Reportagens
Pesquisa mostra que cultura do trigo absorve mais CO2 do que emite
Os cientistas observaram que durante o ciclo produtivo, o trigo absorveu dióxido de carbono, neutralizando as emissões dos períodos de pousio

Pesquisa, conduzida pela Embrapa Trigo (RS) e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), comprovou que o trigo é capaz de sequestrar mais carbono do que emite para a atmosfera. Os cientistas observaram que durante o ciclo produtivo, o trigo absorveu um total de 7.540 kg de dióxido de carbono (CO2) por hectare da atmosfera, neutralizando as emissões dos períodos de pousio (sem plantas de cobertura do solo ou cultura geradora de renda sob a forma de forragem ou produção de grãos), e garantindo a oferta líquida de 1.850 kg de CO2 por hectare. Os resultados deram origem ao artigo “CO2 flux in a wheat/soybean succession in subtropical Brazil: a carbon sink“, que pode ser acessado aqui.
A pesquisa contou com a instalação de uma torre de fluxo, em uma lavoura de grãos, em Carazinho, município na região norte do Rio Grande do Sul. Esse equipamento é utilizado pela UFSM para avaliar a emissão de gases de efeito estufa (GEE) desde a década de 1990. O objetivo foi avaliar as diferenças entre emissão e retenção de carbono (balanço) no sistema de produção trigo-soja, quantificando os fluxos de CO2 em lavoura comercial de grãos.
Utilizando o método de Covariância de Fluxos Turbulentos ou Eddy Covariance (EC), a torre de fluxo capturou informações capazes de identificar o balanço de carbono em cada etapa do sistema de produção ao longo do ano. A pesquisa envolveu dez profissionais de diferentes segmentos, como engenheiros-agrônomos, físicos, matemáticos e profissionais da ciência da computação.
De acordo com a professora Débora Roberti, do departamento de Física da UFSM, apesar do equipamento apresentar alto custo para aquisição (que pode chegar a 180 mil dólares), ele permite uma resposta rápida sobre os fluxos de gases no sistema, gerando uma sólida base de dados em apenas um ano, enquanto outras técnicas de campo demandam longos períodos de tempo para uma resposta segura em relação ao balanço de carbono no ambiente.
“O método que utilizamos ajudou a estabelecer parâmetros para orientar o manejo mais eficiente das áreas agrícolas na retenção de carbono em prol de um sistema de produção de grãos mais sustentável”, explica a pesquisadora, lembrando que as informações geradas podem chegar ao produtor de forma prática, ajudando na tomada de decisão: “Traduzimos uma série de algoritmos numa linguagem simples, acessível ao produtor e à assistência técnica, para que os conhecimentos possam ser adotados na lavoura”, acrescenta.
Carbono: nobre vilãoO CO2 é indispensável para as plantas realizarem a fotossíntese, processo que promove o crescimento da biomassa e a formação de frutos ou grãos. Na fotossíntese, a planta absorve o carbono e libera o oxigênio para a atmosfera. Contudo, durante o desenvolvimento, as plantas também liberam carbono, principalmente no período noturno, quando as plantas respiram mais e não há luz para fazer a fotossíntese. Além disso, há o processo de decomposição dos resíduos agrícolas, que embora dependente de diversos fatores (ambientais, de solo, de manejo e da composição), é responsável por quantidade significativa de CO2 emitido para a atmosfera. “A emissão e a retenção de CO2 pelas plantas são muito variáveis, dependendo das condições de ambiente e da atividade agrícola, mas o manejo do CO2 é fator primordial para a produção de alimentos”, lembra o pesquisador Jorge Alberto de Gouvêa, da Embrapa. Na atmosfera, o dióxido de carbono faz parte, junto com o metano e o óxido nitroso, dos gases que causam o efeito estufa, uma barreira que impede o resfriamento do planeta. No Brasil, a agropecuária é uma das principais fontes de gases de efeito estufa, com cerca de 27% das emissões do país, segundo levantamentos recentes do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa – SEEG. Segundo o SEEG, dentro das emissões da agropecuária, a agricultura responde por quase a totalidade das emissões de CO2, No entanto, as emissões de metano e óxido nitroso, pela pecuária têm maior impacto no efeito estufa. Por isso, são convertidas para CO2 equivalente e aí, segundo o SEEG, respondem por 69,3% das emissões de carbono da agropecuária. Além disso, as mudanças no uso da terra (desmatamentos e queimadas) afetam os reservatórios naturais de carbono, contribuindo para a elevação das emissões e para o aumento do efeito estufa. A alternativa é investir em tecnologias capazes de aprimorar o sequestro de carbono por meio de florestas plantadas e, principalmente, na atividade agrícola, em que sistemas intensivos de rotação de culturas podem ser implementados com essa finalidade. “É dentro desse objetivo que a nossa pesquisa fez uma importante descoberta, pois, além de ter demonstrado que o trigo sequestra mais carbono da atmosfera do que emite, obtendo assim a nobre função de acumular carbono, também apresentou o vilão do sistema de produção, que é o pousio, prática agrícola que aumenta a emissão de carbono para a atmosfera”, conta o pesquisador da Embrapa Anderson Santi. O produtor Paulo Vargas acompanhou de perto o experimento instalado na sua propriedade, a Fazenda Capão Grande, em Carazinho, RS. “O produtor sempre foi o mais interessado em preservar o meio ambiente, justamente porque depende dos recursos naturais para trabalhar. Ainda assim, o agro geralmente é apontado como vilão, por ser emissor de gases para a atmosfera. Acredito que agora, com a apresentação de informações geradas pela pesquisa, essa imagem comece a mudar, mostrando aquilo que, na prática, a gente já sabia: a rotação de culturas e a cobertura permanente do solo trazem mais benefícios do que impactos ao meio ambiente”, destaca. |
Contexto do Sistema
Depois do Centro-Oeste, a Região Sul é o segundo grande polo de produção de grãos no Brasil. Os três estados do Sul (PR, SC e RS) respondem por mais de 90% da produção de trigo e por 30% da produção nacional de soja. Pela valorização da soja no mercado, os cultivos de inverno nem sempre compõem o cenário agrícola, restando muitas áreas em pousio nos meses de outono e inverno.
Na Região Sul, conforme dados da Conab, atualmente são contabilizados mais de 15,2 milhões de hectares com culturas de verão (soja, milho 1ª safra e silagem, arroz e feijão), e apenas 5,8 milhões de hectares com cultivos de inverno (trigo, milho 2ª safra, aveia, cevada, triticale, centeio e canola). Outros 3 milhões de hectares constituem-se em sistemas de integração lavoura-pecuária (ILP), que contam com forragens cobrindo o solo no outono e inverno. Com base nesses números, é possível estimar uma área de pousio superior a 6 milhões de hectares nessa região, durante o inverno, quando não há plantas de cobertura ou cultura geradora de renda na propriedade.
No ambiente subtropical do Sul do Brasil, a falta de cobertura vegetal implica impactos diretos no solo, como a degradação através da erosão, compactação, redução da atividade microbiana e da fertilidade. Nos impactos indiretos do pousio, está a grande incidência de plantas daninhas que aumenta os custos de produção. Agora, os resultados da pesquisa mostram também os impactos do pousio na emissão de CO2 para a atmosfera.
Trigo “descarbonizante”A torre de fluxo foi instalada em uma lavoura de grãos, conduzida sob sistema de plantio direto, semeada com trigo no inverno e com soja no verão. O balanço de carbono foi registrado em cada etapa do sistema de produção, abrangendo o cultivo do trigo, o pousio de primavera (entre a colheita do trigo e a semeadura da soja), o cultivo da soja e o pousio de outono (após a colheita da soja até a entrada da cultura de inverno). Para avaliar o balanço de CO2, a pesquisa considerou a retenção no sistema de produção e a emissão para a atmosfera, descontado o carbono que foi exportado nos grãos colhidos. “Na avaliação dos resultados, o trigo mostrou que é capaz de retirar mais carbono da atmosfera do que emite, ou seja, é uma cultura “descarbonizante”, que ajuda a reduzir gases de efeito estufa da atmosfera como o CO2”, constata Genei Dalmago, também pesquisador da Embrapa. O balanço de carbono em cada etapa da produção de grãos, após descontada a quantidade extraída pelos grãos na colheita, mostrou que o trigo incorporou no sistema 5,31 gramas (g) de CO2 por metro quadrado (m²) ao dia; a soja, 0,02 g (ou seja, praticamente zero); e os dois períodos de pousio emitiram 6,29 g. O trigo apresentou o que os pesquisadores chamam de “balanço negativo” de carbono, já que a cultura sequestra mais carbono do que emite para a atmosfera. A cultura do trigo absorveu um total de 7.540 kg por hectare de CO2 da atmosfera durante o ciclo, neutralizando as emissões dos períodos de pousio e garantindo a oferta líquida de 1.850 kg/ha, comprovando a possibilidade de o trigo atuar como cultura “descarbonizante” na produção de grãos do Sul do Brasil. Os resultados da pesquisa apontam ainda os impactos negativos do pousio no sistema de produção de grãos em relação à emissão de CO2. Em apenas 30 dias, foi capaz de emitir 27% de todo o carbono que o trigo e a soja acumularam em 11 meses de cultivo. “É possível observar que o pousio no sistema de produção emitiu CO2, principalmente após a colheita do trigo, quando o calor acelera a decomposição dos restos culturais. No experimento, foram apenas 15 dias de pousio na primavera, com a emissão de 11,5 gramas de CO2 por metro quadrado por dia, um valor muito alto que precisa ser sanado no sistema”, avalia Dalmago. Segundo ele, o cultivo de inverno ajuda a equilibrar o sistema, já que a soja absorve praticamente o mesmo valor de CO2 que emite, enquanto o trigo retira CO2 da atmosfera. O pesquisador alerta, porém, que já existem alternativas para reduzir ou eliminar o pousio entre as culturas no outono, como plantas de cobertura, plantas para produção de grãos ou, ainda, para a produção de forragens. “Esse foi um estudo inicial que buscou verificar o desempenho do trigo na fixação do CO2 no sistema de produção de grãos do Sul do Brasil, mas acredito que outras culturas de outono e inverno e mesmo plantas de cobertura possam apresentar um balanço de carbono ainda mais negativo”, conta o pesquisador. Gouvêa complementa destacando que o projeto está em busca de parcerias para ampliar a infraestrutura de avaliação e monitoramento, especialmente de novas torres de medição, que poderão ser instaladas em diferentes ambientes de produção de grãos da Região Sul: “Nossa meta é ampliar o estudo, contemplando diferentes sistemas de produção e combinando novas variáveis como a fixação de carbono no solo, a influência do regime de chuvas e de outras variáveis meteorológicas, a topografia, maiores teores de lignina nas espécies e a sua relação com a decomposição das plantas, entre outras”, pontua. |
Créditos de Carbono
O potencial de impacto das pesquisas com a fixação de carbono no sistema de produção de grãos tem reflexos tanto na esfera ambiental quanto na econômica. O mercado de compra e venda de créditos de carbono ainda está em regulamentação no mundo, mas a partir do Protocolo de Kyoto, firmado em 1997, a redução das emissões de gases do efeito estufa passou a ter valor econômico. Assim, quem reduz suas emissões pode vender esses créditos de carbono aos países que emitem mais gases.
Desde 2009, o Brasil conta com a Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei nº 12.187/2009) que representa o compromisso do País junto às Nações Unidas para a redução de emissões de GEE. Diferentes empresas e instituições brasileiras já estão negociando créditos de carbono, no mercado voluntário de carbono, mesmo sem base jurídica definida.
De acordo com Santi, o Projeto de Lei 528/2021, que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, estabelece 1 crédito de carbono igual a 1 tonelada de CO2. O valor hipotético é estimado em 10 dólares por crédito de carbono, ressaltando que ainda não há mercado consolidado no País, somente inferências sobre valores.
Conforme a proposta, os créditos de carbono deverão estar atrelados a projetos de redução ou remoção de gases de efeito estufa da atmosfera, sendo que esta redução (em toneladas) será convertida em títulos. Os títulos gerados serão objeto de negociação com governos, empresas ou pessoas físicas que têm metas obrigatórias para redução da emissão de gases de efeito estufa. Tais negociações serão definidas por leis e/ou tratados internacionais.
“Para entrar no mercado internacional de créditos de carbono, primeiramente precisamos da lei que regulamente este mercado no País, para então partirmos para a quantificação do balanço de CO2 nos sistemas de produção agropecuários nas mais diversas regiões produtivas, visando à geração dos créditos. Nesse contexto, a pesquisa assume papel fundamental para inserir o Brasil, de forma competitiva, no mercado de carbono”, conclui o pesquisador.
Saiba mais sobre Agricultura de baixa emissão de carbono no site da Embrapa.
Joseani M. Antunes (MTb 9.396/RS)
Embrapa Trigo
Press inquiries
trigo.imprensa@embrapa.br
EMBRAPA
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Ação educativa em bares orienta contra direção após consumo de álcool
Com o projeto Rolê Consciente, o Detran promove intervenções artísticas sobre os riscos de beber e dirigir; iniciativa acontece nesta sexta, na Asa Norte

Agência Brasília* I Edição: Débora Cronemberger
Na noite desta sexta-feira (29), acontece mais uma edição do projeto Rolê Consciente do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF). A ação educativa percorre bares e restaurantes levando conscientização ao público para não dirigir, se beber. A ação de hoje ocorre na Asa Norte, de 18h às 21h.

O Rolê Consciente é uma ação que envolve intervenções artísticas com bonecos, MCs do trânsito com suas rimas e, também, um papo sério com a entrega de material educativo e palestras dos professores de trânsito do Detran-DF. Toda a ação é voltada ao tema sobre os efeitos do álcool no organismo, orientações de segurança quanto à utilização de celular ao volante, a importância do respeito à velocidade máxima das vias, faixa de pedestre, respeito aos ciclistas e muito mais.
De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, dirigir após o consumo de álcool é infração gravíssima, com multa no valor de R$ 2.934,70 e suspensão do direito de dirigir por um ano. O Rolê Consciente acontece às quintas e sextas-feiras e, a partir de outubro, será aos sábados e domingos também.
*Com informações do Detran
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Parceria visa fortalecer o esporte inclusivo no DF
Secretarias de Esporte e Lazer e da Pessoa com Deficiência vão elaborar ações para ampliar o acesso das pessoas com deficiência à prática esportiva em todas as suas esferas e em todas as faixas etárias

Agência Brasília* | Edição: Igor Silveira
A Secretaria de Esporte e Lazer (SEL-DF) e a Secretaria da Pessoa com Deficiência (SEPD-DF) se uniram para potencializar o paradesporto e esporte inclusivo no DF. As ações serão efetivadas por meio do Programa de Esporte Inclusivo.
A SEL-DF tem trabalhado para fomentar a visibilidade e valorização do paradesporto na cidade. Para isso, a pasta vem realizando eventos com o objetivo de dar celeridade ao acesso das pessoas com deficiência à prática esportiva em todas as suas esferas e em todas as faixas etárias.

O secretário Julio Cesar Ribeiro explica que uma das principais prioridades da pasta tem sido criar ações para dar visibilidade ao paradesporto. “A valorização e o investimento no paradesporto são fundamentais para construir uma comunidade mais inclusiva, onde cada cidadão, independentemente de suas habilidades, encontre espaço e oportunidades no universo esportivo do Distrito Federal”, destaca. O esporte é uma ferramenta essencial para a superação de barreiras”, completa Ribeiro.
Para o secretário da Pessoa com Deficiência, Flávio Santos, as duas secretarias poderão estabelecer uma política pública específica e efetiva voltada para atender às pessoas com deficiência nessa área. “As ações já existiam, mas serão ampliadas e melhoradas por meio desse trabalho porque, aí sim, vai ser construído um programa de esporte inclusivo”, afirma.
As pastas já trabalhavam de forma conjunta em ações pontuais, com o apoio aos paratletas por meio dos programas Compete Brasília e Bolsa Atleta, além das atividades oferecidas nos Centros Olímpicos e Paralímpicos. “Eu, como secretário e como atleta, sempre evidenciei a importância do esporte como uma poderosa ferramenta de inclusão”, finaliza Flávio.
Inclusão
Em maio deste ano, o Centro Olímpico e Paralímpico do Gama, recebeu mais de 350 inscrições para o Festival Paralímpico, que, pela primeira vez, ocorreu em Brasília. O evento realizado pela SEL-DF proporcionou aos participantes a inclusão por meio da vivência lúdica nos esportes paralímpicos.
O Campeonato Regional Centro-Oeste de Bocha Paralímpica foi outro marco na capital federal. O evento, que recebeu o apoio inédito da pasta, serviu como etapa classificatória para o Campeonato Brasileiro de Bocha Paralímpica, além de ter proporcionado aos atletas a oportunidade de ter representado suas associações e região em uma competição de nível nacional.
Outro evento que contou com o apoio da pasta foi a etapa regional das Paralimpíadas Escolares, que fomentou a inclusão e o progresso dos jovens atletas com deficiência, reunindo a participação de mais de 900 competidores. Os jogos ocorreram entre os dias 31 de agosto e 1º de setembro.
Outras competições paradesportivas também foram apoiadas pela SEL, como o Brasileiro de Adestramento Paraequestre, Centro-oeste de Handebol de Surdos e o Campeonato Regional de Goalball.
*Com informações da Secretaria de Esporte e Lazer do Distrito Federal (SEL-DF)
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Poeta vencedora do Prêmio Jabuti transita do slam à literatura grega
Autora voltou à Estação Guilhermina para lançamento de seu livro

Foi na praça ao lado da Estação Guilhermina do Metrô, na zona norte paulistana, que Luiza Romão começou a declamar versos em público. Ali, acontece desde 2012, toda última sexta-feira do mês, a batalha de rimas conhecida como Slam da Guilhermina. Agora, dez anos depois desse encontro com a poesia falada, a autora retornou ao espaço para fazer um dos eventos de lançamento de Também Guardamos Pedras Aqui, seu livro que venceu o último Prêmio Jabuti.
“Quase pedir a benção”, resume a poeta sobre os sentimentos sobre esse momento que ela enxerga como o fechamento de um ciclo. “Acho que é bastante significativo, fazer isso bem antes de ganhar o mundo, assim, sabe? Antes de ir pro mundão”, comenta a respeito da turnê que se aproxima nos próximos dias. Até janeiro de 2024, a previsão é que Luiza tenha passado pela França, Argentina, México e Alemanha para divulgar o livro premiado, que já tem prontas traduções para o francês e espanhol.
Formada em artes cênicas, Luiza se aproximou da poesia atraída pelo modelo performático do slam, que começou a frequentar em 2013. As batalhas de rimas foram criadas por Marc Smith, nos Estados Unidos, na década de 1980. As competições, que atualmente acontecem em diversas partes do mundo, começaram, segundo a autora, como uma forma de tornar a leitura de poesia mais atraente nos saraus. “Em geral, em noites de cabaré, quando músico ia se apresentar, todo mundo prestava atenção. Quando ia uma pessoa do stand up, todo mundo prestava atenção. Na hora que o poeta ia declamar, era o momento que geral ia no banheiro, comprar cerveja, acender cigarro”, conta.
A performance da poesia falada, que compõe a cena cultural das periferias paulistanas, acabou atraindo Luiza, que tinha vindo em 2010 para a cidade, para estudar na Universidade de São Paulo. “Não estava no meu horizonte de vida virar poeta. Foi através do encontro com as batalhas de slam, com os microfones abertos, com o movimento saraus, que eu comecei a escrever”, lembra.
Uma estética que se relaciona com as temáticas que atravessam a juventude, especialmente a que vive fora dos bairros mais privilegiados. “Uma poesia muito engajada. Uma poesia que pensa o seu tempo histórico, que é fundamentada na dimensão coletiva da palavra. Toda essa partilha da performance”, enumera sobre as razões que a aproximaram dos versos e das rimas.
Atualmente com 31 anos, Luiza tem quatro livros publicados. O Também Guardamos Pedras Aqui é diretamente inspirado no épico grego Ilíada, de autoria atribuída a Homero, que retrata a conquista de Troia.
Veja os principais trechos da entrevista com a autora:
Vamos começar falando um pouco do livro Também Guardamos Pedras Aqui. Queria entender um pouco por que essa opção pela poesia grega e também o que isso significa na sua trajetória.
Eu sou formada em teatro. Tem algo que, de certa forma, eu discuto no livro, talvez de uma maneira não tão direta, que é essa obsessão nossa pelos gregos, que não diz respeito só a mim, Luiza, mas a nossa sociedade que passou por esse processo brutal de colonização e que ainda hoje continua referenciando de maneira tão intensa nos currículos escolares, nas produções culturais, esse imaginário cânone greco-latino. Então, na faculdade de artes cênicas, por exemplo, eu estudei dois anos de Grécia antiga.
Isso é algo que também se verifica nos cursos de letras e em muitos outros cursos. Você estuda tragédia grega. Você estuda comédia grega. Você estuda poética de Aristóteles, O Banquete do Platão. Uma tradição que é tão distante a nós. E, muitas vezes, a gente acaba não olhando para outras tradições e cosmovisões que estão mais próximas. As diferentes tradições latino-americanas andinas, maias e tudo mais ou as tradições africanas.
Quando eu termino [o curso universitário] eu vou fazer EAD, que a escola de artes dramáticas da USP, eu tenho que retomar essa galera [os gregos]. Eu estava lá, lendo pela segunda vez a mesma tradição, e faltava a Ilíada.
Então, eu estava indo viajar, fazer um mochilão pela Bolívia e pelo Chile. Eu falei: ‘Ah, vou pegar a Ilíada. Por que não? [risos]. É pesado, mas, pelo menos, é um volume só’. Meu irmão, Caetano, tinha uma edição que era leve, de papel bem fininho.
Foi onde eu li e fiquei muito chocada. Eu costumo dizer que o Pedras nasce um pouco desse horror a essa narrativa fundante da tradição ocidental, que é narrativa muito violenta. Eu sabia que era a história de uma guerra, que é como é contada, né? Mas, na verdade, não é a história de uma guerra, é a história de um massacre.
O que diferencia uma guerra de um massacre?
A guerra é quando, minimamente, você tem pé de igualdade. Você tem possibilidades reais dos dois lados ganharem. É algo que vai ser disputado na batalha. E, quando você lê a Ilíada, você vê que os troianos nunca tiveram chance de ganhar, porque os deuses eram gregos. Acho que foi a maior indignação para mim, porque isso eu não sabia antes de ler. Mas você tem o tempo inteiro a batalha acontecendo no campo terreno, entre gregos e troianos, e uma batalha acontecendo no plano divino, digamos assim, no Olimpo. Então, você tem os deuses que são pró-troianos e os deuses que são pró-gregos. E tem um momento que tem uma treta gigante, e Zeus [deus do trovão e líder do panteão grego] fala: ‘ninguém intervém na guerra, nenhum dos deuses’. E aí os troianos passam a ganhar a guerra.
Só que aí tem uma coisa que é muito doida, porque a gente tem essa ideia de perfeição atrelada à divindade, no catolicismo. No panteão dos gregos, na mitologia grega, são deuses que estupram, que têm inveja, que trapaceiam. Hera [esposa de Zeus] faz uma trapaça com Zeus. Ela vai até o fundo do oceano, pega um sonífero e Zeus dorme. Aí, ela e Atena [deusa associada a sabedoria] voltam para a guerra, quebram o pacto.
Os deuses são trapaceiros e Ulisses [herói grego] é trapaceiro também, porque é uma trapaça o que ele faz com cavalo. Não é fair play [jogo justo]. Eu acho que tem essa dimensão do massacre. Além de toda a devastação de um povo, das inúmeras formas de aniquilação, de tortura de subjugação, de estupro, de violência que estão no livro, tem isso de que é impossível esse povo ganhar. [Por orientação de Ulisses, os gregos fingem se retirar do campo de batalha e oferecem um cavalo gigante de madeira como presente aos troianos. Porém, uma parte dos soldados gregos se esconde dentro da escultura para, durante a noite, abrir os portões da cidade e provocar a derrota de Troia.]
No poema Homero, você diz que os gregos “foram capazes de” e traz uma lista, que seria de atrocidades, mas que está coberta por uma tarja preta, de censura, para em seguida dizer que, apesar desses horrores, eles, ao menos devolveram o corpo de Heitor, príncipe de Troia, ao contrário do que se fez, muitas vezes na ditadura militar brasileira. Você quer dizer que vivemos horrores maiores do que os troianos?
Isso tem muito a ver com dimensão quase que performativa da minha leitura. Eu estava lendo nessa viagem e passei pelo local onde Che Guevara [guerrilheiro que participou da revolução cubana] foi assassinado, no interior da Bolívia. Inclusive, tinha uma menina lá [parte do grupo], que era Tânia. Eles estavam tentando articular uma revolução comunista no coração da América Latina. A ideia seria sair do coração da Bolívia e se espalhar pelo continente inteiro. Eles são delatados, passam por uma emboscada e são assassinados.
O Che Guevara morre. A cabeça dele fica exposta em uma dessas vilas e o corpo fica desaparecido, por medo de que o local em que ele estivesse enterrado virasse um mausoléu de peregrinação comunista, um lugar de memória. O corpo dele só é encontrado 30 anos depois. Um dos militares disse que ele estava enterrado numa pista de pouso militar. Hoje você tem um museu do Che Guevara nesse local.
Eu queria aprofundar um pouco o uso desse recurso da censura, que aparece em outras partes do livro.
Eu acho que essa questão da censura ou do apagamento de arquivos é algo que também está muito presente quando a gente fala dessa história, dessa imposição de uma história única, dessa construção de um relato produzido pelo poder. Então, desses arquivos que são censurados, apagados e tudo mais.
Também, de certa forma propõe esse jogo com os leitores, da mesma forma que eu estou tentando reconstituir uma história que é muito apagada, vamos tentar reconstituir juntos. Talvez seja exercício imaginativo nosso também.
Você disse que Ulisses não jogava no fair play [jogo justo]. Tem um texto em que parece que você fala disso, invertendo a condição de herói e vilão, no poema Polifemo [gigante de um olho só que comia pessoas]. “Ninguém te cegou não/ não foi Ulisses/ aquela noite o policial não tinha identificação”
Ulisses, para mim, é um personagem que a gente, enquanto ocidente, vai emular como a inteligência. Primeiro, tudo que a gente sabe das viagens dele [narradas na Odisseia], é ele o que conta. Ou seja, ele pode estar mentindo, ele pode ter inventado tudo. Para mim, é um narrador nada confiável. Principalmente, porque do que a gente sabe, sim, de dados dele, é o personagem que faz o Cavalo de Tróia, que ganha na trapaça.
Então, Polifemo estava lá e, de repente, chegam esses homens, se metem [nos domínios dele] e ainda o cegam. E tem essa que a grande sabedoria do Ulisses é falar: “Eu não sou ninguém”. Então, Polifemo começa a gritar [após ter o olho furado]: “ninguém me cegou”.
Isso também foi uma chave de leitura para o caso do Sergio Silva [fotógrafo que perdeu o olho nas manifestações de 2013] e de vários e várias manifestantes que foram baleados com bala de borracha nos últimos anos, seja no Brasil, seja no Chile, onde a gente teve de fato uma forma sistemática da polícia de dilacerar o globo ocular de muitas pessoas.
E que ninguém cegou essas pessoas. É a mesma situação bastante recorrente quando a gente fala das ações das polícias militares, seja pelo não uso de identificação, seja porque cada vez mais são policiais que estão com balaclava ou com capacete.
Você fala em diversos momentos sobre violência (policial, contra a mulher), que é uma temática muito recorrente nos slams. Como o movimento dos slams atravessa a sua trajetória?
Minha trajetória é completamente atravessada pelo slam. Eu vim do teatro, sou das artes cênicas. Não estava no meu horizonte de vida virar poeta. Foi através do encontro com as batalhas de slam, com os microfones abertos, com o movimento saraus, que eu começo a escrever. Principalmente, por ser uma poesia muito engajada. Uma poesia que pensa o seu tempo histórico, que é fundamentada na dimensão coletiva da palavra. Toda essa partilha da performance é uma forma poética também de encarar esses temas.
O slam não dissocia política e poética. É óbvio que é indissociável. Mas tem alguns lugares que se tem ilusões que é possível dissociar disso. Então, eu começo a frequentar em 2013 e continuo, não mais como slammer. Já aposentei as chuteiras faz um tempo. Mas, de vez em quando, fazendo a parte de produção. Fui fazer um mestrado sobre isso.
Em que momento você se aposentou do slam?
Como slammer, é muito normal a gente ter ondas, né? É tipo jogador de futebol, a carreira é curta. A gente vai lá, batalha uma, batalha outra, brinca durante dois ou três anos. É muito normal. Assim, você tem uma renovação da cena muito constante. Então, eu comecei a frequentar em 2013, já tinha tido uma onda antes de mim. Eu sou dessa segunda geração e já estão na sexta geração, agora.
Então, eu fui fazer outras paradas em termos de artista, de criação artística. Mas, ao mesmo tempo, é um lugar que eu gosto muito de estar. Eu continuo frequentando muito nesses últimos anos.
De alguma forma, tentei elaborar bastante a reflexão sobre a cena na dissertação. Acho que é uma forma de agradecer também esses anos todos de trajetória. É um trabalho que é a primeira parte é bastante dedicada a pensar historiografia do slam nos Estados Unidos. Eu traduzi muita coisa que não está disponível em português.
Também analiso quatro poemas da Luz Ribeiro, de Pieta Poeta, do Beto Bellinati e da Ana Roxo. Pensando como que essas questões todas vão para o corpo do poema. Porque, muitas vezes, quando a gente fala de slam, a gente só faz uma abordagem antropológica ou socializante, sendo que a gente está falando de poesia. E eu acho que ler esses poemas também na sua potência estética, o que eles têm de disruptivo, no que eles propõem de linguagem, no que eles contestam em toda uma tradição literária brasileira, isso é muito potente também.
Edição: Sabrina Craide
ebc
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