Entrevistas

Jerson Kelman – Entrevista com presidente da ANA

A ANA vai despoluir rios comprando esgoto tratado e não construindo estações

A gestão dos recursos hídricos

Jerson Kelman: se a ANA não tivesse pisado no acelerador,
o Rio de Janeiro estava hoje racionando água

 Silvestre Gorgulho e Milano Lopes

A história da gestão dos recursos hídricos no Brasil teve três tempos: o primeiro tempo foi a criação da Secretaria Nacional dos Recursos Hídricos, em 1995. O segundo foi a edição da Lei 9.433/97 (Lei das Águas) em 1997 e o terceiro tempo foi a criação da Agência Nacional de Águas, em 2001. O engenheiro Jerson Kelman(foto) jogou nos três tempos deste jogo. Formado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e com mestrado em hidráulica, Kelman é Ph.D. em Hidrologia e Recursos Hídricos pela Colorado State University, além de professor de Recursos Hídricos da Coppe-UFRJ desde 1973. Sua experiência profissional foi enriquecida nos centros acadêmicos (é autor de mais de uma centena de artigos técnicos e orientou dezenas de teses de mestrado e doutorado) nos trabalhos de campo trabalhou no gerenciamento de usinas hidroelétricas) na confecção das leis (assessorou na regulamentação das Leis das Águas) e, finalmente, como dirigente público pois é diretor-presidente da ANA desde a sua implantação, em janeiro de 2001. Vale a pena ler esta entrevista de Kelman, cujo prestígio internacional está em alta desde o Prêmio Hassan II que recebeu durante o Fórum Mundial da Água, em Kyoto, promovido pela ONU.

Qual a mudança que podemos sentir na gestão dos recursos hídricos no Brasil?
Jerson Kelman –
A Agência Nacional de Águas resistiu à tentação de resolver, simultaneamente, todos os problemas da gestão hídrica no Brasil, porque isso não seria exeqüível. Por isso, desde o início, decidimos concentrar nossas atenções em cima das bacias hidrográficas, onde os conflitos em torno da água estão mais intensos. Nessas bacias, temos buscado cooperar para que se avance na implantação dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos previstos na Lei das Águas, lei 9.433.

E em relação à gestão para resolver a crise de água em regiões super industrializadas?
Kelman –
Essa é a questão. No que diz respeito à falta de água tivemos uma situação emblemática que foi o avanço que tivemos nesses quase três anos na implementação dos instrumentos de gestão na bacia do rio Paraíba do Sul e também na bacia do rio Piracicaba. Nessas duas bacias desenvolvemos planos de gestão dos recursos hídricos, já foram elencados os investimentos prioritários para a recuperação das águas dos rios, os respectivos comitês já decidiram que esse esforço de recuperação dos rios não é responsabilidade exclusiva do governo, já decidiram pela cobrança da poluição. No caso do Paraíba do Sul essa cobrança já está implantada e, os recursos já estão retornando à bacia para serem aplicados em prioridades que estão também sendo decididas pelo comitê.

Barra de saia, barra de terra e barra de rio sempre dá conflito. Houve muitos conflitos?
Kelman –
Sem conflitos. Basta dizer o seguinte: se a ANA e os demais órgãos integrantes do Sistema Nacional de Recursos Hídricos não tivessem pisado no acelerador nesses últimos três anos, a cidade do Rio de Janeiro estaria hoje sob racionamento porque desde agosto foi diminuído o volume de água transposto do rio Paraíba do Sul para o rio Guandu e essa ação preventiva impediu que os reservatórios do Paraíba do Sul estivessem hoje vazios. E essa transposição só foi possível porque houve um entendimento no seio do comitê de bacia, da ANA, do Operador Nacional de Sistemas e as empresas estaduais. Em resumo: o avanço não pode ser medido apenas sobre o que a população consegue ver, mas também pelas mazelas que não ocorreram por conta de uma ação preventiva.

E como foi a atuação da ANA na crise de energia elétrica?
Kelman –
O mais importante foi conciliar os interesses do setor navegação com os do setor de produção de energia elétrica. O fato é que, se não existisse a ANA, o escoamento de grãos pela hidrovia do Tietê teria simplesmente paralisado. Atuamos em outras situações de emergência, como em Cataguases. Em que meia hora após a ocorrência, a operação dos reservatórios do rio Paraíba do Sul já tinha sido alterada para aumentar o fluxo e afastar a massa poluidora e diluí-la.

Outro exemplo de ação da ANA foi a intermediação de negociação entre arrozeiros e fruticultores no Ceará no sentido de que a água fosse utilizada mais para a produção de fruticultura e não para a produção de arroz, com compensações para os produtores de arroz. Lembro também a organização do Comitê da Bacia do Rio São Francisco, que deverá render grandes frutos em termos de organização do uso das águas naquela grande bacia.

A ANA busca parcerias sem riscos para o empreendedor

Quantas empresas estão utilizando os recursos hídricos do rio Paraíba do Sul e como elas se ajustaram às novas regras?
Kelman-
Em primeiro lugar, esse programa de despoluição não se limita apenas à bacia do rio Paraíba do Sul. É um programa nacional, que está sendo aplicado não para comprar efluentes de indústrias, e sim efluentes de estações de tratamento de esgoto dos municípios. Para os municípios que dispõem de estações de tratamento de esgoto, o objetivo do programa é ajudá-los a viabilizar a operação dessas unidades. São 180 municípios no Vale do Paraíba. Não mais do que 10% têm tratamento de esgoto.

E como funciona esse Programa de Despoluição de Bacias Hidrográficas?
Kelman –
Aí temos que falar do Prodes, um programa que é o nosso maior desafio: enfrentar a poluição dos cursos de água nas áreas mais urbanizadas do país. Esse programa tem o objetivo de mostrar uma maneira nova de viabilizar obras públicas para tratar os esgotos urbanos. Uma grande deficiência brasileira. Aí a novidade: não vamos financiar as estações de tratamento, mas sim comprar o esgoto tratado. O Prodes tem, igualmente, o propósito de incentivar o estabelecimento e o funcionamento dos comitês de bacia e da implantação dos instrumentos de gestão: outorga, cobrança etc. Esse é um programa que paga pelo resultado, ou seja, esgoto tratado. Se um município resolve fazer uma estação de tratamento de esgoto, antecipadamente fazemos um contrato e a ANA, dentro de uma tabela já existente, monitora o resultado dessa estação de tratamento e compra o esgoto tratado.

Mas como ele funciona?
Kelman-
Nas bacias hidrográficas em que a gestão dos recursos hídricos já está mais avançada, os comitês de bacia já tiveram a capacidade de selecionar as cidades prioritárias para terem estações de tratamento de esgoto, a ANA assina o contrato o contrato não com o prefeito, não com o município, mas diretamente com o prestador do serviço, que pode ser uma companhia estadual, municipal ou mesmo do setor privado. O contrato estabelece que a companhia receberá o pagamento pelo serviço prestado.

Haveria alguma semelhança com o modelo de parceria público-privada que está sendo montado pelo governo?
Kelman –
Entendo que sim. A idéia da parceria público-privada é que sejam separados os riscos, tanto o do governo quanto o do empreendedor. Esses riscos não devem ser misturados. O risco do governo é que o pagamento seja feito e o serviço não seja entregue. O risco do empreendedor é ele fazer e não receber. O Prodes resolve essas duas questões assim: se o empreendedor não apresentar o resultado final do serviço que é o esgoto tratado, ele não recebe. Se, por outro lado, ele cumprir o que foi contratado, não há risco nenhum dele não receber porque a ANA deposita previamente esses recursos numa conta da Caixa Econômica Federal em nome do prestador do serviço.

Tudo o que ele tem que fazer é cumprir o contrato dele. Não há hipótese de que não haja dotação orçamentária ou contingenciamento. O recurso fica depositado na conta e o empreendedor só retira na entrega do serviço.

Já existe uma avaliação do funcionamento desse sistema.
Kelman –
Há, sim. Trata-se de uma experiência bem sucedida. É claro, que se compararmos o que foi feito com as necessidades do país, o número é irrisório. É claro que não é com esse ritmo de investimentos, de 30 ou 40 milhões de reais por ano que o problema do tratamento de esgotos vai ser resolvido no país. E nem a ANA pretende isso. O que pretendemos é demonstrar uma maneira nova, que funciona, muito mais eficaz de fazer o gasto público, que é pagar pelo resultado. Algumas das estações de tratamento construídas por esse sistema já estão em pleno funcionamento, principalmente no interior de São Paulo, como em Rio Claro.

E qual o processo utilizado pela ANA para atestar se a estação de tratamento contratada está operando satisfatoriamente, dentro dos padrões definidos pelo comitê?
Kelman –
A ANA vai lá, mas não quer saber quantos empregados o prestador do serviço tem, qual o método de tratamento que ele usa, qual a tecnologia etc. A ANA quer saber apenas de a carga de poluição abatida pela estação. Se o empreendedor não tiver cumprido o combinado, ele simplesmente não recebe.

É possível definir quanto o município gastou com a estação de tratamento e quanto recebe pelo esgoto tratado?
Kelman –
O que fazemos, no geral, é o seguinte: dependendo do número de habitantes e baseado no tipo de tratamento de esgoto, se é primário, secundário ou terciário, que é decidido pelo Comitê de Bacia, temos uma tipologia que se ajusta a uma tabela e com isso dizemos o seguinte: determinada estação de tratamento de esgoto vai custar, digamos, quatro milhões de reais. Com isso a ANA assina o contrato com o prestador do serviço estabelecendo que quando tiver sido removida a carga poluidora combinada, ele receberá, trimestralmente, um fluxo de caixa, cujo valor presente é metade dos quatro milhões de reais. Ou seja, o poder público dá, a fundo perdido, metade do que considera o custo real da estação. Não é exigida nenhuma comprovação de despesa.

E se o município gastou mais para fazer a estação de tratamento?
Kelman –
O contrato é para comprar o esgoto tratado. De qualidade. Se o município tem uma tecnologia melhor, e ao invés de gastar quatro milhões de reais, gasta três milhões, ótimo, ele vai ganhar 50%. Se fizer a estação por dois milhões, vai ganhar 100%. É algo, portanto, muito diferente do sistema em vigor, que é maligno. Primeiro há um grande lobby das empreiteiras, que ganham dinheiro construindo coisas. E a relação é entre o governo e o construtor. E a queda de braço entre o construtor e o poder público é a seguinte: o construtor está sempre pedindo revisão de custos, revisão de prazos e aditivos contratuais. Com isso, nunca as obras saem como projetadas, sempre saem mais caras.

A lógica nossa é revolucionária, pois o que se vai pagar é fixo. Portanto, o interesse do empreendedor não é maximizar o custo, mas sim, minimizar, como em qualquer negócio privado.
Quanto mais barato fazer e quanto rápido concluir, melhor para ele.

Esse sistema funciona bem em um ambiente de inflação estável. Mas se a inflação começar a crescer…
Kelman –
Acontece que esse dinheiro fica depositado na Caixa Econômica Federal, em nome do prestador do serviço, em um fundo que rende correção monetária mais juros.

Quantos contratos já foram assinados?
Kelman –
Em três anos (2001-2003) são 34 contratos, com investimento a fundo perdido de 78 milhões de reais, basicamente em São Paulo, Rio, Minas e Paraná, justamente porque eles já tinham prontos projetos de estações de tratamento. Para ingressar nesse programa é necessário dispor de um projeto de engenharia para a estação.

Primeiro passo de um município é fazer um pré-projeto

O que um prefeito deve fazer para entrar nesse programa?
Kelman –
A primeira coisa é saber qual é a solução de esgotamento sanitário para a sua cidade. E para isso ele precisa ter, no mínimo, um pré-projeto para que ele possa se habilitar. E o investimento, que é de planejamento e engenharia, é muito pequeno. Muitas cidades, especialmente as pequenas, não têm sequer levantamento topográfico, que é essencial, para que se saiba por onde passarão as tubulações. Em paralelo, para se habilitar a esse programa, como a água que uma cidade capta para tratar e abastecer a sua população é, no fundo, o esgoto que a cidade a montante jogou, não dá para tratar desse assunto – o esgotamento sanitário – apenas na escala do município. Essa questão tem que ser tratada no âmbito da bacia. Então é preciso que os prefeitos tenham essa percepção e que eles têm que começar a conversar com os prefeitos vizinhos as soluções mais abrangentes e integradas. Portanto, esse assunto deságua, naturalmente, nos comitês das bacias hidrográficas.

Existe algum órgão estadual ou federal que ajude os municípios na formulação dessa política para as regiões?
Kelman –
Existe. No Ministério das Cidades existe um programa de modernização do setor de saneamento, que visa a ajudar os estados e municípios a se organizarem para poder prestar apropriadamente os serviços de saneamento. E é claro que ter um plano diretor de esgotamento sanitário faz parte dessa organização. Na falta de bons projetos de engenharia, com freqüência se implantam soluções de inapropriadas ou muito caras.

O órgão chama Programa de Modernização do Setor de Saneamento – PMSS, o telefone é (61) 3155329 e o site www.cidades.gov.br

Voltemos ao Paraíba do Sul?
Kelman –
O sentimento em relação à necessidade de proteger o Paraíba do Sul e assegurar a normalidade do abastecimento à região por ele abrangida ajudou a formatar um plano de recuperação do rio. E essa mobilização em torno da formatação desse plano acabou por criar o Comitê do Paraíba do Sul em moldes mais coerentes com a lei 9.433, antes mesmo da lei ser aprovada. O decreto de criação do Comitê do Paraíba do Sul é de 1996, e a lei, de 1997. Mas o importante é que ele foi concebido praticamente com a cara de um comitê como previsto na lei.

E o que se avançou nos últimos três anos?
Kelman –
O comitê conseguiu aprovar um plano para a bacia. A ANA contratou serviços de consultoria e de engenharia para preparar um diagnóstico e um programa de investimentos para que o comitê, que é um órgão colegiado, pudesse deliberar. Portanto, o comitê já dispõe de uma diretriz, de um planejamento, para evoluir da situação atual, de grande poluição da área sob sua jurisdição, para uma situação desejável de recuperação. Mais que isso: o comitê engajou-se nesse processo não como uma entidade que apenas reclama do governo. Ele está cumprindo o seu papel de comitê que é de uma espécie de braço auxiliar do Estado em que também chamou a si responsabilidades de parte pequena dos investimentos necessários, sendo cobertos com a implantação do princípio poluidor-pagador. Foi o comitê que decidiu quando começar a cobrar pelo princípio poluidor-pagador, quanto cobrar e no que aplicar. Essas três coisas são atribuições típicas de um comitê de bacia.

E quando isso começou?
Kelman –
A decisão foi no ano passado e a cobrança começou este ano, em março. O grande desafio que nós temos, nós da ANA e do sistema de gerenciamento de recursos hídricos, é fazer funcionar o princípio básico de que toda a arrecadação da bacia, oriunda daqueles que pagam pela poluição que estão lançando no rio, e aqueles que pagam pela água que tiram do rio, tem de voltar para a bacia afim de ser aplicado no que o comitê decidiu até o último centavo. E isso é o grande desafio porque infelizmente a compreensão de que esses recursos não podem ser contingenciados não permeou ainda todas as instâncias do governo. Seguramente a ministra Marina Silva tem feito disso uma bandeira de luta dela, mas ainda não alcançamos êxito.

E por que esse dinheiro vai para o caixa única do Tesouro?
Kelman –
Vamos imaginar que a cobrança não entrasse no caixa do Tesouro e o comitê decidisse que os usuários da bacia fariam o depósito, por exemplo, em um fundo do Banco do Brasil. Alguns iriam depositar e outros, não. Nada aconteceria com aqueles que não pagassem porque não haveria nenhum poder coercitivo que os obrigasse. A única forma de fazer com que todos paguem é tornar a cobrança um preço público. E é um preço público porque todos estão utilizando um bem público, que é a água dos rios de forma privada. Quando eu lanço uma poluição no rio eu estou usando um bem público que é o rio, para afastar a poluição que eu causei. Se há um custo social – que é a poluição – é razoável que os que estão causando esse custo social paguem por isso. Isso gera uma receita pública que entra no caixa do Tesouro.

O desafio, como disse, é fazer com que essa receita pública volte para o usuário a região, afim de ser aplicada em proveito de todos. A analogia perfeita é a de um condomínio.

E o dinheiro está voltando?
Kelman –
Este ano até o último centavo vai voltar porque entra no orçamento da ANA e como percebemos a importância desse assunto, estamos retornando até o último centavo. Até agora foram cerca de R$ 4,5 milhões. E estamos fazendo isso com algum sacrifício porque teve de cortar outros gastos para atender ao que consideramos uma prioridade.

Como o orçamento da Ana foi fortemente contingenciado, como, aliás, ocorreu em todas as áreas do governo, portanto a ANA não foi discriminada, demos prioridade um, dentro do pouco que não foi contingenciado, ao pagamento da receita auferida pelas bacias.

Essa solução de 2003, de manutenção do compromisso da ANA com a bacia do Paraíba do Sul, foi uma postura meio heróica, no sentido de não matar no berço uma experiência altamente promissora. Mas isso tem limite. Não é razoável admitir que vai ser sempre assim, porque não será sustentável.

A boa notícia é que, a importância desse tema, o retorno, à bacia, integralmente, de toda a receita por ela auferida, já começa a receber o apoio de várias instâncias do governo, tanto no Executivo como no Legislativo. O relator do orçamento do próximo ano, deputado Jorge Bittar (PT-RJ) está preocupado em encontrar um mecanismo que permita o retorno integral dessa arrecadação.

A restrição financeira da ANA foi grande
A ANA gerencia uma rede hidro-metereológica com mais de 5.500 pontos de medição no Brasil inteiro

Não há o perigo de, se essa receita começar a crescer, ser contingenciada pelo governo para fazer caixa e contribuir para gerar o superávit primário negociado com o FMI?
Kelman –
Temos uma receita grande, da ordem de R$ 90 milhões por ano que, do ponto de vista legal é a mesma coisa, o volume de água consumido, que é paga pelas usinas hidrelétricas. Esse recurso é severamente contingenciado. Seria altamente desejável que esses recursos não fossem contingenciados, porque eles foram criados para fazer funcionar o sistema de gerenciamento de recursos hídricos. Entretanto, é importante perceber que o que feriria de morte o sistema seria o contingenciamento da cobrança condominial, que é decidida livremente pelo comitê de bacia.

Uma coisa é você cobrar do setor elétrico e, se ele não gostar, não poder fazer nada, pois essa cobrança é definida por uma lei. Mas é de outra natureza, tanto ética como política, apesar de ser legalmente igual, a cobrança condominial. Porque se o comitê ficar insatisfeito com o contingenciamento, ele poderá decidir simplesmente nada cobrar dos usuários. Contingenciar essa receita significará matar a galinha dos ovos de ouro.

E como se situa a ANA no orçamento do próximo ano?
Kelman –
Em 2001 o projeto de lei orçamentária destinou à Ana R$ 166,8 milhões, valor que alcançou R$ 230,0 milhões na lei orçamentária, em decorrência de emendas parlamentares. Porém o limite para movimentação e empenho foi de apenas R$ 167,8 milhões. Em 2002, foram R$ 202,7 milhões no projeto, R$ 229,5 milhões na lei e apenas R$ 82,2 milhões para limite de empenho.
Este ano, o mesmo: R$ 166,7 milhões da proposta, R$ 183,4 milhões na lei, mas uma queda acentuada no limite para empenho, de apenas R$ 63,2 milhões. Ainda assim, dificilmente alcançaremos esse limite de movimentação e empenho, porque praticamente nada foi destinado à Ana em termos de projetos. Temos apenas atividades.

Trata-se de uma limitação que faz com que apesar de termos um limite de R$ 63,2 milhões, nós provavelmente não vamos conseguir executá-lo. Trata-se de uma questão técnica: nós não podemos gastar em projetos o que foi destinado para atividades. Para o exercício financeiro de 2004 o projeto de lei orçamentária consignou apenas R$ 76,4 milhões, que corresponde a menos da metade do ano passado.

Se em 2004 não ocorrer contingenciamento, o que seria altamente desejável, poderíamos ter, no próximo ano, pelo menos, o mesmo limite efetivo de gastos do corrente exercício. Se for confirmada a expectativa de que não haverá contingenciamento, não teríamos de que nos queixar, pois a liberação efetiva em 2004 estaria compatível com os gastos reais deste ano. Agora, se o não contingenciamento for apenas um desejo, então estaremos mal, pois iniciaremos a discussão com menos da metade do que obtivemos este ano.

Alguém no governo garantiu que não haverá contingenciamento?
Kelman –
Não, não há garantia. Mas tive a informação de que esse substancial enxugamento do que é a proposta orçamentária de 2004, comparada com a proposta orçamentária do próprio governo de 2003, tem por objetivo eliminar a necessidade de contingenciamento em 2004, porque, já de partida, o orçamento está sendo reduzido. Se for isso mesmo, está tudo certo. Se não, o ritmo de implantação do sistema de gestão dos recursos hídricos que deveria ser alcançado em dez ou vinte anos beneficiará, talvez, nossos netos.

Ora, se só a receita das contribuições do setor elétrico para o próximo ano é da ordem de R$ 90 milhões, e o orçamento global da Ana é de R$ 76,4 milhões, fica claro que, já na elaboração da proposta orçamentária, o governo apropriou-se de quase R$ 20 milhões dessa receita.
Kelman –
Nesses R$ 76,4 milhões destinados à ANA não há praticamente recursos próprios do Tesouro. É algo como 3%. Outros 72% vêm do setor elétrico. Portanto, o que recebemos, é menos do que o setor elétrico paga.

É porque, quem fez o orçamento subestimou a receita do setor elétrico.
Kelman –
Isso.

Nesse período de dez meses do governo Lula, o que é que foi bom e o que é que foi ruim para a ANA?
Kelman –
O que foi bom para a ANA nesse período foi a sorte que tivemos de ter como ministra do Meio Ambiente uma pessoa do padrão da ministra Marina Silva, que desde o primeiro momento identificou a necessidade de disciplinar o uso dos recursos hídricos como uma das prioridades ambientais e identificou que a ação da ANA para implementar essa agenda poderia ser um trunfo para a gestão dela.

Também num primeiro momento a Ministra Marina nos chamou para nos integrar à sua equipe. Apesar da ANA ser uma agência reguladora não subordinada ao Ministério do Meio Ambiente, mas apenas vinculada, na prática, há tamanha identidade de objetivos, que não houve em nenhuma circunstância qualquer indisposição pelo fato de que a ANA tem um grau de independência institucional, distinta, por exemplo, de uma outra instituição como, por exemplo, a Secretaria de Recursos Hídricos.

E o lado ruim?
Kelman –
O lado ruim não foi exclusivamente da ANA. O ano de 2003 tem sido muito difícil no sentido do cumprimento de metas que dependem de recursos públicos. A restrição financeira que atinge a ANA é fortíssima, nós temos paralisadas muitas atividades importantes…

Por exemplo?
Kelman –
Para que o presidente da ANA autorize uma viagem de fiscalização tem de pensar três vezes, quando deveria ser uma autorização administrativa de escalão inferior. A ANA gerencia uma rede hidro-metereológica com mais de 5.500 pontos de medição no Brasil inteiro. Medição de vazão, medição de nível dos rios, de qualidade das águas e de chuva. Gerenciar esses 5.500 postos no Brasil inteiro, alguns deles localizados em áreas remotas da Amazônia, muitos deles transmitindo dados via satélite em tempo real, custa cerca de R$ 20 milhões por ano.

Então, como enfrentamos restrição financeira, temos de resolver o problema de qualquer forma. Ficamos devendo na praça, recebemos cobrança de fornecedores de serviços e de equipamentos, fazemos muita ginástica. O que não é possível – e isso foi uma decisão técnica – é paralisar a mensuração da quantidade de água que existe no país, pois isso seria equivalente a interromper uma série estatística como as do IBGE. Isso é uma coisa tão grave, que nós preferimos até ficar devendo do que parar. Mas repito, tais dificuldades não são específicas da ANA, são gerais.

O rio é um bem público. Quem polui está causando um custo social

Como a ANA vê a questão das mudanças nas agências reguladoras?
Kelman –
O documento do governo, submetido à consulta pública é muito equilibrado. Ele destaca, com muita propriedade, que as agências reguladoras são necessárias para viabilizar serviços públicos que são prestados sob regime de concessão, em longo prazo, e que é preciso compor três tipos de interesse não necessariamente coincidentes: interesses do concedente, que é o governo; interesses do concessionário, que é a empresa que presta o serviço, e os interesses dos usuários do serviço. Posso dar um exemplo de como esses interesses não são coincidentes: os usuários dos serviços públicos desejam a menor tarifa possível, um legítimo interesse. Por outro lado, o governo, não necessariamente tem esse interesse. A preocupação do governo não é apenas com o usuário, mas com aqueles que não são usuários, estão à margem do mercado. Ou seja, o governo busca a universalização dos serviços. E para isso, é preciso que haja uma sobra financeira das empresas, para que elas possam investir, expandindo os serviços. A visão governamental, portanto, não é, necessariamente, de tarifa mínima.

Mas a ANA não é uma agência reguladora do serviço público.
Kelman –
Certamente. Assim como a ANP não é uma agência reguladora do serviço público. A ANA e a ANP regulam outra coisa, que é o direito de acesso ao bem público. É outro tipo de regulação, destinada a disciplinar o acesso ao bem público. É necessária para evitar a tragédia do uso do bem comum, conforme dizem os economistas. Ou seja, quando alguma coisa é de todos, e ninguém cuida, há uma tendência que essa coisa seja super utilizada, mal utilizada e exaurida.

Isso vale tanto para o petróleo, como para os rios. A regulação do uso do bem público é ainda mais necessária, particularmente quando, aquele que vai usar o bem público fará um investimento para isso. É o caso, por exemplo, de quem faz uma hidrelétrica ou instala equipamento de irrigação.

Quando, por exemplo, um irrigante monta um pivô central, ele está contando com a água do rio. O mesmo pode-se dizer das indústrias que se instalam à margem dos rios porque precisam ter a segurança de que podem contar com a água.

A ANA terá sempre papel cada vez mais importante na sociedade, pois ela vai gerenciar e administrar um dos conflitos mais sérios que existe na vida humana: o uso da água.

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CUBATÃO: Entrevista com Celma do Carmo de Souza Pinto

Em entrevista à Folha do Meio, Celma do Carmo de Souza Pinto fala sobre a paisagem de Cubatão e a história de uma cidade estigmatizada pela poluição.

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Historiadora, pesquisadora, Doutora em Teoria, História e Crítica, pela Universidade de Brasília, Celma de Souza Pinto é profunda conhecedora da realidade do patrimônio industrial e da paisagem cultural brasileira. Celma do Souza é autora de três livros sobre a memória da industrialização na Baixada Santista: “Anilinas” – “Meu lugar no mundo: Cubatão” – “Cubatão, história de uma cidade industrial” e uma dissertação de mestrado “A construção da paisagem industrial de Cubatão – o caso da Companhia Fabril e da Usina Henry Borden”. É ex-servidora da Prefeitura Municipal de Cubatão e trabalhou por mais de 10 anos no IPHAN Sede, em Brasília. Atualmente dirige o Instituto Base no desenvolvimento de projetos culturais.  Para Celma de Souza, mais do que resgatar a impactante história do desenvolvimento industrial de Cubatão é abrir possibilidades para novos olhares sobre a paisagem do município.

CELMA DO CARMO DE SOUZA PINTO – ENTREVISTA

“Somos humanos e a vida humana é inseparável da história, da natureza, do patrimônio. O reconhecimento da paisagem de Cubatão como bem cultural abre novas possibilidades de conhecimento, de projetos educacionais, de lazer e da percepção da memória social. Vivemos dentro ou junto às paisagens”.

 

FOLHA DO MEIO – Cubatão era símbolo de poluição. Cidade estigmatizado pela poluição e com um dos maiores parques industriais do Brasil. Qual a relação com as paisagens culturais?

CELMA – Cubatão está inserido em um território com as marcas de eventos históricos desde o início da ocupação portuguesa pela sua localização entre o litoral e o Planalto Paulista. A partir de princípios de fins do século XIX, o município testemunha a evolução técnica e tecnológica do País, em suas obras de infraestrutura viária fabris e industriais. Isso somado, é claro, ao ambiente natural no qual se destacam a Serra do Mar, a Mata Atlântica e os manguezais típicos da região costeira. Por isso, Cubatão, além de ter um dos maiores parques industriais do Brasil abriga monumentos históricos como a Calçada do Lorena, o Caminho do Mar, antigos testemunhos fabris, de infraestrutura e várias reservas ambientais como o Parque Estadual da Serra do Mar. Todos esses elementos compõem e influenciam, direta ou indiretamente, a vida dos moradores do município, configurando uma paisagem cultural.

 

FMA – Sim, a paisagem é emblemática, o esforço de despoluição foi grande, mas Cubatão já tem esse reconhecimento?

CELMA – Verdade, a paisagem de Cubatão é uma das mais emblemáticas do Brasil pela imbricação de todos esses elementos somados aos problemas ambientais que manteve a atenção. Mas ainda não tem o reconhecimento que merece no âmbito cultural. Minha pesquisa “O (In)visível patrimônio da industrialização – reconhecimento de paisagens em Cubatão”, procura rever essa paisagem, considerando seus paradoxos, defendendo a urgência de iniciativas para sua valorização e reconhecimento também pelos seus relevantes aspectos históricos, culturais, paisagísticos e até afetivos.

Celma de Souza Pinto: Paisagem industrial em Cubatão-SP: o caso da companhia fabril e da usina Henry Borden.

 

FMA – Mas, você poderia explicar melhor o que é uma paisagem cultural?

CELMA – O termo advém da geografia a partir da evolução dos estudos e da compreensão da noção de paisagem, que remonta ao século XIV no Ocidente. A Unesco, em 1994, inseriu a categoria de paisagem cultural em sua relação de bens culturais passíveis de serem declarados como Patrimônio Mundial. Paisagens culturais são as que foram afetadas, construídas ou resultantes do desenvolvimento humano e da sua ação e relação com a natureza. Como atualmente todo o planeta, e até o espaço sideral, é marcado pela ação humana, as paisagens culturais têm uma variedade muito grande. Tanto podem abarcar grandes territórios, quanto pequenas parcelas territoriais, como áreas industriais, locais de notável beleza, fazendas, jardins e outros. Isso abriu possibilidade para o reconhecimento e valorização também das paisagens industriais, como a de Cubatão, no campo do patrimônio cultural.

FMA – Quais os critérios para reconhecimento de uma paisagem cultural?

CELMA – Os critérios de reconhecimento de uma paisagem cultural variam conforme são estabelecidos pelos documentos de cada país, ou como definidos pela Unesco. No Brasil, por exemplo, a Chancela da Paisagem Cultural Brasileira, estabelecida pela Portaria IPHAN nº 127/2009, define a paisagem como “uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores”. Busca abranger a diversidade de lugares, costumes e paisagens brasileiras. O reconhecimento de uma paisagem cultural perpassa primeiro o Espaço, as pessoas que nele vivem ou interage.

FMA – Paisagem cultural é aquela constituída a partir da interferência humana na natureza…

CELMA – Sim, é o lugar onde se vive, o meio que reflete a interação entre as pessoas e a natureza. É o legado das culturas com o mundo natural, com o tempo: com os eventos do passado, a fruição do presente e as expectativas para o futuro, entre outros. As paisagens culturais são uma narrativa de expressões culturais e de identidade regional para grupos sociais, para comunidades e para a coletividade.

 

FMA – Então, qual a importância da paisagem de Cubatão?

CELMA – Aí que vamos chegar. A paisagem de Cubatão se distingue pelo forte caráter histórico, pela associação com o movimento de ocupação portuguesa desde o século XVII e pela vinculação ao processo industrial e de desenvolvimento técnico paulista e do Brasil, expresso nas vias de transporte já existentes antes da chegada do europeu e das construídas ao longo do tempo. Mas também ostenta um capítulo importante da história ambiental e do operariado brasileiro cuja memória está se perdendo e é parte fundamental da construção da paisagem que não se dá somente no município de Cubatão, mas em outros municípios da Baixada Santista, como Santos.  Enfim, é uma região que ostenta uma paisagem plena de história e, ao mesmo tempo, dotada de uma beleza natural, cênica, ecológica, educacional, contemplativa, de lazer… em suma, um incomparável patrimônio cultural a ser conhecido, divulgado e desfrutado.

 

FMA – Com toda essa importância, por que pouco se fala da paisagem cultural de Cubatão?

CELMA – Não é bem assim. Na verdade, desde a década de 1980, muito se tem falado de Cubatão e da sua paisagem. Sobretudo quando houve uma massiva divulgação na mídia sobre os altos índices de poluição industrial. A partir de 1950, após a construção da Refinaria Presidente Bernardes, até a década de 1970, Cubatão recebeu mais de vinte indústrias de base na área da petroquímica e siderurgia, tornando-se um dos mais importantes complexos industriais do País. Como o Brasil ainda não dispunha de uma legislação ambiental, as indústrias foram instaladas sem o devido cuidado com emissão de poluentes no ar, na água e no solo. Tais consequências nefastas ao meio ambiente e à saúde humana, valeram à cidade a alcunha de Vale da Morte. Mesmo com o trabalho bem-sucedido da Cetesb no controle da poluição ambiental, a imagem negativa de Cubatão ficou no imaginário. Não queremos que essa história seja esquecida, apenas mostrar outros aspectos.

 

FMA – Como é a atual relação dos moradores de Cubatão com a chamada paisagem cultural?

CELMA – Boa questão. Em entrevistas que fiz com moradores de Cubatão, ficou evidente que consideram a paisagem como seu patrimônio cultural. Demonstraram também inquietação com a preservação dos testemunhos da industrialização e da infraestrutura. Eles se preocupam com a natureza, a Serra do Mar, que constitui o envoltório cênico que emoldura a cidade e é o elemento visual mais relevante da região. Mas eles se afligem com o descaso pelos remanescentes de antigas fábricas, pelos antigos caminhos e pela ferrovia. Também evidenciaram que, apesar da carência de políticas de preservação, educacionais, de lazer, entre outros, existe uma relação de identidade com a paisagem local e uma consciência sobre a necessidade de preservação dos testemunhos materiais remanescentes.

 

FMA – Por que é importante o reconhecimento dessa paisagem?

CELMA – Primeiro, porque somos humanos e a vida humana é inseparável da história, da natureza, do patrimônio. O reconhecimento da paisagem como bem cultural abre novas possibilidades de conhecimento, projetos educacionais, lazer e percepção da memória social. Vivemos dentro ou junto às paisagens. Nesse sentido, pode contribuir para que a cidade se torne mais humanizada com melhoria na qualidade de vida, proporcionando um sentido de lugar e de identidade às gerações futuras, assim como propiciar à comunidade uma melhor compreensão sobre o lugar onde vivem e a como buscar uma maior fruição dos testemunhos arquitetônicos e bens tombados da região. Além de possibilitar a novas atividades econômicas ligadas ao potencial histórico e paisagístico que insira a população local.  

A pesquisa de Celma do Carmo, “O (In)visível patrimônio da industrialização – reconhecimento de paisagens em Cubatão”, procura rever essa paisagem, considerando seus paradoxos, defendendo a urgência de iniciativas para sua valorização e reconhecimento também pelos seus relevantes aspectos históricos, culturais, paisagísticos e até afetivos.

 

FMA – Como preservar os elementos arquitetônicos e outros que tornam essa paisagem tão importante?

CELMA – Para isso é imprescindível a atuação séria e isenta dos órgãos de preservação locais e estadual. A preservação do patrimônio cultural exige uma ação conjunta da população com o governo municipal não só no âmbito do patrimônio, mas também para desenvolvimento de projetos de valorização, reabilitação, revitalização ou mesmo requalificação urbana de sítios de valor histórico reconhecidos pela população, como por exemplo, a orla do rio Cubatão, que atravessa a cidade. Ou com a recuperação de locais degradados que remontam à história ferroviária na região. A paisagem pode ser também um meio para criação de mecanismos de reparação que pode incluir também a preservação da memória do trabalhador e fortalecimento da identidade local como museus, centros culturais, projetos educativos, enfim…

 

FMA – Fico imaginando o tamanho desse desafio: Cubatão está entre o maior complexo industrial do Brasil e o maior porto do Brasil?

CELMA – E põe desafio nisso. De fato, como Cubatão situa-se entre um complexo industrial e o Porto de Santos gera um desafio que é conciliar as necessidades de modernização desses setores com as aspirações da população, que almeja o indispensável respeito ao patrimônio cultural e à história. As paisagens estão em constante transformação. Quando relacionadas à indústria isso fica ainda mais evidente, pois a principal característica da indústria é o dinamismo por processos de mudança no modo de produção, de estruturação econômica, entre outros. Por isso é urgente a revisão do atual modelo de desenvolvimento excludente e pautado em projetos que atendem somente às necessidades industriais e portuárias, sem considerar os interesses dos moradores. Não é possível manter o conceito de desenvolvimento da década de 1950 no qual somente a ampliação industrial irá trazer benefícios para a cidade.

 

FMA – Mas o IDH de Cubatão é bem alto…

CELMA – É verdade. O IDH de Cubatão é bem alto, se comparado aos outros municípios da Baixada Santista. No entanto, os moradores não estão imunes aos mesmos problemas de seus vizinhos, cujo IDH e arrecadação tributária é perceptivelmente inferior. Donde se vê que o desenvolvimento e o progresso alardeados pela industrialização não se concretizaram. Então, fica claro que ali os efeitos negativos da industrialização se fazem sentir de modo muito mais adverso do que os benefícios.

A superação desses desafios exige, dentre outros, mecanismos de reconhecimento da paisagem, de forma conjunta com as propostas de gestão compartilhada, com apoio de todos os setores envolvidos e do poder público. Sem isso, é possível que em poucos anos a cidade de Cubatão desapareça como local de vida e convivência humana, vindo a se tornar um mero depósito de contêineres ou um grande pátio de estacionamento de caminhões. Não podemos esquecer que ali vivem pessoas.

 

 

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Entrevistas

John Elkington: A Vanguarda da Sustentabilidade Empresarial e Global

Explorando a Vida e o Legado do Arquiteto da Tripla Linha de Base e Defensor Incansável da Responsabilidade Corporativa

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Na arena global da sustentabilidade, poucos nomes ressoam com a mesma reverência que o de John Elkington. Conhecido como o arquiteto da “Tripla Linha de Base”, Elkington emergiu como um pioneiro na integração de preocupações ambientais, sociais e financeiras no mundo dos negócios. Sua jornada como defensor incansável de práticas sustentáveis e responsáveis ​​é um testemunho vivo de sua influência e impacto duradouro.

As Raízes da Visão de Elkington

Nascido com uma consciência intrínseca do poder transformador da sustentabilidade, John Elkington começou sua jornada na Universidade de Londres, onde se formou em Economia e Estudos de Engenharia. Desde o início, seu interesse abrangente pelas interseções entre o mundo dos negócios e as questões ambientais e sociais o levou a explorar novos paradigmas de desenvolvimento econômico que priorizassem não apenas o lucro, mas também o bem-estar coletivo.

A Tripla Linha de Base e Seu Legado Duradouro

É inegável que o maior legado de John Elkington é a popularização do conceito de “Tripla Linha de Base”. Sua inovadora abordagem de avaliação de desempenho empresarial não apenas com base em lucros financeiros, mas também em impactos ambientais e sociais, foi revolucionária. Essa estrutura conceitual permitiu que as empresas repensassem suas práticas e redefinissem o sucesso empresarial, levando em consideração não apenas os resultados financeiros, mas também o impacto em comunidades e ecossistemas.

O Compromisso Contínuo com a Mudança Sistêmica

Além de suas contribuições teóricas, Elkington é conhecido por seu compromisso contínuo com a mudança sistêmica. Ele trabalhou incansavelmente para influenciar políticas e práticas corporativas, promovendo a sustentabilidade como um imperativo central para o crescimento econômico e o bem-estar social. Sua atuação como autor prolífico e palestrante renomado ampliou ainda mais o alcance de suas ideias e inspirou uma geração de líderes a repensar o papel das empresas na sociedade.

O Legado Duradouro e o Caminho à Frente

À medida que o mundo enfrenta desafios cada vez mais complexos, o legado de Elkington permanece como um farol de esperança e um lembrete constante de que a sustentabilidade não é apenas uma opção, mas uma necessidade urgente. Sua visão e dedicação incansável continuam a orientar não apenas empresas, mas também formuladores de políticas e defensores da sustentabilidade em direção a um futuro mais equitativo e próspero.

John Elkington personifica a noção de que a sustentabilidade não é apenas um conceito acadêmico, mas uma filosofia de vida e uma abordagem essencial para moldar um mundo mais resiliente e sustentável. Sua jornada continua a inspirar e a moldar a narrativa global da responsabilidade empresarial e do ativismo sustentável.

 

Entrevista

John Elkington: Bem, ao longo das últimas décadas, testemunhamos um crescente reconhecimento da importância da sustentabilidade, tanto a nível empresarial quanto global. As empresas estão percebendo que devem abordar não apenas suas operações, mas também sua cadeia de suprimentos e impacto social. Vemos um movimento contínuo em direção a práticas mais responsáveis e transparentes, mas ainda há muito trabalho a ser feito.

Com certeza. Quais são os principais desafios que você identifica atualmente em termos de implementação de práticas sustentáveis em larga escala?

John Elkington: Um dos principais desafios é a integração da sustentabilidade no cerne dos modelos de negócios. Muitas empresas ainda veem a sustentabilidade como uma iniciativa isolada, em vez de uma parte fundamental de sua estratégia. Além disso, a falta de regulamentações e políticas sólidas em muitas partes do mundo dificulta a adoção generalizada de práticas sustentáveis. Também é fundamental envolver os consumidores e criar uma demanda por produtos e serviços mais sustentáveis.

Concordo plenamente. Considerando o cenário atual, como você visualiza a importância da inovação e da tecnologia na promoção da sustentabilidade?

John Elkington: A inovação e a tecnologia desempenham um papel crucial na transição para práticas mais sustentáveis. Novas tecnologias podem aumentar a eficiência, reduzir desperdícios e permitir o uso mais inteligente dos recursos. Da energia renovável aos avanços na agricultura sustentável e na gestão de resíduos, a tecnologia tem o potencial de impulsionar mudanças positivas significativas. No entanto, é importante garantir que essas inovações sejam acessíveis e amplamente adotadas, especialmente em comunidades com recursos limitados.

Definitivamente. Quais conselhos você daria para os líderes empresariais e os formuladores de políticas que desejam impulsionar práticas mais sustentáveis?

John Elkington: Para os líderes empresariais, eu enfatizaria a importância de incorporar a sustentabilidade em toda a cadeia de valor, desde a concepção do produto até o descarte responsável. Isso não apenas beneficia o planeta, mas também pode gerar eficiências operacionais e melhorar a reputação da marca. Para os formuladores de políticas, é fundamental criar um ambiente regulatório favorável e incentivar a inovação e o investimento em práticas sustentáveis. Além disso, é crucial promover a conscientização e a educação sobre a importância da sustentabilidade em todas as esferas da sociedade.

 

 

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Entrevistas

Kátia Queiroz Fenyves fala a respeito de sustentabilidade e meio ambiente

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Kátia Fenyves é Mestre em Políticas Públicas e Governança pela Sciences Po Paris e formada em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo. Ao longo de sua trajetória profissional, acumulou experiências em cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável no terceiro setor e na filantropia. Atualmente é Gerente do Programa de Finanças Verdes da Missão Diplomática do Reino Unido no Brasil.

 

1. Você estudou e tem trabalhado com a questão de sustentabilidade e o meio ambiente. Pode nos falar um pouco a respeito desses temas?
Meio ambiente é um tema basilar. Toda a vida do planeta depende de seu equilíbrio. A economia, da mesma forma, só se sustenta a partir dos recursos naturais e de como são utilizados. Sustentabilidade, portanto, foi o conceito que integrou as considerações aos aspectos ambientais, sociais e econômicos, revelando de forma mais sistêmica esta inter-relação e, sobretudo, colocando o meio ambiente como eixo estratégico do desenvolvimento, para além de seu valor intrínseco.

2. Quando se fala em sustentabilidade, pensa-se no tripé social, ambiental e econômico. Como você definiria esses princípios? Qual deles merece maior atenção, ou todos são interligados e afetam nossa qualidade de vida integralmente?
Exatamente, sustentabilidade é o conceito que revela as interligações entre os três pilares – social, ambiental e econômico e, portanto, são princípios interdependentes e insuficientes se tomados individualmente. Talvez, o ambiental seja realmente o único que escapa a isso. A natureza não depende da economia ou da sociedade para subsistir, mas, por outro lado, é impactada por ambos. Por isso, sustentabilidade é um conceito antrópico, ou seja, é uma noção que tem como referencial a presença humana no planeta.

3. Questões relacionadas à sustentabilidade, preservação do meio ambiente e consumo consciente são discutidas nas escolas e universidades?
Há entre as Diretrizes Curriculares Nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, que são normas obrigatórias, as específicas para Educação Ambiental que devem ser observadas pelos sistemas de ensino e suas instituições de Educação Básica e de Educação Superior a partir da Política Nacional de Educação Ambiental. Estas contemplam todos os temas citados na pergunta. Não sou especialista na área então é mais difícil avaliar a implementação, mas em termos de marco institucional o Brasil está bem posicionado.

4. Quando se fala em preservação do meio ambiente, pensa-se também nos modelos de descarte que causam tantos danos ao meio ambiente. Existe alguma política de incentivo ao descarte consciente?
Mais uma vez, o Brasil tem um marco legal bastante consistente para o incentivo ao descarte consciente que é a Política Nacional de Resíduos Sólidos de 2010, que é inclusive uma referência internacionalmente. Na verdade, mais que um incentivo ela é um desincentivo ao descarte inconsciente por meio do estabelecimento da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e a logística reversa. Isso significa que a PNRS obriga as empresas a aceitarem o retorno de seus produtos descartados, além de as responsabilizar pelo destino ambientalmente adequado destes. A inovação fica sobretudo na inclusão de catadoras e catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis tanto na logística reversa como na coleta seletiva, algo essencial para um país com nosso contexto social.

5. Você acha que os modelos de descarte atuais serão substituídos por novos modelos no pós-pandemia? O que fazer, por exemplo, para incentivar as pessoas a descartar de forma consciente as máscaras antivírus?
Sempre é preciso se repensar e certamente a pandemia deu destaque a certas fragilidades da implementação da PNRS. Grande parte dos hospitais brasileiros ainda não praticam efetivamente a separação e adequada destinação de seus resíduos e, na pandemia, este problema é agravado tanto pela maior quantidade de resíduos de serviços de saúde gerados como por uma maior quantidade de geradores, uma vez que a população também começa a produzir este tipo de resíduo em escala. Falta ainda muita circulação da informação, então talvez este seja o primeiro passo: uma campanha de conscientização séria que jogue luz nesta questão.

6. Na sua opinião, o mundo está mais consciente das necessidades de preservação do meio ambiente e dos recursos naturais para que gerações futuras possam deles usufruir?
Acredito que tenhamos passado do ponto em que estas necessidades de preservação eram uma questão de consciência e chegamos a um patamar de sobrevivência. Também não se trata apenas das gerações futuras, já estamos sofrendo as consequências do desequilíbrio ambiental provocado pela ação humana e do esgotamento dos recursos naturais desde já. A própria pandemia é resultado de relações danosas entre o ser humano e o meio ambiente e os conflitos por fontes de água, por exemplo, são uma realidade.

7. Quais as ações que mais comprometem e degradam o meio ambiente?
Nosso modelo produtivo e de consumo como um todo é baseado em uma relação predatória com o meio ambiente: retiramos mais do que necessitamos, sem respeitar os ciclos naturais de reposição e, além disso, quando descartamos os resíduos e rejeitos não cumprimos com os padrões adequados estabelecidos. Já temos conhecimento suficiente para evitar grande parte dos problemas, mas ainda não conseguimos integrá-lo nas nossas práticas efetiva e definitivamente.

8. O que na sua opinião precisa ser feito para que as sociedades conheçam mais a respeito de sustentabilidade, preservação do meio ambiente e consumo consciente?
Acredito que para avançarmos como sociedade precisamos tratar a questão das desigualdades socioeconômicas que estão intrinsicamente relacionadas a desigualdades ambientais, inclusive no que diz respeito às informações, ao conhecimento. A educação é, portanto, um componente estratégico para este avanço, mas é preciso ter um entendimento amplo que traga também os saberes tradicionais para esta equação. Além disso é preciso cada dia mais abordar o tema da perspectiva das oportunidades, pois a transição para modos de vida mais sustentáveis, que preservam o meio ambiente e que se baseiem em consumo conscientes alavancam inúmeras delas; por exemplo, um maior potencial de geração de empregos de qualidade e menos gastos com saúde.

9. A questão climática está relacionada com a sustentabilidade? Como?
A mudança do clima intensificada pela ação antrópica tem relação com nossos padrões de produção e consumo em desequilíbrio com o meio ambiente: por um lado, vimos emitindo uma quantidade de gases de efeito estufa muito significativa e, por outro, vimos degradando ecossistemas que absorvem estes gases, diminuindo a capacidade natural do planeta de equilibrar as emissões. Assim, a questão climática está relacionada com um modo de vida insustentável. A notícia boa é que práticas sustentáveis geram diretamente um impacto positivo no equilíbrio climático do planeta. Por exemplo, o Brasil tem potencial para gerar mais de 25 mil gigawatts em energia solar, aproveitando sua excelente localização geográfica com abundância de luz solar, uma medida sustentável que, ao mesmo tempo, é considerada uma das melhores alternativas para a diminuição das emissões de CO2 na atmosfera, que é um dos principais gases intensificadores do efeito estufa.

 

 

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