Entrevistas
Luciano Cordoval – Entrevista sobre Barraginhas
As águas vão rolar

Barraginhas: a salvação das lavouras
A solução para os desertos de Gilbués
Silvestre Gorgulho
Desde a primeira reportagem da Folha do Meio Ambiente sobre o deserto vermelho de Gilbués, em outubro de 2005, o tema não saiu mais da mídia. Depois vieram as matérias sobre as barraginhas. Primeiro em Minas Gerais, depois as experiências feitas pelo técnico da Embrapa, Luciano Cordoval, no Piauí. Mais precisamente na região do entorno do Parque da Serra da Capivara. Cordoval, coordenador do projeto, preparou 30 técnicos da Emater-PI e da COOTAPI – Cooperativa de Técnicos Agrícolas do Piauí que treinaram outros multiplicadores das comunidades locais. Todos foram responsáveis pela implantação de mais de 300 das 3.600 barraginhas programadas na zona rural de 12 municípios: São Raimundo Nonato, Guariba, Paes Landim, Oeiras, São Lourenço, Caracol, Jurema, Acauã, Paulistana, Santa Luz, Coronel José Dias e Aniz de Abreu. E agora as barraginhas chegaram ao município de João Costa, que tem desertos vermelhos à semelhança de Gilbués. Se a iniciativa salvar as terras de João Costa, com certeza Gilbués, também, estará salva. Graças às barraginhas e ao trabalho incansável de um técnico persistente e sonhador: Luciano Cordoval.
A foto mostra o estado avançado de degradação. As casinhas, ao fundo, é a prova
de que já houve um apogeu, onde tudo era verde coberto de matas, mas a ação do homem foi tornando o cenário desertico
Folha do Meio – O que o motivou a trabalhar para tentar reverter a degradação das terras de Gilbués?
Luciano Cordoval – Quando vimos pela primeira vez, na Folha do Meio Ambiente, a reportagem sobre o deserto vermelho de Gilbués, em outubro de 2005, ficamos extremamente estarrecidos.
Olha, foi impressionante ver aquelas imagens publicadas. Mas, imediatamente, este estarrecimento deu origem a uma empolgação. Sim, porque comecei a buscar uma solução. Queria enfrentar aquele desafio. Queria montar uma equipe para desenvolver tecnologias sociais de conservação de solos e água. Não é fácil trabalhar à distância. Mas este problemão de Gilbués é uma questão humanitária e de solidariedade.
FMA – Você tem acompanhado na mídia o desdobramento da questão dos desertos de Gilbués?
Luciano – Sim, estou acompanhando tudo desde aquela primeira matéria que saiu na Folha do Meio. Depois vieram os desdobramentos como no Globo Rural – que até mostrou o jornal de vocês – Globo Repórter, novamente a Folha do Meio Ambiente, com as cartas dos leitores, e muitas citações na Internet.
E o tempo foi passando. Iniciamos nossos trabalhos de captação de águas superficiais de chuvas, pelas barraginhas, para conservação dos solos e água e revitalização de mananciais e córregos, no Semi-Árido e Sub-Úmido piauienses.
Dentre os municípios abrangidos pelo projeto, destacamos o de João Costa, pelo elevado grau de degradação de seus latossolos vermelhos, sob vegetação de Cerrado, após desmatamentos, o que o torna muito parecido ao deserto de Gilbués.
FMA – João Costa está longe de Gilbués. Como você descobriu o deserto vermelho de João Costa ?
Luciano – O avanço das barraginhas, no Piauí, foi planejado para contemplar doze municípios, sendo oito do Semi-Árido e quatro na transição para o Sub-úmido. Em março e abril de 2007, após caminhada pelos sete municípios vizinhos, para implantar o sistema, chegamos a João Costa.
Eles já tinham ouvido falar do projeto e tiveram o privilégio de assistir recentemente, por meio de suas parabólicas, a uma reportagem da TVE, no programa Mobilizando o Brasil, mostrando o avanço das barraginhas no Semi-Árido piauiense e já estavam ansiosos. Isso porque 60 a 70% dos solos do município encontram-se em elevado grau de degradação. Essa situação criou um am-
biente contagiante, favorável, que está contagiando a todos.
“O que for bom para a região de João Costa será bom para Gilbués. João Costa será uma vitrine demonstrativa para a solução dos desertos vermelhos”
FMA – Por que esses municípios piauienses foram contemplados?
Luciano – Porque as barraginhas, ao serem premiadas e certificadas como tecnologia social da Fundação Banco do Brasil, em 2003, receberam um aval para serem disseminadas pelo país, e o estado escolhido foi o Piauí. Mais especificamente a região de seu Semi-Árido e um pouco da transição ao Sub-Úmido.
Na verdade foi pela repercussão do sucesso de nossas experiências em Minas Gerais, nos últimos dez anos. Além de nove municípios do Semi-Árido, foram escolhidos três do Sub-Úmido, sob vegetação de Cerrado. Guaribas, Santa Luz e João Costa se enquadram nessa categoria e são mais parecidos com as regiões de Minas onde já vimos desenvolvendo nosso trabalho com as barraginhas. Desde o início, esperávamos muito desses municípios e eles estão correspondendo.
“É preocupante tendência atual de converter enormes áreas em cultivos para a
produção de etanol. O homem avança, come o filé e deixa os ossos: os desertos vermelhos”.
FMA – Você acredita que João Costa possibilitará o desenvolvimento de um protótipo para Gilbués?
Luciano – Mesmo estando a 400km de distância, João Costa tem muita similaridade com a região degradada de Gilbués, quanto a solos, predominando os latossolos vermelhos, muito frágeis frente à erosão, além de um regime de chuvas parecido, acima de 1.000 mm. E como nós já estamos familiarizados com a região, as pessoas já estão mobilizadas e motivadas.
Também já foram implantadas as primeiras 300 barraginhas. Agora, nós também estamos motivados e encantados, principalmente com o clima favorável instalado. E também com todo esse envolvimento que está nos motivando buscar mais recursos para complementar nossa experiência. Estamos utilizando esse município como nossa base para introduzir uma cultura de plantios em nível, terraceamentos, plantio direto e trabalhar a educação ambiental sustentável.
Assim, queremos mais e mais barraginhas nas fissuras/erosões maiores e milhares de microbarraginhas, não dispersas, mas coladas umas às outras, como alvéolos no “favo de mel”, nas microenxurradas capilares, nas encostas degradadas.
FMA – Como é mesmo esse sistema “favos de mel”?
Luciano – As barraginhas tradicionais serão feitas nas grandes enxurradas, que já apresentam os sulcos feitos pela erosão. Os milhares de alvéolos (microbarraginhas) serão nas enxurradas minúsculas, capilares, quase imperceptíveis, serão como guarda-chuvas invertidos e dentro de cada alvéolo será plantada uma árvore leguminosa nitrificadora, como leucena e algaroba, que deixará suas folhas caírem, para recuperar o solo.
Enquanto se gasta uma hora de máquina para uma barragi-nha, fazem-se de 8 a 12 microbarraginhas nesse mesmo tempo.
FMA – Então, João Costa será o laboratório?
Luciano – Justamente, será o laboratório que pensávamos ter na própria região de Gilbués. Já nos encantamos com a região, com o povo, com a problemática, há reciprocidade, é tudo que necessitávamos.
O que for bom para a região de João Costa será bom para Gilbués. Assim, pretendemos tornar João Costa uma vitrine demonstrativa para a solução desse problema de desertos vermelhos de regiões com solos sob vegetação de Cerrado. Domados os solos-problemas, daí a levar para regiões similares, é questão de arranjos adaptativos, ajustes, sintonia fina.
O importante é o homem, o envolvimento com o povo e esse já é nosso parceiro em João Costa, é meio caminho andado. O mais, é correr atrás dos recursos e trabalhar, trabalhar, estamos otimistas.
FMA – Você acredita que outros desertos poderão surgir?
Luciano – Creio que isso é inevitável, em face do avanço dos desmatamentos e a introdução de pastagens e lavouras sem a aplicação dos cuidados necessários e das técnicas conservacionistas e, principalmente, sem reposição de nutrientes.
Nesse sentido, é preocupante a apressada tendência atual de converter enormes áreas em cultivos para a produção de etanol. O homem avança, come o filé e deixa os ossos, os desertos vermelhos. O Brasil Central está cheio disso.
FMA – Você é otimista mesmo assim?
Luciano – Essa é a minha missão, tentar regenerar solos degradados, veredas e matas ci-liares, revitalizar mananciais, nascentes e córregos, implantar capões no entorno das barragi-nhas e nos eixos úmidos formados por elas.Com a umidade readquirida e o sol, vêm o verde, as nascentes, volta a vida, volta a esperança, somos geradores de esperanças e temos conseguido isoo, o que nós torna otimistas.
FMA – Então,você mudou de estratégia?
Luciano – Sim, pois desco-brimos nosso sítio de trabalho, tropeçamos no nosso tesouro. Numa região em que a mídia não está fazendo pressão, pode-remos gradativamente, e sem as tensões e cobranças externas, apenas as nossas, ter tranqüilidade para desenvolver nossos planos, não será uma corrida contra o tempo, mas um avanço natural. Penso que nada é por acaso, há momentos em que, como se diz em Minas Gerais, o cavalo está passando arreado à nossa frente…
Os desertos vermelhos de Gilbués estão à espera dos resultados dos experimentos com as barraginhas de João Costa. Uma esperança a caminho. (Foto: André Pessoa)
Entrevistas
MARCOS TERENA

De filho pródigo à liderança internacional, o índio, piloto e cacique Marcos Terena, tornou-se um líder respeitado e o ponto de equilíbrio entre autoridades brancas e os povos indígenas.



Entrevistas
Johan Dalgas Frisch – Entrevista sobre a ave símbolo do Brasil
O sabiá tem o espírito brasileiro

Silvestre Gorgulho, de São Paulo
O engenheiro e ornitólogo Johan Dalgas Frisch, presidente da Associação de Preservação da Vida Selvagem, em nome da diretoria da APVS, veio a Brasília trazer um estudo ao ministro José Carlos Carvalho, do Meio Ambiente, e fazer um pedido muito especial: a indicação do sabiá (Turdus rufiventris) como ave nacional do Brasil. O documento entregue ao ministro era assinado, além de Dalgas Frisch, pelo vice-presidente da APVS, jornalista Ciro Porto, e pelo diretor da entidade, Rogério Marinho, da Rede Globo. Nesta entrevista exclusiva à Folha do Meio Ambiente, Dalgas Frisch explica a importância sócio-cultural do pedido. Antes de conferir a entrevista, vale a pena conhecer esse empresário que faz da vida uma luta em prol dos pássaros.
Quem é Dalgas Frisch
Dalgas limpa o ar e água para proteger as aves O industrial Johan Dalgas Frisch retira do negócio da limpeza de ar e da água o fôlego financeiro para patrocinar sua paixão passarinheira
O brasileiro Johan Dalgas Frisch pertence a uma genuína família de ecologistas. Seu bisavô materno foi influente na Coroa dinamarquesa porque conseguiu transformar uma vasta região desértica daquele país em uma imensa floresta, contando com a única tecnologia disponível na época, os arados puxados por bois. Ele inventou um tipo diferente de arado, puxado não por um, mas por 12 bois. Era o único capaz de quebrar a superfície dura do solo, resultado de muitas queimadas. Rompida a crosta, as raízes das árvores podiam se desenvolver e em poucas décadas uma grande floresta estava de pé. Já seu pai, o pintor Svend Frisch, amigo de Pablo Picasso, não vacilou diante da oportunidade de mudar da Dinamarca para o exótico Brasil. Aqui, formou família e desde que o filho Dalgas, aos seis anos de idade, revelou seu amor pelas aves, o pai não parou mais de pintá-las. Ao longo de quatro décadas, Svend desenhou cerca de dois mil exemplares de aves, coletados pelo próprio Dalgas ou emprestados de algum museu ou colecionador particular. Em 1964, pai e filho publicaram a primeira edição do livro Aves Brasileiras. Obra atualizada em 1981, ainda hoje constitui o mais detalhado manual de identificação das espécies ornitológicas existentes no País.
Ainda nos anos 60, Dalgas Frish estava na divisa dos estados do Paraná e São Paulo fazendo exatamente o mesmo que tem feito desde que se conhece por gente. Mas ao ser avistado por alguns militares com seu “arsenal de passarinheiro” – gravadores, microfones, antena parabólica, máquina fotográfica – foi imediatamente confundido com um espião. Por sorte, sua personalidade cativante logo desfez o mal-entendido e como seus pequenos amigos de asas, pôde continuar livre para alçar novos e mais altos vôos.
Como se vê, a família Dalgas tem muitas histórias para contar, enredos que têm a natureza como pano de fundo e que misturam situações curiosas, comoventes e até engraçadas, mas que ainda não mereceram o devido registro. As aves, ao contrário, estão minuciosamente retratadas em livros e discos, de uma beleza tocante e acabamento impecável, editados pelos próprios Dalgas. Um exemplo é a encantadora obra Jardim dos Beija-Flores (1995), que foi acolhida com entusiasmo até por chefes de estado, como Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos.
Inspirado pela companheira do “passarinheiro”, Birte, o livro sobre os beija-flores proporciona uma grata surpresa, pois ensina como aquelas delicadas criaturas podem ser permanentemente atraídas até para uma humilde sacada de um apartamento situado numa grande cidade. O leitor também se emociona ao tomar contato com as fotos de uma centena de beija-flores, trabalho feito em doses exatas de técnica e paixão pelo filho de Dalgas, Christian, co-autor do Jardim dos beija-flores.
Ainda na década dos 60, foi lançado o disco Cantos das aves do Brasil, trabalho pioneiro na América do Sul e aclamado pela Rádio BBC de Londres. O disco vendeu milhares de cópias e acabou inaugurando uma série que hoje é composta de quase 20 volumes. Na época de lançamento do primeiro disco, Assis Chateaubriand, dono de um império de jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão, teve a idéia de mostrar o trabalho de Dalgas para Walt Disney.
“Graças ao Chatô, que me tratava como um filho, fui para os Estados Unidos viver mais esse episódio. A parceria não deu certo porque Disney queria os cantos das aves sem mencionar que eram brasileiras. Achei isso um abuso. Também discordávamos quanto a um ponto essencial: Disney queria compor novas músicas a partir do canto dos pássaros. Nos meus discos, eu junto músicas já existentes, que normalmente têm por tema as alegrias e tristezas humanas, com o canto dos pássaros, que são sempre de perpetuação e celebração da vida. É o casamento perfeito entre esses dois reinos”, acredita Dalgas.
A entrevista com DALGAS FRISCH
O que significa uma ave nacional?
Dalgas Frisch – É justamente o retrato vivo de um país, de sua gente e de sua cultura. Como a logomarca representa uma empresa, os símbolos nacionais representam a nação, seu povo e seus costumes. E para que se mantenham vivos na mente dos cidadãos, é necessário respeitá-los e difundi-los. Uma ave nacional representa a alma, o folcore e a cultura de um país. Mas só tem legitimidade quando for oficializada pelo governo.
Por que existe o Dia da Ave no Brasil e até hoje não tem nenhuma ave nacional?
Dalgas – Foi uma falha no decreto 63.234, publicado no Diário Oficial de 12 de setembro de 1968 e assinado pelo presidente Arthur da Costa e Silva. Durante reunião que tivemos no Palácio do Planalto, o presidente Costa e Silva falou com veemência sobre o sabiá, um pássaro que deu muitas emoções a ele, na sua infância no Rio Grande do Sul.
Todos os jornais da época noticiaram o sabiá como ave nacional, tanto que o sabiá foi festejado durante décadas. Em todas as solenidades, governadores, prefeitos e diretores de escolas soltavam um sabiá de uma gaiola como símbolo de liberdade e de poesia, para motivar os jovens estudantes.
Foram feitos todos anos diplomas comemorativos ao Dia da Ave e as crianças que faziam os melhores trabalhos sobre o tema recebiam de presente passagens aéreas com todas despesas pagas para diversos lugares do Brasil como Foz de Iguaçu, Bahia, Rio de Janeiro. Tudo financiado pela Associação de Preservação da Vida Selvagem.
Há pouco tempo, um jornalista descobriu que o Diário Oficial, que publicou o decreto do Dia da Ave no Brasil, não trouxe o nome da ave. Quando o senador Jorge Borhausen foi ministro da Educação, tentou-se corrigir a falha. Bornhausen fez um ofício ao então presidente José Sarney para retificar o Decreto número 63.234 que criou o Dia da Ave. O objetivo era fazer do sabiá a ave nacional. Mas um novo erro foi cometido, pois esqueceu-se de dar o nome científico do sabiá e acabou que a correção nunca foi publicada. A verdade é que até hoje este lamentável engano ainda permanece “em berço esplêndido”.
Todos países têm uma ave nacional?
Dalgas – Praticamente todos tem! E é muito bonito ver ave típica como símbolo de uma nação. Tal qual o hino nacional, a bandeira e os brazões. A ave nacional acaba por ser um símbolo vivo de um país.
Por que a maioria dos ornitólogos e intelectuais defendem o sabiá como ave nacional brasileira?
Dalgas – A resposta é simples! É só fazer uma consulta nos registros do ECAD (Escritório Central de Arrecadação de Direitos Autorais) sobre as músicas e letras referentes a aves no Brasil. A ave mais cantada, disparado, é o sabiá, por ser a ave mais conhecida de toda população brasileira. O sabiá vive junto às casas e até mesmo nas cidades, desde que haja um pé de laranjeira, jabuticabeira, amoreira, goiabeira, pitangueira. Na primavera, o sabiá é a primeira ave a cantar, ainda no escuro, antes do raiar do dia. Seu canto é sem dúvida nenhuma o que mais motivou poetas, músicos e escritores no Brasil.
O sabiá é uma maravilha de despertador vivo nas fazendas, nas roças e nas cidades bem arborizadas. Pelo seu canto, imagem, docilidade em viver junto às casas dos caboclos, o sabiá passou a fazer parte da vida, do sentimento dos brasileiros.
Gravar cantos de pássaros em CD é comercialmente rentável?
Dalgas – Olha, Gorgulho, o canto de um pássaro é a perfeição da espécie. Aquele que canta mais bonito, mais melodioso vai atrair a fêmea. Mas é preciso entender que o sentimento humano é diferente.
Para que o CD seja comercialmente um sucesso é importante que, além da beleza da música, que a letra também mexa com o sentimento. Que reflita uma profunda sensibilidade. Algo nostálgico, do amor não correspondido, da dor de cotovelo, da conquista e da paixão.
Então o que funciona comercialmente é mesclar, é interagir o canto dos pássaros acompanhando as músicas dos homens. Misturar ritmos, trinados, melodias e gorgeios. Comercialmente correto, pois passarinho não compra CD…
Entrevistas
Dener Giovanini – Entrevista sobre tráfico de animais
Tráfico de Animais Silvestres – Um problema maior do que se imagina

O tráfico de animais é um problema muito maior e muito mais grave do que se imagina |
O terceiro maior negócio do mundo: tráfico
de Animais Silvestres
Silvestre Gorgulho – de Brasília
Tudo começou com a Sociedade Mata Viva, em 1995, no Rio de Janeiro. E tudo começou, também, com o ambientalista Dener Giovanini, formado em Letras pela UFRJ e com curso de Biologia (incompleto) pela Faculdade de Vassouras. Giovanini foi o fundador e presidente da Sociedade Mata Viva. Em 1998, fez um projeto audacioso criando uma Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres. O projeto foi tão bem estruturado, tão bem aceito e trouxe tantos resultados positivos para a sociedade que deixou de ser criatura e ficou maior que o próprio criador. O projeto ficou maior do que a própria Socidade Mata Viva e se transformou na Renctas, uma das ONGs mais citadas pela mídia mundial. Em 2001, foram mais 17 horas de mídia espontânea nas tevês e 400 matérias nos mais importantes jornais brasileiros e internacionais. Para falar desta rede que conta com a participação de 580 organizações filiadas, ninguém melhor do que Dener Giovanini, seu primeiro e único dirigente.
FMA – O tráfico continua aumentando?
Dener – Eu acredito que hoje, no Brasil, ninguém tem condições de afirmar se o tráfico está crescendo ou diminuindo. Nem a sociedade, nem o governo. Simplesmente porque nós nunca possuímos dados estatísticos que permitisse uma comparação e que nos fornecesse um resultado confiável a respeito desse tema.
FMA – Não existe um levantamento?
Dener – Olha, o primeiro documento sobre tráfico de animais silvestres foi produzido pela Renctas e lançado no ano passado. Somente quando fizermos a segunda versão é que vamos ter parâmetros para avaliar a verdadeira dimensão desse comércio ilegal.
Hoje isso é impossível, exatamente pela inexistência de dados anteriores ao relatório da Renctas. Podemos afirmar então, que esse relatório foi o marco zero no Brasil. Somente a partir dos próximos relatórios vamos ter condições de fazer comparações. O tráfico de animais é um problema muito maior do que se imagina. É uma situação vivenciada pelo Brasil desde a sua descoberta.
FMA – E quais as principais dificuldades para combater esse crime?
Dener – Infelizmente as dificuldades são muitas. A começar pela nossa legislação ambiental, que precisa ser revista e alterada para que tenha uma ação realmente efetiva quanto à proteção do nosso patrimônio ambiental.
Também existem problemas com relação ao setor judiciário, principalmente no que diz respeito à aplicação das leis. Infelizmente esse crime é considerado de menor conseqüência, de menor poder ofensivo, o que provoca um certo desestímulo para a atuação dos órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental.
FMA – E as dificuldades operacionais?
Dener – Essas também são grandes. A principal delas está na falta de recursos para a fiscalização. Soma-se a isso a quase inexistência de locais para destinação dos animais apreendidos. Desta forma, quando um agente ambiental apreende um animal, ele fica com um grande problema nas mãos, por não ter para onde levá-lo.
Os problemas são macros, e necessitam de soluções rápidas e eficazes. Para isso é preciso que tenhamos políticas públicas que englobem a participação de todos os setores da sociedade brasileira para resolvê-los. E é isso que a Renctas está buscando através das parcerias que vem estabelecendo.
FMA – Qual o papel do Governo nesse processo e qual o papel do cidadão?
Dener – O governo já deu um passo extremamente importante ao reconhecer a existência desse problema. É verdade que ainda há muito a ser feito, mas nós já vemos uma mobilização por parte do Ibama, por exemplo, quando aumenta a sua fiscalização em locais historicamente conhecidos pela atuação de traficantes, como é o caso do Raso da Catarina, local onde vive a Arara Azul de Lear. Ou nas feiras livres espalhadas por todo o Brasil. Isso é um ponto bastante positivo.
FMA – A repressão é suficiente para acabar com o tráfico?
Dener – Evidente que não. Não vamos resolver o problema do tráfico de animais silvestres somente com a repressão, porque esse é um problema basicamente cultural. Infelizmente faz parte da cultura brasileira enxergar os animais silvestres como passíveis de serem utilizados como mascote, como animais domésticos. Isso é uma herança do nosso processo colonial. Naqueles tempos os nossos índios viviam em estreito relacionamento com a fauna e esse comportamento foi absorvido pelos colonizadores.
FMA – Vamos falar do futuro. Quais as perspectivas do trabalho?
Dener – Estamos atuando em diversas frentes. Eu gostaria de citar algumas que considero muito importantes, como o trabalho de educação ambiental que temos realizado.
Lançamos uma campanha nacional contra o tráfico de animais silvestres, que teve uma grande repercussão e foi vencedora do prêmio Ford e Conservation Internacional em reconhecimento aos resultados alcançados.
Agora estamos fazendo a segunda versão da campanha, em parceria com o Ministério das Relações Exteriores e Ministério do Meio Ambiente. Estamos trabalhando com órgãos do governo no sentido de estabelecer parcerias para a criação de políticas públicas, discutindo alternativas viáveis para o combate ao tráfico de animais silvestres.
FMA – Destaque alguns desses trabalhos.
Dener – Posso destacar a realização de workshops de treinamento e capacitação para os agentes responsáveis pela fiscalização ambiental no Brasil. Nós já realizamos esse evento em 16 estados, e vamos cobrir todo país.
Esses workshops têm sido importantes por reunir todos os agentes responsáveis pela fiscalização ambiental, como o Ibama, Polícia Ambiental, Polícia Civil, Polícia Federal e a sociedade, representada pelas ONGs e pelas universidades. Em cada estado nós estamos presentes fisicamente, plantando uma semente de conscientização e criando oportunidade para uma atuação conjunta, harmoniosa e eficiente entre os órgãos responsáveis pelo controle ambiental.
FMA – É possível alguém possuir um animal silvestre legalmente?
Dener – A lei brasileira não proíbe que você tenha um animal silvestre. Basta que ele seja oriundo de um criadouro autorizado pelo Ibama. A exigência é que este animal seja adquirido com toda a documentação e que seja nascido em cativeiro e não retirado da natureza.
Eu acredito que a criação comercial da fauna silvestre é uma boa idéia para se combater o tráfico, porém, hoje nós temos uma dificuldade muito grande nesse aspecto, por dois motivos: primeiro o governo ainda não dispõe das condições necessárias para efetuar uma fiscalização eficiente nos criadouros autorizados a funcionar pelo Ibama. São poucos fiscais e alguns desses criadouros não respeitam a lei e acabam vendendo animais retirados da natureza.
Existem muitas pessoas sérias e honestas, mas como em toda área, há aqueles que prejudicam a boa intenção dos demais. A segunda dificuldade que eu identifico na criação comercial é o altíssimo preço dos animais que estão disponíveis no mercado.
FMA – Como funciona esses preços?
Dener – Simples, uma arara brasileira de origem legal custa em um criadouro autorizado cerca de R$ 3.500,00 a R$ 4.000,00, enquanto no comércio clandestino a mesma ave é comercializada por cerca de R$ 600,00. Isso é um desestímulo para que as pessoas possam ter acesso aos recursos naturais. Eu vejo a criação comercial ainda como uma criação extremamente elitista, ou seja, a fauna só está disponível para aqueles que tem muitos recursos para adquiri-la legalmente. Enquanto os problemas de fiscalização e de acesso a essas espécies não forem resolvidos, nós ainda teremos muita dificuldade para combater esse comércio ilegal.
FMA – A maior parte dos nossos animais é retirada da natureza para atender ao tráfico internacional. Como é possível resolver essa situação?
Dener – A questão do tráfico de animais silvestres é um problema mundial. É evidente que o Brasil, por possuir uma das biodiversidades mais ricas do planeta, torna-se um dos países mais visados por essa atividade criminosa. Mas no mundo inteiro há espécies que são procuradas para os mais diversos fins pelos traficantes de animais silvestres, seja na África, na Europa ou nos EUA.
FMA – E o tráfico internacional?
Dener – É bom ressaltar que a comunidade internacional também é responsável pela perda da biodiversidade brasileira, uma vez que ela é uma fomentadora desse tráfico.
As pessoas quando entram em um pet shop nos EUA, na Inglaterra ou na França, precisam saber que aquele animal que está disponível para a venda pode ter sido retirado ilegalmente do Brasil e se elas não tiverem essa consciência, a demanda vai continuar existindo e o nosso país vai continuar a perder sua riqueza biológica.
Nós temos uma fronteira enorme, é praticamente impossível impedir a saída desses animais, visto que grande parte do comércio é feito através das fronteiras secas. No Norte existe um tráfico muito grande nas fronteiras com a Venezuela, Bolívia e Peru. No Sul do país temos muita saída de animais através do Cone-Sul, como a Argentina, Uruguai, Paraguai.
Então é necessário que a comunidade internacional esteja ciente da sua responsabilidade nesse processo. Por isso, a Renctas está desenvolvendo com o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério das Relações Exteriores uma campanha com o intuito de sensibilizar e chamar a atenção da comunidade internacional sobre sua responsabilidade.
FMA – Quais são os valores envolvidos nesta atividade criminosa?
Dener – Os números são absurdos. Nós temos espécies brasileiras, como a Arara azul de lear, que chega a ser comercializada por U$ 60 mil no mercado internacional.
Algumas serpentes raras chegam facilmente a U$25 mil no mercado de Singapura. É sempre bom atentarmos para o fato de que a lógica do tráfico é extremamente cruel: quanto mais raro for o animal, mais caro será seu valor no mercado ilegal e conseqüentemente, mais procurado. Temos o tráfico para fins científicos, conhecido como biopirataria, o tráfico para pet-shops, para criadores e colecionadores particulares. Tem até o tráfico que utiliza pedaços de animais e nesse tipo de tráfico entra o uso do animal para a indústria do artesanato ou fins medicinais.
Enfim, as variantes e os tipos de tráficos são muitos, e isso torna todas as espécies de alguma maneira passíveis de interesse para os traficantes. Um só traficante atende diversos seguimentos, ele tanto pode fornecer serpentes e escorpiões para pesquisadores estrangeiros, quanto borboletas para atender a indústria do artesanato na China.
FMA – Como todo esse lucro é distribuído na cadeia do tráfico?
Dener – O fato é que temos um componente social muito importante. A chamada linha de frente é composta pelos apanhadores, que são as pessoas com condições sócioeconômicas muito desfavoráveis. Essa camada da sociedade é a primeira a ser arregimentada pelos traficantes. É bom ressaltar que nenhuma atividade criminosa pode ser usada para justificar um aumento de renda.
FMA – Uns são explorados e quem ganha são os intermediários?
Dener – Isso mesmo. Os apanhadores são humildes, ganham muito pouco, mas têm papel fundamental. Êles que conhecem a região. É fácil encontrar pessoas que ganham R$0,20, R$0,50 por uma borboleta que ela captura e entrega na mão do traficante. Ou seja, ela não vai resolver o seu problema de renda e em seguida vai acabar tendo problemas ambientais, porque as espécies vão desaparecer.
Existem os intermediários, que são as pessoas que fazem o transporte da região de apanha para a região de venda, esses tem um lucro melhor. Mas o maior lucro é o do vendedor final. Principalmente das quadrilhas internacionais que atuam no Brasil, que são em torno de 350 a 400.
Assim, o grande lucro do tráfico fica nas mãos dos traficantes que têm conexões internacionais. Estamos falando de muito dinheiro. Da terceira maior atividade ilegal do mundo, perdendo só para o tráfico de drogas e armas. É um negócio que movimenta só no Brasil um bilhão e quinhentos milhões de dólares todos os anos.
FMA – E em termos de perda de biodiversidade?
Dener – A perda é incalculável, pois uma vez que uma espécie desaparece do seu habitat, nós nunca mais teremos a chance de recriá-la, e sabemos que todos os dias nós temos muitas espécies correndo o risco de desaparecer sem que nós tenhamos sequer conhecimento da sua existência.
Toda vez que perdemos um patrimônio genético, poderemos estar perdendo a única oportunidade de encontrar a cura para várias doenças. Hoje por exemplo, produtos para hipertensão arterial são feitos com o principio ativo de serpentes brasileiras. Toda espécie tem um papel extremamente importante no equilíbrio ambiental.
FMA – Existe risco para a saúde ter animal em casa?
Dener – Os riscos são muito grandes. Qualquer espécie possui microorganismos dentro de si. Uma vez que ela é retirada do seu habitat, a mesma passa por um processo de estresse muito grande e pode transmitir uma série de doenças ao ser humano, como a febre amarela, doença de chagas, leishimaniose, etc. Inclusive doenças desconhecidas da medicina, que são chamados de vírus emergentes.
No Brasil, nós já tivemos vários casos de hantavírus transmitidos por animais silvestres. Assim, quando uma pessoa leva para casa um animal de origem ilegal, ela está expondo sua família a um risco muito grande. Mais do que se pensa .
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