qual o equilíbrio ético entre ser o presidente da Anfavea e ser, também, executivo de uma montadora específica? Existe algum conflito?
JCPN – Um dos sucessos da Anfavea é justamente a rotatividade de seus dirigentes. Não há “peleguismo”. O importante é saber separar bem nossas atividades. Vou defender sempre os interesses dos setor e de nossas associadas. Fazendo isto estarei defendendo os interesses da GM.
Eu sinto que vários setores da economia organizada do Brasil chegam a invejar o trabalho institucional da Anfavea. Qual é o segredo?
JCPN – Segredo? Se existe algum é a união dos associados em torno dos objetivos da entidade. E também porque a Anfavea além de representar um setor muito forte e bem estruturado, adquiriu credibilidade para as posições que defende.
Todo país almeja ter uma indústria automobilística e uma construção civil fortes. São os grandes empregadores. Como o senhor vê a participação da indústria automobilística na economia do Brasil?
JCPN – Nosso setor é um dos maiores geradores do PIB nacional e também um forte empregador de trabalho qualificado. A indústria automobilística é o “carro-chefe” da economia de qualquer país, trazendo atrás de si uma enorme engrenagem. Começa pela matéria prima, passa pelos fabricantes de autopeças, usa tecnologia de ponta, forte setor de serviços com as concessionárias e oficinas, tem empresas financeiras, é grande fonte de arrecadação de impostos municipais, estaduais e federais. E mais: tem uma interação muito forte com o ser humano, pois o carro é extensão do homem ao dar-lhe liberdade, status, comodidade e ajuda no aprendizado de uma melhor convivência, pela educação, pela solidariedade e pelos sonhos. É mola mestra do desenvolvimento.
Com a abertura do mercado feita no Governo Collor, todas as grandes marcas mundiais vieram para o Brasil, estimuladas pela barreira tarifária de 20%. Grandes investimentos foram realizados, sobretudo em concessionárias de carros importados. Valeu a pena a abertura?
JCPN – A abertura econômica viria mais cedo ou mais tarde. O Brasil não poderia ficar isolado do mundo, sob pena, também, de perder mercado. Foi a abertura que possibilitou a evolução da indústria automobilística que, até então, sequer podia introduzir uma injeção eletrônica de combustível, devido a reserva de mercado na área de informática. Sem abertura não haveria modernização.
O ex-ministro da Fazenda, Ciro Gomes, hoje candidato a Presidente da República, elevou a alíquota de 20% para 70%. Quebrou mais da metade das empresas instaladas. O Real de FHC tem regras mais fixas do que o Real de Ciro Gomes?
JCPN – É verdade. As empresas finalmente contam com um regime automotivo estável, praticamente sem grandes mudanças na regra do jogo. A estabilidade possibilitou a fixação de metas, tanto no que diz a investimentos como para as exportações.
Uma pergunta de consumidor: por que o mesmo carro nos EUA, Alemanha e Japão é mais bonito, mais barato e melhor? Tem globalização nisto?
JCPN – Vamos por parte: temos carros fabricados no Brasil que estão entre os melhores e mais vendidos no mundo. Veja, por exemplo, o magnífico resultado de nossas exportações. Agora o que precisamos fazer é lutar pela redução de impostos, pois a carga tributária diminuindo vai ampliar a nossa escala de produção. Produzindo e vendendo mais, mesmo com os impostos menores, aumentaria a arrecadação final.
Vamos falar agora de Carro Popular. A indústria automobilística conseguiu a proeza de convencer Itamar Franco a aprovar o carro popular. Provou até que reduzindo os impostos é possível aumentar a arrecadação e aquecer a economia. O presidente FHC aprendeu a lição? Cadê o carro popular de US$ 7 mil?
JCPN – O carro popular de 7 mil dólares existiu porque o IPI naquela época era simbólico, ou seja, 0,1%. Hoje é 13%. Com acabamento simples, o carro popular também evoluiu muito e hoje tem injeção eletrônica, proteção laterais e outras benfeitorias tecnológicas. Resumindo, deixou de ser popular.
Uma curiosidade: os presidentes da Anfavea sempre foram executivos brasileiros e nunca presidente das montadoras. Exceção para o último presidente da entidade, o italiano Silvano Valentino, presidente da Fiat. Valeu a experiência?
JCPN – Valeu, por que não? O fato dele ser presidente de uma montadora só o credenciou mais ainda para o cargo.
Na sua opinião, a inspeção veicular é mais útil aos operadores ou aos donos dos veículos?
JCPN – A inspeção veicular é importante, pois vai diminuir acidentes e poluir menos a atmosfera. E terá todo o apoio da Anfavea.
Será que a inspeção veicular, aprovada por lei, não corre o risco de ser o último cartório criado pelo Governo?
JCPN – Não acredito que isto não aconteça.
Outra curiosidade: quantas montadoras são hoje filiadas à Anfavea?
JCPN – Temos 23 associadas, incluindo montadoras de veículos, tratores e máquinas agrícolas.
A indústria automobilística é o setor econômico mais forte do país. A Anfavea tende também a ser a associação patronal mais influente?
JCPN – O setor automobilístico é forte e organizado. Quando convocado, ele comparece. Seja em negociações com o Governo, seja em negociações com os metalúrgicos. É um setor vivo, dinâmico e que ajuda a fazer a riqueza do Brasil.
Qual o peso político e econômico, dentro da Anfavea, entre o setor automobilístico e o setor de tratores? Há algum tipo de discriminação?
JCPN – Não há e nunca houve discriminação. É tudo questão de volume de produção.
Qual a chance do Brasil desenvolver uma nova “Gurgel” – ou seja – uma montadora genuinamente nacional?
JCPN – É muito difícil. Para se acompanhar as atualizações tecnológicas se requer elevados investimentos de retorno, nem sempre de curto prazo.
Os carros modernos são incrivelmente mais tolerantes aos abusos de seus proprietários: pegam fácil, têm pouca manutenção, serviço de socorro em meia hora pelo programa Road Service, air-bags inteligentes, têm computadores e até mapas de bordo. Isso deixa os motoristas mais relaxados. Pergunto: as atitudes dos motoristas têm mudado com os avanços tecnológicos dos veículos?
JCPN – É interessante notar, mas evidente que o conforto proporcionado pelos veículos pode significar menos estresse e mais segurança. Um motorista tranqüilo nunca vai enfrentar o trânsito na base do sai da frente, do eu primeiro e outras coisas bem piores. Mas à tecnologia dos carros tem que ser agregada a melhoria das estradas e melhor concepção da engenharia de trânsito das cidades.
A indústria automobilística no Brasil nasceu na coragem do ministro da Viação e Obras Públicas, Almirante Lúcio Meira, que criou em 1956, no Governo JK, o GEIA – Grupo Executivo da Indústria Automobilística. Sei que o senhor pensa em resgatar um pouco da história da indústria automobilística no Brasil? Como será isso?
JCPN – Você tocou num ponto que me fascina: a história da implantação da indústria automobilística no Brasil. Citando Nelson Palma Travassos em seu livro “Quando eu era menino…” vale lembrar a sociologia do automóvel. Dizia ele que o automóvel foi um intruso que alterou o panorama físico do País, com a abertura de estradas. Dizia mais: o motor eleva o homem no conceito social, dá-lhe importância e exige conhecimentos. Travassos chegava mais longe: “O automóvel abriu o caminho da democracia.” Isto está bem colocado. O carro trouxe independência, criou profissões, ampliou horizontes e o brasileiro começou a ter pressa. Pressa de carregar sua safra, pressa de ganhar dinheiro, pressa de ocupar esse país continental.
Outra pergunta de consumidor. Vamos falar das concessionárias. Não tem muita gente por aí vendendo gato por lebre nos serviços de assistência técnica?
JCPN – Essa é uma questão muito importante. As concessionárias estão se reestruturando porque o consumidor está mais exigente, quer serviço bem feito e nada melhor do que a concorrência. O Código de Defesa do Consumidor é uma realidade, aliás, uma boa realidade no Brasil. Quem não se profissionalizar, vai perder mercado.
Qual foi o melhor momento da indústria automobilística no Brasil?
JCPN – Temos tido bons e maus momentos, mas o importante é que o Brasil, em 97, bateu a cifra de 2 milhões de veículos produzidos. Já somos um país respeitado no mercado internacional. No ano 2.000 estaremos entre os cinco maiores produtores mundiais. Não é brincadeira!
Para terminar: qual o futuro do carro importado no Brasil?
JCPN – Os importados terão uma participação de 15% do mercado. Um bom tamanho. Vai sempre complementar a linha produzida aqui mesmo no Brasil, pois eles têm nichos especiais do mercado. O Brasil está ficando adulto e aprendeu a conviver com tigres, águias e outros bichos mais. Silvestre, pode escrever aí: o Brasil vai entrar o século 21 com maioridade. Temos problemas a resolver, mas estamos colocando o dedo na ferida: mais educação, preocupações reais com o meio ambiente, comportamento de primeiro mundo no trânsito. Essa é a autoridade de quem sabe fazer e quer melhorar as condições de vida de seu povo. Vamos emergir com força total.
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