Entrevistas
MARCOS TERENA

De filho pródigo à liderança internacional, o índio, piloto e cacique Marcos Terena, tornou-se um líder respeitado e o ponto de equilíbrio entre autoridades brancas e os povos indígenas.



Entrevistas
Fernando Henrique Cardoso – Entrevista sobre Meio Ambiente e Cidadania
Meio ambiente, desenvolvimento e cidadania, segundo o presidente FHC

Progresso sem meio ambiente é estéril
Para Fernando Henrique Cardoso, é facinante como o direito a um meio ambiente saudável passou a fazer parte do conceito de cidadania
Silvestre Gorgulho, de Brasília
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” Cada vez mais, as pessoas se dão conta de que sem a adequada proteção ambiental, o próprio processo de desenvolvimento corre o risco de se tornar estéril.” |
Em 1983, o professor Fernando Henrique Cardoso deixou cátedra e livros para assumir uma cadeira no Senado na vaga de Franco Montoro, eleito governador de São Paulo. Dois anos depois, o então senador Fernando Henrique viu fracassar seu primeiro grande teste eleitoral: em 85 perdeu a prefeitura de São Paulo para o ex-presidente Jânio Quadros. Mas, FHC não voltou para a sala de aula. Se recompôs e enfrentou o desafio político. Em 1986 deixou de lado muitas posições teóricas e, no rastro do sucesso do Plano Cruzado, conquistou uma cadeira no Senado. Aí iniciou uma trajetória política de vitórias. O intelectual de sucesso fora e dentro do Brasil deu lugar ao político de sucesso dentro e fora do Brasil. Caso raro! São vocações antagônicas, por isso é difícil alguém se adaptar à função de intelectual e político. Como o professor e escritor Fernando Henrique Cardoso conseguiu? Esse é um dos segredos que FHC vai contar aos leitores da Folha do Meio. Bem, os outros segredos são vários. Uns dizem respeito às derrotas, vitórias, avanços e marcha-rés sobre preservação da natureza e melhoria da qualidade de vida no Brasil. Outros são mais particulares. Por exemplo, por que em nenhum de seus 24 livros o professor e intelectual reconhecido internacionalmente tratou explicitamente da questão mais importante deste final de século: a relação do homem com o meio ambiente?
Folha do Meio – Presidente, nada mais global do que o meio ambiente…
FHC – Não há como fazer uma fronteira política ou geográfica quando o assunto é ambiente. Não adianta um país aperfeiçoar suas leis ambientais, se os países vizinhos não fizerem o mesmo.
FMA – O meio ambiente pode mudar os acordos comerciais entre as nações?
FHC – Cada vez mais ganha terreno no cenário internacional a convicção de que os acordos comerciais entre as nações devem levar em conta a interação entre a formulação das políticas de desenvolvimento e o meio ambiente. Isso porque as preocupações ambientais afetam, potencialmente, as políticas de desenvolvimento e os fluxos comerciais globais. A incorporação da perspectiva do desenvolvimento sustentável permite a consideração conjunta do meio ambiente, da economia e do bem-estar humano nas questões comerciais. E isso constitui um degrau qualificativo nos debates regionais e internacionais. O meio ambiente está surgindo como um objetivo chave nessas relações, conceito compartilhado pelo Gatt, pelo Nafta e pelo Tratado de Maastricht, entre outros. O Brasil tem defendido a posição de que as iniciativas ambientais na área de comércio devem, contudo, constituir obstáculo adicionais aos fluxos de comércio dos países em desenvolvimento. Isso no sentido de que o combate à pobreza é o vetor essencial para o desenvolvimento sustentável.
FMA – E como o senhor vê a relação do Brasil com os outros países do Mercosul por ser a legislação brasileira ambientalmente mais avançada?
FHC – Tem um subgrupo de trabalho de Meio Ambiente do Mercosul estudando o problema. E tem buscado, a partir de realidades bastantes distintas, os ordenamentos legais nacionais para otimizar os níveis de qualidade ambiental nos países que integram o Mercosul. Nesse sentido, os princípios do desenvolvimento sustentável têm sido a base para todo o processo de cooperação entre os quatros países do bloco, influenciando as agendas negociadas e ajudando a superar as diferenças entre os países. Para ser eficiente, a política ambiental precisa tratar de questões que ultrapassam em muito o Ministério do Meio Ambiente. Expansão urbana, assentamentos fundiários, saúde, ciência e tecnologia, agricultura, energia e até relações exteriores têm ações na área ambiental.
FMA – O governo, isolando as ações no Ministério do Meio Ambiente, não está longe de fazer uma política ambiental pública preventiva? E com isso a questão ambiental não fica só na retórica?
FHC –A formulação da Política Nacional do Meio Ambiente está a cargo do Conama. Ou seja, pelo Conama toda a sociedade participa da elaboração da política ambiental brasileira. E para ampliar ainda mais a Política Nacional de Meio Ambiente foi instituído o Sisnama. Daí temos a interação com todos os atores envolvidos nas questões mais diversas do interesse nacional. A política ambiental do governo é, portanto, objeto de um amplo processo que se caracteriza pelo diálogo, pela negociação e pela conciliação dos interesses em jogo. Levantamentos do INESC sobre a execução orçamentária nos primeiros cinco meses do ano indicam que os programas executados pelo Ministério do Meio Ambiente tiveram gastos efetivos de apenas 0,63% do total orçado. Programas como o Piloto de Proteção às Florestas Tropicais até agora não receberam um centavo.
FMA – O senhor não acha que o meio ambiente está pagando caro para garantir as metas de redução do déficit público?
FHC – O PPG-7 já gastou este ano 13,4 milhões de dólares nos seus programas já aprovados. Um novo desenho deste programa foi aprovado recentemente, em Paris, trazendo para o governo brasileiro, por intermédio do Ministério do Meio Ambiente, a liderança do programa. O desembolso de recursos para os programas do PPG-7 deverá ser bastante agilizado nos próximos meses.
FMA – No Congresso há uma preocupação com o que alguns parlamentares chamam de ameaça de desmonte do Ibama. As superintendências estaduais já foram extintas e está havendo muita nomeação política. Maior temor: afrouxamento na fiscalização. Faz sentido?
FHC – Com a reestruturação aprovada agora em maio, o Ibama passou a ter uma nova estrutura que reforçou o seu papel de órgão responsável pela execução e fiscalização da política ambiental. A partir de agora, cabe ao Ibama executar as políticas nacionais de meio ambiente relativas à preservação, conservação, fiscalização e de controle do uso sustentável dos recursos ambientais. Além disso, o Ibama também apóia o ministério na execução da Política Nacional de Recursos Hídricos e desenvolve ações supletivas de competência da União na área ambiental. As mudanças feitas visavam, justamente, dar maior agilidade ao Ibama para cumprir seu novo papel. Vamos reforçar as atividades nas pontas, enxugando a estrutura central. No lugar das 27 superintendências extintas serão criados 90 escritórios de múltipla ação, com pelo menos uma unidade em cada estado. Também serão criadas oito coordenações regionais. Assim, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste terão, cada uma, duas coordenações do Ibama. As regiões Sul e Sudeste uma cada.
“Um dos aspectos mais fascinantes é a maneira como o direito a um meio ambiente saudável passou a fazer parte do conceito, mesmo, de cidadania, transformando-se em elemento central do que tenho chamado de radicalização da democracia.” |
FMA – Será mesmo criada a Agência Nacional de Água?
FHC – Sim. A Agência Nacional de Água (ANA) será criada para tornar as ações no campo da gestão dos recursos hídricos mais ágeis. A ANA será uma autarquia especial dotada de uma estrutura flexível, com autonomia orçamentária e financeira. A criação da ANA, em estudo pelo Ministério do Meio Ambiente sob orientação da Casa Civil da Presidência, é também uma conseqüência das definições estabelecidas no contexto da reforma do aparelho do Estado. A futura agência vai atuar na implementação dos instrumentos da política de recursos hídricos, sucedendo a secretaria de Recursos Hídricos nesta tarefa. Na Secretaria permanecerão as funções de formulação da política para o setor.
FMA – Presidente, há alguma justificativa na demora de mais de um ano para a regulamentação de uma lei que marcou seu governo: a Lei da Natureza ou a Lei contra os Crimes Ambientais? O processo já passou por todas as instâncias e está há algum tempo no Gabinete Civil. O que falta para a regulamentação?
FHC – Primeiro, cumpre destacar que a Lei 9.605/98 já está sendo aplicada no que diz respeito às sanções penais, que não implicam em regulamentação. Por outro lado, as sanções administrativas pecuniárias estão pendentes desse instrumento, o que, no entanto, não invalida a sua aplicação. Há, inclusive, a possibilidade da remessa dos autos de infração ao Ministério Público para que, como Curador do Meio Ambiente, adote as providências no âmbito de suas competências. Mas há, efetivamente, demora na publicação do decreto de regulamentação. Entretanto, todas as sanções administrativas estavam dispersas em vários atos normativos, como por exemplo, portarias e instruções normativas e havia necessidade de que esses atos fossem consolidados e sistematizados, o que coube ao Ibama fazer. Essa proposta foi então encaminhada ao Ministério do Meio Ambiente para revisão final. Nesse momento, a proposta do Ibama, previamente consolidada, foi objeto de consulta pública, via Internet. Após as sugestões recebidas terem sido analisadas e incorporadas, a proposta final de decreto foi encaminhada à Casa Civil, que se manifestou contrária a proposta, quanto a forma. Não tendo, entretanto, apreciado o mérito. Com base nessa análise, a proposta foi devolvida ao Ministério do Meio Ambiente que, neste momento, está estudando e revendo a forma de apresentação. O empenho do governo é grande nesse sentido, para que a regulamentação esteja disponível no menor prazo possível e a lei possa alcançar sua eficácia plenamente.
FMA – Já se foram sete anos deste a realização da RIO-92, a chamada Cúpula da Terra, que discutiu meio ambiente e desenvolvimento. Como o senhor vê a demora de definição para discussões importantes sobre clima, biodiversidade, definição de recursos dos países desenvolvidos para financiar projetos ambientais em países em desenvolvimento?
FHC – A RIO-92 deve ser entendida como um marco institucional que trouxe ao debate internacional, de forma integrada, todos os aspectos da ação humana sobre o planeta e o meio ambiente. A Cúpula da Terra definiu uma série de princípios e conceitos no plano internacional, dando ênfase à cooperação, que se traduzia em apoio financeiro, transferência de tecnologia e capacitação técnica, sobretudo para os países em desenvolvimento poderem fazer frente aos desafios ambientais em escala global. Evidentemente, as expectativas foram muito além das reais possibilidades de apoio material dos países desenvolvidos. Mas isso não quer dizer que deixaram de ser realizadas iniciativas relevantes. Na área de mudança do clima, por exemplo, estão sendo reforçados os compromissos dos países desenvolvidos. Não obstante, os resultados de Kioto são relevantes e constituem um passo adiante no processo, sobretudo com a aprovação da proposta brasileira do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Na área da biodiversidade, apesar das dificuldades encontradas, caminha-se para definir espaços claros no que diz respeito à repartição justa e eqüitativa do uso dos recursos genéticos. Esse é um tema de especial importância para o Brasil, pois somos detentores de megabiodiversidade. A esse respeito está em exame no Congresso Nacional a lei de acesso a esses recursos. Na área de desertificação, a Convenção das Nações Unidas de Combate aos Efeitos da Desertificação e da Seca examinará em novembro deste ano, no Recife, o mecanismo financeiro de apoio ao pré-investimento de projetos de combate à desertificação e à seca. Por esses avanços, não se pode dizer que os efeitos derivados da Cúpula da Terra possam ser considerados negligenciáveis.
“A correta atuação política |
FMA – Presidente, a questão ambiental surgiu de maneira explosiva há três décadas. Foi a partir de maio de 68 (o senhor estava no coração das manifestações estudantis, em Paris) que a percepção dos efeitos globais dos grandes desmatamentos, do emprego na energia nuclear, da queima de combustíveis, da formação dos grandes centros urbanos começou a motivar a comunidade científica, os intelectuais e a opinião pública para o problema. Nos seus 24 livros o senhor trata de tudo na relação homem, industrialização, desenvolvimento, democratização, capitalismo, mobilidade social, dominação e dependência. O senhor achava que meio ambiente estava fora da agenda do século?
FHC – Teria sido muita pretensão de minha parte buscar analisar na íntegra a “agenda do século”. Meus escritos acadêmicos, embora abarcando temas complexos como os que você mencionou, têm objetivo menos ambiciosos. Isso não quer dizer, em absoluto, que o meio ambiente não fizesse parte de minhas preocupações. A partir, sobretudo, da Conferência de Estocolmo, em 1972, o assunto realmente entra na agenda internacional, e não poderia ser desconsiderado por qualquer observador atento da evolução das sociedades contemporâneas. Nesse processo, em que os temas ambientais foram adquirindo cada vez mais importância e merecendo maior atenção dos diferentes setores da sociedade, um dos aspectos mais fascinantes é a maneira como o direito a um meio ambiente saudável passou a fazer parte do conceito, mesmo, de cidadania, transformando-se em elemento central do que tenho chamado de “radicalização” da democracia.
FMA – Presidente, é impressionante como o senhor soube se adaptar na função de intelectual e político. Essa dupla vocação raramente andam juntas. Existe algum segredo?
FHC – A dimensão acadêmica é parte essencial de minha formação. Tem, portanto, enorme influência sobre minha atuação como homem público. Haveria muito a dizer sobre a relação entre intelectual e político – muito além da distinção elementar entre teoria e prática, entre conceito e vivência – mas me limitaria a uma questão que considero muito importante. De forma simplificada, pode-se dizer que a correta atuação política consiste em recolher as demandas da sociedade, ordená-las, definir prioridades e estabelecer rumos de ação. Em boa medida, a formação intelectual, embora não se substitua à experiência política, complementa esta última e contribui para uma melhor compreensão daquele leque de demandas, entre as quais se inclui, crescentemente, a proteção ao meio ambiente.
FMA – Nas suas viagens ao exterior, em relação ao meio ambiente, quais as principais observações que o senhor escuta de outros chefes de estado. A Amazônia ainda domina as discussões sobre ecologia no Brasil?
FHC – O tema, sem dúvida, perdeu muito do aspecto de confrontação que teve há alguns anos. Os esforços realizados pelo governo para o desenvolvimento sustentável da região amazônica são reconhecidos internacionalmente, o que torna o diálogo sobre o assunto muito mais fluído e construtivo. Nunca nada me foi dito em termos de cobrança. Ao contrário. A preocupação internacional existe, e é legítima, mas hoje em dia as discussões versam muito mais sobre as formas efetivas de cooperação. A questão das florestas é importante, mas naturalmente é apenas um dos aspectos da ampla agenda internacional sobre meio ambiente.
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FMA – Presidente, acaba de ser criada a CPI da Borracha. Qual a solução que o senhor vê para a sobrevivência do seringueiro na Amazônia?
FHC – As populações envolvidas com a atividade extrativista na Amazônia já estão na floresta há muitas gerações. Portanto, trata-se de uma população adaptada ao ecossistema tropical. O governo dará todo o apoio ao setor por meio do programa Amazônia Solidária. Estou empenhado em viabilizar recursos solicitados pelo Ministério do Meio Ambiente para o programa, porque são de alta relevância para a região.
FMA – A questão ambiental envolve respeito à natureza. Mas como levar essa idéia às pessoas que, infelizmente, não respeitam nem seus semelhantes? Será que a sociologia pode explicar esse paradoxo?
FHC – Como disse antes, o direito a um ambiente saudável é, hoje, parte da noção mais ampla de cidadania. Cada vez mais, as pessoas se dão conta de que sem a adequada proteção ambiental, o próprio processo de desenvolvimento corre o risco de se tornar estéril. Há uma grande sabedoria por trás do conceito de “desenvolvimento sustentável”, e isso torna-se mais e mais evidente para todos, tanto no governo quanto na sociedade civil. No que se refere à ação individual – seja em relação ao meio ambiente, seja em relação a outros aspectos importantes da convivência social – o poder público tem, certamente sua responsabilidade na tarefa da conscientização de todos, mas parcela importante desse esforço cabe também às ONGs. A questão ambiental é uma das que mais se prestam ao desenvolvimento de parcerias eficazes entre o governo e a sociedade. É isso que estamos fazendo no Brasil.
FMA – Uma mensagem pelo Dia Mundial do Meio Ambiente.
FHC –No Dia Mundial do Meio Ambiente devemos ter um momento de reflexão sobre o mundo que vivemos. Um mundo cujos recursos naturais são limitados. Temos compromisso com o futuro. Por isso determinei que o Ministério do Meio Ambiente se empenhe em oferecer alternativas capazes de impulsionar o crescimento econômico, gerar trabalho e, sobretudo, garantir uma melhor qualidade de vida, mantendo e recuperando as nossas riquezas naturais. Queremos, ainda, a participação de todos na formação de uma nova cultura ambiental diferente. Um futuro em que o meio ambiente promova o desenvolvimento sustentável, que assegure um mundo melhor para as atuais e futuras gerações.
GLOSSÁRIO |
GATT – É o Acordo Geral de Comércio e Tarifas – Agência pertencente ao sistema da ONU, com sede em Genebra, que promove o livre comércio, organizando normas comuns e eliminando protecionismos. É também uma tribuna para solução de conflitos comerciais entre 123 países associados.NAFTA – É o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, um bloco que engloba EUA, Canadá e México.
TRATADO DE MAASTRICHT – Acordo assinado em 1991, em Maastricht, Holanda, que acelerou o processo de integração econômica e monetária européia. O tratado previu um mercado interno único, com moeda própria – o Euro – e estabeleceu políticas comuns aos países que fazem parte da União Européia. CONAMA – É o Conselho Nacional do Meio Ambiente, instância colegiada presidida pelo ministro do Meio Ambiente e integrado por representantes dos demais ministérios setoriais, governos dos estados e do DF e das Confederações da Indústria, do Comércio e da Agricultura. Tem poder normativo e poder de solução de conflitos. SISNAMA – É o Sistema Nacional do Meio Ambiente, é composto por órgãos e entidades da União, dos estados, do DF, dos municípios e pelas fundações instituídas pelo poder público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, tendo como órgão superior o Conama. LEI 9.605/98 – É a chamada Lei da Natureza ou Lei Contra os Crimes Ambientais, de 12 de fevereiro de 1989. É a lei que define sanções e punições nas áreas criminais, administrativas e reparação de danos para os crimes ambientais. PPG-7 – É um Programa Piloto de Proteção à Florestas Tropicais, financiado pelos sete países mais industrializados – Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido. Mais de 60% dos recursos são de origem alemã. MEGABIODIVERSIDADE – Biodiversidade é a variedade de gens, espécies e ecossistemas que fazem parte da biosfera. É a riqueza biológica do planeta. Megabiodiversidade é uma expressão que vem sendo usada para identificar regiões do planeta com alta diversidade biológica. DESERTIFICAÇÃO – É a transformação de solos férteis em desertos. A ação do homem, como o desmatamento e a agropecuária podem levar à degradação do solo e ao agravamento das secas – princípio mortal da desertificação. CIDADANIA – É o conjunto amplo de direitos e deveres civis, políticos, sociais, econômicos, ambientais e culturais dos habitantes de um Estado. Designa o fato de um indivíduo gozar dos direitos de um Estado, cumprindo também seus deveres para com este. Não importa qual a função que este indivíduo exerça na sociedade. KIOTO – Refere-se à Conferência de Kioto, realizada em dezembro de 1997, quando foi assinado um protocolo de mudança climática, que definiu compromissos de redução de gases poluentes dos países desenvolvidos, estabelecendo mecanismos flexíveis de cooperação entre os países, para cumprir metas no sentido de diminuir o efeito estufa. CÚPULA DA TERRA – É a representação política dos países associados à ONU. A expressão foi usada pela primeira vez por ocasião da RIO-92, quando se reuniu, então, a Cúpula da Terra, ou seja, os 114 chefes de Estado e 175 países representados na Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO – Foi a primeira Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, promovida pela ONU, realizada em junho de 1972. Reuniu 110 países. Foi o primeiro grande movimento oficial, respaldado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, que mostrou a necessidade urgente de conciliar meio ambiente com o desenvolvimento, mostrando a nossa responsabilidade com relação às futuras gerações. RIO-92 – Foi a 2a Conferência Mundial para Meio Ambiente e Desenvolvimento, promovida pela ONU e realizada no Rio de Janeiro, que teve início em 3 de junho de 1992. Foi a maior reunião planetária, pois 175 países se comprometeram com a causa ambiental. Participaram dela 114 chefes de Estado, representantes de praticamente todos os países da Terra, 10 mil jornalistas e mais de 500 mil pessoas representantes de ONGs e etnias diversas. AMAZÔNIA SOLIDÁRIA – É um programa que tem por objetivo promover à ascensão econômica e social dos seringueiros da Amazônia. Além de vários organismos do governo, atuam nesta parceria o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), o Conselho Nacional de Seringueiros, o Gabinete da senadora Marina Silva (PT/AC) e o Programa Comunidade Solidária, presidido pela Primeira-Dama, professora Ruth Cardoso. |
SUMMARY
Environment, Development and Citizenship
According to the President of the Republic
In 1983, the teacher Fernando Henrique Cardoso left behind his books and ivory tower when he accepted the post of senator filling the vacancy left by Franco Montoro, who had been elected governor of São Paulo. Two years later Senator Fernando Henrique experienced the failure of his first real political test, losing the 1983 race for mayor of São Paulo to the ex-president Jânio Quadros. But FHC did not retreat to the classroom. He regathered his forces to take on the political challenge. In 1986 he set aside many theoretical positions, and in the wake of the success of the PIano Cruzado, he gained a seat in the Senate. Thus began a rising trajectory of political victories. The intellectual, successful both in and outside of Brazil, was replaced by the politician, successful both in and outside of Brazil. A rare bird! These are usually mutually exclusive vocations, so it is unusual to find someone so well adapted to both roles of intellect and politician. How has Fernando Henrique Cardoso, writer and professor, achieved this? This is one of the secrets which FHC shares with the readers of the Folha do Meio. Well, there are many other secrets. Some speak of the defeats, victories, advances and retreats in the struggle to preserve nature and improve the quality of life in Brazil. Other secrets are more personal. For example, why none of the intellect professor’s 24 internationally recognized books deals explicitly with the most important question at the end of this century: the relationship between man and his environment.
FMA – Mr. President, there is nothing more global than the environment.
FHC – It is impossible to mark political or even geographic boundaries when the subject is the environment. It does no good for me to take care of my own back yard if my neighbor does not care for his. It does no good for one country to perfect its environmental laws if its neighboring countries do not do the same.
FMA – Is it possible that the environment could affect the international commercial agreements?
FHC – The conviction that commercial agreements among nations must take into account the interaction between the formulation of development policies and the environment is constantly gaining ground on the international scene. This is because these concerns over the environment have the potential to impact upon the policies of development and the flow of global commerce. The inclusion of the perspectives of sustainable development allows the joint consideration of the environment, the economy and human welfare in commercial affairs. And this constitutes a qualitative step up in regional and international debates. The environment is emerging as a key element in these relationships, as recognized by Gatt, by Nafta, and by the Treaty of Maastricht, among others. Brazil has defended the position, however, that environmental initiatives in the area of commerce should not be allowed to create additional obstacles to the flow of commerce in the developing countries. This in the sense that combating poverty is the essential vector towards sustainable development.
FMA – And how do you see the relationship of Brazil with the other countries of Mercosul since its environmental legislation is more advanced?
FHC: Mercosul has an environmental task force studying the problem. It has been seeking, within the quite different realities and with reference to the nations’ legal structures, to optimize the levels of environmental quality in the countries that comprise Mercosul. In this sense, the principles of sustainable development have been the basis for the entire process of cooperation among the four countries of the block, bearing upon the negotiating agendas and helping to overcome differences between the countries.
FMA – It has been 7 years since RIO-92, the so- called “Earth Summit”, was held to discuss the world’s environment and development. How do you interpret the delays in concluding the important discussions on global climate, biodiversity, and the allocation of resources from the developed countries to finance environmental projects in developing countries?
FHC: RIO-92 should be understood as an important institutional milestone, bringing in an integrated fashion all aspects of human action upon the planet’s environment to the forefront of international discussion. The Earth Summit defined a series of principles and concepts of international scope, emphasizing cooperation, which can be translated as financial support, the transfer of technologies and technical training, especially so that the developing countries can confront the environmental challenges of a global nature. Evidently, expectations were raised far beyond the realistic possibilities for material support from the developed countries. But this is not to say that relevant initiatives have not been undertaken. In the area of global climate change, for example, the commitments made by the developed countries are being reinforced. Nevertheless. the results of the Kyoto Conference art: relevant as a step forward in this process, especially with the approval of the Brazilian proposal for the Mechanism for Clean Development. In the area of biodiversity, in spite of difficulties along the way, we’ve come a long way toward defining clear areas for the ,sake of a just and equitable division in the use of genetic resources. This is an especially important topic for Brazil, for we arc the custodians of a mega biodiversity. In this regard, a law concerning access to these resources is under study in the National Congress. In the area of desertification, the United Nations Convention on Combating the Effects of Desertification and Drought will examine, this November in Recife, the financial mechanisms for giving pre-investment support to projects for combating desertification and drought. With all these advances, it cannot be said that the lasting effects of the Earth Summit have been negligible.
FMA – Mr. President, the environmental question seemed to explode on the scene some three decades ago. It was in May of 1968 (you your-self were at the heart of the student demonstrations, in Paris) that awareness of the global effects of large-scale deforestation, the use of nuclear energy, the burning of fossil fuels, and the formation of large urban centers gained the attention of the scientific community, intellectuals and public opinion. In your 24 books you dealt with every aspect of Man- industrialization, development, democratization, capital- ism, social mobility, dominance and dependence. Do you think that the environment has been left out of the agenda of the Twentieth Century?
FHC: It would be quite pretentious of- me to attempt a complete analysis of the “agenda of the century”‘. My academic writings, though encompasing complex topics such as you have mentioned, had a more modest aim. This is not to ,say, in the least. that the environment has not been one of my concerns. Indeed. ever Since the Stockholm Conference in 1972, tile subject really emerged on the international agenda. and the issue can no longer be dismissed by any attentive observer of the evolution of contemporary societies. In this process, in which environmental themes are taking on greater and greater importance and demanding greater and greater attention from the various sectors of society, one of the most fascinating aspects is the degree to which the right to a healthy environment has become an integral part of the concept of citizenship, becoming thereby a central element of what has been called the “radicalization” of democracy.
FMA – Mr. President, it is impressive how you have been able to adapt to the dual roles of intellectual and politician. These two vocations rarely co-exist. What is your secret?
FHC: The academic dimension was an essential part of my formation. It therefore has an enormous influence on my actions as a public figure. There is much to be said about the relation between the intellectual and the politician- -even more than the basic distinction between theory and practice, between conceptual and the day-to-day realities- but I will limit myself to one question I consider to be very important. To put it simply, it could be said that the correct approach to policy consists of collecting and analyzing society’s demands, then defining priorities and establishing lines of action. To a large measure, an intellectual training, although no substitute for political experience, complements it and contributes to a better comprehension of this array of social demands, among which is included, more and more, the protection of the environment.
Entrevistas
José Carlos Pinheiro Neto – Entrevista sobre o carro e o meio ambiente
Presidente da Anfavea fala sobre a sustentabilidade da indústria automobilística

A indústria, o automóvel e o meio ambiente
José Carlos Pinheiro Neto, vice-presidente da GM e presidente da Anfavea
Silvestre Gorgulho, de Brasília
Presidente da Anfavea mostra como as fábricas vão se tornando mais limpas e fala do desafio de continuar fazendo carros que gastem menos energia e sejam menos poluentes:
“Não há problemas tecnológicos com o carro a álcool. O problema é mercadológico. O consumidor brasileiro não reconquistou
a confiança na disponibilidade do álcool
na bomba de combustível”
Veículos com mais de 10 anos respondem por 77% das emissões de poluentes e por 60% dos acidentes com vítimas Há um mês a General Motors inaugurou sua mais nova planta industrial do mundo, em Gravatai-RS, para produção do carro compacto Celta, que acaba de chegar ao mercado. O próprio presidente da República e os centenas de convidados que visitaram a indústria puderam conhecer um complexo automotivo ecologicamente correto, desde sua implantação até sua gestão diária, seguindo as normas ambientais. Como? Minimizando os impactos ambientais, evitando perdas de energia, reduzindo desperdício, coletando os efluentes e dejetos tóxicos, promovendo um saneamento adequado e valorizando a área verde, com a construção até de uma estação ecológica onde foi construída uma escola para educação ambiental. Afinal de contas, é essa a receita para o desenvolvimento sustentável e não foi por outro motivo que, depois da inauguração, o presidente Fernando Henrique lembrou uma frase que disse numa entrevista à Folha do Meio: “Sem a adequada proteção ambiental, o próprio processo de desenvolvimento corre o risco de se tornar estéril”.Enfim, se as indústrias automotivas estão rezando na cartilha da gestão ambiental, o desafio agora é outro. E muito maior: tornar os automóveis menos poluentes, gastando menos energia. O fato é que os maiores danos ao ambiente ocorrem durante o tempo em que o veículo roda, pois durante sua vida útil, um carro gasta 70% de toda a energia e emite 80% de toda poluição envolvidos no processo, desde a fabricação. Mas, enquanto as indústrias pesquisam formas de gastarem menos energia e de seus produtos emitirem menos poluentes, o Brasil sequer regulamentou a lei de inspeção veicular para obrigar a regulagem dos escapamentos. Mais: engavetou a proposta de renovação de frota. É bom lembrar que metade dos 20 milhões de veículos que rodam hoje no Brasil tem mais de 10 anos e – incrível – respondem por mais de 77% das emissões de poluentes na atmosfera. Outro dado assustador: segundo a Anfavea, 60% dos acidentes com vítimas são provocados por veículos com mais de 10 anos.
Para falar como as novas fábricas estão “limpas” , como os carros enfrentam o desafio da poluição e até de renovação de frota, ninguém melhor do que o presidente da Anfavea e vice-presidente da GM, José Carlos Pinheiro Neto.
Uma grande empresa, uma grande planta industrial e um Estado muito politizado ambientalmente. Como foram os antecedentes e as primeiras articulações para a implementação do projeto?
José Carlos P. Neto – Foi simples, mas não foi fácil. A GM seguiu todo o procedimento legislativo em vigor para a aprovação dos projetos industriais pelos órgãos ambientais. Submetemos às autoridades gaúchas o estudo de impacto ambiental e houve, inclusive, audiência pública para a formulação de perguntas por parte da sociedade. A GM cumpriu todos os quesitos exigidos pela legislação ambiental municipal, estadual e federal.
O que mais chamou a atenção dos executivos da GM quando das conversações e acertos com os órgãos ambientais e com os próprios ambientalistas?
José Carlos – Não tivemos nenhuma situação inusitada e nem mantivemos contatos diretamente com ambientalistas, ONGs ou entidades privadas. Se houve contato com representantes do setor não-governamental, ele ocorreu anonimamente, no âmbito da audiência pública.
Em relação as muitas outras plantas industriais da GM no mundo inteiro, qual o grande diferencial da nova fábrica de Gravataí?
José Carlos – O grande diferencial é o processo fabril. Contrariamente às plantas tradicionais, em Gravataí a GM monta subsistemas completos, que são alimentados por um seleto grupo de fornecedores chamados “sistemistas”. No complexo automotivo existem 17 sistemistas.
Meio ambiente caminha numa pista dupla: educação e tecnologia. Como, quando e onde os “pilotos” do board da GM encaram esse desafio?
José Carlos – A GM tem políticas ambientais internas há mais de 40 anos. É uma empresa ambientalmente consciente, que zela por estar sempre em situação politicamente correta quando o assunto é o que modernamente é conhecido pelo nome de Responsabilidade Social Corporativa. A GM investe centenas de milhões de dólares a cada ano no desenvolvimento de tecnologia ambientalmente mais favorável. Foi o caso, por exemplo, de veículos elétricos, e atualmente, da tecnologia das células de combustível. Ainda para citar a planta de Gravataí, gostaria de salientar que a GM reservou 25% da área do Complexo Automotivo à preservação ambiental. Foi realizado um trabalho ambiental muito importante e operacionalmente complicado: transplantamos mais de 400 árvores da área que foi nivelada para abrigar os prédios industriais para a área de preservação. Foram principalmente figueiras – que são protegidas por lei no Rio Grande – algumas com até 49 ton. de peso. Essa área é uma estação ecológica que recebeu, ainda, mais 25 mil novas plantas e onde foi construída uma escola para educação ambiental.
A GM mostrou que gestão ambiental é quando a preservação do ambiente faz parte do negócio. Como a nova indústria administra a questão dos efluentes?
José Carlos – Esse é um assunto essencial, hoje, numa planta industrial. Todos efluentes, produtos químicos, pintura, como aliás todos os dejetos, sobras, refugos gerados no processo fabril, são processados de acordo com a mais moderna tecnologia existente no mundo.
Qual a principal lição ambiental que a GM tirou depois da implantação da nova indústria automotiva de Gravataí?
José Carlos – Não diria que é propriamente uma lição, mas a confirmação de que é possível ter plantas industriais moderníssimas em perfeita harmonia com o meio ambiente e com a expectativas da sociedade quanto à qualidade de vida.
Vamos falar agora de renovação da frota que também tem seu lado ambiental e de qualidade de vida, afinal de contas carro mais novo significa mais segurança e menos dióxido de carbono no ar. Como anda o programa?
José Carlos – É de lamentar que o programa de Renovação da Frota Nacional de Veículos Automotores, concebido pela Anfavea, encampado por outras associações de classe e pelas organizações sindicais, não tenha sido apoiado pelo governo federal. Esse programa tem um evidente apelo ambiental, à medida que vai retirar de circulação veículos inseguros e poluidores, que seriam, ainda, destinados a modernos centros de reciclagem. Metade da frota em circulação, mais ou menos 10 milhões de veículos, têm os maiores índices de emissão média de monóxido de carbono, devido suas condições tecnológicas. E a própria reciclagem de materiais e componentes dos veículos seria uma importante ajuda para diminuir a poluição. Além de contribuir para dar uma dimensão de escala econômica à atividade da reciclagem.
Combustíveis limpos – esse é o grande desafio ambiental para a indústria automobilística. Como estão os projetos para carros elétricos e para maior agressividade na fabricação de carros a álcool?
José Carlos – A GM foi a primeira montadora do mundo a produzir um veículo elétrico em série. É o EV1, movido a baterias ácido-chumbo. Atualmente, a tecnologia mais promissora é a da célula a combustível e todos os grandes fabricantes desenvolvem projetos de pesquisa nessa linha, inclusive a GM. Quanto ao álcool… bem, vamos repetir pela enésima vez a história que temos a contar. Em primeiro lugar, não há problemas tecnológicos para o relançamento do carro a álcool. O problema é unicamente mercadológico, porque até hoje o consumidor brasileiro não reconquistou a confiança na disponibilidade do álcool na bomba de combustível. Aliás, há poucas semanas vimos como isso funciona no Brasil. A safra de cana sofreu uma queda de 20% e o combustível ameaçou faltar. Qual foi a solução? O mix do álcool na gasolina baixou para 20%. Não questiono a decisão tomada pelo governo. O problema é a percepção do consumidor, que vê o álcool como combustível “não confiável”. Infelizmente, para a ecologia nacional, não vejo os consumidores fazendo fila para comprar carros a álcool…
Mas, e o carro?
José Carlos – Bem, como eu disse, não há problemas tecnológicos para produzi-lo. Tanto que a partir de junho deste ano disponibilizamos os Corsa Wind e Wind Sedan 1.0 movidos a álcool. As vendas ainda estão tímidas, mas acredito que deslanchem uma vez que o consumidor se conscientize das vantagens do álcool ao se tratar de motores modernos, de injeção eletrônica. Dentre as vantagens, estão o desempenho superior e o menor custo por km em relação a um motor similar a gasolina. Além do lado ambiental: o álcool não polui e é um combustível renovável, ao contrário dos derivados de petróleo.
Célula de combustível – É um gerador de energia elétrica baseado na reação química de um combustível líquido ou gasoso com o oxigênio. Essa energia irá alimentar um motor elétrico para propulsionar o veículo. As pesquisas estão apontando o hidrogênio como o combustível ideal para a célula. Essas células foram utilizadas pela NASA, a partir de 1965, para produzir a energia elétrica para os sistemas de comunicação e computadores das cápsulas Gemini.
Entrevistas
Paulo Vanzolini: poeta-pesquisador e sambista-zoólogo
Na fronteira da Amazônia não tem Brasil, nem Peru, nem Colômbia. É de quem paga mais

ONG para mim não vale nada, com raríssimas exceções.
E quem mora na Amazônia sabe que está cheio de falsos missionários
“O Rio Amazonas é uma paisagem
diversificada que sempre me atraiu
muito pelo aspecto biológico
e humano. Flora e fauna são fantásticas.
As populações ribeirinhas de origem mista,
caboclas, indiáticas e nordestinas
estão belamente adaptadas
à vida no grande rio”.
Primeiro, uma auto-definição:
Eu sou Paulo Vanzolini / Animal de muita fama / Que tanto corre no seco / Como na varge de lama / Mas quando o marido chega / Corre pra baixo da cama
Silvestre Gorgulho, de Brasília
Um breve perfil: todo brasileiro conhece Paulo Vanzolini se o identificarmos como compositor e sambista, autor de “Ronda” e “Volta por Cima”. Poucos brasileiros o conhecem como zoólogo, formado em medicina pela Escola de Medicina da USP e que fez seu doutorado em Harvard, de 1947 a 1950, tendo como orientador o pai da Zoologia Comparada, o mestre A. S. Romer. Assim, Vanzolini são vários: um pouco de artista, muito de músico, bastante de cientista e um colosso de brasileiro. O campo de estudo principal do doutor Paulo Emílio Vanzolini é a Herpetologia, a parte da Biologia que engloba os répteis e anfíbios. Viajou extensivamente pelo Brasil e América Latina e se considera o último dos viajantes clássicos. Pesquisou profundamente a Amazônia, sendo reconhecido mundialmente como uma das maiores autoridades sobre o ecossistema amazônico. A ligação e paixão de Vanzolini pela Amazônia começou em 1944 quando foi passar férias no Pará e subiu o rio Anapari com um caçador de borboletas. Perdeu a conta de quantas viagens já fez nos mais de 50 anos de pesquisas na Amazônia e enumera devagar os rios que percorreu: Anapari, Juruá, Purus, Madeira, Xingu, Araguaia, Tocantins, Japurá, Negro, Branco, Trombetas, Solimões, Nhamundá e muitos de seus afluentes. Desde 1946 está ligado ao Museu de Zoologia da USP. Hoje, com 76 anos e aposentado, Vanzolini ainda trabalha de domingo a domingo e conserva duas grandes salas rodeado de mapas, livros e vidros com exemplares de lagartos, sapos e cobras. A biblioteca é a maior coleção herpetológica do mundo. Com duas ex-alunas ele é também sócio da MVA, uma pequena empresa que realiza estudos de impacto ambiental. Em sua carreira, Vanzolini orientou 36 teses de doutoramento. Membro da American Society of Ictiologists and Herpetologists, ele é pesquisador associado do Museu de Harvard, do Museu de História Natural de Nova York e do Smithsonian. Essa entrevista foi feita pelo cineasta e amigo Ricardo Dias, diretor dos filmes “No Rio das Amazonas” e “Fé” e que, desde 1985, vem documentando seu trabalho. Fã incondicional de Paulo Vanzolini, eu próprio fiz questão de conhecer um pouco mais de sua obra científica. Uma maravilha! Tão linda quanto o show que fui assistir no restaurante brasiliense “Feitiço Mineiro”, agora em outubro, onde com a cantora Ana Bernardo, Vanzolini falou de sua história, contou “causos” e mais “causos” e ainda soltou a voz cantando suas melodias inesquecíveis. Infelizmente, ou felizmente, só não pude escutá-lo cantando “Ronda”. Sabe por quê? Os presentes no ” Feitiço” fizeram um coro tão uníssono, tão forte e tão bonito que foi de arrepiar. Mas agora vamos à entrevista sobre a Amazônia, sobre a ciência e sobre os políticos. Um outro mundo de Paulo Vanzolini que vale a pena conhecer. Esta entrevista foi feita pelo cineasta Ricardo Dias.
No caso da Amazônia, o que significa fronteira?
Paulo Vanzolini – Fronteira na Amazônia não existe. Você passa de um lado para outro, mora do lado de lá e vive do lado de cá. Passa por cima. É uma linha imaginária. Eu, por exemplo, quando trabalhei no Acre, metade do material que está aqui rotulado como Acre, na realidade é Bolívia. Mas 50 metros além da fronteira não fazem diferença. Também em Roraima você passa para a Guyana, ali em Lethem, com a maior facilidade. O pessoal da Guiana vem à missa em Bonfim. Agora, onde tem estrada, como de Roraima para a Venezuela, você tem controle. Ali é uma chateação danada, da Vila Pacarâima, o chamado BV8, no marco 8 da fronteira, tem o exército. Onde tem o exército é uma chateação.
E nessa guerra do narcotráfico entre Estados Unidos, Governo colombiano e terroristas. O que vai acontecer?
Vanzolini – É difícil dizer, porque a gente não sabe quais são as forças armadas. Do lado do Brasil tem uma turma de militares dedicadíssimos à Amazônia, o pessoal da Guerra na Selva, o coronel Fregapani, por exemplo. É um pessoal completamente alucinado.Um pessoal muito ruim esse pessoal do exército lá. Agora, eles são missionários, são fanáticos. O Fregapani chegava e dizia assim para mim: – Paulo, vamos raciocinar juntos. Esses índios Ianomami têm identidade étnica?
– É lógico que têm. Só casam com Ianomami.
Paulo Vanzolini canta e conta “causos” no restaurante “Feitiço Mineiro”, em Brasília
|
– E veja, Paulo, que eles têm identidade linguística e cultural, pois só falam Ianomami…
Então, rapaz, se nós damos terra para eles, eles viram uma nação. Aí um levanta e diz “Sou o rei dos Ianomami, vamos nos separar do Brasil!” Imediatamente os Estados Unidos apoiam e amanhã nós perdemos um pedaço do Brasil.
– Fregapani, 9 mil índios descalços tirarem um pedaço do Brasil?
– Paulo, vocês são muito ingênuos, não enxergam o perigo!
Então, é um pessoal muito ruim. Pode fazer besteira, compreende? De repente eles se metem a defender a Pátria Amada Idolatrada e sai um tiroteio danado.
O senhor sempre fala sobre as fronteiras do rio Içá…
Vanzolini – Pois é, o Içá é um rio binacional. Ele nasce na Colômbia e morre no Brasil. Ele é Putumayo, Isau Putumayo. Ele é um rio de muito índio, como os Boras. Então tem muita comunidade protestante, tem muita missão. É um lugar bastante complicado, porque no meio dessas missões tem um monte de espião da CIA. Quando eu estava no rio Negro e fiz amizade com missionários americanos, eles “dedavam” os outros: “Aquele é da CIA!” Quem mora lá sabe que está cheio de falso missionário na Amazônia.
E qual é o objetivo deles?
Vanzolini – Na minha opinião é vigilância política. Olheiros, simplesmente saber como estão as coisas. Os Estados Unidos não querem nunca serem apanhados despreparados. Agora, as interpretações variam, desde achar que amanhã eles estão roubando o Brasil, a achar que são boa gente. Na minha opinião é o seguinte: busca de informação. Missionários têm muita facilidade de contato e, por isso mesmo, são bons colhedores de informação.
O Aziz Ab’Saber, notável geógrafo e militante de causas políticas e ambientais, está sempre reclamando da reação dos norte-americanos em relação ao incêndio de Roraima. Eles estariam dizendo que o incêndio seria uma demonstração de que o Brasil não teria capacidade de administrar a Amazônia. O que o senhor acha?
Vanzolini – Essa coisa dos americanos e ingleses vem lá do século XIX. Basta ler a história da Bolívia. O Acre é brasileiro só porque a Bolívia cedeu direitos, inclusive de polícia, para uma companhia anglo-americana. Quer dizer, eles sempre tiveram essa idéia de que quem sabe administrar são eles. Quando o Brasil, por causa do Acre, fechou o rio Amazonas, os americanos quase invadiram o Brasil. Porque o comércio é sagrado e o comércio de lugares atrasados é deles. Então sempre houve isso, porque eles acreditam que quem sabe administrar são eles mesmo. Mas eu não creio nisso no caso do Brasil. Hoje em dia, os Estados Unidos tem respeito pelo Brasil. E tem, inclusive, respeito intelectual.
Então eles estariam de fato querendo ajudar?
Vanzolini – Eles não querem é sair perdendo. Você precisa pensar o seguinte: o problema do narcotráfico nos Estados Unidos é seríssimo. É um câncer social. Veja bem, eles não estão defendendo a Colômbia nem o Brasil, eles estão defendendo os Estados Unidos contra o narcotráfico.
Mas o noticiário diz que praticamente 50% dos insumos para o tráfico na Colômbia, vem dos Estados Unidos.
Vanzolini – Meu amigo, não seja ingênuo. A sociedade capitalista está aí para vender e comprar.
E nessa história como é que fica o caboclo amazônico, que você conhece muito bem?
Vanzolini – Essa é a realidade humana. A minha impressão é que quem pagar o caboclo, o caboclo vai atrás.
Pode ser tanto o missionário, quanto o garimpeiro, quanto o traficante, quanto o guerrilheiro?
Vanzolini – Não faz diferença nenhuma. O caboclo é muito desconfiado. Você saber o que está na cabeça dele é muito difícil. No tempo em que eu ficava bastante tempo lá, eu acabava sentindo a turma. Mas nos últimos anos eu não tenho tido mais a oportunidade de sentir o caboclo da Amazônia. A impressão que eu tenho é a seguinte: ele não tem lealdade pelo exército, nenhuma. Não tem Pátria Amada Idolatrada para ele. Ele vai com quem pagar.
E se garantir saúde, escola…
Vanzolini – Não! É quem pagar, é toma lá, dá cá!
O senhor conhece esses lugares onde, hoje, estão a guerrilha e os traficantes na Colômbia?
Vanzolini – Conheço sim. É uma região de Amazônia pura, de Vila Vicencio para o sul.
E o tipo de vida é igual à nossa Amazônia? Então se pagarem para o caboclo ele trabalha para narcotráfico, sem problema?
Vanzolini – Já está trabalhando. Olha bem, o Peru, Colômbia e aquele pedaço do estado do Amazonas é um país só. E deles. Não tem nada que ver nem com Colômbia, nem com o Peru, nem com o Brasil. É do povo que vive lá. Uns tipos muito isolados e muito independentes.
E nem a população cresce muito?
Vanzolini – É verdade. É um por um. Nasce um e morre um. Também não tem migração para lá. Um dia eu estava em Tefé e fui ao campo de aviação. Tinha chegado um incêndio na beira do aeroporto. Eu comentei que aquilo era um perigo e eles disseram que não era nada. Era só uma plantação de coca sendo queimada. Tinha uma plantação de coca, de epadu, encostada no campo de pouso.
Essa relação com o tráfico vem de longe. E agora o que acontece se de repente começam a jogar agente laranja e destruir tudo. O que esse povo vai fazer?
Vanzolini – Há uns 15 anos teve uma missão brasileira do Pacto Amazônico e foi o Aristides Pacheco Leão, que era presidente da Academia Brasileira de Ciência, que chefiou essa missão. Fui eu, foi o Seixas Lourenço, que depois foi diretor do Museu Goeldi e Secretário da Amazônia no Ministério do Meio Ambiente. Foi, também, o antropólogo e indianista Roberto Cardoso. E nós estivemos no Conselho de Pesquisa do Peru e o presidente do Conselho disse: “Se a Colômbia acaba com o narcotráfico, ela acaba é com a Colômbia. O que sustenta esse país é a cocaína. Não se iludam! Nós não temos nada para vender a não ser cocaína.” Isso dito pelo presidente do CNPQ deles.
Vanzolini conversa com o pescador Vitorino Malheiros, na ilha do Camaleão, Baixo Amazonas
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E na questão da defesa do meio ambiente. As ONGs tentando defender as comunidades, todo esse trabalho?
Vanzolini – Aí você tem o José Márcio Ayres, no Mamirauá, na boca do Japurá. Aquela é uma região muito boa de bicho. Uma região meio pantanosa entre o Japurá e o Amazonas. O Márcio está fazendo uma coisa inteligente, sensata.
Está organizando as comunidades. É a única coisa que eu conheço de defesa da Amazônia. Ele está organizando o pessoal, o pessoal tem uma certa democracia, um certo espírito público. Ele está fazendo um serviço bom, desse ponto de vista. O José Márcio agora está em Belém, no Museu Goeldi. Agora, vou dizer uma coisa para vocês. ONG, pra mim, não vale nada.
Por que essa opinião tão negativa sobre as ONGs?
Vanzolini – Em primeiro lugar porque são fanáticos. Radicais. Você sabe que todo fanatismo não tem objetividade. São muito ignorantes e muito pretensiosos. Dos muitos que eu conheço, eu tenho a impressão que eles têm a paixão do poder: É aquele negócio: – Nossa ONG parou esta obra! Eu posso mais do que o governo! Eu posso mais do que uma hidroelétrica! Tem muito disso. Claro que também tem muita gente boa, mas são poucos.
Como é essa coisa que o senhor fala da motosserra e do trator?
Vanzolini – Bem, é que o trator não significa muito. Mas a motosserra é vida. A Amazônia ainda não chegou nesse ponto, mas se você for ao Espírito Santo, você encontra ladrão de madeira. O nego vai de motosserra à noite, derruba um jacarandá, tira as toras, bota na perua e vai vender. Claro que a copa da árvore fica e você sabe que o tronco foi roubado. A Amazônia ainda não chegou nesse ponto. Eu tenho a impressão que não passam de seis ou sete tipos de madeiras amazônicas que são exportáveis, porque são madeiras que dão plaqueado fino. Madeira de gram muito uniforme. É uma gilete que vai descascando. Um tronco de um metro acaba fino como um palmito. Ninguém compra madeira amazônica para fazer móvel maciço.
Mas por que a motosserra é vida?
Vanzolini – Veja bem. Se o caboclo tem um freguês que compre uma boa árvore por mês, esse caboclo faz a sua vida. Eu vi lotarem um navio com dez mil toneladas de madeira, no baixo Amazonas, na década de setenta. Olha, dez mil toneladas é madeira pra burro. E toda essa madeira era trazida em pequenas jangadas. Não era aquele jangadão que leva dois dias passando. Eram jangadas de caboclo. Madeira comprada de caboclo. Então a motosserra para o caboclo, principalmente depois que ela está paga, representa uma certeza de lucro. É a vida dele.
E ele não tem nenhum constrangimento em derrubar?
Vanzolini – Para o caboclo, lá tem madeira demais. Nunca vai acabar. Ele considera uma loucura você se preocupar com isso.
Fale um pouco mais sobre os pastores e os missionários.
Vanzolini – A missão protestante na Amazônia é antiga. Do século XIX. Recebeu um grande influxo na década de sessenta com aquele negócio de Novas Tribos. Parte foi movimento autêntico dentro das igrejas protestantes missionárias proselitistas e parte foi a CIA mesmo. A CIA fez um bruto investimento em missões protestantes. Isso você aprende conversando com o missionário. Ele diz: “Fulano é da CIA”. Agora é como eu digo, eu penso que eles não são treinados para intervir, são treinados para observar. Eles são o dedo no pulso da gente. Posso estar errado, mas é difícil!
Mas eles vão fazer a cabeça das pessoas? Vão levar os índios e caboclos para Jesus, ou isso é secundário?
Vanzolini – O pessoal com que eles lidam não vai para Jesus de jeito nenhum. Por exemplo, eu fiquei no rio Negro, na casa de um missionário. E ele ficava desesperado, porque no quintal tinha uma árvore que era o maior alucinógeno da região. Os índios se reuniam lá para tomar esse paricá e faziam as maiores orgias no quintal da casa do missionário. Ele ficava alucinado, chorava, se trancava, mas não adiantava nada. É um pessoal que faz muito negócio com Jesus mas não se entrega. Por outro lado você encontra uns núcleos pequenos alucinados. Por exemplo, uma comunidade protestante que conheci no baixo Amazonas. Os missionários ocupavam quinze minutos por noite de uma emissora na ilha de Bonaire com um programa de rádio. Duas horas da madrugada, baixava o Espírito Santo em todo mundo. Imagina o que eles não se sacrificavam para pagar isso aí. E eles eram completamente refratários a qualquer contato. Me puseram para fora, não me deixaram ficar lá.
Vanzolini durante as filmagens “No Rio das Amazonas” com o mercado Ver-o-Peso, em Belém, ao fundo |
Por que é tão difícil a política na Amazônia?
Vanzolini – O amazônida é uma romântico danado, cheio de superlativos. A maior floresta, a enorme fertilidade, a maior diversidade… Ninguém pensa na Amazônia com a cabeça fria. É como dizia Artur César Ferreira, que era um bom historiador, um sujeito inteligente que tinha aquela paixão pela Amazônia: – A Amazônia é tudo, não tem nada que chegue nos pés da Amazônia… E a Amazônia vem sendo vítima. A Amazônia é muito difícil de explorar. Precisa estudar mas esse pessoal não tem capacidade intelectual para estudar. A formação intelectual do amazônida é muito ruim no geral.
E os políticos da Amazônia?
Vanzolini – Eles representam pouco. Eles não têm o menor interesse na preservação. Eles estão é fazendo cacife político. Querem voto. Qual era a receita do Gilberto para o futuro da Amazônia? “Uma motosserra para cada família.” Isso era plataforma política de Gilberto Mestrinho.
Mas hoje em dia ele tem um discurso um pouco diferente.
Vanzolini – Só discurso. Mas a cabeça de Mestrinho não mudou…
E a Zona Franca de Manaus?
Vanzolini – No fundo, a Zona Franca de Manaus é considerada um grande fracasso pelos amazonenses, pois deu foi muito dinheiro para São Paulo. Eu não conheço economia para dizer isso, mas o pessoal mais consciente é muito amargo em relação à Zona Franca. Sabe o que a Zona Franca faz? Mete um negócio num container, mete o container no navio ou avião e manda direto para São Paulo.
E o que significa o garimpo como linha de frente de ocupação?
Vanzolini – O garimpo não é amazônida. O garimpeiro é maranhense, é mineiro, cearense ou baiano. E é obcecado pelo ouro. Eu vi no Tapajós uma vez, dois primos maranhenses que foram para o garimpo de Itaituba e pegaram 1,2 kg de ouro. Na volta um matou o outro e tirou a pele do rosto para ninguém reconhecer o morto. Quer dizer, o garimpeiro é desumano… Eu acabava com os garimpeiros. O que eles fizeram com os Ianomamis é abominável.
Por que continua a invasão da pecuária se aparentemente todos sabem que derrubar a mata para criar gado é muito menos rentável que a preservação da floresta?
Vanzolini – Na Amazônia, mesmo, é muito pouco o que se faz de pastagem. É caríssimo! Hoje o cara faz uma pastagem pequena, porque não existe a pecuária como indústria.
E o caso de Rondônia?
Vanzolini – Rondônia foi outra coisa, foi café. Café robusta, o café mais ordinário que existe. Veja como é difícil falar sobre a Amazônia. Eu me esqueci completamente que Rondônia é Amazônia, mas é.
Vamos voltar ao caboclo: qual a diferença entre ser miserável e ser desassistido?
Vanzolini – As coisas que não podem ser feitas pela pessoa não tem na Amazônia. Aquilo que é institucional, aquilo que governo devia dar, não tem. Começa com escola. Você vê o problema de escola lá qual é. Quer dizer, é uma menina mal alfabetizada que ensina as crianças. O povo é desassistido nesse sentido de não ter saúde e educação. Qual foi a grande arma do Gilberto Mestrinho para ficar dono do Amazonas? Maternidade Dona Balbina Mestrinho. Ele com os amigos dele meteram uma maternidade em cada canto do estado do Amazonas. Depois os milicos mandaram pintar por cima do nome, mas o povo pintou com uma caiação bem leve, de modo que você contra a luz via o nome. E o caboclo dizia: “tá vendo, é coisa de Gilberto e eles tão dizendo que é deles”.
Vamos falar sobre a presença de outros estrangeiros, os cientistas e pesquisadores desde o Wallace, o Bates até o Fearnside. Qual sua opinião?
Vanzolini – Vamos pegar como exemplo Harold Sioli. Ele fez a carreira dele baseado na Amazônia e acabou como o maior chefe de Instituto da Max Planck, na Alemanha. E foi ele quem começou limnologia (estudo das águas interiores) na Amazônia. Se nós temos limnologia na Amazônia, quem abriu a porta foi Harold Sioli. É dele o conceito de rio de água branca, de água verde, de água preta. O Fearnside, por exemplo, a tese dele, que é o ano de uma propriedade rural na Transamazônica, (Human Carrying Capacity of the Tropical Rain Forest) é a primeira coisa séria que existe sobre exploração agrícola da Amazônia. Então, um bom cientista estrangeiro é um benefício tremendo. Eu fiquei conhecendo o Fearnside por intermédio de dois americanos que estiveram aqui no Brasil fazendo um trabalho de sapos em Boracea. Vieram com bolsa da NSF, ou melhor, da National Science Foundation. O chefe deles era um burro e fez um projeto inviável. Ele fez um plano que deveriam pegar não sei quantos sapos por mês. Quando chegou em março e não pegavam mais sapos, porque acabaram os sapos de Boracea, porque Boracea só tem sapos de novembro a fevereiro. O cara tinha que se explicar na NSF e veio com uma história de que os dois pesquisadores não trabalharam direito. A NSF perguntou para mim se era verdade. Eu disse que não! Aliás, esse imbecil deveria ter a decência de perguntar se o projeto era viável. Os rapazes depois que escaparam dessa armadilha do chefe, ficaram muito meus amigos e um deles me escreveu sobre um amigo que era um grande ecólogo humano que ia fazer a tese na Índia. Mas a Índia estava em litígio com os Estados Unidos e proibiram a entrada de cientistas americanos. Ele me pediu para ver se arranjava para ele vir para o Brasil. Então eu arrumei para o Fearnside vir. E foi uma loucura, porque todos os agrônomos brasileiros eram contra o Fearnside. Uma ciumeira danada.
Como foi esse trabalho do Fearnside?
Vanzolini – O que ele fez foi acompanhar uma propriedade agrícola na Transamazônica durante um ano, sendo que ele pesquisou no campo de 74 a 76. Um trabalho lindo que é a tese dele na Universidade de Michigan? “Human Carrying Capacity of the Brazilian Rainforest”. O Fearnside é muito sensível e ele pegou por exemplo essa agricultura de roça que você queima, tem vez que queima bem, tem vez que queima mal. O resultado depende muito da qualidade da coivara. Ele fez um trabalho bem completo, não só do ponto de vista da economia rural, mas de tecnologia de caboclo também. Ele entrou muito bem no mundo do caboclo. Ele é um cara maravilhoso e o livro dele é absolutamente básico para qualquer um que queira conhecer a Amazônia.
Agora outros personagens: Jarbas Passarinho, Jáder Barbalho, ACM?
Vanzolini – Vou te contar uma história. Uma vez eu estava numa estação de televisão na Bahia e lá estava um deputado sendo entrevistado. A repórter perguntou: “É verdade que o senhor nomeou sua filha para tal emprego, para o qual ela não tem a menor competência, ganhando um dinheirão? Ele respondeu: “Nomeei, e daqui a dezoito anos nomeio o filho dela porque quem trata da minha família sou eu.” E o estúdio inteiro rompeu em palmas. O Jarbas é isso, ele é um político brasileiro tradicional. Quando o Jarbas era governador do Pará, na véspera de eleição, nenhum barco de oposição podia sair no rio. Barco de oposição chegava, vinha a fiscalização em cima. Eleitor do adversário não chegava na urna. Não tem nada de personalidade militar. É mais um político do tipo tradicional. Quanto ao Jáder e ACM são todos uns “Collorzinhos de Mello”.
Vanzolini: trabalho bom e inteligente de ONG só o do José Márcio Ayres, em Mamirauá |
E os institutos de pesquisa como o INPA, Museu Goeldi, qual o papel deles?
Vanzolini – É zero. Não têm densidade científica para pesar. A qualidade da pesquisa é muito ruim, a consciência deles é muito primitiva.
Mas nunca teve qualidade?
Vanzolini – Quer dizer, de vez em quando você tem um Fearnside no INPA, porque aconteceu um cara bom. O Museu Goeldi nunca teve nada que prestasse, nunca. Começando pelo Goeldi, que não gostava de brasileiros.
Que história é essa?
Vanzolini – O Goeldi era racista, ele não gostava de brasileiros. Ele era um suiço-alemão que veio para cá naquela colônia suiça de Teresópolis, no final do século passado. Um exemplo: o Carlos Moreira, que foi o primeiro especialista em crustáceos que teve no Brasil, era do Museu Nacional e era loiro. Um dia o Goeldi chegou para ele indignado: – O senhor mentiu para mim. Eu estava certo que o senhor era anglo-saxão e o senhor é filho de portugueses. Deu a maior bronca no Carlos Moreira porque não era anglo-saxão. Outro exemplo: quando a Inspetoria de Pesca, no Rio de Janeiro, comprou um navio chamado Annie, que tinha um trol com uma rede de 200 metros, começamos a conhecer as espécies da costa do Brasil. Foi uma loucura, o que começou a entrar de peixes que não se sabia que existiam no Brasil. O ictiólogo Alípio Miranda Ribeiro, que era do Museu Nacional, começou a descrever as espécies. Sabe o que o Goeldi fazia? Ia ao mercado, comprava os peixes do Annie e mandava para o Museu Britânico. Resultado: o trabalho do Tate Reagan, ictiólogo do Museu Britânico, saiu quase ao mesmo tempo do trabalho do Alípio Miranda Ribeiro.
E aqui, a USP como vai?
Vanzolini – A USP está numa hora muito ruim. A ciência brasileira está numa hora muito ruim e uma das causas é que houve uma expansão muito grande da pós-graduação, e essa expansão baixou o nível. Com o tempo vai haver seleção natural e as faculdades ruins e os doutores ruins vão ficar pelo caminho. Mas no momento está muito baixo o nível. E CNPQ e FAPESP com muito dinheiro, está dando dinheiro para tudo quanto é pesquisa ruim.
Normalmente o que se fala é que falta dinheiro para pesquisa, por que o senhor pensa diferente?
Vanzolini – Porque eu vejo o que sobra de dinheiro na FAPESP, onde eu fui conselheiro vários anos e também assessor do Oscar Salla na época que ele foi diretor. Hoje, o que eu vejo é que depois de dar bolsas descabidas para uma produção de baixa qualidade, ainda sobram oito, dez milhões por ano. A FAPESP dá dinheiro para qualquer um fazer pós-graduação. Lembrando que é só a FAPESP que tem dinheiro. Quando eu fiz a lei da FAPESP eu botei que ela devia investir 25%, porque eu tinha medo de algum governo que não desse o 1%, como o governador Abreu Sodré por exemplo não deu. Três anos de Sodré e ele não pagou a FAPESP, mas ela vivia porque ela tinha o investimento. O Paulo Isnard ainda deu uma melhorada nesse investimento e hoje em dia a FAPESP rola no dinheiro, tem dinheiro demais.
Para finalizar, qual seria o papel da ciência brasileira nessa história toda de Amazônia?
Vanzolini – Infelizmente não tem papel nenhum! A ciência brasileira virá depois, é caudatária. A questão é política e econômica.
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