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Manuel Nardi, o guia de Guimarães Rosa

Manuelzão: de vaqueiro a uma personalidade da História brasileira

 

Tudo começou em 1956, ano importante na História do Brasil: o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira assume a Presidência da República em 31 de janeiro, Brasília sai do papel para o concreto e Pelé faz seu primeiro jogo profissional pelo Santos, ganhando aos 15 anos a Taça Independência. Pois também em 1956, a literatura ganhou três lançamentos revolucionários: “Vila dos Confins”, de Mário Palmério, “Encontro Marcado” de Fernando Sabino, e “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa.

 

“Grande Sertão: Veredas”, publicado em 1956, nasceu quatro anos antes, quando Guimarães Rosa organizou uma boiada para entender melhor a cultura sertaneja. Nessa aventura, Guimarães Rosa registrou lugares, palavras, expressões e personagens. Entre tantos vaqueiros que se juntaram à empreitada, um pode foi definitivo para as obras roseanas: Manuelzão.

Manuel Nardi, mineiro de Dom Silvério, na esquina do Rio de Janeiro com o Espírito Santo, era dono de um carisma contagiante e de um senso de humor raro. Ficou órfão de pai ainda menino e arranjou trabalho como cozinheiro de tropa. Saiu de casa para vencer na vida e como achou que não venceu, nunca retornou.

Espontâneo e bem educado, não fez faculdade nem completou o primário. Vaqueiro, foi guia de Guimarães Rosa pelo sertão de Minas Gerais. Sua viagem com o escritor o tornou personagem representante de um mundo rural que deixou saudades. Com os olhos claros de Diadorim, se tornou um clássico da literatura em “Grande Sertão: Veredas”.

“Manuelzão saiu cedo de casa para vencer na vida.

Como achou que não venceu, nunca retornou”.

 

MANUELZÃO: O CONTADOR DE HISTÓRIAS

Apoiava-se em um cajado sustentando encurvado suas longas barbas brancas. Com faquinha e garruchinha na cintura, chapéu e capa colonial, tinha disponibilidade para receber bem e contar causos a quem o procurasse. Dizia que dormia pouco e por isso contava as horas dobrado, somando dias e noites. Assim, não faltava tempo para puxar o fio da memória numa conversa sem fim. Filho de dona Rosa Amélia, devota de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, era do mundo. Não foi controlado pela política local, nem pela família, menos ainda pela igreja. Entre as muitas histórias que gostava de contar, uma das mais comoventes é a da morte da mãe que resultou, no lugar onde foi enterrada, na construção de uma capelinha na beira do Rio São Francisco.

 

MANUELZÃO E O VIGÁRIO

O caso inspirou o cineasta Helvécio Ratton, que fez um curta metragem. “Passei dez anos sem ver minha mãe”, contou o vaqueiro. “Levei ela prá morar comigo e pouco depois ela morreu”. Dias antes do acontecido, a mãe comentou que determinada paisagem era bonita: “O lugar ideal para se fazer um cemitério e uma capela”. Dito e feito. Manuelzão sepultou-a no local escolhido. “A melhor coisa que fiz foi enterrar minha mãe. Tive a satisfação de cumprir aquele seu desejo, do jeito que eu pude fazer”. Só que o padre de plantão recusou-se a benzer o lugar. Então, aconteceu o seguinte diálogo entre o vigário e Manuelzão:

 Com ordem de quem o senhor fez a capela e o cemitério?

 Fiz eu mesmo na minha ignorância.
–  Mas o senhor precisa ter um patrimônio para deixar para a igreja.
 Mas como? Eu não tenho patrimônio nem para morar! Vou ter para doar para os outros?
– Então vai ter que desmanchar a capela.
(O boiadeiro não concordou e o padre disse que ia pedir ordem ao bispo)
– Não precisa, ‘seu’ padre. Se o senhor não pode dar a bênção, então deixa como está. Se esse mundo todo foi Deus quem fez, então já está tudo abençoado.

 

A BÊNÇÃO TARDIA

Mais tarde, outro padre abençoou o lugar e o vaqueiro deu uma festa, imortalizada por Guimarães Rosa no conto “Festa de Manuelzão”, que integra o livro “Manuelzão e Miguilim”.

Sobre a morte, Manuelzão gostava de dizer: “Não adianta. Se não chegou a hora a pessoa escapa de tiro e até de acidente de avião. Mas quando chega, até um passarinho que voa assusta o sujeito que desequilibra e morre…”

 

 

Capela construída por Manuelzão em homenagem a sua mãe. A igrejinha aparece no conto Manuelzão e Miguilim, de Guimarães Rosa (foto: Léo Rodrigues)

 

 

“Não tenho medo da morte

porque sei que vou morrer.

Tenho medo do amor falso

que mata sem Deus querer”.

 

IMORTALIDADE EM VIDA

 Um dia Manuelzão começou uma viagem com destino a São Paulo. Em Lagoa Dourada conheceu um dono de boiada chamado José Figueiredo que resolveu contratar seus serviços. “Foi a viagem mais longa da minha vida”, disse Manuelzão.

 

Pois não é que Manuelzão só chegou a São Paulo em julho de 1992 quando concedeu entrevista ao “Jô Soares Onze e Meia”?

O vaqueiro via seu sucesso com ironia: “Estão gastando muito papel com um simples vaqueiro”.

A distância entre as diferentes realidades do mundo fez de Manuel Nardi personalidade pública. Não se preocupava em ganhar dinheiro com a imagem. Dizia: “Não sou um soberbo. Se derem, recebo e agradeço. Se não, é mais um amigo que tenho”. Foi uma existência que valorizou o viver.

Manuel Nardi morreu aos 92 anos em 1997. Tinha seis filhos, 22 netos e três bisnetos. Morava em Andrequicé, distrito de Três Marias, Minas Gerais, e vivia com uma pensão de aposentadoria do Funrural e uma pequena ajuda da prefeitura local. “Não tenho medo da morte / porque sei que vou morrer. / Tenho medo do amor falso / que mata sem Deus querer”.

 

MUSEU MANUELZÃO

 

O Museu Manuelzão faz parte do Projeto Memorial Manuelzão, em Andrequicé.

 

 

O Museu Manuelzão guarda as histórias e os bens culturais de Manuel Nardi tem seu conteúdo voltado para os hábitos e costumes cotidianos de um vaqueiro do sertão mineiro.  O Museu do capataz da viagem do escritor Guimarães Rosa em 1952, que, posteriormente, se tornou personagem de sua obra “Manuelzão e Miguilim” foi instalado de 2001 a 2003, os bens culturais que compõem o museu foram adquiridos da família de Manuel Nardi. No museu também estão disponíveis os registros das homenagens e a participação de Manuelzão em eventos e mídia. O restante do acervo ficou sobre a guarda técnica da UFMG, de 1997 até 2003, quando retornou para o Distrito de Andrequicé e, hoje, faz parte do Museu.

O local pertencia à família e foi adquirido, em 2001, pela Associação Comunitária de Andrequicé e o acervo doméstico pela Prefeitura de Três Marias, em 2003.

 

 

 

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Em Brasília, mulheres indígenas celebram diversidade cultural e marcham por lutas comuns

Na III Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, representantes de todos os biomas do Brasil celebram sua diversidade, denunciam violência de gênero e dizem não ao Marco Temporal.

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Marcha das Mulheres Indígenas de 2023, em Brasília — Foto: Amanda Magnani

 

O som de cantos e dos maracás ecoa de todos os lados do acampamento à medida que grupos de mulheres dos mais diferentes cantos do Brasil se aproximam da tenda principal na concentração para a III Marcha Nacional de Mulheres Indígenas. São 8h00 e o sol seco de Brasília parece realçar as cores dos mais variados trajes tradicionais.

A marcha, que foi do Complexo Cultural da Funarte, onde estavam acampadas, até o Congresso, a cerca de 5km de distância, reuniu mais de 5 mil mulheres. Ela aconteceu no último dia de um evento que, ao longo de três dias, foi marcado por celebrações e denúncias.

Sob o tema “Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade pelas Raízes Ancestrais”, indígenas de diferentes partes do Brasil tiveram a oportunidade de dar voz às demandas específicas vividas pelos povos de seus biomas.

Para o povo Kiriri, da Caatinga, a cerca de 300 km de Salvador, um dos maiores problemas é a seca e a consequente falta de segurança alimentar. “Nossa região é muito seca, e as mudanças climáticas aumentam o impacto na insegurança alimentar”, diz Fabiana Kiriri.

Ela conta que o trabalho coletivo na comunidade e a reserva de alimentos vêm como uma forma de tentar contornar o problema. Mas uma colheita suficiente depende de muitos elementos, que vão da quantidade de chuvas à presença de pragas.

“O que realmente precisamos é de um olhar especial do governo, que proponha projetos para ajudar as comunidades a terem autonomia”, defende.

Já para o povo Kaingang do Pampa, no Rio Grande do Sul, as demandas passam principalmente pelos enfrentamentos com o agronegócio e pelos arrendamentos de áreas dentro das terras indígenas, que acabam levando monoculturas e agrotóxicos para dentro a terra.

“Nós precisamos dar visibilidade às nossas lutas e sensibilizar a nossa comunidade, para que possamos encontrar estratégias para atender as demandas dos nossos territórios”, diz Priscila Gore Emílio, psicóloga do povo Kaingang.

Enquanto isso, em Santa Catarina, os Xokleng são protagonistas no debate sobre o Marco Temporal. “Nossa região foi tradicionalmente ocupada pelos povos indígenas e o nosso território já foi muito maior. Hoje, vivemos em uma área muito reduzida, mas continuamos vivendo muitas tensões e conflitos”, diz Txulunh Gakran.

Contudo, embora povos dos diferentes biomas tenham suas demandas específicas, são muitas as lutas comuns às mulheres indígenas do Brasil como um todo. Grande parte delas gira ao redor da garantia do direito ao território e ao fim da violência de gênero.

 

 

 

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HOJE, 21 DE SETEMBRO, É DIA DA ÁRVORE.

PRIMEIRA ÁRVORE PLANTADA EM BRASÍLIA

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A primeira árvore plantada, em Brasília, foi um pé de Canjerana. O presidente Juscelino Kubitschek a plantou quando da inauguração da Escola Júlia Kubitschek, a primeira de Brasília, em 1957.
Um ano depois, em 1958, JK plantou outra canjerana (cabrália canjerana), ao iniciar o trabalho de arborização de Brasília, nas casas da W3 Sul.
Agora, em 2023, temos uma cidade belamente arborizada com ipês, pequizeiros, jacarandás, jatobás, sucupiras, paineiras… Uma floresta de árvores do Cerrado, da Mata Atlântica e da Amazônia.
Até no que diz respeito a plantas, árvores e flores, Brasília é pedacinho muito representativo do Brasil. Tem tudo da flora brasileira.
Para não dizer que só falei de árvores, é bom lembrar que em julho de 1957, praticamente três anos antes da inauguração, foi feito um censo em Brasília. Era o início da epopeia da construção.
Brasília tinha 6.823 habitantes, sendo 4.600 homens e 1.683 mulheres.
Para ler a Folha do Meio Ambiente:
foto: Canjerana
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Castanheira-da-amazônia mostra eficiência na recuperação de solos degradados

Os estudos estão sendo realizados em cultivos de castanheiras implantados em áreas que antes eram pastagens degradadas no estado do Amazonas

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Pesquisas da Embrapa em plantios de castanheira-da-amazônia (Bertholletia excelsa) indicam que a espécie é eficiente para a recuperação de solos degradados em áreas nas quais a floresta foi retirada. Trata-se de um resultado bastante promissor para a recomposição florestal desse bioma, onde existem atualmente mais de 5 milhões de hectares de solos que precisam ser restaurados. Outra vantagem observada é que as castanheiras são capazes de produzir por mais de 40 anos com pouco ou quase nenhum aporte de nutrientes. Além de contribuir para a preservação, esses cultivos podem ajudar a gerar renda e emprego para os povos da floresta, com a geração de serviços ambientais.

Os estudos estão sendo realizados em cultivos de castanheiras implantados em áreas que antes eram pastagens degradadas no estado do Amazonas. “A capacidade de crescimento demonstrada pela castanheira comprova que ela tem uma estratégia fisiológica totalmente adaptada a esses tipos de solos”, afirma o pesquisador da Embrapa Amazônia Ocidental (AM) Roberval Lima, que realiza estudos silviculturais com essa espécie.

O embasamento para uso da castanheira na recuperação de áreas degradadas ganha ainda mais força com estudos sobre emissão de gases a partir do solo, processo também chamado de respiração do solo, e que consiste em um conjunto de fenômenos bioquímicos, envolvendo temperatura, umidade, nutrientes e níveis de oxigênio, influenciados por fatores naturais e ações humanas. As pesquisas compararam a capacidade de respiração do solo e a emissão de gases em diferentes ecossistemas, conforme os modos de uso da terra no bioma.

Uma das conclusões é que os plantios de castanheiras apresentam níveis de melhoria na qualidade do solo que mostram tendência de recuperação das características químicas, físicas e presença de microrganismos.

Segundo o pesquisador, os solos em plantios de castanheiras apresentam qualidade 50% superior à de áreas de pastagem degradadas. Foram realizados estudos comparando o fluxo de gases a partir do solo em ecossistema de floresta natural, em pós-floresta (após a corte da floresta) e em cultivos como os plantios de castanheira. “Os resultados apontam que, sob os plantios de castanheiras, o solo está se recuperando com uma tendência massiva próxima a de uma floresta natural”, destaca.

 

 

Foto acima: Siglia Souza

 

Antes pasto degradado, hoje o maior plantio de castanheira do mundo

Um dos locais de realização do estudo foi a Fazenda Aruanã, localizada no município de Itacoatiara, no estado do Amazonas, onde se encontra hoje o maior plantio de castanheiras do mundo, com cerca de 1,3 milhão de árvores. Essa área plantada de 3 mil hectares, em um total de 12 mil, substituiu a de pasto degradado.

“O projeto da Fazenda Aruanã é um bom exemplo de como recuperar uma área degradada na Amazônia. Na década de 1970, alguns empreendedores de São Paulo vieram para a região com a intenção de aproveitar os recursos de incentivo fiscal para projetos agropecuários. Anos depois, eles verificaram que a pastagem estava se degradando. Com a indicação de técnicos, iniciaram o plantio de castanha-do-brasil, também conhecida como castanha-do-pará, ou castanha-da-amazônia”, conta Lima.

O pesquisador realiza pesquisas na Fazenda Aruanã desde a década de 1990, visando aprimorar o manejo silvicultural e o sistema de produção para  frutos e madeira. “Hoje essa área está completamente restaurada com uma espécie florestal, gerando bastantes benefícios do ponto de vista ambiental, como recuperação do solo e atração da fauna, além de vantagens econômicas”, constata.

 

Foto: Roberval Lima

 

Ciência reduz tempo de germinação das sementes

O Brasil é o maior produtor mundial da castanha-da-amazônia, com cerca de 33 mil toneladas por ano, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), sendo que mais de 95% vêm de base extrativista.

A amêndoa da castanha-da-amazônia é um produto com demanda crescente no mercado mundial. Entretanto, a perspectiva é que não há mais capacidade de expansão de produção de amêndoas de castanha a partir do extrativismo, em breve tempo.

De acordo com Lima, a possibilidade de aumentar a produção nacional de amêndoas da castanha pode se dar por meio de plantios, o que é muito mais viável para o produtor, favorecendo inclusive a colheita de frutos, uma vez que permite implantar os cultivos em áreas mais acessíveis e com a logística mais fácil.

A contribuição da ciência ajudou a antecipar o tempo de produção das castanheiras. O pesquisador explica que, usando as técnicas silviculturais recomendadas, é possível reduzir de 18 para 6 meses o tempo de germinação das sementes. Além disso, técnicas como a enxertia de copa e uso de clones precoces selecionados podem antecipar a produção de frutos. Por volta de 15 anos já se tem todo o sistema em produção com mais de 80% de frutificação. “Para otimizar a frutificação, um fator importante é a questão da polinização”, acrescenta.

Lima alerta que é muito importante reservar faixas de mata nativa entre as áreas de plantio nos cultivos de castanheira porque favorecem a presença de polinizadores no ambiente. Na Fazenda Aruanã, existem faixas de mata de 500 metros entre os plantios para estimular a polinização da castanheira.

 

Foto: Lucio Cavalcanti

 

Síglia Souza (MTb 66/AM)
Embrapa Amazônia Ocidental

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