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Como destruir a melhor gestão pelo uso das águas


Silvestre Gorgulho


As primeiras experiências de cobrança pelo uso da água no Brasil aconteceram no Ceará, em novembro de 1996. Antes, em 90, o setor elétrico pagava, a título de compensação financeira por área inundada, 6% do valor comercial da energia, obedecendo a seguinte distribuição 45% para os municípios, 45% para os estados e 10% para o governo federal. Só quatro anos depois, em 2001, começou a ser cobrado do setor elétrico o verdadeiro uso da água.
A experiência estadual cearense, só é aplicável aos rios de domínio de uma determinada Unidade da Federação.
No caso do setor elétrico o pagamento é feito com base em um percentual fixo do valor da energia gerada (0,75%), É importante frisar que essa cobrança é feita a um setor em grande medida, ainda estatal.
A experiência mais ansiosamente esperada em termos de bacia com corpos d’água dos dois domínios (da União e estaduais), é a do Paraíba do Sul, aprovada em 14 de março de 2002 pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos e iniciada em 2003.
A ansiedade advém do fato de se tratar de uma bacia cobrindo partes territoriais de 180 municípios, três estados (coincidentemente os mais ricos da Federação), além de ser uma cobrança feita a vários e diferentes usos da água.
Portanto, um laboratório importante de trabalho sobre o tema.
A cobrança foi concebida para funcionar como acontece em um condomínio de moradores que pagam para ter seu condomínio funcionando satisfatoriamente. Portanto, o dinheiro arrecadado por meio da cobrança, tem que ficar para aplicações na bacia que o tiver gerado. Correto? No caso dos condomínios, sim. Mas no caso da água, infelizmente, não.


Contingenciando
Ocorre que o decreto presidencial que regulamenta a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2004, ao organizar as fontes de recursos, o que é feito por meio de anexos, classificou os recursos oriundos da arrecadação no Paraíba do Sul na Fonte 129, que integra o Anexo I ao Decreto.
Vamos entender melhor. São três os anexos: o Anexo I contém as fontes certamente sujeitas ao contingenciamento.
O Anexo II contém as fontes apenas sujeitas ao contingenciamento.
E o Anexo III contém as fontes pouco sujeitas ao contingenciamento.
O contingenciamento se dá normalmente na execução orçamentária, ou seja, cortando-se o empenho.
Pode se dar também não se fazendo o repasse financeiro, isto é, o empenho é feito, mas o recurso não é liberado para aplicação.


Promessa não cumprida
Tudo bem! Chegou até haver um entendimentos entre a ANA e o Ministério do Planejamento.
Aí o ministro Guido Mantega prometeu classificar a arrecadação captada no rio Paraíba do Sul no Anexo III, ou seja, pouco sujeitas ao contingenciamento. Mas ficou só na promessa.
O fato é que os usuários pagadores do Paraíba do Sul começam a desconfiar do sistema.
E o que significa isso? Significa que esta atitude do governo pode destruir toda uma filosofia discutida por mais de quinze anos.
No governo passado isto não teria ocorrido. O motivo é simples: havia a vontade política de fazer o sistema de gestão hídrica prosperar.
Afinal de contas, se os condôminos não vêem seu dinheiro arrecadado ser aplicado no próprio condomínio, eles próprios deixarão de recolher as taxas.
Justamente por isso, os ministros Sarney Filho e José Carlos Carvalho – no governo Fernando Henrique – lutaram muito para que o dinheiro arrecadado “no condomínio” das bacias hidrográficas não sofresse contingenciamento.


Por água abaixo
Será que a melhor coisa que se fez na gestão dos recursos hídricos no Brasil – os usuários pagam pelo uso da água e vão receber de volta o dinheiro arrecadado em investimento sustentável na sua bacia hidrográfica, vai acabar?
Será que o contingenciamento dos recursos arrecadados pelos comitês de Bacia vai ajudar a fazer o superávit do Tesouro e só pagar os juros dos banqueiros?
Gostaria, sinceramente, de não ver um retrocesso destes no meu País.

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Em Brasília, mulheres indígenas celebram diversidade cultural e marcham por lutas comuns

Na III Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, representantes de todos os biomas do Brasil celebram sua diversidade, denunciam violência de gênero e dizem não ao Marco Temporal.

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Marcha das Mulheres Indígenas de 2023, em Brasília — Foto: Amanda Magnani

 

O som de cantos e dos maracás ecoa de todos os lados do acampamento à medida que grupos de mulheres dos mais diferentes cantos do Brasil se aproximam da tenda principal na concentração para a III Marcha Nacional de Mulheres Indígenas. São 8h00 e o sol seco de Brasília parece realçar as cores dos mais variados trajes tradicionais.

A marcha, que foi do Complexo Cultural da Funarte, onde estavam acampadas, até o Congresso, a cerca de 5km de distância, reuniu mais de 5 mil mulheres. Ela aconteceu no último dia de um evento que, ao longo de três dias, foi marcado por celebrações e denúncias.

Sob o tema “Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade pelas Raízes Ancestrais”, indígenas de diferentes partes do Brasil tiveram a oportunidade de dar voz às demandas específicas vividas pelos povos de seus biomas.

Para o povo Kiriri, da Caatinga, a cerca de 300 km de Salvador, um dos maiores problemas é a seca e a consequente falta de segurança alimentar. “Nossa região é muito seca, e as mudanças climáticas aumentam o impacto na insegurança alimentar”, diz Fabiana Kiriri.

Ela conta que o trabalho coletivo na comunidade e a reserva de alimentos vêm como uma forma de tentar contornar o problema. Mas uma colheita suficiente depende de muitos elementos, que vão da quantidade de chuvas à presença de pragas.

“O que realmente precisamos é de um olhar especial do governo, que proponha projetos para ajudar as comunidades a terem autonomia”, defende.

Já para o povo Kaingang do Pampa, no Rio Grande do Sul, as demandas passam principalmente pelos enfrentamentos com o agronegócio e pelos arrendamentos de áreas dentro das terras indígenas, que acabam levando monoculturas e agrotóxicos para dentro a terra.

“Nós precisamos dar visibilidade às nossas lutas e sensibilizar a nossa comunidade, para que possamos encontrar estratégias para atender as demandas dos nossos territórios”, diz Priscila Gore Emílio, psicóloga do povo Kaingang.

Enquanto isso, em Santa Catarina, os Xokleng são protagonistas no debate sobre o Marco Temporal. “Nossa região foi tradicionalmente ocupada pelos povos indígenas e o nosso território já foi muito maior. Hoje, vivemos em uma área muito reduzida, mas continuamos vivendo muitas tensões e conflitos”, diz Txulunh Gakran.

Contudo, embora povos dos diferentes biomas tenham suas demandas específicas, são muitas as lutas comuns às mulheres indígenas do Brasil como um todo. Grande parte delas gira ao redor da garantia do direito ao território e ao fim da violência de gênero.

 

 

 

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HOJE, 21 DE SETEMBRO, É DIA DA ÁRVORE.

PRIMEIRA ÁRVORE PLANTADA EM BRASÍLIA

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A primeira árvore plantada, em Brasília, foi um pé de Canjerana. O presidente Juscelino Kubitschek a plantou quando da inauguração da Escola Júlia Kubitschek, a primeira de Brasília, em 1957.
Um ano depois, em 1958, JK plantou outra canjerana (cabrália canjerana), ao iniciar o trabalho de arborização de Brasília, nas casas da W3 Sul.
Agora, em 2023, temos uma cidade belamente arborizada com ipês, pequizeiros, jacarandás, jatobás, sucupiras, paineiras… Uma floresta de árvores do Cerrado, da Mata Atlântica e da Amazônia.
Até no que diz respeito a plantas, árvores e flores, Brasília é pedacinho muito representativo do Brasil. Tem tudo da flora brasileira.
Para não dizer que só falei de árvores, é bom lembrar que em julho de 1957, praticamente três anos antes da inauguração, foi feito um censo em Brasília. Era o início da epopeia da construção.
Brasília tinha 6.823 habitantes, sendo 4.600 homens e 1.683 mulheres.
Para ler a Folha do Meio Ambiente:
foto: Canjerana
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Castanheira-da-amazônia mostra eficiência na recuperação de solos degradados

Os estudos estão sendo realizados em cultivos de castanheiras implantados em áreas que antes eram pastagens degradadas no estado do Amazonas

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Pesquisas da Embrapa em plantios de castanheira-da-amazônia (Bertholletia excelsa) indicam que a espécie é eficiente para a recuperação de solos degradados em áreas nas quais a floresta foi retirada. Trata-se de um resultado bastante promissor para a recomposição florestal desse bioma, onde existem atualmente mais de 5 milhões de hectares de solos que precisam ser restaurados. Outra vantagem observada é que as castanheiras são capazes de produzir por mais de 40 anos com pouco ou quase nenhum aporte de nutrientes. Além de contribuir para a preservação, esses cultivos podem ajudar a gerar renda e emprego para os povos da floresta, com a geração de serviços ambientais.

Os estudos estão sendo realizados em cultivos de castanheiras implantados em áreas que antes eram pastagens degradadas no estado do Amazonas. “A capacidade de crescimento demonstrada pela castanheira comprova que ela tem uma estratégia fisiológica totalmente adaptada a esses tipos de solos”, afirma o pesquisador da Embrapa Amazônia Ocidental (AM) Roberval Lima, que realiza estudos silviculturais com essa espécie.

O embasamento para uso da castanheira na recuperação de áreas degradadas ganha ainda mais força com estudos sobre emissão de gases a partir do solo, processo também chamado de respiração do solo, e que consiste em um conjunto de fenômenos bioquímicos, envolvendo temperatura, umidade, nutrientes e níveis de oxigênio, influenciados por fatores naturais e ações humanas. As pesquisas compararam a capacidade de respiração do solo e a emissão de gases em diferentes ecossistemas, conforme os modos de uso da terra no bioma.

Uma das conclusões é que os plantios de castanheiras apresentam níveis de melhoria na qualidade do solo que mostram tendência de recuperação das características químicas, físicas e presença de microrganismos.

Segundo o pesquisador, os solos em plantios de castanheiras apresentam qualidade 50% superior à de áreas de pastagem degradadas. Foram realizados estudos comparando o fluxo de gases a partir do solo em ecossistema de floresta natural, em pós-floresta (após a corte da floresta) e em cultivos como os plantios de castanheira. “Os resultados apontam que, sob os plantios de castanheiras, o solo está se recuperando com uma tendência massiva próxima a de uma floresta natural”, destaca.

 

 

Foto acima: Siglia Souza

 

Antes pasto degradado, hoje o maior plantio de castanheira do mundo

Um dos locais de realização do estudo foi a Fazenda Aruanã, localizada no município de Itacoatiara, no estado do Amazonas, onde se encontra hoje o maior plantio de castanheiras do mundo, com cerca de 1,3 milhão de árvores. Essa área plantada de 3 mil hectares, em um total de 12 mil, substituiu a de pasto degradado.

“O projeto da Fazenda Aruanã é um bom exemplo de como recuperar uma área degradada na Amazônia. Na década de 1970, alguns empreendedores de São Paulo vieram para a região com a intenção de aproveitar os recursos de incentivo fiscal para projetos agropecuários. Anos depois, eles verificaram que a pastagem estava se degradando. Com a indicação de técnicos, iniciaram o plantio de castanha-do-brasil, também conhecida como castanha-do-pará, ou castanha-da-amazônia”, conta Lima.

O pesquisador realiza pesquisas na Fazenda Aruanã desde a década de 1990, visando aprimorar o manejo silvicultural e o sistema de produção para  frutos e madeira. “Hoje essa área está completamente restaurada com uma espécie florestal, gerando bastantes benefícios do ponto de vista ambiental, como recuperação do solo e atração da fauna, além de vantagens econômicas”, constata.

 

Foto: Roberval Lima

 

Ciência reduz tempo de germinação das sementes

O Brasil é o maior produtor mundial da castanha-da-amazônia, com cerca de 33 mil toneladas por ano, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), sendo que mais de 95% vêm de base extrativista.

A amêndoa da castanha-da-amazônia é um produto com demanda crescente no mercado mundial. Entretanto, a perspectiva é que não há mais capacidade de expansão de produção de amêndoas de castanha a partir do extrativismo, em breve tempo.

De acordo com Lima, a possibilidade de aumentar a produção nacional de amêndoas da castanha pode se dar por meio de plantios, o que é muito mais viável para o produtor, favorecendo inclusive a colheita de frutos, uma vez que permite implantar os cultivos em áreas mais acessíveis e com a logística mais fácil.

A contribuição da ciência ajudou a antecipar o tempo de produção das castanheiras. O pesquisador explica que, usando as técnicas silviculturais recomendadas, é possível reduzir de 18 para 6 meses o tempo de germinação das sementes. Além disso, técnicas como a enxertia de copa e uso de clones precoces selecionados podem antecipar a produção de frutos. Por volta de 15 anos já se tem todo o sistema em produção com mais de 80% de frutificação. “Para otimizar a frutificação, um fator importante é a questão da polinização”, acrescenta.

Lima alerta que é muito importante reservar faixas de mata nativa entre as áreas de plantio nos cultivos de castanheira porque favorecem a presença de polinizadores no ambiente. Na Fazenda Aruanã, existem faixas de mata de 500 metros entre os plantios para estimular a polinização da castanheira.

 

Foto: Lucio Cavalcanti

 

Síglia Souza (MTb 66/AM)
Embrapa Amazônia Ocidental

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Telefone: (92) 3303-7852

 

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