Gente do Meio

Marina Silva, a seringueira

A voz da floresta

Marina Silva: 'Eu quero ganhar ganhando' | VEJA

Silvestre Gorgulho

Haverá um tempo em que, da Amazônia, o homem poderá extrair a mais exótica flagrância, a cura de doenças como o câncer e a Aids ou o cosmético mais rejuvenecedor.

Haverá um tempo em que o homem, em meio ao alvoroço das grandes metrópoles, terá de reaprender a conviver com a natureza, tirando dela os exemplos mais essenciais e sublimes à continuidade da vida. E, lá poderá estar a Amazônia e a grandeza infinita de sua biodiversidade, até hoje desconhecida, a servir para o bem da humanidade.

Hoje, mais do que nunca, fala-se da Amazônia brasileira nos quatro cantos do planeta. Ela já vem sendo encarada como um bem valioso para o futuro da humanidade. Há os que apregoam que ela é o grande celeiro de reserva do mundo. E há, também, aqueles que já pregam até que ela precisa ser internacionalizada.

Mas, no momento, a grande Amazônia, continua lá, abandonada, esquecida, desprotegida, entregue a própria sorte. E, lá, junto com ela, estão os índios, seringueiros, ribeirinhos e tantos outros primitivos trabalhadores extrativistas que, a todo custo, teimam em protegê-la, guardá-la e conservá-la para que o sonho do futuro-verde não se transforme no pesadelo do deserto-areia.

Em meio a todas essas constatações, existe algo de concreto, que um dia a humanidade haverá de enaltecer e engrandecer a hora da Amazônia começar a falar por si mesma.

Isso ela já começou a fazer.

Primeiro com o seringueiro Chico Mendes, aquele homem simples e humilde da floresta, cujo trabalho conservacionista resultou na primeira grande mensagem de âmbito mundial em torno da idéia de que, explorada racionalmente, a Amazônia pode dar bons frutos para a humanidade.

Chico Mendes se foi, mas deixou em seu lugar uma outra pessoa, também muito simples e humilde, que, por onde passa, vem impondo, de maneira clara e cristalina, a grande mensagem da floresta. Ela é Marina Osmarina Silva Souza, a conhecida senadora acreana Marina Silva, cuja posse na câmara alta, em janeiro de 1995, surpreendeu o país e foi significativamente enaltecida pela mídia nacional e internacional.

Nascida na colocação Breu Velho, no seringal Bagaço, a 70km de Rio Branco, Marina Silva aprendeu a andar literalmente no meio da floresta, mais precisamente nas estradas de seringa, para onde costumava ir com o pai Pedro, desde criança, extrair a borracha para fabricar os pneus dos carros das grandes cidades.

Marina cresceu participando da luta diária dos seringueiros contra fazendeiros e pecuaristas, que, no início da década de 70, migraram para o lado mais ocidental da Amazônia derrubando floresta para formar campo para o gado.

“Primeiras palavras” foi o título que a senadora Marina Silva escolheu para ilustrar o livro que publicou recentemente sobre seu primeiro ano no Congresso. “Queremos cidadania e desenvolvimento justo e sustentável. Esse é o binômio que embala o nosso mandato”, diz Marina, como porta-voz do seringueiro, da quebradeira de coco, do ribeirinho e de toda a população amazônica.

De Rio Branco a Nova Iorque, onde esteve por duas vezes participando de conferências, palestras e debates sobre a questão da Amazônia, Marina sempre deixa o rastro da voz da floresta, do clamor do homem amazônico pelo desenvolvimento sustentável Na Sudam, ela defendeu e conseguiu estender pela primeira vez os recursos do Fundo Constitucional do Norte para aplicação no extrativismo. Defendeu e conseguiu criar os conselhos comunitários estaduais e municipais, que irão gerir os recursos do Basa para a região.

A seu pedido, o Exército está estudando a possibilidade de adotar o couro vegetal, produzido na região, na fabricação de botas, casacos, mochilas e outros apetrechos da tropa Vem conseguindo sensibilizar alguns governos estaduais a adotarem a castanha extraída nos seringais como componente da merenda escolar. A seu pedido, o Ibama está instalando várias usinas de beneficiamento de borracha, que irão agregar valor a esse produto extrativista. Em breve, vai conversar na Itália com o presidente da Pirelli sobre a instituição do “pneu verde”.

“O Brasil não conhece a sua outra metade. É o que estamos procurando mostrar”, assinala Marina, destemida, resoluta e certa de que, aos poucos, está alcançando seu objetivo.

Por sua origem, pela bravura e pela clareza dos propósitos da luta que vem empreendendo em favor da Amazônia, a senadora Marina Silva é Gente do Meio e recebe, com toda justiça, a homenagem da equipe da Folha do Meio Ambiente.

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ADEUS, ORLANDO BRITO

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O céu de Brasília amanheceu lindo, azul e com muita luz.
Mas nossos corações acordaram tristes, meio sem rumo e repassando um filme de saudades ao relembrar a figura serena, solidária, tranquila, genial e amiga de Orlando Brito.
Que você vá em paz, amigo Britinho.
Seu legado, sua história e seu rico acervo fotográfico e editorial sobre a História recente do Brasil e de Brasília está eternizado.
Nossa mesa dos almoços das sextas-feiras, que já teve um vazio imenso com a despedida do arquiteto Carlos Magalhães da Silveira, em junho do ano passado, agora sofre um outro esvaziamento pela passagem de Orlando Brito.
Num espaço de semana, o fotojornalismo brasileiro fica mais pobre, meio sem graça e nossos olhares reclamam as imagens fantásticas que brotavam das lentes Orlando Brito e Dida Sampaio.
Muito triste!
Orlando deixou livros, causos e histórias. Seu mais recente livro é CORPO E ALMA. Deixou ainda: PERFIL DO PODER (1982), SENHORAS E SENHORES (1992), PODER, GLÓRIA E SOLIDÃO (2002) e ILUMINADA CAPITAL (2003).
Adeus, Orlando Brito. Siga em paz!
FOTO:
Da direita para a esquerda:
Orlando Brito, Paulo Castelo Branco, Silvestre Gorgulho, Lucas Antunes, Cláudio Gontijo, Carlos Magalhães da Silveira, Denise Rothemburg, Reginaldo Oscar de Castro e Austen Branco. Fora da foto, porque chegou mais tarde, a secretária Helvia Paranaguá.
Pode ser uma imagem de 6 pessoas, pessoas sentadas e ao ar livre
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O LEGADO DE ELISEU ALVES

COMPLETA 91 ANOS EM 2022

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Eliseu Roberto de Andrade Alves, que nesta segunda-feira, 27 de dezembro, completa 91 anos, é daqueles brasileiros que tem uma obra muito mais conhecida do que a si próprio.
Sua obra mais conhecida é ter participado da criação da EMBRAPA, onde realizou o sonho de qualquer instituição de pesquisa: mandar para as melhores universidades do mundo 2.500 jovens agrônomos, economistas rurais e veterinários recém formados aqui no Brasil e trazê-los de volta com títulos de Mestrado e P.h.D.
Mas Eliseu Alves deixa outros legados: ele criou o conceito do distrito de irrigação, pelo qual os projetos públicos passaram a ser administrados pelos irrigantes. Como presidente da Codevasf (Governo José Sarney) concebeu e implantou o programa de produção e exportação de frutas em Petrolina/Juazeiro e negociou empréstimos no exterior que permitiram uma expansão de mais de um milhão de hectares de área irrigada.
FRASES DO ELISEU ALVES
– “A Ciência liberta o homem da ignorância, da pobreza, da doença e da dor”.
– “Cercear o progresso do conhecimento é um erro lamentável, além de pouco prático: sempre haverá algum país onde a liberdade do cientista é respeitada, e esse país vai pular à frente dos demais na produção de riqueza e do bem estar de seu povo”.
– “O país que não investe em Ciência, condena seu povo a sobreviver com o suor de seu rosto. A Ciência democratiza e a tecnologia liberta”.
– “A Revolução Verde brasileira na década de setenta sustenta hoje o crescimento econômico do Brasil e coloca o País na rota dos grandes exportadores mundiais de grãos”.
– “Fazer ciência é apenas mais uma maneira de exercitar a fé. Nunca vi na ciência qualquer possibilidade de negação da fé. Entendo que investigar os fenômenos físicos e sociais nada mais é que conhecer e revelar os mistérios do fazer de Deus”.
Dr ELISEU ALVES, seus 91 anos devem ser celebrados com alegria, orgulho e como uma benção para o Brasil.
Abraço,
Silvestre Gorgulho
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CONCERTO DE DESPEDIDA: O ADEUS A THIAGO DE MELLO

O Brasil perdeu uma lenda: THIAGO DE MELLO.

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Eu perdi um amigo e a Cultura brasileira perdeu uma referência.
Hoje me emocionei com a carta do filho do Thiago de Mello que faz uma despedida tão linda, tão emocionante que vale a pena a leitura de netos, filhos, pais e avós.
Mensagem do filho do poeta Thiago Thiago de Mello:
Passei três semanas no Amazonas, viajando sozinho. Se é que é possível dizer que viajei sozinho, pois sempre estive acompanhado de gente que me quer bem, amigos e familiares que encontrei pelo caminho. Gente que amo e que me constitui. Fui com dois propósitos nessa imersão solitária. O primeiro, visitar meu pai. Estar com ele por alguns momentos, já ciente da situação de saúde e cuidados na qual ele se encontrava. Depois, fui com o objetivo de iniciar uma reforma inadiável em nossa casa à beira do rio, em Freguesia do Andirá, no interior do município de Barreirinha, a quase 350 km de Manaus. Um dia de barco pra chegar até lá. A casa me pede zelo já há um tempo e estou há uns meses organizando uma campanha para arrecadar recursos para as obras. Consegui uma parte do dinheiro através da generosidade e da compreensão de muitos amigos e conhecidos, todos amantes da amizade, da poesia, da Amazônia e da obra literária de meu pai. Todos sonhadores como eu, que sabem, como meu pai, que arte e cultura geram evolução individual e progresso social. Embarquei no final de Dezembro para Manaus, sendo acolhido pela minha família amazonense que tanto quero bem. Fui ao apartamento de meu pai e Pollyanna. Ele já estava praticamente sem se levantar. Fui até o quarto. Quando ouviu minha voz, comentou: “voz bonita a do meu filho”. Com a memória dissolvida pelo tempo (do qual não se corre) e pelas neuropatias, perguntou meu nome e se eu tinha filhos. Disse que me chamava Thiago e que tinha duas filhas. Nossas mãos entrelaçadas num carinho suave e ancestral. “Mas então nós temos o mesmo nome”, ele notou. Falei que isso tinha sido invenção dele, pôr meu nome Thiago Thiago de Mello. No que ele, após um certo silêncio, falou baixinho: foi pra ficarmos juntos até mesmo no nome. “Cuida bem das suas filhas”. (Eu me emocionei muito nessa hora porque queria dizer a ele que se sou um bom pai é porque ele foi o melhor formador e educador que eu pude ter). Seguimos nossa conversa cheia de silêncios e respirações. Quis saber o que eu fazia da vida. “Canções e poemas”, não titubeei. Ele fez que sim com a cabeça e repetiu “canções e poemas, isso”. Perguntei se eu estava indo no caminho certo. “Certíssimo”, ele me disse com a voz grave de trovão adormecido. Comentei que estava indo para Barreirinha cuidar da nossa casa, pedi a sua benção (“Deus lhe abençoe”, me beijando a mão) e segui o meu caminho rumo ao rio Andirá, dos Saterês-maués. Fiquei semanas num país submerso, me nutrindo do passado, de banho de cheiro, tucumãs, ovas de curimatã, sombra de castanheira, amizades verdadeiras e caldeiradas de tucunaré e tambaqui. As obras começaram. Retiramos as vigas podres. Os esteios corroídos substituímos por madeira nova. Passamos óleo queimado para afugentar o cupim de terra traiçoeiro. Compramos tinta, cimento, ferro. Vieram os trabalhadores. As telhas chegaram de Parintins, presente de Antonio Beti, cuja doação jamais esquecerei. Recebi tanto em minha jornada pelas águas. Fiz um trabalho firme, aguentando o rojão sob chuva e sol quente. Barreirinha, onde meu umbigo está enterrado, me acolheu como sempre. Vi a felicidade nos olhos de gente simples, hospitaleira, contadora de histórias. É com meus irmãos e irmãs ribeirinhos que meu espírito se molda e evolui. Na verdade estava, sem saber, me preparando para um adeus após uma longa despedida. Fortaleci minha alma estando naquele lugar, berço meu, que aprendi a amar com meu pai e minha mãe desde que pra lá fui levado aos 6 meses de idade. Voltei pra Manaus e fui ao apartamento ver meu pai. Ele não me respondeu, já completamente dentro do seu próprio mundo, distante daqui. Pedi um violão e, então, comecei a tocar. As lágrimas caíram, eu sentado e ele deitado na cama. Tirei do baú as canções que sempre cantávamos juntos: “Azulão”, “Por que tu te escondes”, “Linda vida”, “Pai velho”, “Quem me levará sou eu”, “Faz escuro, mas eu canto”. Fiquei ali cantando por mais de trinta minutos, a primeira vez em nossas vidas que ele não cantou junto comigo. Foi um concerto de despedida. A nossa despedida tinha que ser com música e poesia, universo no qual sempre nos encontrávamos. Saí dali e fui comer um pacu assado de brasa em sua homenagem. Botei bastante pimenta murupi e tomei um suco de taperebá pra aliviar o peito. No dia seguinte, logo cedo pela manhã, papai atravessou o rio da vida. Morreu dormindo, bravo merecedor. Parece que estava só me esperando para seguir à Casa do Infinito. Sincronicidade astral, projeto dos deuses, dádiva da natureza. Ele foi em paz. Estamos de luto, mas em breve cantaremos com alegria, como ele sempre nos ensinou.”
THIAGO THIAGO.
PS: A casa que o filho esta reformando é um projeto de grande amigo do poeta, o urbanista Lucio Costa.
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