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Frente a frente viúva e assassino de Chico Mendes

Em 22 de dezembro de 1988 Chico Mendes foi assassinado. Doze anos depois, o Fantástico faz encontro de Ilzamar Mendes e Darcy Alves

 


Silvestre Gorgulho



Estou sempre pensando comigo: a questão ambiental envolve respeito à natureza. Mas como levar esse comportamento, essa idéia aos homens, se esses, infelizmente, não conseguem respeitar nem mesmo seus próprios semelhantes? A violência cresce e virou lugar comum. Está ao alcance das mãos de crianças e velhos. Na avenida mais movimentada e na rua mais deserta. Por causas banais, por interesses de Estado, por inveja, por ganância e por miséria o homem ataca, ofende e mata. Depois do crime, na grande maioria das vezes, vem o arrependimento. Tardio, é claro. Acompanho com o maior interesse e, todas as vezes que vejo, aplaudo quem criou o quadro “A Hora da Verdade” que o programa Fantástico, da TV Globo, exibe aos domingos, quando coloca frente a frente o assassino e a pessoa mais ligada à vítima. Às vezes, a própria vítima. Esse, para mim, é um momento grave. É quando a alma e a consciência humana são desnudadas e o homem oferece, sempre com dor e lágrimas, para o Bem e para o Mal, um fato real para se meditar. Com o perdão ou não. Mesmo, porque, perdão não tem muito a ver com o tamanho do crime, mas – como poderia dizer – com o tamanho da capacidade de sublimar um sofrimento por mais profundo que seja. Por isso esse, também, é um momento solene. Diria, mesmo, de oração. Não há como ficar indiferente. Expressões e diálogos são fortes e ficam gravados na retina… Para essa edição tínhamos uma entrevista com o pai de Darci, o fazendeiro Darli Alves. Ambos estão presos em Brasília pelo assassinato de Chico Mendes. Não sei quantos leitores viram o quadro do Fantástico que colocou frente a frente Ilzamar, viúva de Chico Mendes, e o assassino confesso, Darci. Mesmo para quem viu, garanto que, pela dureza do momento, pela força dos olhares, pela estocada que representou cada sílaba, vale a pena ver (ou ler) de novo. O importante é tirar desse momento as muitas lições que ele encerra.


O encontro


O mediador do encontro de Ilzamar, viúva de Chico Mendes, com Darci é o Coordenador da Pastoral Carcerária de Brasília, Manoel Franquelino.


Que Deus abençoe esse encontro de vocês. Que procurem abrir o coração, porque é uma oportunidade que, creio eu, foi por Deus providenciada. Em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo.


Darci – Sempre pretendi ter esse encontro. Agora diante da senhora Ilzamar eu quero expressar meus sentimentos. Apesar da circunstância, venho pedir à senhora perdão por tudo que ocorreu.


Ilzamar – Primeiro eu gostaria de saber o que levou vocês a tomarem essa decisão de tirar a vida do meu marido. Do pai dos meus filhos, de um pai de família, que só fazia o bem e que nunca prejudicou ninguém.


Darci – Senhora Ilzamar, isso ai, a senhora está tocando numa coisa passada e eu não gostaria de tocar muito nesse passado, porque é muito triste.


Ilzamar – Pois eu vim aqui para falar do passado e do presente. Eu vim aqui para dizer a você da dor, do sofrimento que vocês causaram a nós. Não só da família dele não, nem dos filhos até hoje sofrem muito com a falta que ele nos faz. Quero falar também da dor de milhares de trabalhadores. Porque você deve lembrar bem do Chico Mendes. Uma pessoa que defendia os trabalhadores. Uma pessoa que só fazia o bem. Que defendia a floresta, que é a vida de todos nós. Foi por isso que vocês tiraram a vida dele. Nós estamos sofrendo muito. Não é fácil. Vocês tiraram de nós uma pessoa muito querida. Nós sobrevivíamos através dessa pessoa. Quando vocês tiraram a vida dele, vocês tiraram a nossa também. Não foi fácil. Para nós não se passaram 12 anos. Para nós foi ontem, porque a dor ainda é muito grande dentro de nós. Não é fácil viver sem uma pessoa que só nos fazia o bem. Por que vocês, até hoje, não disseram quem está por trás de tudo isso?


Darci – É isso que a senhora deveria procurar saber….


Ilzamar – Foram vocês que participaram. A família de vocês que participou. São vocês que sabem quem está por trás de tudo isso. Foi você que tirou a vida dele.


Darci – A senhora não sabe, a senhora não tem certeza….


Ilzamar – Foi você! Você assumiu isso no processo. Você assumiu que foi você que tirou a vida dele. Você que disparou aquela arma que tirou a vida dele. Você tinha que estar aqui hoje para dizer o que te levou a fazer isso. Ele nunca fez mal a vocês, nunca mexeu com vocês. Muito pelo contrário. Ele só fazia o bem. Agora, por que vocês fizeram isso? Porque vocês queriam trocar a vida dos seringueiros por boi. Porque vocês queriam acabar com toda a floresta para plantar capim. E eu vou dizer uma coisa para você. A dor e a saudade é muito grande. Eu estou aqui em nome de todas as famílias, porque não foi só a vida do Chico que vocês tiraram não. Onde vocês passaram vocês deixaram rastro de sangue. Principalmente em Xapuri. E em nome dos meus filhos, de todos os trabalhadores, de todos os amigos do Chico, daquelas pessoas que junto com a família sentem saudades e sentem falta dele até hoje, não perdoaremos vocês. De maneira alguma. Nós não queremos um herói morto. Para nós, a vida dele é que era importante. E vocês, sem mais nem menos, tiraram a vida dele. E isso até hoje dói muito. A gente até hoje sofre muito. Meus filhos até hoje sofrem muito. Não tem um dia que eles passem sem falar no pai. Por isso nós não perdoaremos.


Darci – Pois, dona Ilzamar. Eu estou fazendo isso aqui não é para me promover, para me vangloriar. Eu poderia não estar aqui falando com a senhora….. Mas eu vim porque hoje eu tenho outra mente, hoje eu estou falando por mim só. Só de mim e Deus. Não vim aqui para me justificar ou falar de razão. O que passou, passou. Agora se a senhora não aceitar… cabe à senhora não aceitar… a senhora fala que a senhora perdeu, mas será que só a senhora perdeu? A senhora sabe quantos morreram?


Ilzamar – Você pode enganar outras pessoas. Cada crime que vocês cometeram, vocês se apresentavam e diziam que estavam arrependidos em nome de Deus. No entanto, cometiam novamente…


Darci – Pois é, se a senhora tem só isso para falar. Falar que não me perdoa, tudo bem. Deus é justo. Deus sabe tudo. Eu realmente não sou esse monstro que a senhora está dizendo. Não sou esse bicho todo, não. Porque aqui eu não estou falando em nome da minha família. Não estou defendendo nem A nem B. Estou falando eu. Minha pessoa. Se hoje eu estou aqui é porque Deus tirou tudo aquilo que tinha no meu coração. Eu não falo para nenhuma pessoa, nem para a senhora, nem para mim o que eu enfrento de pressão, não é fácil. Mas eu faço tudo para quebrar essa muralha, porque eu faço tudo para não ter inimizade. Quero quebrar essa inimizade para que minha família possa ter paz. Para que minha família venha viver outro caminho.


Ilzamar – É por isso que você vem hoje a mim falar que você está arrependido? Porque sua vida está aí, sua família está aí, você está vivendo com ela. De uma certa formar você está vivendo com a sua família. Não é o nosso caso. Porque nós não temos mais o nosso ente querido, porque vocês tiraram a vida dele. É fácil dizer que você está arrependido quando você tem a sua vida. Quando você está com a sua família. Nós não temos mais o pai dos meus filhos…


Darci – Se a senhora quiser fazer perguntas para mim naquilo que tiver possibilidade de eu responder eu vou responder….


Ilzamar – Eu já fiz. O que levou você a tirar a vida do Chico? Quem são as pessoas que estão por trás de tudo isso? Vocês nunca disseram. Você não me respondeu nenhuma dessas perguntas.


Darci – Eu falei que não estou em condições de responder isso…


Ilzamar – Então eu não perdoarei nunca. Nem eu, nem meus filhos. Nem aquelas pessoas que perderam e que sentem a falta dele até hoje.

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JUCA CHAVES

APENAS UM DEPOIMENTO

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O compositor, músico, humorista e crítico, Menestrel Maldito, deixa saudades. O Brasil e a Bahia se despedem do carioca Jurandyr Czaczkes Chaves (1938-2023).
Juca Chaves fez muito sucesso com suas modinhas/sátiras durante o governo Juscelino Kubitschek.
Ele é autor de músicas que se tornaram sucesso no Brasil como “A Cúmplice”, “Menina”, “Que Saudade” e “Presidente Bossa Nova”.
Vale lembrar:
1) JK nunca censurou as sátiras de Juca Chaves. Pelo contrário, adorava suas modinhas sempre bem humoradas e criativas. Juca Chaves foi censurado durante governo militar, entre 1964 e 1985. Aí sim, ele foi perseguido, exilado e viveu alguns anos longe do Brasil, entre Portugal e Itália.
2) Em 2011, no lançamento do filme ‘JK NO EXÍLIO’, de Charles Cesconetto, aqui no Museu Nacional de Brasília, a meu convite, o Juca Chaves subiu ao palco com a filha de JK, Maria Estela, e cantou suas modinhas, abrindo com o PRESIDENTE BOSSA NOVA.
3) Nesse dia, Juca Chaves e Maria Estela Kubitschek, abriram a cerimônia com uma forte mensagem a favor da ADOÇÃO, por sinal, uma lei proposta por JK. Evidente lembrando a adoção da própria Maria Estela e das duas filhas de Juca Chaves: Maria Clara e Morena.
A filha de JK, deixou no seu FB a seguinte mensagem:
“A família do “Presidente Bossa Nova” está triste com o falecimento de Juca Chaves. O Menestrel popularizou JK com suas sátiras, sempre criativas e bem humoradas. Juca Chaves “Voou…. Voou pra bem distante…” e “a mineirinha debutante” está triste.
Maria Estela Kubitschek Lopes
Para quem quiser ouvir Juca Chaves cantando “Presidente Bossa Nova”
Fotos: Antes da exibição do filme “JK NO EXÍLIO”, no Museu Nacional de Brasília, Juca Chaves subiu ao palco e cantou várias modinhas, terminando com Presidente Bossa Nova.
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Dia Mundial da Água

Cerrado pode perder quase 34% da água até 2050

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Cenário considera impacto do ritmo de exploração agropecuária no bioma

 

O Cerrado pode perder 33,9% dos fluxos dos rios até 2050, caso o ritmo da exploração agropecuária permaneça com os níveis atuais. Diante da situação, autoridades e especialistas devem dedicar a mesma atenção que reservam à Amazônia, uma vez que um bioma inexiste sem o outro. O alerta para situação é do fundador e diretor executivo do Instituto Cerrados, Yuri Botelho Salmona. Nesta terça-feira (22), é celebrado o Dia Mundial da Água, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Salmona mensurou o efeito da apropriação da terra para monoculturas e pasto, que resultou em artigo publicado na revista científica internacional Sustainability. A pesquisa contou com o apoio do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).

Ao todo, foram analisadas 81 bacias hidrográficas do Cerrado, no período entre 1985 e 2022. Segundo o levantamento, a diminuição da vazão foi constatada em 88% delas em virtude do avanço da agropecuária.

A pesquisa indica que o cultivo de soja, milho e algodão, assim como a pecuária, têm influenciado o ciclo hidrológico. O estudo também evidencia que mudanças do uso do solo provocam a redução da água em 56% dos casos. O restante (44%) está associado a mudanças climáticas.

“Quando eu falo de mudança de uso de solo, a gente está, no final das contas, falando de desmatamento e o que você coloca em cima, depois que você desmata”, disse Saloma, em entrevista à Agência Brasil. Segundo o pesquisador, o oeste da Bahia é um dos locais onde o cenário tem mais se agravado.

Quanto às consequências climáticas, o pesquisador explica que se acentua a chamada evapotranspiração potencial. Salmona explicou ainda que esse é o estudo com maior amplitude já realizado sobre os rios do Cerrado.

“O que está aumentando é a radiação solar. Está ficando mais quente. Você tem mais incidência, está ficando mais quente e você tem maior evaporação do vapor, da água, e é aí em que a mudança climática está atuando, muito claramente, de forma generalizada, no Cerrado. Em algumas regiões, mais fortes, como o Maranhão, Piauí e o oeste da Bahia, mas é geral”, detalhou.

Chuvas

Outro fator que tem sofrido alterações é o padrão de chuvas. Conforme enfatizou Salmona, o que se observa não é necessariamente um menor nível pluviométrico.

“A gente viu que lugares onde está chovendo menos não é a regra, é a exceção. O que está acontecendo muito é a diminuição dos períodos de chuva. O mesmo volume de água que antes caía em quatro, cinco meses está caindo em dois, três. Com isso, você tem uma menor capacidade de filtrar essa água para um solo profundo e ele ficar disponível em um período seco”, comentou.

Uma das razões que explica o efeito de reação em cadeia ao se desmatar o cerrado está no fato de que a vegetação do bioma tem raízes que se parecem com buchas de banho, ou seja, capazes de armazenar água. É isso que permite, nos meses de estiagem, que a água retida no solo vaze pelos rios. Segundo o pesquisador, em torno de 80% a 90% da água dos rios do bioma tem como origem a água subterrânea.

Edição: Heloisa Cristaldo

EBC

 

 

 

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VENTO DA ARTE NOS CORREDORES DA ENGENHARIA

Lá se vão 9 anos. Março de 2014.

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No dia 19 de março, quando o Sinduscon – Sindicato das Indústrias da Construção Civil do DF completava 50 anos, um vendaval de Arte, Musica, Pintura adentrou a casa de engenheiros, arquitetos e empresários e escancarou suas portas e janelas para a Cultura.
Para que o vento da arte inundasse todos seus corredores e salões, o então presidente Júlio Peres conclamou o vice Jorge Salomão e toda diretoria para provar que Viver bem é viver com arte. E sempre sob as asas da Cultura, convocou o artista mineiro Carlos Bracher para criar um painel de 17 metros sobre vida e obra de JK e a construção de Brasília. Uma epopeia.
Diretores, funcionários, escolas e amigos ouviram e sentiram Bracher soprar o vento da Arte durante um mês na criação do Painel “DAS LETRAS ÀS ESTRELAS”. O mundo da engenharia, da lógica e dos números se transformou em poesia.
Uma transformação para sempre. Um divisor de águas nos 50 anos do Sinduscon.
O presidente Julio Peres no discurso que comemorou o Cinquentenário da entidade e a inauguração do painel foi didático e profético:
“A arte de Carlos Bracher traz para o este colégio de lideranças empreendedoras, a mensagem de Juscelino Kubitschek como apelo à solidariedade fraterna e à comunhão de esforços. Bracher é nosso intérprete emocionado das tangentes e das curvas de Oscar Niemeyer e Lucio Costa. Nos lances perfomáticos de seu ímpeto criador, Bracher provocou um espetáculo de emoções nas crianças, professores, convidados, jornalistas e em nossos funcionários.
Seus gestos e suas pinceladas de tintas vivas plantaram sementes de amor à arte. As colheitas já começaram.”
Aliás, as colheitas foram muitas nesses nove anos e serão ainda mais e melhor na vida do Sinduscon. O centenário da entidade está a caminho…
Sou feliz por ter ajudado nessa TRAVESSIA.
SG
Fotos: Carlos Bracher apresenta o projeto do Painel. Primeiro em Ouro Preto e depois visita as obras em Brasília.
Na foto: Evaristo Oliveira (de saudosa Memória) Jorge Salomão, Bracher, Julio Peres, Tadeu Filippelli e Silvestre Gorgulho
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Reportagens

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