Entrevistas

Niéde Guidon: uma sertaneja arretada cuida do Parque das Capivaras

Parque da Serra da Capivara


 


Parque Nacional da Serra da Capivara


Niéde Guidon fala sobre seus desafios para salvar o Parque da Capivara


Silvestre Gorgulho, de Brasília


Niéde Guidon é paulista de Jaú, se formou em História Natural na USP e há 32 anos pesquisa um dos mais importantes sítios do mundo em arte rupestre. Ela é a verdadeira guardiã dos tesouros arqueológicos do Parque Nacional da Serra da Capivara. Reconhecida internacionalmente pelo seu trabalho científico, Niéde Guidon é arqueóloga e doutora pela Sorbonne. Foi o seu trabalho, sua luta e sua dedicação que gerou a criação do Parque Nacional da Serra da Capivara. Niéde tem 72 anos e luta pelo seu ideal de tornar a pobre região do Piauí em grande centro turístico. Ela quer mudar o perfil econômico da área com investimentos em turismo e dar ao Brasil um enorme patrimônio cultural. “É inútil falar em proteção ambiental em regiões como São Raimundo Nonato, onde as pessoas estão morrendo de fome, sem criar alternativas de trabalho. Se algo não for feito imediatamente, os sítios serão destruídos, a paisagem degradada e o ecossistema – único na região – será aniquilado”. É por esta luta para impedir a depredação e para criar condições de preservação do parque que Niéde e sua equipe vêm sofrendo até ameaças de morte. Mas ela não desiste. Niéde Guidon é guerreira e aprendeu a ser uma
legítima sertaneja honorária. É antes de tudo forte.


Folha do Meio – Quando começou o seu trabalho na região?
Niéde Guidon –
Foi em 1973. Dirigia uma equipe franco-brasileira do Piauí e iniciava as pesquisas em São Raimundo Nonato, pequena cidade perdida no sertão, numa das mais pobres regiões do Brasil. Hoje, 32 anos depois, podemos fazer um balanço de tudo o que foi feito e, principalmente, do que resta a fazer. Mas tem trabalho para mais uma geração!


FMA – E qual esse balanço?
Niéde –
Foram 32 anos de muita dedicação. Neste tempo foram descobertos vestígios concretos da presença do primeiro homem americano na região, datados com até 57 mil anos. Quem visitou o parque sabe das milhares de pinturas rupestres, fogueiras, urnas funerárias e ossadas de animais pré-históricos, pois todo esse acervo está reunido no museu da Fumdham (Fundação Museu do Homem Americano). O resultado destes 32 anos de trabalho desvendou para o Brasil e o mundo um patrimônio cultural cuja importância é igual ao das cavernas de Lascaux, na França, ou as da Austrália. Ambas são visitadas anualmente por milhões de turistas.


FMA – Qual é a importância do Parque da Serra da Capivara para a ciência e para a cultura?
Niéde –
Para a ciência a importância do Parque está no fato de que ele preserva áreas de Caatinga primária. Nessa área, há cerca de 9.000 anos, se encontravam dois biomas: a floresta amazônica e a mata atlântica. Até hoje temos espécies animais e vegetais de ambos biomas dentro do Parque. Nele se encontra a maior concentração de sítios rupestres do mundo. A pesquisa nesses sítios arqueológicos permitiu que demonstrássemos a antiguidade das culturas autóctones do Brasil. Sua capacidade tecnológica e sua arte, hoje declaradas Patrimônio Cultural da Humanidade. Este acervo é comparável a qualquer dos mais famosos sítios do velho mundo. É o estudo desses sítios que poderá dizer a verdadeira origem dos primeiros homens que povoaram a região.


FMA – Você e sua equipe têm apoio para esse trabalho?
Niéde –
Vou falar a verdade. Infelizmente temos apoio de parte da população local que entendeu que com o Parque Nacional todos têm a ganhar. Tanto os intelectuais, como os comerciantes e empresários. Mas não temos o apoio daqueles que sempre viveram como parasitas do poder coronelista, daqueles que se sentem acima de todas as leis. Também não temos apoio de pessoas pobres de espírito, de ignorantes que pensam pequeno e, minados pelo vício do álcool profusamente difundido na região, ainda acreditam que para viver terão que ter sempre a esmola dos políticos, que explorar a caça e a venda ilegal da madeira.
Já o governo estadual e o federal nos dão apoio, mas nunca um apoio decisivo. Quer um exemplo? Até hoje não conseguimos ter um orçamento fixo que nos permita retomar os funcionários, com carteira assinada. Não sabemos até quando vamos poder mantê-los. Já tivemos que despedir todos, pagar indenizações, nos separar de pessoas que trabalhavam conosco há quase vinte anos. O que é incrível é que ninguém ainda viu como o turismo cultural pode levar um desenvolvimento sustentável para a região. Parece que o Brasil só acredita no turismo de praia e de Carnaval.


FMA – E essa história de se fazer assentamentos no entorno do Parque?
Niéde –
Olha, você tocou num problema muito grave. Incrível como há total insensibilidade dos ministros da área social, do desenvolvimento agrário, do pessoal do Incra para o problema. Não sei como o governo não intervêem mais firme neste problema. Na verdade, apenas o ministro Walfrido, do Turismo, e Gilberto Gil, da Cultura, tomaram uma atitude firme em defesa do parque.
Estive com o presidente do Incra e ele foi capaz de dizer que não existe outra área para fazer assentamentos. O Brasil deste tamanho! Será que precisa fazer assentamentos no entorno de um parque nacional? Numa área de proteção ambiental? Numa área que é destinada a ser um Corredor Ecológico para a serra das Confusões? Isso por instruções da Unesco e de estudos técnicos. Não posso aceitar esse primarismo de se fazer de uma área nobre para pesquisa antropológica, cultural e do meio ambiente um assentamento qualquer. Um adensamento que vai dilapidar rapidamente um patrimônio mundial. As autoridades brasileiras estão sendo desleixadas com esse tesouro fantástico. Um tesouro único que, pelo turismo, pode dar emprego, renda e melhoria das condições de vida de todo um povo.


FMA – Há alguma denúncia concreta?
Niéde –
Há sim. Além dos assentamentos impedirem o corredor ecológico para a Serra das Confusões, há ainda algo pior: na realidade essas terras todas são do governo do Piauí e deveriam ser anexadas ao Parque ou ser um corredor ecológico. Um Corredor Ecológico exige liberdade de passagem para os bichos e qualquer tipo de assentamento vai criar muros, cercas etc. E pior: vai aumentar o número de caçadores de animais silvestres. Desde que foi feita e asfaltada a estrada PI-140, em sua margem foram se instalando casas de fim de semana de pessoas ricas, em geral comerciantes e políticos de São Raimundo Nonato. Casas com churrasqueiras e piscinas.


FMA – A senhora é contra a reforma agrária?
Niede –
De jeito nenhum! Sou a favor. Mas sou também a favor do bom senso. Não é possível fazer reforma agrária numa área de preservação ou próxima de um Parque Nacional. Em último caso, se não tiver jeito, o Incra deveria fazer exigências tão fortes que vão acabar inviabilizando os projetos. Por exemplo, o Incra deveria colocar no contrato que o assentado perderá os direitos que conseguir com o assentamento, se for pego caçando, se entrar no Parque Nacional, se for flagrado com armas ou armadilhas. E que essa perda é automática, não exigindo abertura de processo. Os assentados deverão assinar no contrato que manterão os animais domésticos dentro de seus terrenos, impedindo que vaguem por todo os lados e que entrem no Parque Nacional. Os animais deverão ser fechados durante a noite, para que não existam alegações de que onças estão matando e os conseqüentes pedidos de indenização. A verdade é que há outros lugares mais apropriados para se fazer assentamentos.


FMA – A senhora acha que o governo investe corretamente no Nordeste?
Niéde –
Tenho lá minhas dúvidas. Vale lembrar que, em 2004, o Dnocs comemorou 95 anos de existência! Quantos anos têm a Sudene? E o Banco do Nordeste? Alguém já contabilizou as somas que os diferentes projetos, inclusive o Pró-Álcool, que ia acabar com a miséria, já levaram para o Nordeste? E qual foi o resultado de todo esse investimento? A resposta está na criação, hoje, de programas assistencialistas. O dinheiro dos grandes investimentos acabou, mesmo, nas mãos dos magnatas do Rio, São Paulo e do próprio Nordeste.
Veja aí a prova dos nove: a miséria continua tão persistente, tão aguda que o governo atual teve que criar o Fome Zero! Será que vamos continuar a utilizar os recursos públicos com programas mal elaborados? Financiar reforma agrária equivocada e distribuir terras degradadas e secas? Isso é eternizar o problema. Não é à toa que os jornais anunciam cá e lá a descobertas de fraudes nesses programas assistencialistas.


FMA – A senhora acha que o assistencialismo puro e simples pode prejudicar o progresso pessoal das pessoas?
Niéde –
Só prejudica. É só ver como aumentam as filas das pessoas assistidas. Quem quiser fazer uma pesquisa, uma análise mais profunda é só ir lá se postar na frente de uma instituição pagadora. Não se forma um povo transformando-o em dependente, em mendigo.


FMA – E as queimadas em volta do parque…
Niéde –
Foi bom você tocar no caso das queimadas. Qual a origem delas? Os agricultores. O maior incêndio que tivemos em 2004 foi o que os assentados da Fazenda Lagoa atearam à floresta da reserva legal que deveria ser mantida intacta. O fogo somente parou nos paredões da serra, destruindo tudo. Os assentamentos só vão aumentar o risco de queimadas.


FMA – E o problema com os caçadores?
Niéde –
Esse é outro gravíssimo problema. Quem insiste em dizimar a fauna do Parque são justamente as pessoas que caçam por encomenda. Muitos caçadores vêm de assentamentos e receberam recursos para construir sua casa e para comprar sementes e plantar. A maioria tem carro e armas. Muitos deles trabalham para pessoas ricas, acostumadas a comer caça. Os caçadores parecem ser miseráveis, mas não são. Em todos os acampamentos de caçadores que encontramos dentro do Parque e em sua vizinhança recolhemos pilhas de lanternas, garrafas vazias de pinga, de cervejas, refrigerantes, envelopes de temperos industrializados, maços vazios de cigarros e muitos plásticos de embalagens de produtos diversos.


FMA – E qual sua proposta para resolver tantos problemas, inclusive dos assentamentos que lá existem?
Niéde –
Olha, quem quiser fazer a coisa bem feita vai encontrar fórmulas e formas. O próprio Incra, a Embrapa e outros órgãos regionais se quiserem ajudar podem fazê-lo e muito bem. Vamos a alguns exemplos. No caso do turismo, estudos indicam que, com a realização de uma boa infra-estrutura, escolas e formação e guias, há potencial para receber 3 milhões de turistas. O Parque Nacional da Serra da Capivara pode ser uma atração internacional fortíssima. Tem a mesma importância das cavernas de Lascaux, na França, ou as da Austrália. São destinos que recebem turistas de primeira linha. Que gastam, que dão emprego, que melhoram a renda da população local. Essa é uma atividade que muda a realidade local. Quantos brasileiros já foram à Disney e nunca foram a um parque nacional no Brasil? Quantos brasileiros conhecem esse patrimônio chamado Parque Nacional da Serra da Capivara? A maioria nem sabe que existe. Mas como fomentar a ida de brasileiros para lá se não tem como chegar, não tem como se hospedar confortavelmente, não tem como fazer de uma viagem cultural uma viagem agradável? Sabe por que o governo não faz isso? Simples, porque não é um projeto político. Compare com a transposição do rio São Francisco, que é um projeto político, vai gastar muito mais e deve dar muito menos emprego.


FMA – E existem outras alternativas econômicas?
Niéde –
Existem muitas. O próprio Incra, o Banco do Nordeste e a Embrapa poderiam estudar o incremento da apicultura, o fomento à produção de flores, plantas ornamentais, cactos etc. O mercado nacional e internacional é ávido e paga caro por esses produtos. Outro investimento de retorno certo é na educação, na profissionalização das pessoas dentro do que a região precisa. Não precisa nada sofisticado, tipo o lema que anda por aí “universidade para todos”. É o tipo da coisa idiota porque muitas pessoas são geniais fora da área acadêmica. Pode-se ser um grande técnico, um grande agricultor, um artesão, um empresário fantástico, um guia turístico, um artista, um empreendedor sem ter que fazer a universidade. Por que não criar muitas escolas técnicas de nível superior? E por que não oferecer a todos uma escola básica e secundária que garantam, para aqueles que assim o desejarem, a entrada na universidade pública? Quando eu entrei na USP, vinda de uma escola básica e secundária públicas, tinha colegas negros e colegas de classes pobres. Todos saídos da escola pública como eu e que tinham, como eu, passado no vestibular! Todos iguais pelo conhecimento e não por decreto!


FMA – Sua luta é forte. Será que a política não está minando seu trabalho científico?
Niéde –
Olha, eu sou cientista. Nunca tive e não tenho nenhuma vocação política. Minha geração nasceu sob a ditadura Getúlio Vargas e, desde pequena via, como todos tinham medo do famoso Dops. Como estudante participei das manifestações contra Vargas e as de maio de 1968, em Paris. Como profissional sempre vi, com lucidez, os problemas do Brasil e sempre procurei trabalhar para dar minha contribuição visando saná-los. Deixei a USP em 64 e fui embora para a França porque detesto regimes absolutistas. Sejam eles de esquerda ou de direita. Refiz minha carreira lá e hoje sou aposentada pelo governo francês. Mas, mesmo ensinando em Paris, minha pesquisa foi sempre sobre o Brasil. No Piauí. Desde 1973, durante minhas férias, vinha ao Brasil, com meus alunos, em uma missão oficial francesa.
Em 1991, o governo brasileiro solicitou ao governo francês que eu fosse cedida para coordenar os trabalhos de manejo e proteção do Parque Nacional Serra da Capivara. Deixei Paris e me instalei em São Raimundo Nonato. Conheço, portanto, muito bem o sertão do Nordeste e seus problemas. Mas penso que certos aspectos devam ser lembrados para que a politicagem brasileira não cometa mais um erro.


FMA – O que fazer, por exemplo?
Niéde –
Para começar, exigir que a escola pública tenha a mais alta qualidade, desde o ensino básico, que é fundamental. Criar escolas técnicas de nível superior em todos os estados. Analisar as diferentes regiões, determinar quais as potencialidades que oferece cada uma para financiar somente atividades que sejam realmente adaptadas a cada região e que tenham um real potencial econômico. Que sejam auto-sustentáveis.
Permitir que cada jovem possa trabalhar, viver dignamente em sua terra natal, sem ter que migrar para poder sobreviver nos grandes centros urbanos. O sonho dos jovens da região do Parque Nacional da Serra da Capivara é ter um trabalho lá, perto de sua família, de seus amigos. E o turismo pode fazer esse milagre!
E também é hora do Brasil fazer uma reforma política. Ninguém mais agüenta a história de se arrumar recursos para um programa, para um projeto e esse dinheiro seguir a velha trajetória de passar por tantos políticos como deputado, governador, prefeito, vereador e quando chega no programa ele desaparece nas mãos dos mesmo empreiteiros que bancaram as campanhas políticas. O Brasil tem que mudar é aí.


FMA – A vocação ali é o ecoturismo…
Niéde –
Evidente! Por que temos que aceitar que o Brasil somente pode ser agrícola no interior, industrial somente nas cidades do sul e do litoral, e turístico somente nas praias e no Carnaval? Vamos nos mirar, no exemplo, da participação da receita turística no PIB da França, da Itália, da Espanha, da África do Sul, do México, da Jamaica, da Costa Rica? E qual é essa participação no Brasil? Em 2003, o número total de turistas de todo o Brasil foi de pouco mais de 4 milhões. Atrás até da Costa Rica, que é menor do que o Piauí.
Olha, apesar de aposentada, continuo trabalhando duro. O que já foi feito na Serra da Capivara é colossal. É preciso que os tomadores de decisão, que todo brasileiro, saibam que ali temos um dos maiores patrimônios arqueológico, artístico e cultural do mundo! Me revolta ver como essas obras de arte não são aproveitadas para atrair milhões de turistas/ano de alto poder aquisitivo. Como? Apenas criando ali um pólo turístico, com infra-estrutura. Um pólo que vai trazer o desenvolvimento, renda e o fim da miséria. Me revolta ver todo esse acervo fantástico ser abandonado, negligenciado e até destruído pela imbecilidade humana.
Com esses assentamentos querem transformar todo o entorno do Parque em um imenso favelão rural. Como desenvolver um centro turístico nessas condições? Um dos maiores atrativos do Parque era a maravilhosa paisagem que se via lá de cima. Quem virá para ver favelas? As favelas vão acabar com o Parque, como estão acabando com o Rio de Janeiro. Até quando vão continuar utilizando os nossos impostos para financiar esse tipo de desenvolvimento às avessas? Até quando nossas lideranças vão ter apenas essa visão política, eleitoreira e assistencialista? Até quando nossos governantes vão pensar pequeno?


FMA – Mas não há esperança?
Niéde –
Evidente que tem que haver esperança. Só ela move nossos sonhos. Mas, confesso que estou cansada. Me desculpe se fui muito cáustica nesta entrevista. Mas tenho um peso muito grande dentro de mim e, hoje, não sei se vale a pena continuar nessa luta ou é melhor me declarar vencida e, mais uma vez, deixar meu país natal.


Parque Nacional da Serra da Capivara


Maior patrimônio arqueológico brasileiro corre perigo


Niéde Guidon: “O Brasil não tem direito de ignorar um patrimônio cultural da humanidade e fazer assentamentos no seu entorno”


A pesquisa, o trabalho científico e o esforço de alguns estudiosos sempre estão derrubando teorias. Por exemplo, a gente aprende que os primeiros homens chegaram às Américas pelo Estreito de Bhering, no Alasca, vindos da Sibéria. Pois pesquisadores descobriram que não é bem assim. E a contestação para essa teoria está em pleno sertão brasileiro. Sítios arqueológicos no Nordeste guardam indícios de que a ocupação humana se deu cerca de 50 mil anos antes dos homens vindos da Sibéria. Pinturas rupestres mostram como era a vida em um passado distante: caçadas, orgias, animais desconhecidos e baleias sugerem que a paisagem e os costumes eram bem diferentes do que conhecemos hoje. Todos estes estudos foram feitos a 530 quilômetros de Teresina, capital do Piauí, próximo às cidades de Coronel José Dias e São Raimundo Nonato. É ali que está um dos parques nacionais mais importantes do Brasil: o Parque Nacional da Serra da Capivara. Criado em junho de 1979, o Parque tem 129.140 hectares e seu perímetro é de 214 Km. A criação do Parque Nacional Serra da Capivara teve múltiplas motivações ligadas à preservação de um meio ambiente específico e de um dos mais importantes patrimônios culturais pré-históricos. Em 1991, a Unesco inscreveu o Parque Nacional da Capivara na lista do Patrimônio Cultural da Humanidade. Em 2002 foi oficializado o pedido para que o mesmo seja declarado Patrimônio Natural da Humanidade. E quem está à frente destas pesquisas? Niéde Guidon, o anjo da guarda de tantos tesouros. É justamente com ela que vamos conversar.


FATO 1: a denúncia
Uma área essencial para o equilíbrio ecológico de dois Parques, da Serra da Capivara e da Serra das Confusões, está sofrendo dois graves problemas: assentamentos desordenados e invasões. Justamente uma região onde já foram investidos mais de 20 milhões de dólares para que fosse criado um centro internacional de turismo ecológico e cultural, com capacidade de atrair 3 milhões de turistas/ano. Todo o programa educacional que foi mantido até agora pode não ter servido para nada: os cursos que foram dados para formar guias, pessoal técnico para manutenção das pinturas, para os trabalhos de pesquisa em arqueologia, desde a escavação até a análise em laboratório e preparo de publicações, especialistas em informática, parece ter sido em vão.


FATO 2: sentimento de culpa
A arqueóloga Niéde Guidon, diretora do Parque, está preocupadíssima. Veio a Brasília conversar com os ministros Walfrido dos Mares Guia, do Turismo, Gilberto Gil, da Cultura, e Miguel Rossetto, da Reforma Agrária, e com Marina Silva, do Meio Ambiente. Com todos ela deixou um recado: “Estou preocupada com o parque, com as queimadas e a destruição de sítios arqueológicos. Também com os nossos funcionários. Tenho, até, um sentimento de culpa muito grande, pois tive uma funcionária assassinada pelo irmão. Eu dizia sempre a ela para não deixar o irmão caçar no parque, senão ela perderia o emprego. Ela não deixou o irmão caçar e o irmão a matou”.


FATO 2: audiências em Brasília
Dois ministros mostraram mais sensibilidade para o problema e tomaram atitudes imediatas: o do Turismo, Mares Guia, e o da Cultura, Gilberto Gil: O ministro Walfrido já visitou o parque e até deu o dinheiro para construção do aeroporto. Ele defendeu o fantástico valor do acervo cultural ali guardado. O ministro Walfrido ligou imediatamente para o governador Welington Dias, do Piauí, para o ministro Rosseto e se propôs a defender o Parque Nacional da Serra da Capivara, o Corredor Ecológico e o Parque da Serra das Confusões. O ministro Gilberto Gil é de parecer que a região não pode ser utilizada para assentamentos. De acordo com o presidente do IPHAN, decidiu que será preparado um pedido ao Presidente Lula para que se crie uma comissão técnica dos quatro ministérios envolvidos para buscar uma saída única e definitiva.


FATO 4: processada por caçadores
A questão está tão tensa e os valores tão invertidos, que Niéde Guidon, diretora e defensora do Parque Nacional da Serra da Capivara, está sendo processada até por caçadores da fauna das duas unidades de conservação. O nome deles: Aroldo de Andrade Silva, Ronaldo Adriano dos Santos Ramos, Fabrício Paes Landim e Junivaldo Pereira dos Santos.

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Kátia Queiroz Fenyves fala a respeito de sustentabilidade e meio ambiente

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Kátia Fenyves é Mestre em Políticas Públicas e Governança pela Sciences Po Paris e formada em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo. Ao longo de sua trajetória profissional, acumulou experiências em cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável no terceiro setor e na filantropia. Atualmente é Gerente do Programa de Finanças Verdes da Missão Diplomática do Reino Unido no Brasil.

 

1. Você estudou e tem trabalhado com a questão de sustentabilidade e o meio ambiente. Pode nos falar um pouco a respeito desses temas?
Meio ambiente é um tema basilar. Toda a vida do planeta depende de seu equilíbrio. A economia, da mesma forma, só se sustenta a partir dos recursos naturais e de como são utilizados. Sustentabilidade, portanto, foi o conceito que integrou as considerações aos aspectos ambientais, sociais e econômicos, revelando de forma mais sistêmica esta inter-relação e, sobretudo, colocando o meio ambiente como eixo estratégico do desenvolvimento, para além de seu valor intrínseco.

2. Quando se fala em sustentabilidade, pensa-se no tripé social, ambiental e econômico. Como você definiria esses princípios? Qual deles merece maior atenção, ou todos são interligados e afetam nossa qualidade de vida integralmente?
Exatamente, sustentabilidade é o conceito que revela as interligações entre os três pilares – social, ambiental e econômico e, portanto, são princípios interdependentes e insuficientes se tomados individualmente. Talvez, o ambiental seja realmente o único que escapa a isso. A natureza não depende da economia ou da sociedade para subsistir, mas, por outro lado, é impactada por ambos. Por isso, sustentabilidade é um conceito antrópico, ou seja, é uma noção que tem como referencial a presença humana no planeta.

3. Questões relacionadas à sustentabilidade, preservação do meio ambiente e consumo consciente são discutidas nas escolas e universidades?
Há entre as Diretrizes Curriculares Nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, que são normas obrigatórias, as específicas para Educação Ambiental que devem ser observadas pelos sistemas de ensino e suas instituições de Educação Básica e de Educação Superior a partir da Política Nacional de Educação Ambiental. Estas contemplam todos os temas citados na pergunta. Não sou especialista na área então é mais difícil avaliar a implementação, mas em termos de marco institucional o Brasil está bem posicionado.

4. Quando se fala em preservação do meio ambiente, pensa-se também nos modelos de descarte que causam tantos danos ao meio ambiente. Existe alguma política de incentivo ao descarte consciente?
Mais uma vez, o Brasil tem um marco legal bastante consistente para o incentivo ao descarte consciente que é a Política Nacional de Resíduos Sólidos de 2010, que é inclusive uma referência internacionalmente. Na verdade, mais que um incentivo ela é um desincentivo ao descarte inconsciente por meio do estabelecimento da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e a logística reversa. Isso significa que a PNRS obriga as empresas a aceitarem o retorno de seus produtos descartados, além de as responsabilizar pelo destino ambientalmente adequado destes. A inovação fica sobretudo na inclusão de catadoras e catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis tanto na logística reversa como na coleta seletiva, algo essencial para um país com nosso contexto social.

5. Você acha que os modelos de descarte atuais serão substituídos por novos modelos no pós-pandemia? O que fazer, por exemplo, para incentivar as pessoas a descartar de forma consciente as máscaras antivírus?
Sempre é preciso se repensar e certamente a pandemia deu destaque a certas fragilidades da implementação da PNRS. Grande parte dos hospitais brasileiros ainda não praticam efetivamente a separação e adequada destinação de seus resíduos e, na pandemia, este problema é agravado tanto pela maior quantidade de resíduos de serviços de saúde gerados como por uma maior quantidade de geradores, uma vez que a população também começa a produzir este tipo de resíduo em escala. Falta ainda muita circulação da informação, então talvez este seja o primeiro passo: uma campanha de conscientização séria que jogue luz nesta questão.

6. Na sua opinião, o mundo está mais consciente das necessidades de preservação do meio ambiente e dos recursos naturais para que gerações futuras possam deles usufruir?
Acredito que tenhamos passado do ponto em que estas necessidades de preservação eram uma questão de consciência e chegamos a um patamar de sobrevivência. Também não se trata apenas das gerações futuras, já estamos sofrendo as consequências do desequilíbrio ambiental provocado pela ação humana e do esgotamento dos recursos naturais desde já. A própria pandemia é resultado de relações danosas entre o ser humano e o meio ambiente e os conflitos por fontes de água, por exemplo, são uma realidade.

7. Quais as ações que mais comprometem e degradam o meio ambiente?
Nosso modelo produtivo e de consumo como um todo é baseado em uma relação predatória com o meio ambiente: retiramos mais do que necessitamos, sem respeitar os ciclos naturais de reposição e, além disso, quando descartamos os resíduos e rejeitos não cumprimos com os padrões adequados estabelecidos. Já temos conhecimento suficiente para evitar grande parte dos problemas, mas ainda não conseguimos integrá-lo nas nossas práticas efetiva e definitivamente.

8. O que na sua opinião precisa ser feito para que as sociedades conheçam mais a respeito de sustentabilidade, preservação do meio ambiente e consumo consciente?
Acredito que para avançarmos como sociedade precisamos tratar a questão das desigualdades socioeconômicas que estão intrinsicamente relacionadas a desigualdades ambientais, inclusive no que diz respeito às informações, ao conhecimento. A educação é, portanto, um componente estratégico para este avanço, mas é preciso ter um entendimento amplo que traga também os saberes tradicionais para esta equação. Além disso é preciso cada dia mais abordar o tema da perspectiva das oportunidades, pois a transição para modos de vida mais sustentáveis, que preservam o meio ambiente e que se baseiem em consumo conscientes alavancam inúmeras delas; por exemplo, um maior potencial de geração de empregos de qualidade e menos gastos com saúde.

9. A questão climática está relacionada com a sustentabilidade? Como?
A mudança do clima intensificada pela ação antrópica tem relação com nossos padrões de produção e consumo em desequilíbrio com o meio ambiente: por um lado, vimos emitindo uma quantidade de gases de efeito estufa muito significativa e, por outro, vimos degradando ecossistemas que absorvem estes gases, diminuindo a capacidade natural do planeta de equilibrar as emissões. Assim, a questão climática está relacionada com um modo de vida insustentável. A notícia boa é que práticas sustentáveis geram diretamente um impacto positivo no equilíbrio climático do planeta. Por exemplo, o Brasil tem potencial para gerar mais de 25 mil gigawatts em energia solar, aproveitando sua excelente localização geográfica com abundância de luz solar, uma medida sustentável que, ao mesmo tempo, é considerada uma das melhores alternativas para a diminuição das emissões de CO2 na atmosfera, que é um dos principais gases intensificadores do efeito estufa.

 

 

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Entrevistas

MARCOS TERENA

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De filho pródigo à liderança internacional, o índio, piloto e cacique Marcos Terena, tornou-se um líder respeitado e o ponto de equilíbrio entre autoridades brancas e os povos indígenas.

O índio, piloto e cacique Marcos Terena é uma liderança respeitada internacionalmente e o ponto de equilíbrio autoridades brancas e os povos indígenas. Terena tem uma de luta, de diálogos e de fé.
Voltemos no tempo. Em 1990, o jornalista Zózimo Barroso do Amaral deu em sua coluna do Jornal do Brasil uma nota, com o título “Procura-se” dizendo que o líder indígena Marcos Terena acabara de ser demitido da Funai, onde era piloto – mesmo tendo entrado em avião só como passageiro e morrendo de medo.
Foi na resposta de Marcos Terena ao JB, que se conheceu o valor, a grandeza, a altivez e a dignidade de um índio. Escreveu ele ao JB:
“Sou um dos 240 mil índios brasileiros e um dos seus interlocutores junto ao homem branco. Quando ainda tinha nove anos, fui levado a conhecer o mundo. Era preciso ler, escrever e falar o português. Um dia a professora me pôs de castigo, não sabia por quê, mas obedeci. Fiquei de frente para o quadro negro, de costas para a sala. Quando meus colegas entraram, morreram de rir. Não sabia o motivo, mas sentia-se orgulhoso por fazê-los rir. Eles riam porque descobriram meu segredo: meu sapato não tinha sola, apenas um buraco, amarrado por arame. Naquele momento, sem querer, acabei descobrindo o segredo do homem civilizado: suas crianças não eram apenas crianças. Apenas uma palavra as separava das outras crianças: pobreza.” 
E Terena continua sua carta:
“Um dia me chamaram de “japonês”. Decidi adotar essa identidade. E fiz isso por 14 anos.” 
Foi passando por japonês que Marcos Terena conseguiu estudar, entrar para a FAB, aprender a pilotar. Veio para Brasília. Deixou de ser japonês para voltar a ser índio. Ai descobriu que era “tutelado”. Mais: como tinha estudo, começou a explicar a lei para seus companheiros de selva. “Expliquei – diz ele – e fui acorrentado. Pelos índios, como irmãos. Pela Funai, como subversivo da ordem e dos costumes”. Veio o drama: continuar sendo branco-japonês e exercer sua profissão de piloto, ou voltar a ser índio, mesmo sendo subversivo. Marcos Terena era o próprio filho pródigo. Sabia ler, escrever, analisar o mundo, entender outras línguas. Mas, como índio, recebeu um castigo dos tutores da Funai: não podia exercer sua profissão, pilotar. Só depois de muita luta, recebeu seu brevê do Ministério da Aeronáutica. A carta de Terena ao JB continua. É linda. Uma lição! Quando publicada, mereceu uma crônica especial da Acadêmica Rachel de Queiroz.
E Terena, ao concluir sua carta, lembrou ao jornalista: “Não guardo rancores pela nota. Foi mais uma oportunidade de fazer valer a nossa voz como índio. Gostaria apenas que o jornalista inteirasse dessas informações todas e soubesse de minha vontade em tê-lo como amigo”. 
Respeitado por índios e brancos, sulmatogrossense de Taunay, Marcos Terena, 66 anos, maior líder do Movimento Indigenista Brasileiro – é um exemplo. Seu nome, sua obra e sua luta se confundem com a própria natureza: rica, dadivosa, exuberante, amiga e fiel.
CINCO BRANCOS E CINCO ÍNDIOS DE VALOR
1 – CINCO HOMENS BRANCOS QUE SOUBERAM OU SABEM VALORIZAR A CULTURA INDIGENISTA?
TERENA – O Marechal Cândido Rondon, o antropólogo Darcy Ribeiro, o escritor Antônio Callado, o cantor Milton Nascimento e o sertanista Orlando Villas Boas.
2 – QUAIS OS CINCO ÍNDIOS MAIS IMPORTANTES NA HISTÓRIA BRASILEIRA?
TERENA – Cacique Cunhambebe, da Conferência dos Tamoios; Cacique Mário Juruna, dos Xavantes; Cacique Raoni, dos Txucarramãe, Cacique Quitéria Pankararue; e Cacique Marcolino Lili, dos Terena.
3 – A POLÍTICA É UMA ARMA PARA SE FAZER JUSTIÇA OU UM CAMINHO MAIS FÁCIL PARA ENCOBRIR INJUSTIÇAS?
TERENA – O poder legislativo é um pêndulo necessário entre os três poderes. Mas a única participação que tivemos foi do Deputado Mario Juruna, eleito pelo voto do RJ. O ideal seria assegurar algumas cadeiras no Senado e na Câmara aos diversos setores sociais, como uma verdadeira “assembleia do povo brasileiro” e não somente aos sindicatos organizados ou aos cartéis dos ricos e poderosos.
POPULAÇÃO INDÍGENA HOJE
4 – NAS SUAS CONTAS, QUAL A POPULAÇÃO INDÍGENA HOJE NO BRASIL?
TERENA –  Já fomos mais de 5 milhões, com 900 povos. Hoje estamos em fase de reorganização e crescimento já beirando os 530 mil em aldeias, e depois dos eventos nacionais e internacionais de afirmação outros 500 mil em centros urbanos, com mais de 300 sociedades e 200 línguas vivas em todo o Brasil.
5 – AS MISSÕES RELIGIOSAS QUE ATUAM NAS ÁREAS INDÍGENAS SÃO BOAS OU RUINS?
TERENA – As missões religiosas sempre foram a parte a abençoar os primeiros contatos com os indígenas. Elas foram criadas para gerenciar os mandamentos bíblicos e cristãos, mas no caso indígena cometeram um grande pecado. Consideraram os índios como pecadores e sem almas por não usarem roupas e não terem a mesma fé dos brancos. Isso foi ruim pois sempre respeitamos de forma sagrado o Grande Espírito.
6 – OS ÍNDIOS JÁ SERVIRAM COMO MARKETING PARA OS PORTUGUESES (MOTIVO DE FINANCIAMENTO DE NOVAS EXPEDIÇÕES, POIS O MUNDO CATÓLICO TINHA QUE SALVAR ALMAS) JÁ SERVIRAM COMO MARKETING PARA CANTORES DE ROCK, PARA ONGS, PARA CANDIDATOS E PARA GOVERNOS. ÍNDIO É UM BOM MARKETING?
TERENA – Índio é uma marca muito boa, porque índio é terra, é ecologia, é bem viver. Isso não foi usado só por artistas da mídia, mas por fabricantes de joias, de produtos de beleza, de comida e medicina alternativas. Geralmente isso não traz nenhum retorno para nossa causa, basta ver o descaso como a Funai é tratada dentro do Governo e, com ela, os índios.
7 – QUEM PENSA GRANDE E QUEM PENSA PEQUENO NA FUNAI?
TERENA – Os índios pensam de forma ampla porque pensam nas suas terras, nos seus ecossistemas como fonte para o futuro do país. Em compensação os últimos presidentes da Funai foram passivos, paternalistas e incompetentes para a promoção dos valores indígenas e da própria instituição como empoderamento étnico, institucional e fonte de respostas para o País e para o mundo.
SONHO: DEMARCAÇÃO E CÁTEDRA ÍNDÍGENA
8 – JURUNA FOI UM LÍDER ELEITO PELO HOMEM BRANCO. VALEU, PARA OS ÍNDIOS, ESSA EXPERIÊNCIA PARLAMENTAR?
TERENA – A lembrança de Mário Juruna é um marco na história dos Povos Indígenas. Como Cacique foi o maior dos últimos tempos, sendo respeitado pelas autoridades brasileiras por sua forma de ser, mas como Parlamentar não foi bem assim. Houve falta de assessoria suficientemente hábil, para sua reeleição por exemplo, para abrir portas para novos valores indígenas, até hoje…
9 – QUAL O GRANDE SONHO DA FAMÍLIA INDIGENISTA PARA O ANO 2020?
TERENA – A demarcação de todas as terras. Cumprir a Constituição e não rasgá-la como querem alguns parlamentares como a bancada ruralista; eleger o maior número de vereadores e prefeitos índios; criar uma Cátedra Indígena com um perfil de Universidade Intercultural, e transformar a Funai num Ministério do Índio, e inovar nas relações com os poderes públicos, nomeando indígenas para esses cargos, pois eles existem.
10 – RELIGIÃO: O HOMEM BRANCO NÃO RESOLVEU SEUS PROBLEMAS COM A RELIGIÃO QUE TEM, MAS ACHA QUE DEVE LEVAR SUA RELIGIÃO PARA OS ÍNDIOS. O QUE ACHA DISSO?
TERENA – Os índios creem em Deus, o grande Criador. Muitas aldeias já aderiram aos costumes cristãos, tendo inclusive pastores e sacerdotes indígenas, que rezam e cantam na língua nativa. Acho que acima de tudo, Deus tem um plano para os índios. Ajudar o homem branco a conhecer o verdadeiro Deus, que fez os céus, a terra e a água, onde estão as fontes de sabedoria, de respeito às crianças e aos velhos, e dos alimentos e medicamentos do futuro. Lamentamos muito que em nome da Paz e do seu Deus, o homem branco continue matando.
11 – O QUE O ÍNDIO ESPERA DA CIVILIZAÇÃO, DO HOMEM BRANCO DE HOJE?
TERENA – Na verdade, agora estamos mais especializados em assuntos do branco, percebemos uma grande carência de metas e ideais que não dependem apenas de dinheiro ou poder. A sociedade do novo Milênio se perdeu entre as novas tecnologias e está gerando uma sociedade sem velhos e jovens, onde a Mulher por ser Mulher, poderá ser o equilíbrio, a tábua de salvação dos valores sociais, interétnicos, econômicos e religiosos. Um governo que defende o armamento de sua sociedade não está a favor do bem estar de seu Povo e sim dos interesses das indústrias de armas e guerras. O índio brasileiro não aceita ser parte da pobreza, mas quer mostrar que podemos ajudar, contribuir, mas dentro de um respeito mútuo.
“POSSO SER O QUE VOCÊ É, SEM DEIXAR DE SER QUEM SOU!”
12 – SUA LUTA É PROVAR QUE A DIFERENÇA CULTURAL É FATOR DE DISCRIMINAÇÃO QUANDO DEVERIA SER FATOR DE UNIÃO PELA PLURALIDADE ÉTNICA. VOCÊ CONSEGUE PASSAR ESSA MENSAGEM?
TERENA – Eu tive oportunidade de nascer em uma pequena aldeia, de estudar sem qualquer apoio ou cotas, e mesmo com a discriminação poder chegar a fazer um curso de aviadores na FAB. Aprendi muito com os valores militares. Tenho uma profissão rara, que é pilotar aviões. Outros índios não tiveram essa oportunidade. Muitos cansados, desiludidos voltaram para suas Aldeias para formar um novo espírito de lideranças tradicionais, religiosas e políticas. Mas no novo Milênio é impossível aceitar quaisquer argumentos que nos isolem das oportunidades, por isso quando começamos o movimento indígena nos anos 80, buscamos aliados para trocas de ideias dos nossos valores e da sociedade como um todo, organizando os índios, debatendo com mestres da Antropologia, da CNBB, da OAB, da SBPC, envolvendo artistas e personalidades – tudo isso ajudou a sermos melhores compreendidos. Ajudou-nos a levar uma nova mensagem aos brasileiros: “Posso ser o que você é, sem deixar de ser quem sou!”
CULTURA FORTE, MAS ECONOMIA FORTE
13 – OS ÍNDIOS PARECIS SÃO HOJE GRANDE PRODUTORES RURAIS. FAZEM DUAS SAFRAS POR ANO DE SOJA, MILHO, GIRASSOL E OUTROS PRODUTOS. TRÊS MIL ÍNDIOS FAZEM MAIS DE R$ 50 MILHÕES COM O AGRONEGÓCIO. TEM ÍNDIO PILOTO DE COLHEITADEIRA, AGRÔNOMO E TEM ÍNDIO ESPECIALISTA EM MERCADO. FUNAI E IBAMA CRIAM TODAS AS DIFICULDADES BUROCRÁTICAS A ELES. O QUE VOCÊ ACHA DISSO?
TERENA – Temos que olhar com desconfiança tudo que é mágico. Se todos os agricultores fossem plantar soja para ficarem ricos, não haveria pobreza e fazendeiros endividados com bancos e credores. Teríamos condições de plantar soja, mas também seguir os princípios indígenas de gerar a segurança alimentar familiar. O Agronegócio não funciona assim. Por outro lado, os irmãos indígenas estão se empenhando em fazer a sua parte, que é demonstrar sua inteligência no manejo com a terra e sua força de trabalho. Ainda não sabemos como foram feitos os acordos financeiros das partes envolvidas.
14 – VOCÊ ACHA QUE O GOVERNO ESTÁ MEIO INDECISO?
TERENA – O Ministério da Agricultura do governo Bolsonaro tem demonstrado sua contradição interna. Alguns assessores de alto nível emitem sons de discriminação histórica e até de ódio. Então como acreditar fielmente que esse Ministério é um aliado. Seria um marketing ou seria a reformulação do Anhanguera quando mentiu para os antigos donos dessas terras, ao ameaçar por fogo em todos os rios, ao acender um fogo com aguardente? O mais estranho é que os órgãos de fiscalização e controle e defesa dos povos indígenas como a FUNAI e o IBAMA, estão sendo descontruídos como tais, mas felizmente isso não acontece com o Ministério Público Federal, que certamente dará um norte nos encaminhamentos futuro.
De toda forma, sempre defendo a livre determinação dos Povos Indígenas, a começar pela demarcação territorial, com cultura forte, mas economia forte também.
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Entrevistas

José Carlos Pinheiro Neto – Entrevista sobre o carro e o meio ambiente

Presidente da Anfavea fala sobre a sustentabilidade da indústria automobilística

Publicado

em

 

A indústria, o automóvel e o meio ambiente

José Carlos Pinheiro Neto, vice-presidente da GM e presidente da Anfavea

Silvestre Gorgulho, de Brasília

 

Presidente da Anfavea mostra como as fábricas vão se tornando mais limpas e fala do desafio de continuar fazendo carros que gastem menos energia e sejam menos poluentes:

“Não há problemas tecnológicos com o carro a álcool. O problema é mercadológico. O consumidor brasileiro não reconquistou
a confiança na disponibilidade do álcool
na bomba de combustível”

Veículos com mais de 10 anos respondem por 77% das emissões de poluentes e por 60% dos acidentes com vítimas Há um mês a General Motors inaugurou sua mais nova planta industrial do mundo, em Gravatai-RS, para produção do carro compacto Celta, que acaba de chegar ao mercado. O próprio presidente da República e os centenas de convidados que visitaram a indústria puderam conhecer um complexo automotivo ecologicamente correto, desde sua implantação até sua gestão diária, seguindo as normas ambientais. Como? Minimizando os impactos ambientais, evitando perdas de energia, reduzindo desperdício, coletando os efluentes e dejetos tóxicos, promovendo um saneamento adequado e valorizando a área verde, com a construção até de uma estação ecológica onde foi construída uma escola para educação ambiental. Afinal de contas, é essa a receita para o desenvolvimento sustentável e não foi por outro motivo que, depois da inauguração, o presidente Fernando Henrique lembrou uma frase que disse numa entrevista à Folha do Meio: “Sem a adequada proteção ambiental, o próprio processo de desenvolvimento corre o risco de se tornar estéril”.Enfim, se as indústrias automotivas estão rezando na cartilha da gestão ambiental, o desafio agora é outro. E muito maior: tornar os automóveis menos poluentes, gastando menos energia. O fato é que os maiores danos ao ambiente ocorrem durante o tempo em que o veículo roda, pois durante sua vida útil, um carro gasta 70% de toda a energia e emite 80% de toda poluição envolvidos no processo, desde a fabricação. Mas, enquanto as indústrias pesquisam formas de gastarem menos energia e de seus produtos emitirem menos poluentes, o Brasil sequer regulamentou a lei de inspeção veicular para obrigar a regulagem dos escapamentos. Mais: engavetou a proposta de renovação de frota. É bom lembrar que metade dos 20 milhões de veículos que rodam hoje no Brasil tem mais de 10 anos e – incrível – respondem por mais de 77% das emissões de poluentes na atmosfera. Outro dado assustador: segundo a Anfavea, 60% dos acidentes com vítimas são provocados por veículos com mais de 10 anos.
Para falar como as novas fábricas estão “limpas” , como os carros enfrentam o desafio da poluição e até de renovação de frota, ninguém melhor do que o presidente da Anfavea e vice-presidente da GM, José Carlos Pinheiro Neto.

Uma grande empresa, uma grande planta industrial e um Estado muito politizado ambientalmente. Como foram os antecedentes e as primeiras articulações para a implementação do projeto?
José Carlos P. Neto –
Foi simples, mas não foi fácil. A GM seguiu todo o procedimento legislativo em vigor para a aprovação dos projetos industriais pelos órgãos ambientais. Submetemos às autoridades gaúchas o estudo de impacto ambiental e houve, inclusive, audiência pública para a formulação de perguntas por parte da sociedade. A GM cumpriu todos os quesitos exigidos pela legislação ambiental municipal, estadual e federal.

O que mais chamou a atenção dos executivos da GM quando das conversações e acertos com os órgãos ambientais e com os próprios ambientalistas?
José Carlos –
Não tivemos nenhuma situação inusitada e nem mantivemos contatos diretamente com ambientalistas, ONGs ou entidades privadas. Se houve contato com representantes do setor não-governamental, ele ocorreu anonimamente, no âmbito da audiência pública.

Em relação as muitas outras plantas industriais da GM no mundo inteiro, qual o grande diferencial da nova fábrica de Gravataí?
José Carlos –
O grande diferencial é o processo fabril. Contrariamente às plantas tradicionais, em Gravataí a GM monta subsistemas completos, que são alimentados por um seleto grupo de fornecedores chamados “sistemistas”. No complexo automotivo existem 17 sistemistas.

Meio ambiente caminha numa pista dupla: educação e tecnologia. Como, quando e onde os “pilotos” do board da GM encaram esse desafio?
José Carlos –
A GM tem políticas ambientais internas há mais de 40 anos. É uma empresa ambientalmente consciente, que zela por estar sempre em situação politicamente correta quando o assunto é o que modernamente é conhecido pelo nome de Responsabilidade Social Corporativa. A GM investe centenas de milhões de dólares a cada ano no desenvolvimento de tecnologia ambientalmente mais favorável. Foi o caso, por exemplo, de veículos elétricos, e atualmente, da tecnologia das células de combustível. Ainda para citar a planta de Gravataí, gostaria de salientar que a GM reservou 25% da área do Complexo Automotivo à preservação ambiental. Foi realizado um trabalho ambiental muito importante e operacionalmente complicado: transplantamos mais de 400 árvores da área que foi nivelada para abrigar os prédios industriais para a área de preservação. Foram principalmente figueiras – que são protegidas por lei no Rio Grande – algumas com até 49 ton. de peso. Essa área é uma estação ecológica que recebeu, ainda, mais 25 mil novas plantas e onde foi construída uma escola para educação ambiental.

A GM mostrou que gestão ambiental é quando a preservação do ambiente faz parte do negócio. Como a nova indústria administra a questão dos efluentes?
José Carlos –
Esse é um assunto essencial, hoje, numa planta industrial. Todos efluentes, produtos químicos, pintura, como aliás todos os dejetos, sobras, refugos gerados no processo fabril, são processados de acordo com a mais moderna tecnologia existente no mundo.

Qual a principal lição ambiental que a GM tirou depois da implantação da nova indústria automotiva de Gravataí?
José Carlos –
Não diria que é propriamente uma lição, mas a confirmação de que é possível ter plantas industriais moderníssimas em perfeita harmonia com o meio ambiente e com a expectativas da sociedade quanto à qualidade de vida.

Vamos falar agora de renovação da frota que também tem seu lado ambiental e de qualidade de vida, afinal de contas carro mais novo significa mais segurança e menos dióxido de carbono no ar. Como anda o programa?
José Carlos –
É de lamentar que o programa de Renovação da Frota Nacional de Veículos Automotores, concebido pela Anfavea, encampado por outras associações de classe e pelas organizações sindicais, não tenha sido apoiado pelo governo federal. Esse programa tem um evidente apelo ambiental, à medida que vai retirar de circulação veículos inseguros e poluidores, que seriam, ainda, destinados a modernos centros de reciclagem. Metade da frota em circulação, mais ou menos 10 milhões de veículos, têm os maiores índices de emissão média de monóxido de carbono, devido suas condições tecnológicas. E a própria reciclagem de materiais e componentes dos veículos seria uma importante ajuda para diminuir a poluição. Além de contribuir para dar uma dimensão de escala econômica à atividade da reciclagem.

Combustíveis limpos – esse é o grande desafio ambiental para a indústria automobilística. Como estão os projetos para carros elétricos e para maior agressividade na fabricação de carros a álcool?
José Carlos –
A GM foi a primeira montadora do mundo a produzir um veículo elétrico em série. É o EV1, movido a baterias ácido-chumbo. Atualmente, a tecnologia mais promissora é a da célula a combustível e todos os grandes fabricantes desenvolvem projetos de pesquisa nessa linha, inclusive a GM. Quanto ao álcool… bem, vamos repetir pela enésima vez a história que temos a contar. Em primeiro lugar, não há problemas tecnológicos para o relançamento do carro a álcool. O problema é unicamente mercadológico, porque até hoje o consumidor brasileiro não reconquistou a confiança na disponibilidade do álcool na bomba de combustível. Aliás, há poucas semanas vimos como isso funciona no Brasil. A safra de cana sofreu uma queda de 20% e o combustível ameaçou faltar. Qual foi a solução? O mix do álcool na gasolina baixou para 20%. Não questiono a decisão tomada pelo governo. O problema é a percepção do consumidor, que vê o álcool como combustível “não confiável”. Infelizmente, para a ecologia nacional, não vejo os consumidores fazendo fila para comprar carros a álcool…

Mas, e o carro?
José Carlos –
Bem, como eu disse, não há problemas tecnológicos para produzi-lo. Tanto que a partir de junho deste ano disponibilizamos os Corsa Wind e Wind Sedan 1.0 movidos a álcool. As vendas ainda estão tímidas, mas acredito que deslanchem uma vez que o consumidor se conscientize das vantagens do álcool ao se tratar de motores modernos, de injeção eletrônica. Dentre as vantagens, estão o desempenho superior e o menor custo por km em relação a um motor similar a gasolina. Além do lado ambiental: o álcool não polui e é um combustível renovável, ao contrário dos derivados de petróleo.
Célula de combustível – É um gerador de energia elétrica baseado na reação química de um combustível líquido ou gasoso com o oxigênio. Essa energia irá alimentar um motor elétrico para propulsionar o veículo. As pesquisas estão apontando o hidrogênio como o combustível ideal para a célula. Essas células foram utilizadas pela NASA, a partir de 1965, para produzir a energia elétrica para os sistemas de comunicação e computadores das cápsulas Gemini.

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