Entrevistas
José Carlos Pinheiro Neto – Entrevista sobre o carro e o meio ambiente
Presidente da Anfavea fala sobre a sustentabilidade da indústria automobilística

A indústria, o automóvel e o meio ambiente
José Carlos Pinheiro Neto, vice-presidente da GM e presidente da Anfavea
Silvestre Gorgulho, de Brasília
Presidente da Anfavea mostra como as fábricas vão se tornando mais limpas e fala do desafio de continuar fazendo carros que gastem menos energia e sejam menos poluentes:
“Não há problemas tecnológicos com o carro a álcool. O problema é mercadológico. O consumidor brasileiro não reconquistou
a confiança na disponibilidade do álcool
na bomba de combustível”
Veículos com mais de 10 anos respondem por 77% das emissões de poluentes e por 60% dos acidentes com vítimas Há um mês a General Motors inaugurou sua mais nova planta industrial do mundo, em Gravatai-RS, para produção do carro compacto Celta, que acaba de chegar ao mercado. O próprio presidente da República e os centenas de convidados que visitaram a indústria puderam conhecer um complexo automotivo ecologicamente correto, desde sua implantação até sua gestão diária, seguindo as normas ambientais. Como? Minimizando os impactos ambientais, evitando perdas de energia, reduzindo desperdício, coletando os efluentes e dejetos tóxicos, promovendo um saneamento adequado e valorizando a área verde, com a construção até de uma estação ecológica onde foi construída uma escola para educação ambiental. Afinal de contas, é essa a receita para o desenvolvimento sustentável e não foi por outro motivo que, depois da inauguração, o presidente Fernando Henrique lembrou uma frase que disse numa entrevista à Folha do Meio: “Sem a adequada proteção ambiental, o próprio processo de desenvolvimento corre o risco de se tornar estéril”.Enfim, se as indústrias automotivas estão rezando na cartilha da gestão ambiental, o desafio agora é outro. E muito maior: tornar os automóveis menos poluentes, gastando menos energia. O fato é que os maiores danos ao ambiente ocorrem durante o tempo em que o veículo roda, pois durante sua vida útil, um carro gasta 70% de toda a energia e emite 80% de toda poluição envolvidos no processo, desde a fabricação. Mas, enquanto as indústrias pesquisam formas de gastarem menos energia e de seus produtos emitirem menos poluentes, o Brasil sequer regulamentou a lei de inspeção veicular para obrigar a regulagem dos escapamentos. Mais: engavetou a proposta de renovação de frota. É bom lembrar que metade dos 20 milhões de veículos que rodam hoje no Brasil tem mais de 10 anos e – incrível – respondem por mais de 77% das emissões de poluentes na atmosfera. Outro dado assustador: segundo a Anfavea, 60% dos acidentes com vítimas são provocados por veículos com mais de 10 anos.
Para falar como as novas fábricas estão “limpas” , como os carros enfrentam o desafio da poluição e até de renovação de frota, ninguém melhor do que o presidente da Anfavea e vice-presidente da GM, José Carlos Pinheiro Neto.
Uma grande empresa, uma grande planta industrial e um Estado muito politizado ambientalmente. Como foram os antecedentes e as primeiras articulações para a implementação do projeto?
José Carlos P. Neto – Foi simples, mas não foi fácil. A GM seguiu todo o procedimento legislativo em vigor para a aprovação dos projetos industriais pelos órgãos ambientais. Submetemos às autoridades gaúchas o estudo de impacto ambiental e houve, inclusive, audiência pública para a formulação de perguntas por parte da sociedade. A GM cumpriu todos os quesitos exigidos pela legislação ambiental municipal, estadual e federal.
O que mais chamou a atenção dos executivos da GM quando das conversações e acertos com os órgãos ambientais e com os próprios ambientalistas?
José Carlos – Não tivemos nenhuma situação inusitada e nem mantivemos contatos diretamente com ambientalistas, ONGs ou entidades privadas. Se houve contato com representantes do setor não-governamental, ele ocorreu anonimamente, no âmbito da audiência pública.
Em relação as muitas outras plantas industriais da GM no mundo inteiro, qual o grande diferencial da nova fábrica de Gravataí?
José Carlos – O grande diferencial é o processo fabril. Contrariamente às plantas tradicionais, em Gravataí a GM monta subsistemas completos, que são alimentados por um seleto grupo de fornecedores chamados “sistemistas”. No complexo automotivo existem 17 sistemistas.
Meio ambiente caminha numa pista dupla: educação e tecnologia. Como, quando e onde os “pilotos” do board da GM encaram esse desafio?
José Carlos – A GM tem políticas ambientais internas há mais de 40 anos. É uma empresa ambientalmente consciente, que zela por estar sempre em situação politicamente correta quando o assunto é o que modernamente é conhecido pelo nome de Responsabilidade Social Corporativa. A GM investe centenas de milhões de dólares a cada ano no desenvolvimento de tecnologia ambientalmente mais favorável. Foi o caso, por exemplo, de veículos elétricos, e atualmente, da tecnologia das células de combustível. Ainda para citar a planta de Gravataí, gostaria de salientar que a GM reservou 25% da área do Complexo Automotivo à preservação ambiental. Foi realizado um trabalho ambiental muito importante e operacionalmente complicado: transplantamos mais de 400 árvores da área que foi nivelada para abrigar os prédios industriais para a área de preservação. Foram principalmente figueiras – que são protegidas por lei no Rio Grande – algumas com até 49 ton. de peso. Essa área é uma estação ecológica que recebeu, ainda, mais 25 mil novas plantas e onde foi construída uma escola para educação ambiental.
A GM mostrou que gestão ambiental é quando a preservação do ambiente faz parte do negócio. Como a nova indústria administra a questão dos efluentes?
José Carlos – Esse é um assunto essencial, hoje, numa planta industrial. Todos efluentes, produtos químicos, pintura, como aliás todos os dejetos, sobras, refugos gerados no processo fabril, são processados de acordo com a mais moderna tecnologia existente no mundo.
Qual a principal lição ambiental que a GM tirou depois da implantação da nova indústria automotiva de Gravataí?
José Carlos – Não diria que é propriamente uma lição, mas a confirmação de que é possível ter plantas industriais moderníssimas em perfeita harmonia com o meio ambiente e com a expectativas da sociedade quanto à qualidade de vida.
Vamos falar agora de renovação da frota que também tem seu lado ambiental e de qualidade de vida, afinal de contas carro mais novo significa mais segurança e menos dióxido de carbono no ar. Como anda o programa?
José Carlos – É de lamentar que o programa de Renovação da Frota Nacional de Veículos Automotores, concebido pela Anfavea, encampado por outras associações de classe e pelas organizações sindicais, não tenha sido apoiado pelo governo federal. Esse programa tem um evidente apelo ambiental, à medida que vai retirar de circulação veículos inseguros e poluidores, que seriam, ainda, destinados a modernos centros de reciclagem. Metade da frota em circulação, mais ou menos 10 milhões de veículos, têm os maiores índices de emissão média de monóxido de carbono, devido suas condições tecnológicas. E a própria reciclagem de materiais e componentes dos veículos seria uma importante ajuda para diminuir a poluição. Além de contribuir para dar uma dimensão de escala econômica à atividade da reciclagem.
Combustíveis limpos – esse é o grande desafio ambiental para a indústria automobilística. Como estão os projetos para carros elétricos e para maior agressividade na fabricação de carros a álcool?
José Carlos – A GM foi a primeira montadora do mundo a produzir um veículo elétrico em série. É o EV1, movido a baterias ácido-chumbo. Atualmente, a tecnologia mais promissora é a da célula a combustível e todos os grandes fabricantes desenvolvem projetos de pesquisa nessa linha, inclusive a GM. Quanto ao álcool… bem, vamos repetir pela enésima vez a história que temos a contar. Em primeiro lugar, não há problemas tecnológicos para o relançamento do carro a álcool. O problema é unicamente mercadológico, porque até hoje o consumidor brasileiro não reconquistou a confiança na disponibilidade do álcool na bomba de combustível. Aliás, há poucas semanas vimos como isso funciona no Brasil. A safra de cana sofreu uma queda de 20% e o combustível ameaçou faltar. Qual foi a solução? O mix do álcool na gasolina baixou para 20%. Não questiono a decisão tomada pelo governo. O problema é a percepção do consumidor, que vê o álcool como combustível “não confiável”. Infelizmente, para a ecologia nacional, não vejo os consumidores fazendo fila para comprar carros a álcool…
Mas, e o carro?
José Carlos – Bem, como eu disse, não há problemas tecnológicos para produzi-lo. Tanto que a partir de junho deste ano disponibilizamos os Corsa Wind e Wind Sedan 1.0 movidos a álcool. As vendas ainda estão tímidas, mas acredito que deslanchem uma vez que o consumidor se conscientize das vantagens do álcool ao se tratar de motores modernos, de injeção eletrônica. Dentre as vantagens, estão o desempenho superior e o menor custo por km em relação a um motor similar a gasolina. Além do lado ambiental: o álcool não polui e é um combustível renovável, ao contrário dos derivados de petróleo.
Célula de combustível – É um gerador de energia elétrica baseado na reação química de um combustível líquido ou gasoso com o oxigênio. Essa energia irá alimentar um motor elétrico para propulsionar o veículo. As pesquisas estão apontando o hidrogênio como o combustível ideal para a célula. Essas células foram utilizadas pela NASA, a partir de 1965, para produzir a energia elétrica para os sistemas de comunicação e computadores das cápsulas Gemini.
Entrevistas
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Entrevistas
Maurício Andrés Ribeiro – Tesouros ambientais da Índia
A Índia ensina a resolver problemas sociais em condições de escassez extrema,

Tesouros ambientais da Índia para o Brasil
Maurício Andrés Ribeiro – ENTREVISTA
O Fórum Social Mundial de 2004 será na Índia. Mais uma boa oportunidade para os brasileiros tomarem conhecimento dos avanços para uma civilização sustentável
“A Índia ensina a resolver problemas sociais em condições de escassez extrema, a reduzir desperdícios e a trabalhar eficazmente sem muitos capitais ou recursos financeiros”.
O escritor e ambientalista Maurício Andrés Ribeiro
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Silvestre Gorgulho, de Brasília
O arquiteto mineiro Maurício Andrés Ribeiro é muito conhecido do mundo ambiental: ecologista, escritor e gestor ambiental com uma característica interessante: é especialista em administrar conflitos. Gosta de ouvir todas as partes, de digerir problemas e tomar decisões de consenso. Em Minas Gerais, Andrés foi secretário de Meio Ambiente de Belo Horizonte (90-92) e presidente da Fundação de Meio Ambiente (95-98). Em Brasília, foi diretor do Programa de Gestão da Secretaria de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (1999), diretor do Conama (2001-2002) e agora é assessor especial da ANA. Autor de “Ecologizar – Pensando o Ambiente Humano”, Maurício Andrés acaba de lançar seu novo livro: “Tesouros da Índia para a Civilização Sustentável”. Vale a pena saber mais sobre o livro e também conhecer mais as experiências e lições que este país tropical pode passar ao nosso “Patropi”. Vamos à entrevista.
Escrever sobre a Índia não é muito comum, no Brasil. Como se iniciou seu interesse por aquele país?
Maurício Andrés – Na década de 70, comecei a me interessar pelas questões ambientais. Trabalhava no Centro Tecnológico, em Belo Horizonte, e candidatei-me, no CNPq, a bolsa de estudo no exterior. Enquanto vários de meus colegas optaram por fazer doutorado na Europa e nos Estados Unidos, escolhi realizar um estudo comparativo Brasil-Índia, no Instituto Indiano de Administração, em Bangalore. Ignacy Sachs, economista que se formara em São Paulo e fez seu doutorado na Índia, me forneceu informações valiosas para aproveitar bem aquela experiência.
Como foi viver e estudar na Índia?
Maurício – São muitos os benefícios de estudar na Índia, em termos de desenvolvimento humano e intelectual, pois vivenciamos uma cultura milenar, com valores distintos dos ocidentais. Além disso, em geral os estudantes brasileiros vivem no exterior de forma modesta, mas na Índia, o custo de vida é baixo e permite bom conforto com poucos recursos. Estabeleci ampla rede de contatos com os quais ainda mantenho relações. O economista dr. Vinod Vyasulu, por exemplo, que foi meu orientador à época, é meu amigo até hoje.
E a situação social da Índia, não impressiona muito os brasileiros?
Maurício – Em geral temos impressões negativas sobre os aspectos sócioeconômicos da Índia. Circula a idéia de que a pobreza é extrema. No entanto, é pouco conhecido o fato de que a Índia tem índices de violência urbana e rural muito mais baixos do que aqueles que ocorrem no Brasil, e tem reduzido gradualmente suas desigualdades. A apropriação pelos indianos mais ricos da riqueza nacional vem decrescendo nas últimas décadas, enquanto os mais pobres têm aumentado a sua participação nessa riqueza, processo inverso ao que ocorreu no Brasil. A Índia ensina a resolver problemas sociais em condições de escassez extrema, a reduzir desperdícios, a trabalhar eficazmente sem muitos capitais ou recursos financeiros. O Fórum Social Mundial, que ocorrerá na Índia em 2004, será uma oportunidade para os brasileiros que lá comparecerem, tomarem conhecimento desses avanços.
Quais são as principais personalidades indianas que merecem destaque?
Maurício – A civilização indiana tem uma quantidade impressionante de pessoas que contribuíram para construí-la ao longo de cinco milênios: no século 20, admiro o poeta Rabindranath Tagore, prêmio Nobel, que tem uma percepção muito clara sobre o papel de sua terra-mãe. Krishnamurti, Vivekananda, Rajneesh, Ramakrishna, Dayananda, e muitos outros mestres também tem um trabalho admirável, que se nutre da Vedanta, o conhecimento das escrituras sagradas, escrita há milhares de anos.
No campo do pensamento e ação política e social, quem se destaca, na Índia?
Maurício – Além do Mahatma Gandhi, que aplicou a não-violência e a satyagraha – experiência com a verdade – na luta pela independência da Índia, me impressiona o trabalho de Sri Aurobindo. Seu pensamento político e social mostra visão prospectiva, lucidez. Muito antes da independência indiana em 1947, ele já a considerava um fato inexorável e passou a trabalhar sobre as questões globais e planetárias. Quando tomei contato com sua obra, em Pondicherry, onde está estabelecida sua comunidade ou ashram, tive a sensação de que seria necessária mais do que uma vida para dominar todo aquele conhecimento. Também existe na Índia uma vasta experiência de ativismo social, para minorar as condições de pobreza e há grandes especialistas nesse campo, como o prêmio Nobel, economista Amartya Sen, e a ativista sócioecológica Vandana Shiva. Satyajit Ray é um cineasta com uma obra admirável. Deepak Chopra e V.S. Naipaul, são escritores indianos atuais, conhecidos no ocidente.
Índia e Brasil no cenário internacional
A Índia tem uma classe média de 200 milhões de
pessoas e níveis educacionais de excelência
Qual a importância da Índia no atual cenário internacional?
Maurício – A Índia tem forte inserção na política mundial por sua peculiaridade histórica. Trata-se de um país que, apesar de ter sido invadido por vários povos, não se deixou destruir nem perdeu seus valores e tradições. Ressalta também a sua posição geográfica privilegiada. As grandes navegações do século 15 e 16 tinham por objetivo descobrir uma rota marítima para as Índias, riquíssima em especiarias e na produção de tecidos e de seda, bens muito valiosos à época. Nos dias atuais, constitui um pólo regional, na Ásia, com forte presença política, demográfica e econômica. A Índia tem uma classe média de 200 milhões de pessoas e níveis educacionais de excelência, o que lhe permite, por exemplo, ser um dos maiores exportadores mundiais de softwares, os quais alimentam a atividade central no século 21 e da era do conhecimento, que é a informática.
E quanto às relações da Índia com o Brasil?
Maurício – Vejo a aproximação consciente do Brasil à Índia como um componente necessário para completar uma construção ainda inacabada e em processo, que é a sociedade brasileira. A Índia é um parceiro valioso ao qual o Brasil poderia se aliar. Muitos brasileiros já têm, por iniciativa própria, procurado estabelecer tais vínculos. Mas esse filão é muito rico, pode trazer muitos benefícios e pode ser explorado de forma mais organizada, institucionalmente, envolvendo governos e empresas. O Brasil é uma nova civilização emergente que poderia ter maior autonomia em relação à órbita da sociedade ocidental insustentável e co-evoluir com a civilização indiana, que soube ser sustentável e que adotou valores humanos como a tolerância e o respeito à diferença. É preciso abrir a agenda de reflexão e ação sobre essa cooperação sul-sul e valorizá-la. Trata-se, ainda, de um tema periférico, sobre o qual se desenvolve muito pouca atenção e pesquisa.
No contexto atual da globalização, a intensificação de relações Brasil-Índia tem alguma importância?
Maurício – O Brasil é uma civilização emergente com muita energia vital. A Índia é ancestral, com um patrimônio acumulado de sabedoria impressionante. O velho e o novo podem se complementar. Aloísio Magalhães, o grande designer brasileiro, dizia que quanto mais se puxa para trás o elástico do estilingue, mais longe a pedra é arremessada. A perspectiva histórica vista a partir de uma civilização milenar pode ajudar a fazer uma prospecção de longo prazo, em direção à sustentabilidade da civilização do século 21. A contribuição de pensadores indianos, como Sri Aurobindo, é fundamental nesse contexto.
Por que estreitar relações com a Índia e como se pode fazer isto?
Maurício – Em primeiro lugar é preciso mudar a percepção e a consciência. Enxergar a existência dessas duas civilizações, numa visão a partir do ângulo sul do planeta, fato que nem sempre é visualizado. Assim, por exemplo, Samuel Huntington, em seu conhecido livro O Choque de Civilizações, não destaca a civilização brasileira, incluindo-a como parte da latino-americana. Isso reflete a falta de percepção de um fenômeno novo, a civilização tropical emergente, já ressaltada por autores como Darcy Ribeiro.
Até mesmo Fritjof Capra, quando fala da ascensão e queda das antigas civilizações e da curva rápida de ascensão e queda da atual era do combustível fóssil, mostra a Grécia e o Egito, mas se esquece da Índia. São percepções a partir do ângulo de visão do norte. Sendo os dois maiores países tropicais do mundo, há muitas similaridades climáticas e ecológicas que facilitam o intercâmbio de espécies animais e vegetais. Há muitas diferenças no processo histórico e cultural de desenvolvimento dessas duas sociedades e nesse fato reside uma potencialidade de fertilização mútua. Na Índia se faz um aproveitamento muito mais integral dos recursos naturais, reduzindo os desperdícios. Isto é fundamental num país como o nosso, que vive um paradoxo: o desperdício de alimentos é tão grande quanto a fome entre os mais pobres…
Dá para dar algum exemplo?
Maurício – Claro. Veja, por exemplo, que o coco da Bahia, que temos em abundância, e que é originário da Índia, tem, em Kerala, estado do sul indiano, todos os seus subprodutos aproveitados e não apenas a polpa ou a água. O mesmo se pode verificar com o rebanho bovino. A tão decantada expressão “vaca sagrada” tem sua razão de ser num fato objetivo: na Índia, aproveita-se tudo do gado vivo, até mesmo as fezes, que servem de combustível para cozinhar… Por que, então, matar a “galinha dos ovos de ouro?”.
A sacralização dos animais tem relação com uma visão de mundo sustentável?
Maurício – Com relação às espécies animais, faz-se na Índia um uso intenso dos animais vivos – para o transporte, o arado e o adubo. As vacas foram sacralizadas e o vegetarianismo é um hábito alimentar com conseqüências positivas do ponto de vista da ecologia energética. Já no Brasil o animal morto é que tem maior valor econômico. Os fazendeiros de gado zebu trouxeram da Índia espécies que se aclimataram muito bem no Brasil, mas que precisam de choque de sangue, para melhorar a sua qualidade, o que é feito pela importação, muitas vezes clandestina, de sêmen bovino. Uma vez encontrei na Índia um juiz de concursos de gado de Uberaba, Sr. Pylades Prata Tibery, já nos seus 80 anos, embrenhando-se no interior do país em busca de matrizes de touros que pudessem fornecer o sêmen necessário para esse choque de sangue.
O senhor quer dizer que o Brasil pode aprender muito com a Índia?
Maurício – Sim, é isso. Penso que o Brasil pode aprender com a Índia a aproveitar mais integralmente os recursos naturais, a implantar políticas que reduzam as desigualdades sem sacrificar a liberdade, a reduzir a violência e a criminalidade por meio do desenvolvimento de valores espirituais, a valorizar mais seus bens, hábitos e tradições culturais.
Em que pontos essa aproximação pode beneficiar a política ambiental?
Maurício – Essa aproximação pode ensinar sobre a reverência, o cuidado e o respeito para com a natureza e os valores humanos desenvolvidos na civilização indiana, que facilitaram com que ela perdurasse durante milênios de história, com baixa degradação ambiental. A sociedade contemporânea e especialmente o Brasil, precisam desenvolver valores que ultrapassem o mercantilismo, a coisificação da natureza e sua transformação predatória em mercadoria. Na Índia, podemos buscar modelo alternativo para fazer mais com menos recursos. Com um bilhão de pessoas e muita pobreza, existe na Índia um conhecimento de como viver com pouco capital e o desenvolvimento de práticas, de experiências e de conhecimento que constitui uma riqueza cultural, civilizatória. Além da mudança de percepção e consciência, é necessário traduzi-las em palavras e em ações. Tomar iniciativas – individuais e coletivas – no campo da cultura, artes, filosofia, também no campo comercial, científico e tecnológico. A intensificação dessas relações pode ser induzida e impulsionada de forma consciente.
“Quem perdeu a paciência,
perdeu a batalha”
Pode-se dizer que a Índia é uma civilização sustentável?
Maurício – O conceito de dharma, que é essencial para compreender a Índia, tem raiz no sânscrito e significa sustentar, manter. Esse é um conceito instigante, com muitos significados, pouco conhecido no ocidente e faz parte de uma matriz cultural diferente. A dharmacracia seria a forma de governo baseada na aplicação do dharma, e difere da democracia de direitos que se persegue nos regimes políticos ocidentais mais abertos. Direitos e deveres são conceitos ocidentais e realizar um esforço de compreensão transcultural é uma das tarefas para promover real aproximação.
O pensamento prospectivo e livre desenvolvido naquela sociedade pode oferecer pistas para superar e transcender os impasses civilizatórios contemporâneos, que nos levam a guerras e destruições. Baseada no seu dharma, aquela civilização soube sustentar-se por milênios e pode oferecer contribuições valiosas para um mundo que enfrenta alguns impasses da viabilidade da sobrevivência de nossa espécie. Seu lema é a Unidade na Diversidade, pois é um país extremamente variado culturalmente. Seu símbolo é a flor de lótus, pura e bela nascendo do lodo. A relação com o tempo é diferente da nossa e um ensinamento achado na rua dizia que “quem perdeu a paciência, perdeu a batalha”. Paciência, neste sentido, é a ciência da paz.
Por que o seu novo livro se intitula Tesouros da Índia?
Maurício – Aquela civilização desenvolveu uma filosofia e estilos de vida amigáveis e pouco agressivos em relação à natureza. Essa sabedoria é um tesouro valioso para o mundo contemporâneo ameaçado de tornar-se insustentável pela falta de tais valores e dos correspondentes estilos de vida. A Índia desenvolveu a inteligência espiritual.
Por que o senhor diz, no livro, que a Índia pratica a inteligência espiritual?
Maurício – Hoje, além do quociente intelectual (QI) e da inteligência intelectual, estudam-se vários tipos de inteligência, como, por exemplo, a inteligência emocional. A inteligência espiritual é um tipo de inteligência que faz uso não só das capacidades racionais, mas também das capacidades intuitivas, emocionais, da sensibilidade.
Entre os sinais de inteligência espiritual estão o elevado grau de auto-conhecimento, a independência e autonomia para seguir as próprias idéias, flexibilidade, a relutância em causar danos aos outros, a capacidade de enfrentar a dor e de aprender com o sofrimento, de se inspirar em ideais elevados, de aplicar princípios espirituais no dia-a-dia, de estabelecer conexões entre realidades distintas. É a inteligência espiritual que ajuda a encontrar sentido na vida, paz e tranqüilidade. A Índia foi a sociedade que mais desenvolveu a inteligência espiritual, que constitui um patrimônio de valor inestimável para a sobrevivência e evolução da espécie humana.
Como foi o método de trabalho para elaborar o livro Tesouros da Índia?
Maurício – Na primeira parte do livro procuro traçar um retrato aberto da Índia. Na segunda parte, desenvolvi o estudo comparativo. Procurei trabalhar no nível micro, de uma aldeia e um município, considerando-os como células básicas de suas sociedades. Foi como trabalhar numa célula, cujo DNA contém elementos do todo do organismo ao qual pertence. Complementarmente, trabalhei as possibilidades de intercâmbio na escala nacional e, em termos futuristas, quais as convergências necessárias na escala global.
Quais as semelhanças entre a sua obra anterior, o livro Ecologizar, e os Tesouros da Índia?
Maurício – Ambos foram escritos a partir de vivências práticas, do trabalho cotidiano, de imersão cultural e estudos de campo, aliados a reflexões teóricas, leituras… Ecologizar foi um livro escrito para facilitar a ação ecológica, organizando princípios, métodos e instrumentos de ação de forma clara, para facilitar seu uso e aplicação por quem se interesse em ecologizar a sociedade ou sua própria vida. Tesouros da Índia procura organizar conhecimentos que facilitem àqueles que se interessem em estabelecer tais vínculos e em explorar o desconhecido de outros universos civilizatórios. Uma mesma energia os move: procurar organizar uma visão de mundo que dê maior efetividade à ação prática ecologizadora, seja individual ou coletiva.
Como Tesouros da Índia se encaixa na proposta de ecologizar a sociedade?
Maurício – Ecologizar a sociedade é mudar a matriz cultural e de valores, mudar a qualidade da energia que impulsiona as ações individuais ou sociais, num sentido de maior integração e menor agressividade ou destrutividade em relação ao ambiente e também entre as pessoas. Garimpar e trazer à luz os tesouros culturais de uma civilização que perdurou por milênios é uma das formas de facilitar e impulsionar essa ecologização da sociedade brasileira. As guerras envolvendo o ocidente e o oriente, o novo governo brasileiro com uma postura de inserção internacional mais ativa, a perspectiva de realização do Fórum Social Mundial na Índia em 2004, são alguns fatores conjunturais que tornam oportuna a expressão de tais idéias e a proposição de novas ações de intercâmbio.
O que o senhor espera que sejam os benefícios desse novo trabalho?
Maurício – Esse trabalho é um pequeno componente na construção de uma ponte entre duas culturas e civilizações ainda bastante isoladas entre si e que têm potencialmente muito a se beneficiar da cooperação e do intercâmbio. Ao mesmo tempo, ele procura ter uma visão propositiva de uma terceira geração de instituições internacionais, que substituam as de segunda geração (a ONU), que por sua vez substituiu as de primeira geração (a Liga das Nações). Esse é o tema tratado na terceira parte do livro.
A terceira parte do livro fala de cenários para o futuro. Como o senhor os vê?
Maurício – A terceira parte do livro trata de uma visão futurista, baseada no federalismo mundial, na necessidade de evolução política da humanidade. A matriz da civilização ocidental que dominou o século 20 não é sustentável a longo prazo, porque se baseia na exploração sem limites de recursos materiais e energéticos, e porque precisou dominar pela força e colonizar outros territórios, sugando e parasitando seus recursos.
A dominação pela força e pela violência não é sustentável, produz ressentimentos, ódios, sede de vingança pelas mortes e sofrimento. A partir de um certo momento, os novos problemas e questões não podem mais ser resolvidos por estruturas e concepções políticas e filosóficas que se adequavam a situações anteriores. É preciso, a partir da idéia de repensar as instituições globais, e de promover aprimoramentos incrementais numa estrutura, substituí-la por outra com arquitetura mais adequada. Esse é o ponto de partida para conceber e construir instituições internacionais de terceira geração. Já existem exercícios de formular o futuro em laboratórios de pensamento político e um deles – aliás, dos mais interessantes – consiste numa minuta de Constituição para a Federação do planeta Terra, elaborada por movimentos não-governamentais que se interessam pelo Federalismo Mundial.
A globalização exige uma Constituição Planetária
A dominação pela força e pela violência não é sustentável, pois produz
ressentimentos, ódios, sede de vingança pelas mortes e sofrimentos
Quais são as principais características dessa Constituição Planetária?
Maurício – A Constituição Planetária é um exercício de imaginar e projetar em escala mundial o que será essa arquitetura política global. Antes de construir uma nova cidade ou edificação, é sempre bom ter um projeto claro, para evitar custos e para proporcionar ao final maior funcionalidade e beleza.
Há um exemplo histórico disso na elaboração da Constituição dos Estados Unidos. Quando as treze colônias norte-americanas se tornaram independentes da Inglaterra, precisaram elaborar uma constituição comum. As discussões eram difíceis, até que o representante de uma delas, Charles Pinckney, da Carolina do Sul, trouxe uma minuta de proposta de Constituição. A partir daí ela se tornou a referência e catalisou as demais propostas, resultando então no que veio a ser a Constituição dos Estados Unidos.
Isso é o que se propõe com a Constituição Planetária: um exercício de liberdade de imaginação e pensamento, que explore a possibilidade de novos modelos políticos e jurídicos e de organização institucional mundial. Por enquanto, esse exercício não teve apoio de qualquer governo e é visto com desconfiança por eles, porque significa uma mudança de paradigma em relação aos estados-nação, mas tem a simpatia de organizações da sociedade civil mundial que praticam a ação global.
Entre os dispositivos centrais dessa Constituição estão a criação de uma agência para a prevenção das guerras e o desarmamento, bem como a criação de uma Câmara dos Povos ao lado da Câmara das Nações, que corresponde ao atual plenário da ONU, no qual as Nações Unidas são representadas formalmente pelos governos nacionais.
Hoje, tornou-se necessária uma instituição dos povos unidos, com representação mais forte da sociedade civil, se quisermos de fato trabalhar por um futuro com redução dos riscos de guerras e com maior sustentabilidade.
O LIVRO
O livro é estruturado em três partes. Na primeira, é traçado um retrato aberto e plural da Índia, destacando-se aspectos ligados à cultura e ao meio ambiente. Na segunda parte o autor faz uma analise comparativa entre o Brasil e a Índia, que são os dois maiores países tropicais do mundo e que apresentam muitos pontos de afinidades, a começar pelas climáticas e ecológicas. Na terceira parte, baseado na reflexão e na visão prospectiva de pensadores e filósofos indianos exploram-se possibilidades para a aplicação do princípio da unidade na diversidade em escala planetária, dentro de uma visão de ecologia política.
“Tesouros da Índia para a civilização sustentável” é um livro dedicado a todas as pessoas que constroem pontes para facilitar o entendimento entre as diferentes civilizações.
Mais informações:
Santa Rosa Bureau Cultural, BH-MG – 244 páginas
www.ecologizar.com.br – mandrib@uol.com.br
Entrevistas
José Carlos Pinheiro Neto – Acelerando na Anfavea
Pinheiro Neto entra em campo e acelera fundo na Anfavea

Mas, se o mundo do automóvel está ocupando todo este espaço na vida de cada cidadão, o mundo do business conhece, desde o dia 13 de abril, um novo técnico da seleção brasileira de dirigentes e negociadores internacionais. O setor automobilístico brasileiro colocou em campo um nome que vai dar o que falar: José Carlos Pinheiro Neto, Diretor de Assuntos Corporativos e de Exportação da General Motors, que acaba de assumir a presidência da ANFAVEA.
Conhecido no meio como um executivo que faz acontecer, Pinheiro Neto, advogado, pai de 2 filhos, começou na GM em 1970, ocupou vários cargos na montadora, inclusive no exterior.
Antes de sua posse, Pinheiro Neto esteve, na sexta-feira, dia três de abril, com o presidente Fernando Henrique Cardoso, no Palácio do Planalto. E neste encontro três assuntos foram abordados com o maior interesse de parte a parte: primeiro, o setor automobilístico é um setor que serviu de base para análises e projetos para os principais investidores internacionais sobre as potencialidades econômicas do Brasil; segundo, a ANFAVEA deverá ter mais sinergia com o Governo porque hoje já não se discute mais só mercado interno, pois o filão são as exportações e o maior ou menor sucesso lá fora será uma resultante direta deste relacionamento; e, terceiro, no ano 2.000 o Brasil deverá estar produzindo cerca de 3 milhões de veículos/ano, ou seja, será o quarto maior produtor de automóveis do mundo, logo depois dos EUA, Japão e Alemanha.
O que tudo isto significa para a imagem do Brasil e para sua economia? Como tudo isto vai influir na vida de cada brasileiro?
Fácil saber, basta ir de carona nesta entrevista de José Carlos Pinheiro Neto. Mas, atenção: fique atento às curvas dos preços, às subidas e descidas das importações e exportações e à disparada competitiva com que chegam ao Brasil os seis novos associados pesos-pesados da ANFAVEA, Honda, Mercedez Automóveis, Chrysler, Toyota, Pegeuot e Renault. Afinal de contas, está todo mundo querendo saber qual o “pulo do gato” que o Brasil está dando para enfrentar os grandes mundiais do setor automobilístico.
A ENTREVISTA
A Anfavea já teve cinco presidentes. O carro vai rodar como sempre rodou ou tem idéia nova por aí?
JCPN – Num certo sentido vai rodar como sempre, ou seja, congregando os fabricantes de automóveis na defesa dos seus interesses. Mas, em outro, inovará. Será a luta para reduzir impostos. Não podemos, também, mais conviver com uma frota tão ultrapassada como a nossa. Dos quase 20 milhões de veículos que circulam no país, com certeza pelo menos 25% não têm mais condições de trafegabilidade.
A administração da Anfavea que terminou agora em abril, vamos assim dizer, foi muito discreta. Qual será o estilo da administração Pinheiro Neto: estará mais para André Beer ou para Silvano Valentino?
JCPN – Cada dirigente tem sua marca. A gestão André Beer, meu querido amigo e professor, foi muito marcante. Já a do Silvano Valentino foi discreta, mas caracterizada por um crescimento impressionante do setor, com recordes em cima de recordes. Como presidente da Anfavea, vou buscar a união de todos associados para enfrentar as adversidades e buscar maior sinergia com o Governo e outras entidades representativas do setor. O filão são as exportações e já não se discute mais só mercado interno. O maior ou menor sucesso lá fora será uma resultante direta do relacionamento iniciativa privada e Governo.
Qual o equilíbrio ético entre ser o presidente da Anfavea e ser, também, executivo de uma montadora específica? Existe algum conflito?
JCPN – Um dos sucessos da Anfavea é justamente a rotatividade de seus dirigentes. Não há “peleguismo”. O importante é saber separar bem nossas atividades. Vou defender sempre os interesses dos setor e de nossas associadas. Fazendo isto estarei defendendo os interesses da GM.
Eu sinto que vários setores da economia organizada do Brasil chegam a invejar o trabalho institucional da Anfavea. Qual é o segredo?
JCPN – Segredo? Se existe algum é a união dos associados em torno dos objetivos da entidade. E também porque a Anfavea além de representar um setor muito forte e bem estruturado, adquiriu credibilidade para as posições que defende.
Todo país almeja ter uma indústria automobilística e uma construção civil fortes. São os grandes empregadores. Como o senhor vê a participação da indústria automobilística na economia do Brasil?
JCPN – Nosso setor é um dos maiores geradores do PIB nacional e também um forte empregador de trabalho qualificado. A indústria automobilística é o “carro-chefe” da economia de qualquer país, trazendo atrás de si uma enorme engrenagem. Começa pela matéria prima, passa pelos fabricantes de autopeças, usa tecnologia de ponta, forte setor de serviços com as concessionárias e oficinas, tem empresas financeiras, é grande fonte de arrecadação de impostos municipais, estaduais e federais. E mais: tem uma interação muito forte com o ser humano, pois o carro é extensão do homem ao dar-lhe liberdade, status, comodidade e ajuda no aprendizado de uma melhor convivência, pela educação, pela solidariedade e pelos sonhos. É mola mestra do desenvolvimento.
Com a abertura do mercado feita no Governo Collor, todas as grandes marcas mundiais vieram para o Brasil, estimuladas pela barreira tarifária de 20%. Grandes investimentos foram realizados, sobretudo em concessionárias de carros importados. Valeu a pena a abertura?
JCPN – A abertura econômica viria mais cedo ou mais tarde. O Brasil não poderia ficar isolado do mundo, sob pena, também, de perder mercado. Foi a abertura que possibilitou a evolução da indústria automobilística que, até então, sequer podia introduzir uma injeção eletrônica de combustível, devido a reserva de mercado na área de informática. Sem abertura não haveria modernização.
O ex-ministro da Fazenda, Ciro Gomes, hoje candidato a Presidente da República, elevou a alíquota de 20% para 70%. Quebrou mais da metade das empresas instaladas. O Real de FHC tem regras mais fixas do que o Real de Ciro Gomes?
JCPN – É verdade. As empresas finalmente contam com um regime automotivo estável, praticamente sem grandes mudanças na regra do jogo. A estabilidade possibilitou a fixação de metas, tanto no que diz a investimentos como para as exportações.
Uma pergunta de consumidor: por que o mesmo carro nos EUA, Alemanha e Japão é mais bonito, mais barato e melhor? Tem globalização nisto?
JCPN – Vamos por parte: temos carros fabricados no Brasil que estão entre os melhores e mais vendidos no mundo. Veja, por exemplo, o magnífico resultado de nossas exportações. Agora o que precisamos fazer é lutar pela redução de impostos, pois a carga tributária diminuindo vai ampliar a nossa escala de produção. Produzindo e vendendo mais, mesmo com os impostos menores, aumentaria a arrecadação final.
Vamos falar agora de Carro Popular. A indústria automobilística conseguiu a proeza de convencer Itamar Franco a aprovar o carro popular. Provou até que reduzindo os impostos é possível aumentar a arrecadação e aquecer a economia. O presidente FHC aprendeu a lição? Cadê o carro popular de US$ 7 mil?
JCPN – O carro popular de 7 mil dólares existiu porque o IPI naquela época era simbólico, ou seja, 0,1%. Hoje é 13%. Com acabamento simples, o carro popular também evoluiu muito e hoje tem injeção eletrônica, proteção laterais e outras benfeitorias tecnológicas. Resumindo, deixou de ser popular.
Uma curiosidade: os presidentes da Anfavea sempre foram executivos brasileiros e nunca presidente das montadoras. Exceção para o último presidente da entidade, o italiano Silvano Valentino, presidente da Fiat. Valeu a experiência?
JCPN – Valeu, por que não? O fato dele ser presidente de uma montadora só o credenciou mais ainda para o cargo.
Na sua opinião, a inspeção veicular é mais útil aos operadores ou aos donos dos veículos?
JCPN – A inspeção veicular é importante, pois vai diminuir acidentes e poluir menos a atmosfera. E terá todo o apoio da Anfavea.
Será que a inspeção veicular, aprovada por lei, não corre o risco de ser o último cartório criado pelo Governo?
JCPN – Não acredito que isto não aconteça.
Outra curiosidade: quantas montadoras são hoje filiadas à Anfavea?
JCPN – Temos 23 associadas, incluindo montadoras de veículos, tratores e máquinas agrícolas.
A indústria automobilística é o setor econômico mais forte do país. A Anfavea tende também a ser a associação patronal mais influente?
JCPN – O setor automobilístico é forte e organizado. Quando convocado, ele comparece. Seja em negociações com o Governo, seja em negociações com os metalúrgicos. É um setor vivo, dinâmico e que ajuda a fazer a riqueza do Brasil.
Qual o peso político e econômico, dentro da Anfavea, entre o setor automobilístico e o setor de tratores? Há algum tipo de discriminação?
JCPN – Não há e nunca houve discriminação. É tudo questão de volume de produção.
Qual a chance do Brasil desenvolver uma nova “Gurgel” – ou seja – uma montadora genuinamente nacional?
JCPN – É muito difícil. Para se acompanhar as atualizações tecnológicas se requer elevados investimentos de retorno, nem sempre de curto prazo.
Os carros modernos são incrivelmente mais tolerantes aos abusos de seus proprietários: pegam fácil, têm pouca manutenção, serviço de socorro em meia hora pelo programa Road Service, air-bags inteligentes, têm computadores e até mapas de bordo. Isso deixa os motoristas mais relaxados. Pergunto: as atitudes dos motoristas têm mudado com os avanços tecnológicos dos veículos?
JCPN – É interessante notar, mas evidente que o conforto proporcionado pelos veículos pode significar menos estresse e mais segurança. Um motorista tranqüilo nunca vai enfrentar o trânsito na base do sai da frente, do eu primeiro e outras coisas bem piores. Mas à tecnologia dos carros tem que ser agregada a melhoria das estradas e melhor concepção da engenharia de trânsito das cidades.
A indústria automobilística no Brasil nasceu na coragem do ministro da Viação e Obras Públicas, Almirante Lúcio Meira, que criou em 1956, no Governo JK, o GEIA – Grupo Executivo da Indústria Automobilística. Sei que o senhor pensa em resgatar um pouco da história da indústria automobilística no Brasil? Como será isso?
JCPN – Você tocou num ponto que me fascina: a história da implantação da indústria automobilística no Brasil. Citando Nelson Palma Travassos em seu livro “Quando eu era menino…” vale lembrar a sociologia do automóvel. Dizia ele que o automóvel foi um intruso que alterou o panorama físico do País, com a abertura de estradas. Dizia mais: o motor eleva o homem no conceito social, dá-lhe importância e exige conhecimentos. Travassos chegava mais longe: “O automóvel abriu o caminho da democracia.” Isto está bem colocado. O carro trouxe independência, criou profissões, ampliou horizontes e o brasileiro começou a ter pressa. Pressa de carregar sua safra, pressa de ganhar dinheiro, pressa de ocupar esse país continental.
Outra pergunta de consumidor. Vamos falar das concessionárias. Não tem muita gente por aí vendendo gato por lebre nos serviços de assistência técnica?
JCPN – Essa é uma questão muito importante. As concessionárias estão se reestruturando porque o consumidor está mais exigente, quer serviço bem feito e nada melhor do que a concorrência. O Código de Defesa do Consumidor é uma realidade, aliás, uma boa realidade no Brasil. Quem não se profissionalizar, vai perder mercado.
Qual foi o melhor momento da indústria automobilística no Brasil?
JCPN – Temos tido bons e maus momentos, mas o importante é que o Brasil, em 97, bateu a cifra de 2 milhões de veículos produzidos. Já somos um país respeitado no mercado internacional. No ano 2.000 estaremos entre os cinco maiores produtores mundiais. Não é brincadeira!
Para terminar: qual o futuro do carro importado no Brasil?
JCPN – Os importados terão uma participação de 15% do mercado. Um bom tamanho. Vai sempre complementar a linha produzida aqui mesmo no Brasil, pois eles têm nichos especiais do mercado. O Brasil está ficando adulto e aprendeu a conviver com tigres, águias e outros bichos mais. Silvestre, pode escrever aí: o Brasil vai entrar o século 21 com maioridade. Temos problemas a resolver, mas estamos colocando o dedo na ferida: mais educação, preocupações reais com o meio ambiente, comportamento de primeiro mundo no trânsito. Essa é a autoridade de quem sabe fazer e quer melhorar as condições de vida de seu povo. Vamos emergir com força total.
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