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João Guimarães Rosa ABL e a cronologia

 

Guimarães Rosa durante sua posse na Academia Brasileira de Letras, em 1967, entre Juscelino Kubitschek e Austregésilo de Athayde: escritor morreu 3 dias depois — Foto: O Globo

 

 

A última mensagem de João Guimarães Rosa veio de seu memorável discurso pronunciado, em 1967, ao assumir sua cadeira na Academia Brasileira de Letras. Guimarães Rosa morreu três dias depois. Muitos dizem que parecia um presságio, outros afirmam ser apenas uma coincidência. O fato é que o escritor de “Grande Sertão: Veredas” deixou para a literatura nacional um legado de emoções, em causos, história e cultura regional. Guimarães Rosa foi o terceiro ocupante da Cadeira 2, eleito em 8 de agosto de 1963, na sucessão de João Neves da Fontoura e recebido pelo Acadêmico Afonso Arinos de Melo Franco em 16 de novembro de 1967.

Iniciou sua fala citando sua cidade natal, Cordisburgo, que era o apelido que o tratava João Neves da Fontoura.

 

A CIDADE MILMARAVILHA

“Cordisburgo era pequenina terra sertaneja, trás montanhas, no meio de Minas Gerais. Só quase lugar, mas tão de repente bonito: lá se desencerra a Gruta do Maquiné, milmaravilha, a das Fadas; e o próprio campo, com vasqueiros cochos de sal ao gado bravo, entre gentis morros ou sob o demais de estrelas, falava-se antes: “os pastos da Vista Alegre”. Santo, um “Padre Mestre”, o Padre João de Santo Antônio, que recorria atarefado a região como missionário voluntário, além de trazer ao raro povo das grotas toda sorte de assistência e ajuda, esbarrou ali, para realumbrar-se e conceber o que tenha talvez sido seu único gesto desengajado, gratuito. Tomando da inspiração da paisagem a loci oportunitas, declarou-se a erguer ao Sagrado Coração de Jesus um templo naquele mistério geográfico. Fê-lo e fez-se o arraial, a que o fundador chamou “O Burgo do Coração”. Só quase coração – pois onde chuva e sol e o claro do ar e o enquadro cedo revelam ser o espaço do mundo primeiro que tudo aberto ao supra-ordenado: influem, quando menos, uma noção mágica do universo. Mas, por “Cordisburgo”, igual, verve no sério-lúdico de instantes, me tratava, ele, chefe e o amigo meu, João Neves da Fontoura. – “Vamos ver o que diz Cordisburgo…” – com o riso arroucado, quente, dirigindo-se nem reto a mim, senão feito a escrutar sua presente sempre cidade natal, “no coração do Rio Grande do Sul”.

(…)

A VIDA E A FÉ

João Neves da Fontoura, tão perto o termo, comentávamos, suas filhas e eu, temas desses, de realidade e transcendência; porque agradava-lhe escutar, ainda que não tomando parte. Até que falou: – “A vida é inimiga da fé…” – apenas; ei-lo, ladeira pós ladeira, sem querer fim de estrada. Descobrisse, como Plotino, que “a ação é um enfraquecimento da contemplação”; e assim Camus, que “viver é o contrário de amar.” Não que a fé seja inimiga da vida. Mas, o que o homem é, depois de tudo, é a soma das vezes em que pôde dominar, em si mesmo, a natureza. Sobre o incompleto feitio que a existência lhe impôs, a forma que ele tentou dar ao próprio e dorido rascunho.

Talvez, também, o recado melhor, dele ouvi, quase in extremis: – “Gosto de você mais pelo que você é, do que pelo que você fez por mim…” Posso calá-lo? Não, porque sincero sei: exata estaria, sim, a recíproca, tanto a ele eu tivesse dito. E porque deve ser esta a comprovação certa de toda verdadeira amizade – impreterida a justiça, na medida afetuosa. Acredito. Nem creio destoante ou mal assentado, numa solene inauguração de acadêmico, sem nota de despondência, algum conteúdo de testamento. Giremos a perspectiva.

 

RECEPÇÃO DE GUIMARÃES ROSA NA ABL

Discurso de Afonso Arinos de Melo Franco

 

Senhor Guimarães Rosa:

No dia em que me convidastes para receber-vos nesta Casa deixastes claro que a incumbência não me era oferecida como fácil galanteria de concorrente à minha própria eleição.

As razões do vosso convite eram outras, mais substanciais e profundas: provínhamos ambos, pelas nossas origens, daquelas terras largas do sertão mineiro; mundão de léguas de campos, chapadas, catingas e rios; domínio do sol e dos astros sobre a planura, cortado sempre por escassos, silenciosos cavaleiros e suas boiadas.

Nossa zona sertaneja de Cordisburgo a Paracatu é presa a si mesma mais pelos rumos dos rios e os desdobramentos dos tabuleiros do que pelos traços dos caminhos, ou os marcos das povoações. Forma um quadrilátero irregular, que começa à margem esquerda do Rio das Velhas, cruza o São Francisco, atinge a banda direita do Parnaíba e se derrama para o norte, até esbarrar nas douradas areias do Paracatu.

(…)

PAISAGEM HUMANA E SOCIAL DE MINAS

Homem, cavalo e boi se integram naquela vastidão unida e, no entanto diversa; conjunta pelas semelhanças e contrastes. Securas de retorcidos chapadões e frescuras de buritizais nas veredas; paus de espinho e brancos véus-de-noiva; onças e catingueiros; gaviões e siriemas; unha-de-gato e alecrim-do-campo: bravura e doçura em toda parte. Assim o homem e a mulher sertanejos, bravos e doces, como Riobaldo e Diadorim, de Guimarães Rosa; como Pedra Barqueiro e a Esteireira do primeiro Afonso Arinos.

A paisagem humana e social de Minas se distribui, também, mais pelos rios do que pelas estradas. As bacias fluviais contornam e desenham a nossa realidade histórica.

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NOSSA CIVILIZAÇÃO SEGUIU A PÉ E PATA

O ouro e o diamante se colhiam e se apuravam nas catas e datas de beira-rio; o café cobria os morros desmatados junto às torrentes; o gado alçado se criava às soltas nas gratas e socavões, à fímbria das águas móveis.

A nossa civilização seguiu vagarosa, a pé e pata, pelas margens dos cursos d’água. A rude bota de couro d’anta do bandeirante e do minerador, o passo tardo do boi e do cavalo do vaqueiro entraram e se espalharam junto às águas, pelos tempos. Mineiros somos nós, homens de beira-rio, e é por isto que sinto, na sua realidade mágica, essas criaturas são-franciscanas, cujas vidas, cujas almas, a força do vosso engenho veio revelar ao Brasil e, já agora, à cultura contemporânea.

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ARQUITETURA DE BRASÍLIA E LITERATURA

A arquitetura de Brasília e a literatura de Guimarães Rosa provocam a atenção das elites intelectuais do mundo, quando ainda podem encontrar desconfianças retardatárias no seu próprio país. Vosso prestígio de escritor é, com efeito, hoje, como a arquitetura do Planalto, uma das conquistas mundiais da cultura brasileira.

(…)

ABL RECEBE O MAIOR

A Academia Brasileira de Letras, ao receber-vos, sabe que chama ao nosso convívio uma das grandes figuras das letras nacionais de todos os tempos; o escritor que deu de fato uma dimensão maior à nossa realidade: maior pelo rigor do pequeno e pela extensão do grande; maior pela profundeza do interno e pela leveza do externo; maior pela palavra – logos, trabalhada até o sacrifício.

Senhor Guimarães Rosa, é pela Academia Brasileira de Letras que tenho a honra de receber-vos. Mas permiti vós, permitam os nossos ilustres confrades, que, diante de Cordisburgo, o faça também em nome da Vila da Manga de Santo Antônio e Sant’Ana do Paracatu do Príncipe.

 

Do nascimento em Cordisburgo, em 1908, até o lançamento do livro póstumo “Ave, Palavra”, em  1970.

 

 

 

 

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Dia Mundial da Água

Cerrado pode perder quase 34% da água até 2050

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Cenário considera impacto do ritmo de exploração agropecuária no bioma

 

O Cerrado pode perder 33,9% dos fluxos dos rios até 2050, caso o ritmo da exploração agropecuária permaneça com os níveis atuais. Diante da situação, autoridades e especialistas devem dedicar a mesma atenção que reservam à Amazônia, uma vez que um bioma inexiste sem o outro. O alerta para situação é do fundador e diretor executivo do Instituto Cerrados, Yuri Botelho Salmona. Nesta terça-feira (22), é celebrado o Dia Mundial da Água, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Salmona mensurou o efeito da apropriação da terra para monoculturas e pasto, que resultou em artigo publicado na revista científica internacional Sustainability. A pesquisa contou com o apoio do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).

Ao todo, foram analisadas 81 bacias hidrográficas do Cerrado, no período entre 1985 e 2022. Segundo o levantamento, a diminuição da vazão foi constatada em 88% delas em virtude do avanço da agropecuária.

A pesquisa indica que o cultivo de soja, milho e algodão, assim como a pecuária, têm influenciado o ciclo hidrológico. O estudo também evidencia que mudanças do uso do solo provocam a redução da água em 56% dos casos. O restante (44%) está associado a mudanças climáticas.

“Quando eu falo de mudança de uso de solo, a gente está, no final das contas, falando de desmatamento e o que você coloca em cima, depois que você desmata”, disse Saloma, em entrevista à Agência Brasil. Segundo o pesquisador, o oeste da Bahia é um dos locais onde o cenário tem mais se agravado.

Quanto às consequências climáticas, o pesquisador explica que se acentua a chamada evapotranspiração potencial. Salmona explicou ainda que esse é o estudo com maior amplitude já realizado sobre os rios do Cerrado.

“O que está aumentando é a radiação solar. Está ficando mais quente. Você tem mais incidência, está ficando mais quente e você tem maior evaporação do vapor, da água, e é aí em que a mudança climática está atuando, muito claramente, de forma generalizada, no Cerrado. Em algumas regiões, mais fortes, como o Maranhão, Piauí e o oeste da Bahia, mas é geral”, detalhou.

Chuvas

Outro fator que tem sofrido alterações é o padrão de chuvas. Conforme enfatizou Salmona, o que se observa não é necessariamente um menor nível pluviométrico.

“A gente viu que lugares onde está chovendo menos não é a regra, é a exceção. O que está acontecendo muito é a diminuição dos períodos de chuva. O mesmo volume de água que antes caía em quatro, cinco meses está caindo em dois, três. Com isso, você tem uma menor capacidade de filtrar essa água para um solo profundo e ele ficar disponível em um período seco”, comentou.

Uma das razões que explica o efeito de reação em cadeia ao se desmatar o cerrado está no fato de que a vegetação do bioma tem raízes que se parecem com buchas de banho, ou seja, capazes de armazenar água. É isso que permite, nos meses de estiagem, que a água retida no solo vaze pelos rios. Segundo o pesquisador, em torno de 80% a 90% da água dos rios do bioma tem como origem a água subterrânea.

Edição: Heloisa Cristaldo

EBC

 

 

 

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VENTO DA ARTE NOS CORREDORES DA ENGENHARIA

Lá se vão 9 anos. Março de 2014.

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No dia 19 de março, quando o Sinduscon – Sindicato das Indústrias da Construção Civil do DF completava 50 anos, um vendaval de Arte, Musica, Pintura adentrou a casa de engenheiros, arquitetos e empresários e escancarou suas portas e janelas para a Cultura.
Para que o vento da arte inundasse todos seus corredores e salões, o então presidente Júlio Peres conclamou o vice Jorge Salomão e toda diretoria para provar que Viver bem é viver com arte. E sempre sob as asas da Cultura, convocou o artista mineiro Carlos Bracher para criar um painel de 17 metros sobre vida e obra de JK e a construção de Brasília. Uma epopeia.
Diretores, funcionários, escolas e amigos ouviram e sentiram Bracher soprar o vento da Arte durante um mês na criação do Painel “DAS LETRAS ÀS ESTRELAS”. O mundo da engenharia, da lógica e dos números se transformou em poesia.
Uma transformação para sempre. Um divisor de águas nos 50 anos do Sinduscon.
O presidente Julio Peres no discurso que comemorou o Cinquentenário da entidade e a inauguração do painel foi didático e profético:
“A arte de Carlos Bracher traz para o este colégio de lideranças empreendedoras, a mensagem de Juscelino Kubitschek como apelo à solidariedade fraterna e à comunhão de esforços. Bracher é nosso intérprete emocionado das tangentes e das curvas de Oscar Niemeyer e Lucio Costa. Nos lances perfomáticos de seu ímpeto criador, Bracher provocou um espetáculo de emoções nas crianças, professores, convidados, jornalistas e em nossos funcionários.
Seus gestos e suas pinceladas de tintas vivas plantaram sementes de amor à arte. As colheitas já começaram.”
Aliás, as colheitas foram muitas nesses nove anos e serão ainda mais e melhor na vida do Sinduscon. O centenário da entidade está a caminho…
Sou feliz por ter ajudado nessa TRAVESSIA.
SG
Fotos: Carlos Bracher apresenta o projeto do Painel. Primeiro em Ouro Preto e depois visita as obras em Brasília.
Na foto: Evaristo Oliveira (de saudosa Memória) Jorge Salomão, Bracher, Julio Peres, Tadeu Filippelli e Silvestre Gorgulho
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METÁFORAS… AH! ESSAS METÁFORAS!

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Sou fascinado com uma bela metáfora. Até mesmo porque não há poesia sem metáfora. Clarice Lispector é a rainha das metáforas. Maravilhosa! Esta figura de linguagem é uma poderosa forma de comunicação. É como a luz do sol: bate n’alma e fica.
Incrível, mas uma das mais belas metáforas que já li é de um naturalista e geógrafo alemão chamado Alexander Von Humbolt, fundador da moderna geografia física e autor do conceito de meio ambiente geográfico. [As características da fauna e da flora de uma região estão intimamente relacionadas com a latitude, relevo e clima]
Olha a metáfora que Humbolt usou para expressar seu encantamento pelo espetáculo dos vagalumes numa várzea em terras brasileiras.
“OS VAGALUMES FAZEM CRER QUE, DURANTE UMA NOITE NOS TRÓPICOS, A ABÓBODA CELESTE ABATEU-SE SOBRE O PRADOS”.
Para continuar no mote dos vagalumes ou pirilampos tem a música do Jessé “Solidão de Amigos” com a seguinte estrofe:
Quando a cachoeira desce nos barrancos
Faz a várzea inteira se encolher de espanto
Lenha na fogueira, luz de pirilampos
Cinzas de saudades voam pelos campos.
Lindo demais! É a arte de vagalumear.
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Reportagens

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Brasília/DF
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