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Verdades e mentiras da gestão ambiental


Silvestre Gorgulho


“Tenho uma convicção: 90% do que escrevo é invenção. Só 10% é mentira”. A frase do poeta maior, Manoel de Barros, me vem à cabeça toda vez que assisto aos depoimentos nas três CPIs realizadas no Congresso Nacional. Uma coisa é a licença poética que garante a Manoel de Barros viver sua sensibilidade pantaneira escutando “até a cor dos passarinhos”, e outra é a licenciosidade maquiavélica dos políticos e empresários envolvidos em crimes eleitorais. Ao depor nas CPIs, eles são orientados por advogados para escolherem a tipificação do crime que já cometeram.


Também na gestão ambiental, muito que se diz é invenção. O resto perece mentira. Mesmo depois de todo escândalo que foi o aumento do desmatamento da Amazônia, no ano passado, agora no final de julho, o coração da Terra do Meio, no sudoeste do Pará, ardeu em chamas. Foram mais de dois milhões de árvores derrubadas e queimadas pelo fazendeiro José Dias Pereira. Simplesmente, ele colocou fogo na floresta para fazer pasto e criar gado. Foi o maior desmatamento registrado este ano. E por que José Dias ocupou a floresta? Simples: porque na floresta, além da malha de rios que facilita o transporte, estão sendo construídas estradas clandestinas pelo crime organizado. Essas estradas facilitam o acesso de madeireiros, garimpeiros, fazendeiros. A leitura desta realidade pode ser interpretada como a prova inconteste da ausência de governo e da indefinição de uma política florestal. Das duas, uma: ou os discursos dos gestores ambientais, das autoridades federais e estaduais são invencionices ou são mentiras, mesmo.


Mas existe o outro lado da medalha. Tal qual as florestas que estão sendo dizimadas do mapa da Amazônia por toda sorte de crime, outrora, no litoral brasileiro, as baleias sofriam do mesmo mal: durante dois séculos foram caçadas ao extremo. De uma população de 300 mil, elas chegaram a menos de 30 mil. Mas a sociedade soube reagir. No governo José Sarney, em 1986, o Brasil aderiu à medida proibitiva da caça à baleia e hoje é o país maior defensor destes mamíferos marinhos. A recompensa está aí: as baleias voltaram e atraem turistas do mundo inteiro. Segundo a bióloga Márcia Engel, uma baleia jubarte, ao longo de 60 anos de vida, proporciona cerca de um milhão de dólares para operadores turísticos, hotéis, lojas, e restaurantes das várias comunidades do litoral brasileiro. No mercado do peixe, no Japão, uma baleia caçada e esquartejada não vale mais do que 250 mil dólares.


Amigo leitor: comecei com Manoel de Barros e vou concluir com esse fascinante poeta que se criou no Pantanal, onde “as garças descem nos brejos que nem brisas. Todas as manhãs”. Onde “os patos prolongam meu olhar… Quando passam levando a tarde para longe…”. E onde, a mentira e a verdade têm os mesmos significados na minha cabeça e na do poeta: “Há histórias tão verdadeiras que, às vezes, parece que são inventadas”.


SUMMARY


Lies and truths


“I am convinced that 90% of what I write is make-believe. Only 10% is a lie.” This phrase, written by the great poet Manoel de Barros, comes to mind every time I watch the hearings from the three Parliamentary Commissions of Inquiry (CPI) currently being carried out in the National Congress. It is one thing to have a poetic license that guarantees Manoel to live his Pantanal sensitivity by hearing “even the color of the birds”, and quite another to have the Machiavellian license of the politicians and business people involved in these electoral crimes. As they go on the stand they are advised by the lawyers what type of crime to choose, even though they have already committed them.


Many of what is said in environmental management is also make-believe. The rest seems like lies. Even after all the commotion caused by the increase in the deforestation of the Amazon last year, just recently, towards the end of July the heart of the Terra do Meio, in the southwest of the state of Pará, burned into flames. Over two million trees were slashed and burned by the rancher José Dias Pereira. He simply burned the forest to make pastures for cattle raising. This was the largest deforestation registered this year. Why did José Dias settle in the forest? The answer is simple, the network of rivers as well as the illegal roadways built by organized crime facilitate transportation. These roadways facilitate the access for lumberjacks, miners, and ranchers. This reality is a result of the lack of government and an undefined forest policy. Either the speech of environmental managers and federal and state authorities is nothing but make believe, or lies.


There is another side to the coin. Just as the forest is being decimated from the map of the Amazon through all kinds of crimes, so were the whales, who suffered the same ailment for over two centuries along the Brazilian coastline, where they were hunted to the extreme. From a population of 300 thousand they decreased to fewer than 30 thousand. Society knew how to react. During the José Sarney government in 1986, Brazil adopted the whaling prohibition measure and is today the greatest defender of these marine mammals. The reward is that the whales are once again attracting tourists from all over the world. According to biologist Márcia Engel, the humpback whale, in its 60-year lifespan, generates around US$ 1 million for the tourism, hotel, retail, and restaurant business in the various Brazilian coastal communities. In the fish market, a caught and butchered whale is worth no more that US$ 250 thousand.



Dear reader, I began with Manoel de Barros and I will end with this fascinating poet that was raised in the Pantanal where the “egrets descend into the swamps like a breeze. Every morning.” Where “the ducks stretch my vision…As they pass by, taking the afternoon far away….” And where lies and truths have the same meaning in my mind and the mind of the poet: “There are stories that are so true they seem to be make-believe.”
SG

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Dia Mundial da Água

Cerrado pode perder quase 34% da água até 2050

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Cenário considera impacto do ritmo de exploração agropecuária no bioma

 

O Cerrado pode perder 33,9% dos fluxos dos rios até 2050, caso o ritmo da exploração agropecuária permaneça com os níveis atuais. Diante da situação, autoridades e especialistas devem dedicar a mesma atenção que reservam à Amazônia, uma vez que um bioma inexiste sem o outro. O alerta para situação é do fundador e diretor executivo do Instituto Cerrados, Yuri Botelho Salmona. Nesta terça-feira (22), é celebrado o Dia Mundial da Água, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Salmona mensurou o efeito da apropriação da terra para monoculturas e pasto, que resultou em artigo publicado na revista científica internacional Sustainability. A pesquisa contou com o apoio do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).

Ao todo, foram analisadas 81 bacias hidrográficas do Cerrado, no período entre 1985 e 2022. Segundo o levantamento, a diminuição da vazão foi constatada em 88% delas em virtude do avanço da agropecuária.

A pesquisa indica que o cultivo de soja, milho e algodão, assim como a pecuária, têm influenciado o ciclo hidrológico. O estudo também evidencia que mudanças do uso do solo provocam a redução da água em 56% dos casos. O restante (44%) está associado a mudanças climáticas.

“Quando eu falo de mudança de uso de solo, a gente está, no final das contas, falando de desmatamento e o que você coloca em cima, depois que você desmata”, disse Saloma, em entrevista à Agência Brasil. Segundo o pesquisador, o oeste da Bahia é um dos locais onde o cenário tem mais se agravado.

Quanto às consequências climáticas, o pesquisador explica que se acentua a chamada evapotranspiração potencial. Salmona explicou ainda que esse é o estudo com maior amplitude já realizado sobre os rios do Cerrado.

“O que está aumentando é a radiação solar. Está ficando mais quente. Você tem mais incidência, está ficando mais quente e você tem maior evaporação do vapor, da água, e é aí em que a mudança climática está atuando, muito claramente, de forma generalizada, no Cerrado. Em algumas regiões, mais fortes, como o Maranhão, Piauí e o oeste da Bahia, mas é geral”, detalhou.

Chuvas

Outro fator que tem sofrido alterações é o padrão de chuvas. Conforme enfatizou Salmona, o que se observa não é necessariamente um menor nível pluviométrico.

“A gente viu que lugares onde está chovendo menos não é a regra, é a exceção. O que está acontecendo muito é a diminuição dos períodos de chuva. O mesmo volume de água que antes caía em quatro, cinco meses está caindo em dois, três. Com isso, você tem uma menor capacidade de filtrar essa água para um solo profundo e ele ficar disponível em um período seco”, comentou.

Uma das razões que explica o efeito de reação em cadeia ao se desmatar o cerrado está no fato de que a vegetação do bioma tem raízes que se parecem com buchas de banho, ou seja, capazes de armazenar água. É isso que permite, nos meses de estiagem, que a água retida no solo vaze pelos rios. Segundo o pesquisador, em torno de 80% a 90% da água dos rios do bioma tem como origem a água subterrânea.

Edição: Heloisa Cristaldo

EBC

 

 

 

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VENTO DA ARTE NOS CORREDORES DA ENGENHARIA

Lá se vão 9 anos. Março de 2014.

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No dia 19 de março, quando o Sinduscon – Sindicato das Indústrias da Construção Civil do DF completava 50 anos, um vendaval de Arte, Musica, Pintura adentrou a casa de engenheiros, arquitetos e empresários e escancarou suas portas e janelas para a Cultura.
Para que o vento da arte inundasse todos seus corredores e salões, o então presidente Júlio Peres conclamou o vice Jorge Salomão e toda diretoria para provar que Viver bem é viver com arte. E sempre sob as asas da Cultura, convocou o artista mineiro Carlos Bracher para criar um painel de 17 metros sobre vida e obra de JK e a construção de Brasília. Uma epopeia.
Diretores, funcionários, escolas e amigos ouviram e sentiram Bracher soprar o vento da Arte durante um mês na criação do Painel “DAS LETRAS ÀS ESTRELAS”. O mundo da engenharia, da lógica e dos números se transformou em poesia.
Uma transformação para sempre. Um divisor de águas nos 50 anos do Sinduscon.
O presidente Julio Peres no discurso que comemorou o Cinquentenário da entidade e a inauguração do painel foi didático e profético:
“A arte de Carlos Bracher traz para o este colégio de lideranças empreendedoras, a mensagem de Juscelino Kubitschek como apelo à solidariedade fraterna e à comunhão de esforços. Bracher é nosso intérprete emocionado das tangentes e das curvas de Oscar Niemeyer e Lucio Costa. Nos lances perfomáticos de seu ímpeto criador, Bracher provocou um espetáculo de emoções nas crianças, professores, convidados, jornalistas e em nossos funcionários.
Seus gestos e suas pinceladas de tintas vivas plantaram sementes de amor à arte. As colheitas já começaram.”
Aliás, as colheitas foram muitas nesses nove anos e serão ainda mais e melhor na vida do Sinduscon. O centenário da entidade está a caminho…
Sou feliz por ter ajudado nessa TRAVESSIA.
SG
Fotos: Carlos Bracher apresenta o projeto do Painel. Primeiro em Ouro Preto e depois visita as obras em Brasília.
Na foto: Evaristo Oliveira (de saudosa Memória) Jorge Salomão, Bracher, Julio Peres, Tadeu Filippelli e Silvestre Gorgulho
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METÁFORAS… AH! ESSAS METÁFORAS!

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Sou fascinado com uma bela metáfora. Até mesmo porque não há poesia sem metáfora. Clarice Lispector é a rainha das metáforas. Maravilhosa! Esta figura de linguagem é uma poderosa forma de comunicação. É como a luz do sol: bate n’alma e fica.
Incrível, mas uma das mais belas metáforas que já li é de um naturalista e geógrafo alemão chamado Alexander Von Humbolt, fundador da moderna geografia física e autor do conceito de meio ambiente geográfico. [As características da fauna e da flora de uma região estão intimamente relacionadas com a latitude, relevo e clima]
Olha a metáfora que Humbolt usou para expressar seu encantamento pelo espetáculo dos vagalumes numa várzea em terras brasileiras.
“OS VAGALUMES FAZEM CRER QUE, DURANTE UMA NOITE NOS TRÓPICOS, A ABÓBODA CELESTE ABATEU-SE SOBRE O PRADOS”.
Para continuar no mote dos vagalumes ou pirilampos tem a música do Jessé “Solidão de Amigos” com a seguinte estrofe:
Quando a cachoeira desce nos barrancos
Faz a várzea inteira se encolher de espanto
Lenha na fogueira, luz de pirilampos
Cinzas de saudades voam pelos campos.
Lindo demais! É a arte de vagalumear.
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