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200 anos após Independência, Brasil ainda não é autônomo no comércio mundial

Agronegócio priorizado: colheita de soja na região de Brasília

 

Passados 200 anos do 7 de setembro em que o príncipe Dom Pedro deu o grito às margens do Riacho do Ipiranga, em São Paulo, e declarou o território brasileiro independente de Portugal, pode-se afirmar que hoje o Brasil é um país plenamente soberano?

A autonomia política é, obviamente, completa. Em termos econômicos, contudo, o Brasil não pode ser tido como soberano no plano mundial, de acordo com especialistas ouvidos pela Agência Senado.

O problema, eles dizem, é que o país continua se posicionando no comércio global como exportador de matérias-primas agropecuárias e minerais e importador de produtos industrializados.

Isso cria diversos problemas. Um deles, de acordo com o diplomata Rubens Ricupero, que foi ministro da Fazenda e secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), é tornar o barco econômico e político do Brasil refém dos ventos sempre cambiantes do mercado internacional.

— Já está provado que os ciclos da economia e da política do nosso país refletem muito os ciclos mundiais das commodities [produtos primários]. Quando a demanda e o preço estão em alta no exterior, a economia e a política brasileira vivem grandes momentos. Quando estão em baixa, vivem crises. Os países industrializados estão mais protegidos dessas flutuações porque os produtos industriais são menos dependentes dos humores do mercado mundial do que as commodities — ele explica.

Segundo Ricupero, as matérias-primas agropecuárias e minerais têm passado por bons momentos e o Brasil vem exportando bastante, mas essa bonança pode desaparecer a qualquer momento, o que deflagraria um novo momento de crise.

O país vem progressivamente se desindustrializando desde a década de 1980. A indústria respondia por 48% do produto interno bruto (PIB) em 1985. Hoje corresponde a aproximadamente 20%.

Em 2020, logo nos primeiros momentos da pandemia de covid-19, o Brasil sentiu na pele a falta que faz um parque industrial pujante. Os brasileiros precisaram recorrer a máscaras de pano porque a indústria nacional não produzia as máscaras cirúrgicas descartáveis que foram recomendadas pelos médicos.

Os hospitais não tinham respiradores em número suficiente para atender aos pacientes internados. Os Estados Unidos conseguiram desviar para o seu território um lote de respiradores chineses que haviam sido encomendados por governos estaduais do Brasil. Os governadores nada puderam fazer.

A própria vacinação contra a covid-19 começou nos países do hemisfério norte, justamente a região do globo que, dispondo de indústrias farmacêuticas mais avançadas, conseguiu desenvolver o imunizante primeiro.

Mais recentemente, a Guerra da Ucrânia acendeu outro sinal de alerta. As lavouras brasileiras dependem de fertilizantes fabricados no exterior, em especial da Rússia e de Belarus. Com o início do conflito, em fevereiro, o Brasil não pôde mais importar fertilizantes dos dois fornecedores, deixando os agricultores nacionais em apuros.

O cientista político José Alexandre Altahyde Hage, professor de relações internacionais na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirma que o poder público deveria transformar a industrialização em projeto nacional:

— O neoliberalismo é uma doutrina que surgiu lá fora e não serve para a nossa realidade. Não adianta fazer cursos de economia em Harvard ou Chicago e querer que as coisas funcionem aqui como funcionam lá. No Brasil, o Estado não pode lavar as mãos e deixar o mercado seguir o caminho que bem desejar, atropelando os interesses da sociedade. O Estado precisa assumir, sim, as rédeas do desenvolvimento.

Hage lembra que foi justamente isso que Getúlio Vargas fez no início dos anos 1940, quando aproveitou a 2ª Guerra Mundial para arrancar dos americanos a tecnologia e o dinheiro necessários para erguer a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Até então, a indústria brasileira se limitava à produção de artigos de consumo, como alimentos e roupas, setores incapazes de alavancar a economia como um todo.

E também foi assumindo as rédeas do desenvolvimento que Vargas criou no começo dos anos 1950 o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com a missão de fomentar o parque industrial do país.

Juscelino Kubitschek manteve essa linha, e a ditadura militar também. A indústria cresceu de forma ininterrupta até os anos 1980, quando teve início a decadência.

— O Brasil é, claro, independente. Mas, numa escala de zero a dez, qual é o nível dessa independência? Cinco? Seis? Sete? — questiona Hage. — Não sabemos ao certo. O fato é que o país precisa sempre moderar a sua vontade para não perturbar a relação de dependência com os outros e não criar problemas. O nível de independência só vai aumentar quando o Brasil finalmente voltar a encarar a industrialização como um pilar estratégico da sua soberania.

O Brasil se declarou independente em 1822. O acordo de reconhecimento da Independência só foi assinado por Portugal três anos mais tarde, intermediado pela Grã-Bretanha. Pelo acordo, os brasileiros ficaram obrigados a pagar uma indenização milionária aos portugueses.

Portugal tinha dívidas altíssimas com bancos britânicos. O risco de calote era real, já que os portugueses haviam ficado mais pobres por terem perdido na América do Sul as terras mais produtivas de seu reino. O que a Grã-Bretanha fez foi aproveitar a hegemonia no cenário internacional para salvaguardar seus interesses em duas frentes.

Em uma frente, os britânicos garantiram que Portugal contasse com o dinheiro necessário para honrar as dívidas com os bancos de Londres. Na outra, agiram para que o Brasil tomasse emprestadas dos mesmos bancos as libras esterlinas necessárias ao pagamento da indenização.

O historiador João Paulo Pimenta, professor da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro Independência do Brasil (Editora Contexto), explica:

— As relações internacionais têm assimetrias e hierarquias. O Brasil independente não entrou nesse sistema como protagonista. Entrou, como era natural, numa posição secundária, subordinado à Grã-Bretanha, que era a grande potência política e econômica da época.

Uma vez independente, o Brasil logo se encaixou no nascente capitalismo mundial como fornecedor de café para a Europa e os Estados Unidos e assim permaneceu até meados do século 20.

No clássico livro Dependência e Desenvolvimento na América Latina (Zahar Editores), de 1970, o sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso atribui o prolongado predomínio dos produtos primários de exportação, entre outros motivos, à sabotagem dos latifundiários latino-americanos contra a indústria, temerosos de que ela lhes diminuísse o poder político, econômico e social.

Embora os contextos históricos sejam diferentes, existem semelhanças entre ontem e hoje. Tal qual há 200 anos, o Brasil atual baseia sua economia em matérias-primas e chega fraco às mesas de negociação, dificilmente conseguindo acordos vantajosos para os interesses nacionais.

O economista Paulo Kliass, gestor federal especialista em políticas públicas, compara a situação brasileira com a de países fortes no comércio global:

— Os Estados Unidos se dizem os guardiões mundiais do liberalismo econômico, mas se tornam extremamente protecionistas sempre que é necessário. O Brasil nunca vai conseguir vender milho ou suco de laranja para os americanos porque eles protegem seus produtores. A mesma coisa vale para a Europa, que também adota medidas bastante duras de proteção da agricultura local. O Brasil perde muito por não ter força de negociação e não conseguir entrar nesses mercados.

Vários outros exemplos podem ser citados. Em 2006, a Embraer sofreu um de seus maiores reveses. O governo dos Estados Unidos proibiu a empresa brasileira de entregar aviões militares à Venezuela porque os caças encomendados tinham peças americanas. Sem força para prevalecer, o governo do Brasil teve que convencer a Embraer a desistir do negócio.

A China só importa do Brasil a soja em grão. O país asiático não aceita a soja transformada em óleo. Isso é prejudicial aos interesses econômicos brasileiros porque a soja processada tem muito mais valor agregado do que a soja in natura, isto é, custa mais no mercado e gera mais lucro para os empresários, mais trabalho e renda para a população e mais impostos para o Estado.

— O problema do Brasil é que as elites acabam incorporando com muita força aquele espírito de vira-lata. Para lucrar alguma coisa, entregam de bom grado o nosso mercado às nações desenvolvidas e atendem aos interesses delas em detrimento dos nossos interesses coletivos — avalia Kliass.

O economista lembra que países asiáticos como o Japão, a Coreia do Sul e a China só se transformaram em potências depois que investiram maciçamente na industrialização e na inovação tecnológica.

— Falta ao governo a vontade de discutir, elaborar e executar um projeto de longo prazo, um projeto de Brasil soberano. Os interesses são apenas imediatistas, eleitoreiros, mesquinhos. Estamos ficando cada vez mais para trás — afirma.

O senador Paulo Paim (PT-RS) concorda. Para descrever a atual posição do Brasil no tabuleiro do comércio internacional, ele recorre a outro episódio histórico tão importante quanto a Independência:

— Em 1888, aprovamos a abolição da escravidão. Mas foi uma abolição não conclusa, porque não demos trabalho, terra, moradia ou educação aos ex-escravizados e vemos hoje os efeitos disso. Em 1822, fizemos uma Independência não conclusa. Por falta de vontade política, continuamos submissos aos desejos de outros países e da ordem econômica internacional. Falta muita coisa para sermos uma nação grande, soberana e respeitada pelo mundo.

Fonte: Agência Senado

 

 

 

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DF entra em alerta com onda de calor e população deve manter cuidados

Capital registra temperatura 5ºC acima da média prevista para o mês de setembro. Especialistas recomendam muita água, roupas leves e pouco exercício físico ao ar livre nos períodos críticos

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Victor Fuzeira, da Agência Brasília I Edição: Débora Cronemberger

 

O Distrito Federal está em alerta laranja de perigo para baixa umidade relativa do ar e para altas temperaturas. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a capital federal vive uma onda de calor e tem registrado nos últimos dias temperaturas 5ºC acima da média prevista para o mês de setembro. A maior máxima do ano foi registrada nessa terça-feira (19): 34,5°C, no Gama.

Meteorologistas alertam que a próxima semana será ainda mais quente; população deve adotar cuidados como manter uma boa hidratação e não praticar esportes entre 10h e 16h | Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília

O aviso emitido pelo Inmet teve início às 11h desta quarta-feira (20) e está previsto para durar, pelo menos, até o domingo (24). No entanto, os meteorologistas acreditam que a próxima semana será ainda mais quente. “Estamos observando a possibilidade de estender esse alerta para a semana que vem. A expectativa é que tenhamos uma próxima semana ainda mais quente, com temperaturas acima de 35ºC”, explica Cleber Souza, do Inmet.

O especialista explica que o país está sob o domínio do fenômeno El Niño, que altera significativamente a distribuição da temperatura da superfície do Oceano Pacífico. “A atuação desse fenômeno favorece esse episódio de temperaturas mais elevadas. Estamos sofrendo com uma massa de ar seca e quente, atuando como um bloqueio para a formação de nuvens e, consequentemente, de chuvas, e intensificando a incidência de radiação solar”, prossegue.

Em função do calor intenso e da baixa umidade, é preciso que a população se atenha aos cuidados recomendados pela Subsecretaria de Proteção e Defesa Civil do Distrito Federal. “As orientações são as mesmas tanto para o calor quanto para baixa umidade: que as pessoas utilizem roupas leves e que façam refeições leves, sempre mantendo uma boa hidratação. Outra dica é umedecer com frequência a região dos olhos e das narinas”, enfatiza o tenente-coronel Ricardo Costa Ulhoa, coordenador de Planejamento, Monitoramento e Controle.

Ulhoa também afirma que não é recomendada a prática esportiva ao ar livre entre 10h e 16h. “Esse horário é característico das maiores temperaturas, por isso não é recomendado fazer exercícios no período. O ideal é sempre utilizar hidratantes, protetor solar e labial durante a prática esportiva e no próprio dia a dia”, completa.

A coordenadora de Atenção Primária à Saúde, Fabiana Fonseca, afirma que a população deve ficar atenta aos sinais de desidratação. “Alguns sintomas mais comuns são fraqueza, tontura, mal estar, aquela sensação de: ‘Não sei o que tenho, mas não estou bem’. Por isso, precisamos estar mais atentos; aumentar a ingestão de água, evitar exposição ao sol e redobrar cuidados com crianças, idosos e pessoas que têm doenças crônicas”.

 

 

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Arrendatário leva multa de R$ 8,7 mil após derrubar 29 árvores nativas para plantar soja em fazenda em Santo Anastácio

Homem, de 40 anos, só tinha autorização para o corte de 10 exemplares.

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Um homem, de 40 anos, arrendatário de uma fazenda em Santo Anastácio (SP), recebeu nesta quarta-feira (20) uma multa de R$ 8,7 mil em decorrência da derrubada irregular de árvores nativas na propriedade rural.

Ele tinha autorização para cortar apenas 10 árvores, mas no local a Polícia Militar Ambiental constatou a derrubada de 29 exemplares.

Os policiais compareceram à fazenda para realizar uma fiscalização em área onde houve a supressão de árvores nativas através da emissão de Via Rápida Ambiental (VRA).

Através da comparação de imagens via satélite, foi identificado o corte de 29 árvores nativas isoladas das espécies canafístula, ipê e farinha-seca, ou seja, em desacordo com a autorização obtida, que continha apenas 10.

Segundo a polícia, o homem alegou que havia arrendado a área para o cultivo de soja e ainda admitiu que tinha feito a retirada de “algumas” árvores para realizar o plantio.

Ele recebeu um auto de infração ambiental no valor de R$ 8,7 mil por explorar qualquer tipo de vegetação nativa, mediante supressão isolada de 29 árvores, em área fora de reserva legal, de domínio privado.

 

 

 

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Distritais divergem sobre análise do STF acerca da descriminalização do aborto

Foto: Renan Lisboa/ Agência CLDF

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A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, colocou em pauta a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que vai analisar a descriminalização do aborto até 12 semanas de gravidez. A decisão repercutiu na sessão ordinária da Câmara Legislativa desta quarta-feira (20) e dividiu a opinião dos deputados distritais.

O deputado Thiago Manzoni (PL) foi o primeiro a abordar o tema e informou que esteve na semana passada numa manifestação contra o aborto e em defesa da vida em frente ao STF, organizada por um grupo católico. Manzoni se manifestou contra a descriminalização e, na tribuna, exibiu pequeno boneco de um feto de 12 semanas. O deputado argumentou que o feto está em formação, mas “já é um ser vivo e está em desenvolvimento”. Manzoni se disse “embasbacado” com as pessoas que defendem o direito ao abordo. “Canalhas, assassinos e covardes” foram algumas palavras usadas pelo deputado para descrever os defensores do aborto.

Na mesma linha, o deputado Pastor Daniel de Castro (PP) destacou ato no qual participou da Frente Parlamentar Evangélica da Câmara dos Deputados e falou contra o aborto. O deputado também exibiu bonecos de fetos e ainda um vídeo, em que o médico e deputado federal Fernando Máximo relata o desenvolvimento do feto com 12 semanas. “Estamos diante da possibilidade da legalização do homicídio, com os homens decidindo quem pode viver ou não”, completou o deputado.

O deputado Iolando (MDB) também ocupou a tribuna e se alinhou aos colegas que o antecederam contra a possível legalização do aborto.

“Quem morre de aborto são as mulheres negras e pobres”

O deputado Fábio Félix (Psol) explicou que a ADPF 442 é uma ação de integrantes do seu partido e que tem como objetivo discutir a política pública do direito reprodutivo no País. Na opinião do deputado, o debate sobre o aborto é sempre polêmico porque a maioria das pessoas não estuda devidamente o tema. “Quando você descriminaliza o aborto, você não estimula uma prática. Você abre o debate sobre essa prática. Quem morre de aborto são as mulheres pobres, negras e periféricas”, argumentou. Para ele, a descriminalização vai possibilitar o acesso a políticas públicas e ao atendimento psicossocial.

O deputado Gabriel Magno (PT) disse que a decisão do STF sobre o tema é de fundamental importância para o País. Para ele, o que está se discutindo é o entendimento sobre normativas já existentes no Brasil. “Discutir o aborto é discutir a vida de meninas e mulheres. Em 2020, 48 meninas entre 10 e 14 anos entraram em trabalho de parto por dia neste País. O debate tem que passar pela vida dessas meninas. A maioria negras e pobres. Se acontecesse com pessoas com melhor condição, não chegaria a este ponto. A morte por aborto inseguro é a quarta causa de morte materna no Brasil”, assinalou.

Para a deputada Paula Belmonte (Cidadania) o tema é importante e “passa sim pelo viés religioso, mas principalmente pela questão educacional”. Para ela, crianças estão fazendo aborto porque existe uma sexualização precoce no País. “Não existe feto, se não houver relação sexual. Mas temos que discutir o que está acontecendo com a sexualização das jovens e a permissividade de muitos pais. Defendemos a vida dentro do ventre, mas também precisamos defender as crianças que nasceram e estão passando fome”, analisou.

Belmonte citou o caso de crianças contaminadas pelo Rio Melchior e outras que estão morrendo de fome e que não merecem a mesma atenção dos deputados. “Este debate é muito mais profundo do que um debate feminista ou religioso. É um debate da dignidade humana”, finalizou.

Luís Cláudio Alves – Agência CLDF

 

 

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