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Tecnologia e marketing são alternativas do 3º setor para driblar efeitos da pandemia

Frente às tendências, Instituto Livres recebe doações até mesmo por criptomoedas

 

Transformando hábitos cotidianos, a crise gerada pelo novo coronavírus transformou os costumes que eram considerados ‘normais’, ampliando as maneiras de se comunicar, de se fazer compras, pagamentos e até doações. Buscando novas maneiras de sobreviver em meio à essas rápidas mudanças, as instituições do terceiro setor também precisaram se reinventar, reforçando as estratégias de marketing e desenvolvendo novas formas de contato com o público e seus assistidos, além da inclusão de novas ferramentas para a captação de recursos.

“Aliar o uso da tecnologia para a captação de doações já é uma realidade às Organizações Sociais. Muitas delas já utilizavam essas ferramentas mas, com a pandemia, o ambiente digital passou a ser indispensável para garantir o recebimento de recursos, possibilitando a realização e manutenção dos serviços prestados às famílias”, explicou Clever Murilo Pires, CEO do Instituto LIVRES.

Divulgada pela revista Exame Invest, uma pesquisa realizada pela Funraise, empresa que desenvolve tecnologias para captações digitais, mostrou que 55% dos doadores do mundo preferem contribuir de maneira digital, com cartões de crédito ou débito. Outros métodos como transferências, carteiras digitais e mensagens de texto também aparecem na lista.

Conectados com esse cenário, Clever detalha que a organização social conta com uma equipe de quatro profissionais contratados e dois voluntários atentos quando o assunto é inovação e tecnologia. A entidade oferece alternativas ao público interessado em fazer doações internacionais, podendo, até mesmo, ser realizadas por investidores de criptomoedas.

“Em nosso site e redes sociais, os doadores encontram desde as opções mais tradicionais como o depósito bancário, transferências por plataformas globais, multimoedas, sistemas de doção recorrente e até moedas digitais. Além disso, disponibilizamos o QRCode e o passo a passo para o cadastramento do PIX, facilitando o acesso sem a necessidade de digitar todos os outros dados bancários”, destacou o CEO.

Marketing e transparência

Outra transformação mediada pelo uso da tecnologia foi a maneira de se consumir informação e realizar entretenimento. O marketing é uma estratégia para as OSCs darem visibilidade à sociedade sobre o que fazem, como fazem e como as pessoas podem se engajar nas causas.

“Usar os multicanais, plataformas e ferramentas disponíveis no mercado para apresentar à sociedade formas de sermos protagonistas na transformação da nossa sociedade, de fazermos o bem ao nosso próximo, é uma estratégia de marketing e transparência que precisa ser implementada pelas organizações”, afirma Clever. “Nosso site e redes sociais são vitrines do conhecimento das realidades que precisam de nosso apoio, bem como das prestações de contas sobre como os recursos dos doadores e parceiros têm sido aplicados”.

Por conta da rápida e frequente disrupção, 2020 também ficou marcado como o ano do retorno dos shows drive-in e, claro, da lives que, com a pandemia, ganharam novas proporções. Em abril do ano passado, dados do YouTube obtidos pela Revista Exame mostraram que as buscas por conteúdo ao vivo cresceram 4.900% no Brasil durante o isolamento social.

Seguindo essa tendência, o Instituto LIVRES promoveu, em formato drive-in para 280 carros, o evento ‘Juntos pelo Sertão’. “Foi incrível reunir tantas pessoas com todas as medidas de segurança para o enfrentamento da pandemia em favor de uma causa tão nobre”, relembrou o CEO.

O evento foi realizado no Allianz Parque, respeitando todos os protocolos de segurança e proteção exigidos pelo Ministério da Saúde e Governo de São Paulo. Na ocasião, amigos e artistas do Instituto, como Aline Barros, Isaias Saad, DJ PV, Gabriel Guedes, Juliano Son, Julia Vitoria, Eli Soares, Fernanda Madaloni, Mauro Henrique, Projeto Sola, Luca Martini, Douglas Gonçalves do Jesus Copy e o pastor Hernandes Dias Lopes participaram da atração musical.

O foco do evento, que também foi transmitido em formato live, foi gerar visibilidade para as necessidades das famílias sertanejas do Piauí, que vivem num contexto de extrema pobreza, falta de acesso à água, analfabetismo, violência, abusos e desesperança. A transmissão ao vivo ocorreu no canal do Instituto e de parceiros, alcançando mais de 300 mil visualizações.

“Por fim, é importante reforçar que a web funciona não apenas para a captação de recursos e como forma de manter a relevância e engajamento. Hoje, o ambiente digital deve ser utilizado para fazer com que o público reconheça a importância do nosso trabalho, principalmente em períodos de crise. É uma ótima oportunidade e espaço para demonstrar onde e como as doações estão sendo aproveitadas, divulgando os projetos em andamento, prestando contas e zelando pela transparência das ações e dos investimentos”, encerrou o CEO.

Sobre o LIVRES

O LIVRES é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, que completou 15 anos em março de 2021. Atuamos efetivamente para a transformação da vida de pessoas e comunidades em situação de vulnerabilidade e alto risco. Somos uma organização com Balanced Score Card-BSC e metodologias de gestão para alcance do resultado de legado dimensionado no planejamento estratégico.  Em 2021, nossa meta é atender 25 mil pessoas. Neste ano contratamos mais 11 colaboradores. Somos uma organização que estimula a criatividade, inovação e processos ágeis com adoção de tecnologias digitais para a promoção de uma sociedade mais justa, inclusiva, cooperando para as metas dos Objetivos de desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU.

Clique, acesse o site e conheça os detalhes do trabalho realizado, projetos, parceiros, relatórios de transparência, notícias, além de outros conteúdos exclusivos.

 

 

 

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Ação educativa em bares orienta contra direção após consumo de álcool

Com o projeto Rolê Consciente, o Detran promove intervenções artísticas sobre os riscos de beber e dirigir; iniciativa acontece nesta sexta, na Asa Norte

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Agência Brasília* I Edição: Débora Cronemberger

 

Na noite desta sexta-feira (29), acontece mais uma edição do projeto Rolê Consciente do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF). A ação educativa percorre bares e restaurantes levando conscientização ao público para não dirigir, se beber. A ação de hoje ocorre na Asa Norte, de 18h às 21h.

Equipes do Detran percorrem bares e restaurantes para alertar sobre os riscos de dirigir após consumir bebida alcoólica | Foto: Divulgação/Detran

O Rolê Consciente é uma ação que envolve intervenções artísticas com bonecos, MCs do trânsito com suas rimas e, também, um papo sério com a entrega de material educativo e palestras dos professores de trânsito do Detran-DF. Toda a ação é voltada ao tema sobre os efeitos do álcool no organismo, orientações de segurança quanto à utilização de celular ao volante, a importância do respeito à velocidade máxima das vias, faixa de pedestre, respeito aos ciclistas e muito mais.

De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, dirigir após o consumo de álcool é infração gravíssima, com multa no valor de R$ 2.934,70 e suspensão do direito de dirigir por um ano. O Rolê Consciente acontece às quintas e sextas-feiras e, a partir de outubro, será aos sábados e domingos também.

*Com informações do Detran

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Parceria visa fortalecer o esporte inclusivo no DF

Secretarias de Esporte e Lazer e da Pessoa com Deficiência vão elaborar ações para ampliar o acesso das pessoas com deficiência à prática esportiva em todas as suas esferas e em todas as faixas etárias

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Agência Brasília* | Edição: Igor Silveira

 

A Secretaria de Esporte e Lazer (SEL-DF) e a Secretaria da Pessoa com Deficiência (SEPD-DF) se uniram para potencializar o paradesporto e esporte inclusivo no DF. As ações serão efetivadas por meio do Programa de Esporte Inclusivo.

A SEL-DF tem trabalhado para fomentar a visibilidade e valorização do paradesporto na cidade. Para isso, a pasta vem realizando eventos com o objetivo de dar celeridade ao acesso das pessoas com deficiência à prática esportiva em todas as suas esferas e em todas as faixas etárias.

As secretarias já trabalhavam de forma conjunta em ações pontuais, com o apoio aos paratletas por meio dos programas Compete Brasília e Bolsa Atleta, além das atividades oferecidas nos Centros Olímpicos e Paralímpicos | Foto: Divulgação/SEL-DF

O secretário Julio Cesar Ribeiro explica que uma das principais prioridades da pasta tem sido criar ações para dar visibilidade ao paradesporto. “A valorização e o investimento no paradesporto são fundamentais para construir uma comunidade mais inclusiva, onde cada cidadão, independentemente de suas habilidades, encontre espaço e oportunidades no universo esportivo do Distrito Federal”, destaca. O esporte é uma ferramenta essencial para a superação de barreiras”, completa Ribeiro.

Para o secretário da Pessoa com Deficiência, Flávio Santos, as duas secretarias poderão estabelecer uma política pública específica e efetiva voltada para atender às pessoas com deficiência nessa área. “As ações já existiam, mas serão ampliadas e melhoradas por meio desse trabalho porque, aí sim, vai ser construído um programa de esporte inclusivo”, afirma.

As pastas já trabalhavam de forma conjunta em ações pontuais, com o apoio aos paratletas por meio dos programas Compete Brasília e Bolsa Atleta, além das atividades oferecidas nos Centros Olímpicos e Paralímpicos. “Eu, como secretário e como atleta, sempre evidenciei a importância do esporte como uma poderosa ferramenta de inclusão”, finaliza Flávio.

Inclusão

Em maio deste ano, o Centro Olímpico e Paralímpico do Gama, recebeu mais de 350 inscrições para o Festival Paralímpico, que, pela primeira vez, ocorreu em Brasília. O evento realizado pela SEL-DF proporcionou aos participantes a inclusão por meio da vivência lúdica nos esportes paralímpicos.

O Campeonato Regional Centro-Oeste de Bocha Paralímpica foi outro marco na capital federal. O evento, que recebeu o apoio inédito da pasta, serviu como etapa classificatória para o Campeonato Brasileiro de Bocha Paralímpica, além de ter proporcionado aos atletas a oportunidade de ter representado suas associações e região em uma competição de nível nacional.

Outro evento que contou com o apoio da pasta foi a etapa regional das Paralimpíadas Escolares, que fomentou a inclusão e o progresso dos jovens atletas com deficiência, reunindo a participação de mais de 900 competidores. Os jogos ocorreram entre os dias 31 de agosto e 1º de setembro.

Outras competições paradesportivas também foram apoiadas pela SEL, como o Brasileiro de Adestramento Paraequestre, Centro-oeste de Handebol de Surdos e o Campeonato Regional de Goalball.

*Com informações da Secretaria de Esporte e Lazer do Distrito Federal (SEL-DF)

 

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Poeta vencedora do Prêmio Jabuti transita do slam à literatura grega

Autora voltou à Estação Guilhermina para lançamento de seu livro

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Foi na praça ao lado da Estação Guilhermina do Metrô, na zona norte paulistana, que Luiza Romão começou a declamar versos em público. Ali, acontece desde 2012, toda última sexta-feira do mês, a batalha de rimas conhecida como Slam da Guilhermina. Agora, dez anos depois desse encontro com a poesia falada, a autora retornou ao espaço para fazer um dos eventos de lançamento de Também Guardamos Pedras Aqui, seu livro que venceu o último Prêmio Jabuti.

“Quase pedir a benção”, resume a poeta sobre os sentimentos sobre esse momento que ela enxerga como o fechamento de um ciclo. “Acho que é bastante significativo, fazer isso bem antes de ganhar o mundo, assim, sabe? Antes de ir pro mundão”, comenta a respeito da turnê que se aproxima nos próximos dias. Até janeiro de 2024, a previsão é que Luiza tenha passado pela França, Argentina, México e Alemanha para divulgar o livro premiado, que já tem prontas traduções para o francês e espanhol.

Formada em artes cênicas, Luiza se aproximou da poesia atraída pelo modelo performático do slam, que começou a frequentar em 2013. As batalhas de rimas foram criadas por Marc Smith, nos Estados Unidos, na década de 1980. As competições, que atualmente acontecem em diversas partes do mundo, começaram, segundo a autora, como uma forma de tornar a leitura de poesia mais atraente nos saraus. “Em geral, em noites de cabaré, quando músico ia se apresentar, todo mundo prestava atenção. Quando ia uma pessoa do stand up, todo mundo prestava atenção. Na hora que o poeta ia declamar, era o momento que geral ia no banheiro, comprar cerveja, acender cigarro”, conta.

A performance da poesia falada, que compõe a cena cultural das periferias paulistanas, acabou atraindo Luiza, que tinha vindo em 2010 para a cidade, para estudar na Universidade de São Paulo. “Não estava no meu horizonte de vida virar poeta. Foi através do encontro com as batalhas de slam, com os microfones abertos, com o movimento saraus, que eu comecei a escrever”, lembra.

Uma estética que se relaciona com as temáticas que atravessam a juventude, especialmente a que vive fora dos bairros mais privilegiados. “Uma poesia muito engajada. Uma poesia que pensa o seu tempo histórico, que é fundamentada na dimensão coletiva da palavra. Toda essa partilha da performance”, enumera sobre as razões que a aproximaram dos versos e das rimas.

Atualmente com 31 anos, Luiza tem quatro livros publicados. O Também Guardamos Pedras Aqui é diretamente inspirado no épico grego Ilíada, de autoria atribuída a Homero, que retrata a conquista de Troia.

Veja os principais trechos da entrevista com a autora:

Vamos começar falando um pouco do livro Também Guardamos Pedras Aqui. Queria entender um pouco por que essa opção pela poesia grega e também o que isso significa na sua trajetória.

Eu sou formada em teatro. Tem algo que, de certa forma, eu discuto no livro, talvez de uma maneira não tão direta, que é essa obsessão nossa pelos gregos, que não diz respeito só a mim, Luiza, mas a nossa sociedade que passou por esse processo brutal de colonização e que ainda hoje continua referenciando de maneira tão intensa nos currículos escolares, nas produções culturais, esse imaginário cânone greco-latino. Então, na faculdade de artes cênicas, por exemplo, eu estudei dois anos de Grécia antiga.

Isso é algo que também se verifica nos cursos de letras e em muitos outros cursos. Você estuda tragédia grega. Você estuda comédia grega. Você estuda poética de Aristóteles, O Banquete do Platão. Uma tradição que é tão distante a nós. E, muitas vezes, a gente acaba não olhando para outras tradições e cosmovisões que estão mais próximas. As diferentes tradições latino-americanas andinas, maias e tudo mais ou as tradições africanas.

Quando eu termino [o curso universitário] eu vou fazer EAD, que a escola de artes dramáticas da USP, eu tenho que retomar essa galera [os gregos]. Eu estava lá, lendo pela segunda vez a mesma tradição, e faltava a Ilíada.

Então, eu estava indo viajar, fazer um mochilão pela Bolívia e pelo Chile. Eu falei: ‘Ah, vou pegar a Ilíada. Por que não? [risos]. É pesado, mas, pelo menos, é um volume só’. Meu irmão, Caetano, tinha uma edição que era leve, de papel bem fininho.

Foi onde eu li e fiquei muito chocada. Eu costumo dizer que o Pedras nasce um pouco desse horror a essa narrativa fundante da tradição ocidental, que é narrativa muito violenta. Eu sabia que era a história de uma guerra, que é como é contada, né? Mas, na verdade, não é a história de uma guerra, é a história de um massacre.

O que diferencia uma guerra de um massacre?

A guerra é quando, minimamente, você tem pé de igualdade. Você tem possibilidades reais dos dois lados ganharem. É algo que vai ser disputado na batalha. E, quando você lê a Ilíada, você vê que os troianos nunca tiveram chance de ganhar, porque os deuses eram gregos. Acho que foi a maior indignação para mim, porque isso eu não sabia antes de ler. Mas você tem o tempo inteiro a batalha acontecendo no campo terreno, entre gregos e troianos, e uma batalha acontecendo no plano divino, digamos assim, no Olimpo. Então, você tem os deuses que são pró-troianos e os deuses que são pró-gregos. E tem um momento que tem uma treta gigante, e Zeus [deus do trovão e líder do panteão grego] fala: ‘ninguém intervém na guerra, nenhum dos deuses’. E aí os troianos passam a ganhar a guerra.

Só que aí tem uma coisa que é muito doida, porque a gente tem essa ideia de perfeição atrelada à divindade, no catolicismo. No panteão dos gregos, na mitologia grega, são deuses que estupram, que têm inveja, que trapaceiam. Hera [esposa de Zeus] faz uma trapaça com Zeus. Ela vai até o fundo do oceano, pega um sonífero e Zeus dorme. Aí, ela e Atena [deusa associada a sabedoria] voltam para a guerra, quebram o pacto.

Os deuses são trapaceiros e Ulisses [herói grego] é trapaceiro também, porque é uma trapaça o que ele faz com cavalo. Não é fair play [jogo justo]. Eu acho que tem essa dimensão do massacre. Além de toda a devastação de um povo, das inúmeras formas de aniquilação, de tortura de subjugação, de estupro, de violência que estão no livro, tem isso de que é impossível esse povo ganhar. [Por orientação de Ulisses, os gregos fingem se retirar do campo de batalha e oferecem um cavalo gigante de madeira como presente aos troianos. Porém, uma parte dos soldados gregos se esconde dentro da escultura para, durante a noite, abrir os portões da cidade e provocar a derrota de Troia.]

No poema Homero, você diz que os gregos “foram capazes de” e traz uma lista, que seria de atrocidades, mas que está coberta por uma tarja preta, de censura, para em seguida dizer que, apesar desses horrores, eles, ao menos devolveram o corpo de Heitor, príncipe de Troia, ao contrário do que se fez, muitas vezes na ditadura militar brasileira. Você quer dizer que vivemos horrores maiores do que os troianos?

Isso tem muito a ver com dimensão quase que performativa da minha leitura. Eu estava lendo nessa viagem e passei pelo local onde Che Guevara [guerrilheiro que participou da revolução cubana] foi assassinado, no interior da Bolívia. Inclusive, tinha uma menina lá [parte do grupo], que era Tânia. Eles estavam tentando articular uma revolução comunista no coração da América Latina. A ideia seria sair do coração da Bolívia e se espalhar pelo continente inteiro. Eles são delatados, passam por uma emboscada e são assassinados.

O Che Guevara morre. A cabeça dele fica exposta em uma dessas vilas e o corpo fica desaparecido, por medo de que o local em que ele estivesse enterrado virasse um mausoléu de peregrinação comunista, um lugar de memória. O corpo dele só é encontrado 30 anos depois. Um dos militares disse que ele estava enterrado numa pista de pouso militar. Hoje você tem um museu do Che Guevara nesse local.

Eu queria aprofundar um pouco o uso desse recurso da censura, que aparece em outras partes do livro.

Eu acho que essa questão da censura ou do apagamento de arquivos é algo que também está muito presente quando a gente fala dessa história, dessa imposição de uma história única, dessa construção de um relato produzido pelo poder. Então, desses arquivos que são censurados, apagados e tudo mais.

Também, de certa forma propõe esse jogo com os leitores, da mesma forma que eu estou tentando reconstituir uma história que é muito apagada, vamos tentar reconstituir juntos. Talvez seja exercício imaginativo nosso também.

Você disse que Ulisses não jogava no fair play [jogo justo]. Tem um texto em que parece que você fala disso, invertendo a condição de herói e vilão, no poema Polifemo [gigante de um olho só que comia pessoas]. “Ninguém te cegou não/ não foi Ulisses/ aquela noite o policial não tinha identificação”

Ulisses, para mim, é um personagem que a gente, enquanto ocidente, vai emular como a inteligência. Primeiro, tudo que a gente sabe das viagens dele [narradas na Odisseia], é ele o que conta. Ou seja, ele pode estar mentindo, ele pode ter inventado tudo. Para mim, é um narrador nada confiável. Principalmente, porque do que a gente sabe, sim, de dados dele, é o personagem que faz o Cavalo de Tróia, que ganha na trapaça.

Então, Polifemo estava lá e, de repente, chegam esses homens, se metem [nos domínios dele] e ainda o cegam. E tem essa que a grande sabedoria do Ulisses é falar: “Eu não sou ninguém”. Então, Polifemo começa a gritar [após ter o olho furado]: “ninguém me cegou”.

Isso também foi uma chave de leitura para o caso do Sergio Silva [fotógrafo que perdeu o olho nas manifestações de 2013] e de vários e várias manifestantes que foram baleados com bala de borracha nos últimos anos, seja no Brasil, seja no Chile, onde a gente teve de fato uma forma sistemática da polícia de dilacerar o globo ocular de muitas pessoas.

E que ninguém cegou essas pessoas. É a mesma situação bastante recorrente quando a gente fala das ações das polícias militares, seja pelo não uso de identificação, seja porque cada vez mais são policiais que estão com balaclava ou com capacete.

Você fala em diversos momentos sobre violência (policial, contra a mulher), que é uma temática muito recorrente nos slams. Como o movimento dos slams atravessa a sua trajetória?

Minha trajetória é completamente atravessada pelo slam. Eu vim do teatro, sou das artes cênicas. Não estava no meu horizonte de vida virar poeta. Foi através do encontro com as batalhas de slam, com os microfones abertos, com o movimento saraus, que eu começo a escrever. Principalmente, por ser uma poesia muito engajada. Uma poesia que pensa o seu tempo histórico, que é fundamentada na dimensão coletiva da palavra. Toda essa partilha da performance é uma forma poética também de encarar esses temas.

slam não dissocia política e poética. É óbvio que é indissociável. Mas tem alguns lugares que se tem ilusões que é possível dissociar disso. Então, eu começo a frequentar em 2013 e continuo, não mais como slammer. Já aposentei as chuteiras faz um tempo. Mas, de vez em quando, fazendo a parte de produção. Fui fazer um mestrado sobre isso.

Em que momento você se aposentou do slam?

Como slammer, é muito normal a gente ter ondas, né? É tipo jogador de futebol, a carreira é curta. A gente vai lá, batalha uma, batalha outra, brinca durante dois ou três anos. É muito normal. Assim, você tem uma renovação da cena muito constante. Então, eu comecei a frequentar em 2013, já tinha tido uma onda antes de mim. Eu sou dessa segunda geração e já estão na sexta geração, agora.

Então, eu fui fazer outras paradas em termos de artista, de criação artística. Mas, ao mesmo tempo, é um lugar que eu gosto muito de estar. Eu continuo frequentando muito nesses últimos anos.

De alguma forma, tentei elaborar bastante a reflexão sobre a cena na dissertação. Acho que é uma forma de agradecer também esses anos todos de trajetória. É um trabalho que é a primeira parte é bastante dedicada a pensar historiografia do slam nos Estados Unidos. Eu traduzi muita coisa que não está disponível em português.

Também analiso quatro poemas da Luz Ribeiro, de Pieta Poeta, do Beto Bellinati e da Ana Roxo. Pensando como que essas questões todas vão para o corpo do poema. Porque, muitas vezes, quando a gente fala de slam, a gente só faz uma abordagem antropológica ou socializante, sendo que a gente está falando de poesia. E eu acho que ler esses poemas também na sua potência estética, o que eles têm de disruptivo, no que eles propõem de linguagem, no que eles contestam em toda uma tradição literária brasileira, isso é muito potente também.

São Paulo SP 29/09/2023 Luiza Romão vencedora do Prêmio Jabuti  2022.  Foto Paulo Pinto/Agência Brasil
São Paulo SP 29/09/2023 Luiza Romão vencedora do Prêmio Jabuti 2022. Foto Paulo Pinto/Agência Brasil – Paulo Pinto/Agência Brasil

 

Edição: Sabrina Craide

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