Entrevistas

João Batista Padilha Fernandes – Hidrômetros individuais

No DF, morador de apartamento vai pagar apenas pela água que consome


Hidrômetros individuais


João Batista Padilha Fernandes – Entrevista


Silvestre Gorgulho, de Brasília


Agora é lei: morador de apartamento vai pagar apenas pela água que consome. No Distrito Federal, uma nova lei pode acabar com uma injustiça que é cometida em praticamente todo o Brasil: o morador dos prédios de condomínio, em Brasília, deve pagar a conta da água que ele próprio consome. Como acontece com a luz. Se um morador gasta pouca água, vai pagar uma conta pequena. Antes desta lei, a conta era rateada pelo condomínio. Isso além de
incentivar o desperdício, significa uma arbitrariedade grave: quem economiza água paga o mesmo preço do gastador contumaz. Por iniciativa da Caesb – Companhia de Água e Esgoto de Brasília foi encaminhado à Câmara Legislativa um Projeto de Lei no final de 2004, que foi aprovado em 18 de janeiro de 2005.


É a Lei nº 3.557 que dispõe sobre a individualização de instalação de hidrômetros nas edificações verticais residenciais e nas de uso misto e nos condomínios residenciais do Distrito Federal. Acontece que a Lei foi aprovada com emendas e, segundo técnicos da Caesb, a proposta perdeu um pouco o sentido original. O Projeto inicial deixava ao livre arbítrio, de cada prédio antigo optar pela individualização, considerando os interesses legítimos dos condôminos. Entretanto, o artigo 6º da Lei aprovada estabelece que “As edificações habitacionais e de uso misto já existentes têm prazo de cinco anos para instalação individualizada dos hidrômetros, contados da data da publicação desta Lei”. Parágrafo único: Nos casos em que seja comprovadamente inviável, do ponto de vista técnico, a instalação de hidrômetro individual, os condomínios definirão modelo de rateio das despesas de água”. Os técnicos do setor consideram esse um artigo autoritário, mesmo deixando uma brecha no seu parágrafo único. Se a Caesb entender que não há condição técnica, o condomínio fica dispensado da individualização. De qualquer forma, a questão vai gerar transtornos aos prédios antigos. Diante disso, o Governo do Distrito Federal deve mandar um novo Projeto de Lei para colocar essa proposta no seu curso original, que é de deixar os prédios antigos livres para decidirem se querem individualizar ou não. Para falar sobre um tema tão novo e de tanto interesse não só para Brasília como para milhares de condomínios espalhados por 5.656 municípios brasileiros, procuramos o Diretor de Produção e Comercialização da Caesb, engenheiro João Batista Padilha Fernandes.


Folha do Meio – Brasília saiu na frente e, como na luz, cada morador de um prédio também vai pagar pela água que consome. Consumiu muito, paga muito. Economizou, paga pouco. Qual a importância social e econômica deste projeto?
João Batista –
A principal importância é a demonstração de respeito ao consumidor, pois o projeto permite que o cliente da Caesb, os moradores de condomínios, tenham condição de pagar pelo que efetivamente consomem. O importante que assim se sentem também estimulados a não desperdiçarem água. Com isso podem ter um comportamento ambientalmente correto em relação a um bem cuja disponibilidade na natureza é cada vez menor.


FMA – Houve emendas ao projeto original. E agora?
João Batista –
Verdade! Da forma encaminhada pelo Executivo os prédios antigos não seriam obrigados a instalarem medidores individuais. Porém, nas discussões e na aprovação final pelo Legislativo, o projeto de lei foi aprovado obrigando todos os prédios promoverem esta alteração num prazo de até cinco anos.
No caso de inviabilidade técnica para se efetivarem as obras de individualização dos prédios construídos antes da lei, a legislação permite que os critérios de rateio adotados pelo condomínio sejam mantidos. Entretanto, o governador Roriz, embora tenha sancionado a lei, por entender que essa já é uma grande conquista da população, pretende submeter um novo projeto à Câmara. Isto porque vai flexibilizar totalmente a obrigatoriedade nos prédios antigos. Esse novo projeto deixará essa situação bem clara e será em benefício dos próprios usuários.


FMA – Segundo o governador, o sistema de medição global de água nos edifícios fere o direito do cidadão enquanto consumidor, pois ele paga sua conta independente do consumo. Essa nova sistemática racionaliza o consumo, mas poderá diminuir a arrecadação da Caesb?
João Batista –
Pelos nossos estudos, há previsão de redução de 10% no consumo. Evidente que as pessoas serão mais atentas no uso da água, pois o resultado final baterá diretamente no bolso do usuário. Isso é bom para o próprio consumidor como é bom também para quem gerencia o abastecimento d´água. O governador Roriz tem razão ao dizer que o sistema de medição global de água nos edifícios fere consideravelmente o direito do cidadão enquanto consumidor. Afinal de contas, como é na maior parte do Brasil, o usuário acaba pagando a conta independente de seu consumo. Não há nem estímulo para se evitar o desperdício.
Mas Brasília mais uma vez sai na frente, dá o exemplo até de cidadania. Paga quem gasta. Como dizia, em razão desta redução do desperdício, haverá mais economia. Assim a Caesb vai até poder postergar investimentos com ampliação dos sistemas de distribuição e, conseqüentemente, vai poder redirecionar seus investimentos para áreas mais necessitadas. Vai poder atender novas demandas da população decorrentes da sua expansão.


FMA – Qual a repercussão desta novidade junto às empresas construtoras. Vai encarecer a unidade residencial?
João Batista –
As novas unidades residenciais praticamente não terão aumento no seu custo construtivo. Estima-se que no máximo esse reflexo vai representar 1% do valor do imóvel. O importante é que a própria construtora poderá usar esse novo serviço no seu marketing. Qual o morador vai querer pagar a conta de água do vizinho que vive lavando seu carro, aguando jardim ou alugando o apartamento para terceiros? Esse torna um bom diferencial competitivo no momento da venda da unidade ao consumidor.


FMA – E qual a repercussão junto aos donos de apartamentos?
João Batista –
Para quem já sabe da novidade, a repercussão está sendo muito positiva. Vamos ver quando inaugurar primeira unidade, porque aí os síndicos, os usuários e até as construtoras poderão avaliar melhor todas estas mudanças. Acho que é mais um benefício para todos que estão envolvidos neste processo: ganha o consumidor, o construtor, a empresa de abastecimento e o meio ambiente.

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Kátia Queiroz Fenyves fala a respeito de sustentabilidade e meio ambiente

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Kátia Fenyves é Mestre em Políticas Públicas e Governança pela Sciences Po Paris e formada em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo. Ao longo de sua trajetória profissional, acumulou experiências em cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável no terceiro setor e na filantropia. Atualmente é Gerente do Programa de Finanças Verdes da Missão Diplomática do Reino Unido no Brasil.

 

1. Você estudou e tem trabalhado com a questão de sustentabilidade e o meio ambiente. Pode nos falar um pouco a respeito desses temas?
Meio ambiente é um tema basilar. Toda a vida do planeta depende de seu equilíbrio. A economia, da mesma forma, só se sustenta a partir dos recursos naturais e de como são utilizados. Sustentabilidade, portanto, foi o conceito que integrou as considerações aos aspectos ambientais, sociais e econômicos, revelando de forma mais sistêmica esta inter-relação e, sobretudo, colocando o meio ambiente como eixo estratégico do desenvolvimento, para além de seu valor intrínseco.

2. Quando se fala em sustentabilidade, pensa-se no tripé social, ambiental e econômico. Como você definiria esses princípios? Qual deles merece maior atenção, ou todos são interligados e afetam nossa qualidade de vida integralmente?
Exatamente, sustentabilidade é o conceito que revela as interligações entre os três pilares – social, ambiental e econômico e, portanto, são princípios interdependentes e insuficientes se tomados individualmente. Talvez, o ambiental seja realmente o único que escapa a isso. A natureza não depende da economia ou da sociedade para subsistir, mas, por outro lado, é impactada por ambos. Por isso, sustentabilidade é um conceito antrópico, ou seja, é uma noção que tem como referencial a presença humana no planeta.

3. Questões relacionadas à sustentabilidade, preservação do meio ambiente e consumo consciente são discutidas nas escolas e universidades?
Há entre as Diretrizes Curriculares Nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, que são normas obrigatórias, as específicas para Educação Ambiental que devem ser observadas pelos sistemas de ensino e suas instituições de Educação Básica e de Educação Superior a partir da Política Nacional de Educação Ambiental. Estas contemplam todos os temas citados na pergunta. Não sou especialista na área então é mais difícil avaliar a implementação, mas em termos de marco institucional o Brasil está bem posicionado.

4. Quando se fala em preservação do meio ambiente, pensa-se também nos modelos de descarte que causam tantos danos ao meio ambiente. Existe alguma política de incentivo ao descarte consciente?
Mais uma vez, o Brasil tem um marco legal bastante consistente para o incentivo ao descarte consciente que é a Política Nacional de Resíduos Sólidos de 2010, que é inclusive uma referência internacionalmente. Na verdade, mais que um incentivo ela é um desincentivo ao descarte inconsciente por meio do estabelecimento da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e a logística reversa. Isso significa que a PNRS obriga as empresas a aceitarem o retorno de seus produtos descartados, além de as responsabilizar pelo destino ambientalmente adequado destes. A inovação fica sobretudo na inclusão de catadoras e catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis tanto na logística reversa como na coleta seletiva, algo essencial para um país com nosso contexto social.

5. Você acha que os modelos de descarte atuais serão substituídos por novos modelos no pós-pandemia? O que fazer, por exemplo, para incentivar as pessoas a descartar de forma consciente as máscaras antivírus?
Sempre é preciso se repensar e certamente a pandemia deu destaque a certas fragilidades da implementação da PNRS. Grande parte dos hospitais brasileiros ainda não praticam efetivamente a separação e adequada destinação de seus resíduos e, na pandemia, este problema é agravado tanto pela maior quantidade de resíduos de serviços de saúde gerados como por uma maior quantidade de geradores, uma vez que a população também começa a produzir este tipo de resíduo em escala. Falta ainda muita circulação da informação, então talvez este seja o primeiro passo: uma campanha de conscientização séria que jogue luz nesta questão.

6. Na sua opinião, o mundo está mais consciente das necessidades de preservação do meio ambiente e dos recursos naturais para que gerações futuras possam deles usufruir?
Acredito que tenhamos passado do ponto em que estas necessidades de preservação eram uma questão de consciência e chegamos a um patamar de sobrevivência. Também não se trata apenas das gerações futuras, já estamos sofrendo as consequências do desequilíbrio ambiental provocado pela ação humana e do esgotamento dos recursos naturais desde já. A própria pandemia é resultado de relações danosas entre o ser humano e o meio ambiente e os conflitos por fontes de água, por exemplo, são uma realidade.

7. Quais as ações que mais comprometem e degradam o meio ambiente?
Nosso modelo produtivo e de consumo como um todo é baseado em uma relação predatória com o meio ambiente: retiramos mais do que necessitamos, sem respeitar os ciclos naturais de reposição e, além disso, quando descartamos os resíduos e rejeitos não cumprimos com os padrões adequados estabelecidos. Já temos conhecimento suficiente para evitar grande parte dos problemas, mas ainda não conseguimos integrá-lo nas nossas práticas efetiva e definitivamente.

8. O que na sua opinião precisa ser feito para que as sociedades conheçam mais a respeito de sustentabilidade, preservação do meio ambiente e consumo consciente?
Acredito que para avançarmos como sociedade precisamos tratar a questão das desigualdades socioeconômicas que estão intrinsicamente relacionadas a desigualdades ambientais, inclusive no que diz respeito às informações, ao conhecimento. A educação é, portanto, um componente estratégico para este avanço, mas é preciso ter um entendimento amplo que traga também os saberes tradicionais para esta equação. Além disso é preciso cada dia mais abordar o tema da perspectiva das oportunidades, pois a transição para modos de vida mais sustentáveis, que preservam o meio ambiente e que se baseiem em consumo conscientes alavancam inúmeras delas; por exemplo, um maior potencial de geração de empregos de qualidade e menos gastos com saúde.

9. A questão climática está relacionada com a sustentabilidade? Como?
A mudança do clima intensificada pela ação antrópica tem relação com nossos padrões de produção e consumo em desequilíbrio com o meio ambiente: por um lado, vimos emitindo uma quantidade de gases de efeito estufa muito significativa e, por outro, vimos degradando ecossistemas que absorvem estes gases, diminuindo a capacidade natural do planeta de equilibrar as emissões. Assim, a questão climática está relacionada com um modo de vida insustentável. A notícia boa é que práticas sustentáveis geram diretamente um impacto positivo no equilíbrio climático do planeta. Por exemplo, o Brasil tem potencial para gerar mais de 25 mil gigawatts em energia solar, aproveitando sua excelente localização geográfica com abundância de luz solar, uma medida sustentável que, ao mesmo tempo, é considerada uma das melhores alternativas para a diminuição das emissões de CO2 na atmosfera, que é um dos principais gases intensificadores do efeito estufa.

 

 

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Entrevistas

MARCOS TERENA

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De filho pródigo à liderança internacional, o índio, piloto e cacique Marcos Terena, tornou-se um líder respeitado e o ponto de equilíbrio entre autoridades brancas e os povos indígenas.

O índio, piloto e cacique Marcos Terena é uma liderança respeitada internacionalmente e o ponto de equilíbrio autoridades brancas e os povos indígenas. Terena tem uma de luta, de diálogos e de fé.
Voltemos no tempo. Em 1990, o jornalista Zózimo Barroso do Amaral deu em sua coluna do Jornal do Brasil uma nota, com o título “Procura-se” dizendo que o líder indígena Marcos Terena acabara de ser demitido da Funai, onde era piloto – mesmo tendo entrado em avião só como passageiro e morrendo de medo.
Foi na resposta de Marcos Terena ao JB, que se conheceu o valor, a grandeza, a altivez e a dignidade de um índio. Escreveu ele ao JB:
“Sou um dos 240 mil índios brasileiros e um dos seus interlocutores junto ao homem branco. Quando ainda tinha nove anos, fui levado a conhecer o mundo. Era preciso ler, escrever e falar o português. Um dia a professora me pôs de castigo, não sabia por quê, mas obedeci. Fiquei de frente para o quadro negro, de costas para a sala. Quando meus colegas entraram, morreram de rir. Não sabia o motivo, mas sentia-se orgulhoso por fazê-los rir. Eles riam porque descobriram meu segredo: meu sapato não tinha sola, apenas um buraco, amarrado por arame. Naquele momento, sem querer, acabei descobrindo o segredo do homem civilizado: suas crianças não eram apenas crianças. Apenas uma palavra as separava das outras crianças: pobreza.” 
E Terena continua sua carta:
“Um dia me chamaram de “japonês”. Decidi adotar essa identidade. E fiz isso por 14 anos.” 
Foi passando por japonês que Marcos Terena conseguiu estudar, entrar para a FAB, aprender a pilotar. Veio para Brasília. Deixou de ser japonês para voltar a ser índio. Ai descobriu que era “tutelado”. Mais: como tinha estudo, começou a explicar a lei para seus companheiros de selva. “Expliquei – diz ele – e fui acorrentado. Pelos índios, como irmãos. Pela Funai, como subversivo da ordem e dos costumes”. Veio o drama: continuar sendo branco-japonês e exercer sua profissão de piloto, ou voltar a ser índio, mesmo sendo subversivo. Marcos Terena era o próprio filho pródigo. Sabia ler, escrever, analisar o mundo, entender outras línguas. Mas, como índio, recebeu um castigo dos tutores da Funai: não podia exercer sua profissão, pilotar. Só depois de muita luta, recebeu seu brevê do Ministério da Aeronáutica. A carta de Terena ao JB continua. É linda. Uma lição! Quando publicada, mereceu uma crônica especial da Acadêmica Rachel de Queiroz.
E Terena, ao concluir sua carta, lembrou ao jornalista: “Não guardo rancores pela nota. Foi mais uma oportunidade de fazer valer a nossa voz como índio. Gostaria apenas que o jornalista inteirasse dessas informações todas e soubesse de minha vontade em tê-lo como amigo”. 
Respeitado por índios e brancos, sulmatogrossense de Taunay, Marcos Terena, 66 anos, maior líder do Movimento Indigenista Brasileiro – é um exemplo. Seu nome, sua obra e sua luta se confundem com a própria natureza: rica, dadivosa, exuberante, amiga e fiel.
CINCO BRANCOS E CINCO ÍNDIOS DE VALOR
1 – CINCO HOMENS BRANCOS QUE SOUBERAM OU SABEM VALORIZAR A CULTURA INDIGENISTA?
TERENA – O Marechal Cândido Rondon, o antropólogo Darcy Ribeiro, o escritor Antônio Callado, o cantor Milton Nascimento e o sertanista Orlando Villas Boas.
2 – QUAIS OS CINCO ÍNDIOS MAIS IMPORTANTES NA HISTÓRIA BRASILEIRA?
TERENA – Cacique Cunhambebe, da Conferência dos Tamoios; Cacique Mário Juruna, dos Xavantes; Cacique Raoni, dos Txucarramãe, Cacique Quitéria Pankararue; e Cacique Marcolino Lili, dos Terena.
3 – A POLÍTICA É UMA ARMA PARA SE FAZER JUSTIÇA OU UM CAMINHO MAIS FÁCIL PARA ENCOBRIR INJUSTIÇAS?
TERENA – O poder legislativo é um pêndulo necessário entre os três poderes. Mas a única participação que tivemos foi do Deputado Mario Juruna, eleito pelo voto do RJ. O ideal seria assegurar algumas cadeiras no Senado e na Câmara aos diversos setores sociais, como uma verdadeira “assembleia do povo brasileiro” e não somente aos sindicatos organizados ou aos cartéis dos ricos e poderosos.
POPULAÇÃO INDÍGENA HOJE
4 – NAS SUAS CONTAS, QUAL A POPULAÇÃO INDÍGENA HOJE NO BRASIL?
TERENA –  Já fomos mais de 5 milhões, com 900 povos. Hoje estamos em fase de reorganização e crescimento já beirando os 530 mil em aldeias, e depois dos eventos nacionais e internacionais de afirmação outros 500 mil em centros urbanos, com mais de 300 sociedades e 200 línguas vivas em todo o Brasil.
5 – AS MISSÕES RELIGIOSAS QUE ATUAM NAS ÁREAS INDÍGENAS SÃO BOAS OU RUINS?
TERENA – As missões religiosas sempre foram a parte a abençoar os primeiros contatos com os indígenas. Elas foram criadas para gerenciar os mandamentos bíblicos e cristãos, mas no caso indígena cometeram um grande pecado. Consideraram os índios como pecadores e sem almas por não usarem roupas e não terem a mesma fé dos brancos. Isso foi ruim pois sempre respeitamos de forma sagrado o Grande Espírito.
6 – OS ÍNDIOS JÁ SERVIRAM COMO MARKETING PARA OS PORTUGUESES (MOTIVO DE FINANCIAMENTO DE NOVAS EXPEDIÇÕES, POIS O MUNDO CATÓLICO TINHA QUE SALVAR ALMAS) JÁ SERVIRAM COMO MARKETING PARA CANTORES DE ROCK, PARA ONGS, PARA CANDIDATOS E PARA GOVERNOS. ÍNDIO É UM BOM MARKETING?
TERENA – Índio é uma marca muito boa, porque índio é terra, é ecologia, é bem viver. Isso não foi usado só por artistas da mídia, mas por fabricantes de joias, de produtos de beleza, de comida e medicina alternativas. Geralmente isso não traz nenhum retorno para nossa causa, basta ver o descaso como a Funai é tratada dentro do Governo e, com ela, os índios.
7 – QUEM PENSA GRANDE E QUEM PENSA PEQUENO NA FUNAI?
TERENA – Os índios pensam de forma ampla porque pensam nas suas terras, nos seus ecossistemas como fonte para o futuro do país. Em compensação os últimos presidentes da Funai foram passivos, paternalistas e incompetentes para a promoção dos valores indígenas e da própria instituição como empoderamento étnico, institucional e fonte de respostas para o País e para o mundo.
SONHO: DEMARCAÇÃO E CÁTEDRA ÍNDÍGENA
8 – JURUNA FOI UM LÍDER ELEITO PELO HOMEM BRANCO. VALEU, PARA OS ÍNDIOS, ESSA EXPERIÊNCIA PARLAMENTAR?
TERENA – A lembrança de Mário Juruna é um marco na história dos Povos Indígenas. Como Cacique foi o maior dos últimos tempos, sendo respeitado pelas autoridades brasileiras por sua forma de ser, mas como Parlamentar não foi bem assim. Houve falta de assessoria suficientemente hábil, para sua reeleição por exemplo, para abrir portas para novos valores indígenas, até hoje…
9 – QUAL O GRANDE SONHO DA FAMÍLIA INDIGENISTA PARA O ANO 2020?
TERENA – A demarcação de todas as terras. Cumprir a Constituição e não rasgá-la como querem alguns parlamentares como a bancada ruralista; eleger o maior número de vereadores e prefeitos índios; criar uma Cátedra Indígena com um perfil de Universidade Intercultural, e transformar a Funai num Ministério do Índio, e inovar nas relações com os poderes públicos, nomeando indígenas para esses cargos, pois eles existem.
10 – RELIGIÃO: O HOMEM BRANCO NÃO RESOLVEU SEUS PROBLEMAS COM A RELIGIÃO QUE TEM, MAS ACHA QUE DEVE LEVAR SUA RELIGIÃO PARA OS ÍNDIOS. O QUE ACHA DISSO?
TERENA – Os índios creem em Deus, o grande Criador. Muitas aldeias já aderiram aos costumes cristãos, tendo inclusive pastores e sacerdotes indígenas, que rezam e cantam na língua nativa. Acho que acima de tudo, Deus tem um plano para os índios. Ajudar o homem branco a conhecer o verdadeiro Deus, que fez os céus, a terra e a água, onde estão as fontes de sabedoria, de respeito às crianças e aos velhos, e dos alimentos e medicamentos do futuro. Lamentamos muito que em nome da Paz e do seu Deus, o homem branco continue matando.
11 – O QUE O ÍNDIO ESPERA DA CIVILIZAÇÃO, DO HOMEM BRANCO DE HOJE?
TERENA – Na verdade, agora estamos mais especializados em assuntos do branco, percebemos uma grande carência de metas e ideais que não dependem apenas de dinheiro ou poder. A sociedade do novo Milênio se perdeu entre as novas tecnologias e está gerando uma sociedade sem velhos e jovens, onde a Mulher por ser Mulher, poderá ser o equilíbrio, a tábua de salvação dos valores sociais, interétnicos, econômicos e religiosos. Um governo que defende o armamento de sua sociedade não está a favor do bem estar de seu Povo e sim dos interesses das indústrias de armas e guerras. O índio brasileiro não aceita ser parte da pobreza, mas quer mostrar que podemos ajudar, contribuir, mas dentro de um respeito mútuo.
“POSSO SER O QUE VOCÊ É, SEM DEIXAR DE SER QUEM SOU!”
12 – SUA LUTA É PROVAR QUE A DIFERENÇA CULTURAL É FATOR DE DISCRIMINAÇÃO QUANDO DEVERIA SER FATOR DE UNIÃO PELA PLURALIDADE ÉTNICA. VOCÊ CONSEGUE PASSAR ESSA MENSAGEM?
TERENA – Eu tive oportunidade de nascer em uma pequena aldeia, de estudar sem qualquer apoio ou cotas, e mesmo com a discriminação poder chegar a fazer um curso de aviadores na FAB. Aprendi muito com os valores militares. Tenho uma profissão rara, que é pilotar aviões. Outros índios não tiveram essa oportunidade. Muitos cansados, desiludidos voltaram para suas Aldeias para formar um novo espírito de lideranças tradicionais, religiosas e políticas. Mas no novo Milênio é impossível aceitar quaisquer argumentos que nos isolem das oportunidades, por isso quando começamos o movimento indígena nos anos 80, buscamos aliados para trocas de ideias dos nossos valores e da sociedade como um todo, organizando os índios, debatendo com mestres da Antropologia, da CNBB, da OAB, da SBPC, envolvendo artistas e personalidades – tudo isso ajudou a sermos melhores compreendidos. Ajudou-nos a levar uma nova mensagem aos brasileiros: “Posso ser o que você é, sem deixar de ser quem sou!”
CULTURA FORTE, MAS ECONOMIA FORTE
13 – OS ÍNDIOS PARECIS SÃO HOJE GRANDE PRODUTORES RURAIS. FAZEM DUAS SAFRAS POR ANO DE SOJA, MILHO, GIRASSOL E OUTROS PRODUTOS. TRÊS MIL ÍNDIOS FAZEM MAIS DE R$ 50 MILHÕES COM O AGRONEGÓCIO. TEM ÍNDIO PILOTO DE COLHEITADEIRA, AGRÔNOMO E TEM ÍNDIO ESPECIALISTA EM MERCADO. FUNAI E IBAMA CRIAM TODAS AS DIFICULDADES BUROCRÁTICAS A ELES. O QUE VOCÊ ACHA DISSO?
TERENA – Temos que olhar com desconfiança tudo que é mágico. Se todos os agricultores fossem plantar soja para ficarem ricos, não haveria pobreza e fazendeiros endividados com bancos e credores. Teríamos condições de plantar soja, mas também seguir os princípios indígenas de gerar a segurança alimentar familiar. O Agronegócio não funciona assim. Por outro lado, os irmãos indígenas estão se empenhando em fazer a sua parte, que é demonstrar sua inteligência no manejo com a terra e sua força de trabalho. Ainda não sabemos como foram feitos os acordos financeiros das partes envolvidas.
14 – VOCÊ ACHA QUE O GOVERNO ESTÁ MEIO INDECISO?
TERENA – O Ministério da Agricultura do governo Bolsonaro tem demonstrado sua contradição interna. Alguns assessores de alto nível emitem sons de discriminação histórica e até de ódio. Então como acreditar fielmente que esse Ministério é um aliado. Seria um marketing ou seria a reformulação do Anhanguera quando mentiu para os antigos donos dessas terras, ao ameaçar por fogo em todos os rios, ao acender um fogo com aguardente? O mais estranho é que os órgãos de fiscalização e controle e defesa dos povos indígenas como a FUNAI e o IBAMA, estão sendo descontruídos como tais, mas felizmente isso não acontece com o Ministério Público Federal, que certamente dará um norte nos encaminhamentos futuro.
De toda forma, sempre defendo a livre determinação dos Povos Indígenas, a começar pela demarcação territorial, com cultura forte, mas economia forte também.
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Entrevistas

Maria Reis: o alimento melhor e mais barato não está só no supermercado

A fome e a doença no Brasil têm jeito

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MARIA REIS – ENTREVISTA

O que o pobre tem que entender é que o alimento não está
apenas no supermercado e o remédio não está só na farmácia

Silvestre Gorgulho, de Brasília

Há alguns ano s, entrevistei a professora Maria Reis(a direita na foto) para uma matéria sobre alimentação na Folha do Meio Ambiente. E essa educadora me chamou muita atenção pelo seu trabalho nas salas de aula e no campo. Por onde passa, ela mostra que a fome e a doença no Brasil têm jeito, pois a natureza dá tudo o que precisamos. Só tem um senão: o povo é orientado a ir buscar alimento apenas no supermercado e remédio só na farmácia, sem saber que brota do chão uma variedade enorme de produtos para os seus males. Principalmente para o pior deles: a fome. E a professora Maria Reis é sempre uma inconformada, pois ela não aceita que um País que tem a maior diversidade de plantas do planeta, essa imensa extensão de terras férteis, a maior reserva de água doce do mundo, condições naturais favoráveis à agricultura pode ainda ter gente que padece de fome. Não basta o governo virar um supermercado dos miseráveis, colocando-se paternalisticamente à disposição de quem tem fome. É fundamental que o governo seja um agente que possa levar as condições para que essas pessoas possam matar a fome dignamente. Por suas próprias mãos. Vale a pena conferir esta entrevista com a professora Maria Reis, uma candanga que nasceu aqui perto de Brasília. Ela é de Morrinhos, em Goiás, e autora de dois livros: “Educação Alimentar” e “As Plantas Medicinais”.

Em primeiro lugar, por que essa sua ligação com o campo?
Maria Reis –
A origem está na minha infância em Morrinhos, interior de Goiás. Sempre quando terminava as aulas na escola, começava o aprendizado da terra. Era assim que, desde muito cedo, eu e meus 8 irmãos aprendíamos com meu pai os segredos da natureza e o amor e o respeito por ela. Ele jamais admitiu que destruíssemos uma planta. Também nos ensinou a aproveitar todas as sementes. Com minha mãe aprendi a aproveitar as dádivas da terra, que tem muito mais para oferecer do que muita gente pode imaginar. Foi ela quem me ensinou a cozinhar, a preparar alimentos alternativos, aproveitar integralmente os vegetais, utilizar as plantas medicinais. Isso que atualmente as pessoas chamam de alternativo, que parece moderno, na realidade é toda uma cultura desenvolvida pela sabedoria dos antigos, que infelizmente foi se perdendo com o tempo e que é preciso resgatar e difundir. Principalmente entre a população carente. Trago ainda outra herança importante de meus pais: a curiosidade.

Como a senhora pesquisa suas receitas?
Maria Reis –
Até hoje ando pelo cerrado, na reserva que mantenho no meu sítio em Alexânia e descubro novas plantas medicinais e alimentícias. Também aprendo com as pessoas do lugar, pesquiso em livros os valores nutritivos e terapêuticos das plantas, descubro espécies de outros países que se adaptam bem ao nosso solo, planto, invento receitas, procurando sempre aproveitar o melhor dos vegetais. Esse “melhor” não tem nada a ver com o que se costuma chamar de “partes nobres” dos alimentos. Utilizo cascas, flores, sementes, raízes, brotos, talos, farelos e folhas que normalmente vão para o lixo das casas brasileiras, inclusive as mais pobres. Muitos destes alimentos oferecem bem mais nutrientes que os convencionais.

Quando falávamos a estas pessoas
sobre a importância de se utilizar farelos,
cascas e outras alternativas alimentares,
muitas delas se aborreciam, diziam que eram pobres,
mas não comiam comida de porco

O que a senhora pode dizer sobre a cultura do desperdício?
Maria Reis –
O desperdício nasce no preconceito, na falta de informação. A fome no Brasil não é só um problema econômico, é também um problema de educação. Durante muito tempo atuei em programas sociais, direcionados a comunidades carentes, junto à Pastoral da Criança, Pastoral da Saúde, LBA. O trabalho era essencialmente educativo, no sentido de melhorar a qualidade de vida das populações de baixa renda. Nós ensinávamos às comunidades hábitos de higiene, saúde, novos conceitos alimentares, como aproveitar os alimentos, orientávamos gestantes, lactentes. Quando falávamos a estas pessoas sobre a importância de se utilizar farelos, cascas e outras alternativas alimentares, muitas delas se aborreciam, diziam que eram pobres, mas não comiam comida de porco. Não é nada fácil.
É necessário um trabalho amplo, intenso para mudar, melhorar os hábitos alimentares, a qualidade de vida do brasileiro. É preciso vontade política, não só no sentido de buscar uma sociedade mais justa, com melhor distribuição de renda, como o apoio dos órgãos governamentais em ações visando resultados a curto e médio prazo. Ações educativas que ajudem as pessoas a viverem melhor. Nessas minhas experiências em trabalhos comunitários pude constatar pessoalmente muitas das coisas que vêm a reboque da escassez econômica. Desnutrição, condições sanitárias mais do que precárias, um grave desperdício de alimentos. Tudo perpetuado pela ignorância e pela falta de informação.

Porque esses ensinamentos não chegam ao povo?
Maria Reis –
Porque o povo é orientado para buscar remédios na farmácia, sem saber que brota do chão a cura para os seus males, principalmente para o pior deles: a fome. Não posso me conformar com um país que tem a maior diversidade de plantas do planeta, uma imensa extensão de terras férteis, condições naturais favoráveis à agricultura e padece de fome. Preconceitos contra o aproveitamento dos vegetais causam a perda constante de poderosas fontes de alimento. É uma verdadeira afronta à fome, que no nosso país mata mais do que muitas guerras. E mata principalmente crianças.

Qual a recomendação que a senhora daria aos nossos leitores?
Maria Reis –
Acho que nunca é demais lembrar às pessoas o que aprendi bem cedo com meu pai. A natureza dá tudo o que precisamos. Em troca ela só precisa de respeito e cuidado. Preservar a natureza é preservar a nossa própria vida, a vida das próximas gerações. Como podemos dizer que amamos nossos filhos, nossos netos, se não cuidamos do mundo que estamos deixando para eles? Ensino às pessoas uma alimentação mais natural, a se tratarem com plantas medicinais. É um trabalho que gosto muito, mas por incrível que pareça isto, às vezes, tem me deixado triste.
Na comunidade próxima ao meu sítio em Alexânia, por exemplo, oriento as pessoas para a utilização de vegetais do cerrado que antes elas ignoravam. E agora observo estas plantas sendo devastadas, até na reserva que mantenho no sítio e que vem sendo invadida, depredada. Essas pessoas não têm sequer o cuidado de extrair o fruto sem danificar os galhos. Às vezes até arrancam a planta pela raiz por pura displicência, tiram a proteção dos troncos sem a menor necessidade. E quando sofrem com as consequências da devastação do meio dizem que é castigo de Deus. Mas é claro que Deus não tem culpa nenhuma de nada disso. Temos que fazer a nossa parte, respeitar todas as formas de vida, preservar a integridade das plantas, não poluir, replantar, tratar com amor, com reverência o que temos de melhor, de mais bonito no nosso planeta. Temos principalmente que ensinar, dar o exemplo para as novas gerações. É uma missão que cabe aos pais, aos educadores, a todos os adultos. Ninguém pode se omitir.

 

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