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AMAZÔNIA: CONQUISTA LUSO-BRASILEIRA

Tanta gente fala da Amazônia sem ter a menor ideia de como esse território, metade do país, foi incorporado e integrado ao Brasil.

 

MAPA ANTIGO

 

Evaristo de Miranda – Escritor, Doutor em Meio Ambiente e pesquisador da Embrapa

 

Evaristo de Miranda – Escritor, Doutor em Meio Ambiente e pesquisador da Embrapa

 

 “A Amazônia, conhecemo-la aos fragmentos. (…)
A inteligência humana não suportaria, de improviso,
o peso daquela realidade portentosa.”
Euclides da Cunha, Um Paraíso Perdido

 

Em 5 de setembro, às vésperas dos 200 anos da Independência do Brasil, festejou-se o Dia da Amazônia. Nessa data, em 1850, D. Pedro II criou a província do Amazonas e fortaleceu sua autonomia e seu desenvolvimento. Para destacar a iniciativa de D. Pedro II e a Amazônia, a Lei nº 11.621, em 2007, determinou esse dia festivo. A Espanha inventou a Amazônia. Portugal a conquistou. E agora? Como desenvolvê-la e preservá-la?

 

No século 16, a Amazônia pertencia à Espanha. A pátria do cacau, da seringueira e do guaraná não era lusitana, nem de direito, nem de fato. De direito, estava incluída na partição espanhola, a Oeste da linha demarcatória do Tratado de Tordesilhas, de 1494. De fato, Vicente Pinzon foi o primeiro a chegar à Amazônia, em fevereiro de 1500. Ele descobriu a foz do Amazonas, designado Rio de Santa Maria de la Mar Dulce. Suas águas, pelos cálculos dos marinheiros, avançavam 20 léguas mar adentro.

 

Tendo partido de Quito, em 1541, a expedição de Francisco de Orellana desrespeitou ordens do comandante Pizarro na exploração do Rio Napo. Ela não retornou ao encontro do comandante, nem retornou a Quito. Desceu o Napo até encontrar um enorme rio, denominado mais tarde das Amazonas, após ataque feroz contra a expedição por parte de supostas índias guerreiras.

Na mitologia grega, as amazonas eram uma nação de guerreiras, iranianas provavelmente. Em seu reino não havia homens. Eram altas, fortes e ferozes. Desfiguravam seus corpos, cortando os seios para aperfeiçoar o manejo de arco e flechas. (Na realidade, péssima ideia, dada a musculatura envolvida.)

 

AS GUERREIRAS AMAZONAS

 

Por etimologia popular grega, a palavra amazonas foi relacionada com mazós, seio, dando ao a- inicial o valor de privativo, de onde a noção de sem seio (s), amputado (s) a fim de melhor lançarem flechas. A mais conhecida era Hipólita, Rainha das Amazonas. Ela ganhara um cinturão de ouro do deus Ares. Roubá-lo foi a nona tarefa de Hércules.

O explorador espanhol Orellana tropicalizou a lenda grega, graças à sua cultura greco-romana. O nome, atribuído originalmente a um grupo de guerreiras, foi ampliado ao rio e depois estendido a toda a bacia hidrográfica.

O interesse português pela Amazônia e pelo controle da embocadura do Rio Marañon começou cedo e foi claramente manifesto quando da primeira expedição povoadora do Brasil, comandada por Martim Afonso de Souza. Nos séculos 16 e 17, os portugueses tomaram uma série de ações, impulsionadas por uma política de Estado para conquistar a Bacia Amazônica.

 

Martim Afonso de Souza | Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

 

 

EXPEDIÇÃO DE PEDRO TEIXEIRA

Ponto decisivo nos muitos episódios dessa conquista foi a saga naval de Pedro Teixeira. Em 28 de outubro de 1637, ele organizou e comandou uma expedição integrada por 1,2 mil indígenas de remo e peleja, 70 soldados portugueses em 47 canoas e pessoal de apoio, num total de mais de 2 mil pessoas. Partiu discretamente de Cametá, no Pará. E não de Belém, para não denunciar suas intenções. Subiu o rio Amazonas e chegou até Quito, capital do Vice-Reino do Peru, surpreendendo a todos.

Pedro Teixeira realizou um reconhecimento pormenorizado, inclusive cartográfico, do Rio Amazonas. Em seu trajeto lançou marcos possessórios lusitanos e apossou-se das terras mais ocidentais da Amazônia. Registrou esse evento em ata notarial, registrada posteriormente em Belém, Lisboa e até em Madri, aproveitando o período de união das Coroas ibéricas. Uma antiga placa ainda registra esse feito na fachada externa da Catedral de Quito.

A exploração por bandeirantes, o mapeamento e a presença portuguesa em grande parte da bacia, sobretudo pelos missionários católicos, permitiram a Portugal integrar a Amazônia ao Brasil, negociada com a Espanha em 1750.

O brasileiro Alexandre de Gusmão, embaixador e secretário de Dom João V, argumentou os direitos portugueses sobre a Amazônia com base no princípio jurídico romano do uti possidetis, ainda em uso no Direito internacional: quem ocupa um território é seu proprietário.

 

FLORESTA AMAZÔNICA | Foto: Shutterstock

 

OS TRATADOS E AS FRONTEIRAS:

TUDO PELA AMAZÔNIA

 

O Tratado de Madri (1750), o de San Idelfonso (1777) e o do El Pardo (1778) substituíram as fronteiras de Tordesilhas. Pela posse da Amazônia, entre vários ajustes territoriais, Portugal abriu mão do controle de parte da embocadura do Rio da Prata e cedeu a província do Sacramento (atual Uruguai) à Espanha. Na Ásia, para obter a Amazônia, Portugal renunciou a seus direitos sobre as Filipinas e Ilhas Marianas. E, na África, cedeu à Espanha seus direitos sobre as ilhas de Fernando Pó, Ano Bom e toda a costa da foz do Rio Níger à do Ogooué no Gabão. Esse território hoje inclui Nigéria, Camarões, Guiné Equatorial e Gabão. Tudo pela Amazônia!

A consolidação das fronteiras da Amazônia levou mais de século, do Império ao início da República. Foram muitas negociações com transferências de territórios, diversos acordos e tratados. Os de Ayacucho (1867) e Petrópolis (1903), com a Bolívia; o de Bogotá (1907), com a Colômbia; o de Limites (1851) e do Rio de Janeiro (1909), com o Peru; o da Questão do Pirara (1904), com a Inglaterra; e ainda a Questão do Amapá, com a França (1900).

 

AMAZÔNIA –  VONTADE POLÍTICA PORTUGUESA

 

A incorporação da Amazônia ao território brasileiro não foi obra do acaso. Os caminhos pelos quais a Coroa Portuguesa conquistou um território situado originalmente no domínio espanhol não foram aleatórios, e sim resultado de estratégia geopolítica e muita persistência. Eles deixaram marcas na história e no território. Um exemplo cristalino da vontade geopolítica portuguesa na região está nos nomes das cidades amazônicas.

No Brasil, cidades e acidentes geográficos têm seus nomes vinculados ao santo do dia de sua fundação ou descoberta, no calendário litúrgico católico: Baía de Todos os Santos, São Sebastião do Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo, Cabo de São Roque, Rio São Francisco, Espírito Santo, Natal, etc. Na Amazônia, não. Ali, as cidades reproduzem um mapa de Portugal na horizontal: Belém, Bragança, Viseu, Barcelos, Airão, Óbidos, Alenquer, Porto de Moz, Almeirim, Alter do Chão, Aveiro, Breves, Chaves, Santarém, Melgaço, Oeiras, Ourém e Vigia. Nomes como marcos de pedra, difíceis de apagar na geografia simbólica e na conquista da Amazônia luso-brasileira.

 

Vista aérea da Floresta Amazônica | Foto: Shutterstock

 

 

A VERDADE DA INTEGRAÇÃO

DA AMAZÔNIA AO BRASIL

Tanta gente fala da Amazônia sem ter a menor ideia de como esse território, metade do país, foi incorporado e integrado ao Brasil. A Amazônia segue apresentada de forma fragmentada, aqui e no exterior, em função de grupos de interesse, ideologias, oportunismos, etc. Quem quer saber a real situação se perde num cipoal de opiniões, informações e desinformações de instituições governamentais ou não, multiplicadas em redes sociais, com interesses geopolíticos e econômicos escusos. E pouca participação regional.

O governo federal deveria unificar os conhecimentos e produzir todo ano, no Dia da Amazônia, um relatório completo sobre a região. Uma espécie de State of the Amazon Region, anual, com ciência, dados, sínteses e análises dos principais temas, desafios e processos. Sua complexidade natural, agrária, agrícola, de infraestrutura e socioeconômica precisa ser conhecida.

A Amazônia é um dos biomas mais preservados do Brasil e do mundo, com 83,8% de vegetação nativa. São 22 tipos de florestas, nove de vegetação não florestal e vários tipos mistos. Somando as grandes superfícies hídricas (rios Negro, Tapajós, Madeira, Amazonas…), são 86% em ambiente natural.

 

Encontro das Águas dos rios Negro e Solimões | Foto: Shutterstock

 

Cerca de 42% da Amazônia já são áreas protegidas decretadas (unidades de conservação, terras indígenas…): 1,76 milhão de quilômetros quadrados em terras públicas. As áreas preservadas pelos produtores rurais, seguindo o Código Florestal, totalizam 1,21 milhão de quilômetros quadrados em terras privadas e 28,8% do bioma, segundo dados e mapas registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Entre áreas protegidas e preservadas, são 2,97 milhões de quilômetros quadrados, ou 70,8% da Amazônia. Outros 13% de vegetação nativa está em terras devolutas, áreas militares e imóveis rurais ainda sem CAR, totalizando 83,8% da Amazônia.

 

Floresta Amazônica | Foto: Shutterstock

 

 

AMAZÔNIA NÃO CAIU DO CÉU

 

Foi um longo caminho, de D. Manuel a D. Pedro II e aos inícios do século 20, para conquistar a Amazônia. Ela não caiu do céu. Pode ser perdida. Euclides da Cunha, há um século, vaticinou: “Se as nossas autoridades não se preocuparem com a Amazônia, mais cedo ou mais tarde, ela se destacará do Brasil, natural e irresistivelmente, como se desprega uma nebulosa de seu núcleo, pela expansão centrífuga de seu próprio movimento”.

A principal garantia da soberania nacional sobre a Amazônia é a presença humana. Uti possidetis. Dar vida digna a quase 30 milhões de habitantes da Amazônia, hoje com os piores índices de desenvolvimento social e saneamento. Avançar na regularização fundiária e na assistência a 1 milhão de produtores. Só em assentamentos do Incra, é meio milhão de famílias, em mais de 2,3 mil projetos agrários, a maioria ainda sem título da terra.

 

Morador das margens do Riu Ariarú, na Amazônia, com seu bicho-preguiça de estimação | Foto: Shutterstock

 

Sobre o desafio de unir preservação e desenvolvimento, o general Rodrigo Otávio Jordão Ramos deixou uma frase lapidar, um dístico presente na fachada dos quartéis na Amazônia: ‘Árdua é a missão de desenvolver e defender a Amazônia. Muito mais difícil, porém, foi a de nossos antepassados em conquistá-la e mantê-la’.

 

 

 

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Dia Mundial da Água

Cerrado pode perder quase 34% da água até 2050

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Cenário considera impacto do ritmo de exploração agropecuária no bioma

 

O Cerrado pode perder 33,9% dos fluxos dos rios até 2050, caso o ritmo da exploração agropecuária permaneça com os níveis atuais. Diante da situação, autoridades e especialistas devem dedicar a mesma atenção que reservam à Amazônia, uma vez que um bioma inexiste sem o outro. O alerta para situação é do fundador e diretor executivo do Instituto Cerrados, Yuri Botelho Salmona. Nesta terça-feira (22), é celebrado o Dia Mundial da Água, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Salmona mensurou o efeito da apropriação da terra para monoculturas e pasto, que resultou em artigo publicado na revista científica internacional Sustainability. A pesquisa contou com o apoio do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).

Ao todo, foram analisadas 81 bacias hidrográficas do Cerrado, no período entre 1985 e 2022. Segundo o levantamento, a diminuição da vazão foi constatada em 88% delas em virtude do avanço da agropecuária.

A pesquisa indica que o cultivo de soja, milho e algodão, assim como a pecuária, têm influenciado o ciclo hidrológico. O estudo também evidencia que mudanças do uso do solo provocam a redução da água em 56% dos casos. O restante (44%) está associado a mudanças climáticas.

“Quando eu falo de mudança de uso de solo, a gente está, no final das contas, falando de desmatamento e o que você coloca em cima, depois que você desmata”, disse Saloma, em entrevista à Agência Brasil. Segundo o pesquisador, o oeste da Bahia é um dos locais onde o cenário tem mais se agravado.

Quanto às consequências climáticas, o pesquisador explica que se acentua a chamada evapotranspiração potencial. Salmona explicou ainda que esse é o estudo com maior amplitude já realizado sobre os rios do Cerrado.

“O que está aumentando é a radiação solar. Está ficando mais quente. Você tem mais incidência, está ficando mais quente e você tem maior evaporação do vapor, da água, e é aí em que a mudança climática está atuando, muito claramente, de forma generalizada, no Cerrado. Em algumas regiões, mais fortes, como o Maranhão, Piauí e o oeste da Bahia, mas é geral”, detalhou.

Chuvas

Outro fator que tem sofrido alterações é o padrão de chuvas. Conforme enfatizou Salmona, o que se observa não é necessariamente um menor nível pluviométrico.

“A gente viu que lugares onde está chovendo menos não é a regra, é a exceção. O que está acontecendo muito é a diminuição dos períodos de chuva. O mesmo volume de água que antes caía em quatro, cinco meses está caindo em dois, três. Com isso, você tem uma menor capacidade de filtrar essa água para um solo profundo e ele ficar disponível em um período seco”, comentou.

Uma das razões que explica o efeito de reação em cadeia ao se desmatar o cerrado está no fato de que a vegetação do bioma tem raízes que se parecem com buchas de banho, ou seja, capazes de armazenar água. É isso que permite, nos meses de estiagem, que a água retida no solo vaze pelos rios. Segundo o pesquisador, em torno de 80% a 90% da água dos rios do bioma tem como origem a água subterrânea.

Edição: Heloisa Cristaldo

EBC

 

 

 

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VENTO DA ARTE NOS CORREDORES DA ENGENHARIA

Lá se vão 9 anos. Março de 2014.

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No dia 19 de março, quando o Sinduscon – Sindicato das Indústrias da Construção Civil do DF completava 50 anos, um vendaval de Arte, Musica, Pintura adentrou a casa de engenheiros, arquitetos e empresários e escancarou suas portas e janelas para a Cultura.
Para que o vento da arte inundasse todos seus corredores e salões, o então presidente Júlio Peres conclamou o vice Jorge Salomão e toda diretoria para provar que Viver bem é viver com arte. E sempre sob as asas da Cultura, convocou o artista mineiro Carlos Bracher para criar um painel de 17 metros sobre vida e obra de JK e a construção de Brasília. Uma epopeia.
Diretores, funcionários, escolas e amigos ouviram e sentiram Bracher soprar o vento da Arte durante um mês na criação do Painel “DAS LETRAS ÀS ESTRELAS”. O mundo da engenharia, da lógica e dos números se transformou em poesia.
Uma transformação para sempre. Um divisor de águas nos 50 anos do Sinduscon.
O presidente Julio Peres no discurso que comemorou o Cinquentenário da entidade e a inauguração do painel foi didático e profético:
“A arte de Carlos Bracher traz para o este colégio de lideranças empreendedoras, a mensagem de Juscelino Kubitschek como apelo à solidariedade fraterna e à comunhão de esforços. Bracher é nosso intérprete emocionado das tangentes e das curvas de Oscar Niemeyer e Lucio Costa. Nos lances perfomáticos de seu ímpeto criador, Bracher provocou um espetáculo de emoções nas crianças, professores, convidados, jornalistas e em nossos funcionários.
Seus gestos e suas pinceladas de tintas vivas plantaram sementes de amor à arte. As colheitas já começaram.”
Aliás, as colheitas foram muitas nesses nove anos e serão ainda mais e melhor na vida do Sinduscon. O centenário da entidade está a caminho…
Sou feliz por ter ajudado nessa TRAVESSIA.
SG
Fotos: Carlos Bracher apresenta o projeto do Painel. Primeiro em Ouro Preto e depois visita as obras em Brasília.
Na foto: Evaristo Oliveira (de saudosa Memória) Jorge Salomão, Bracher, Julio Peres, Tadeu Filippelli e Silvestre Gorgulho
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METÁFORAS… AH! ESSAS METÁFORAS!

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Sou fascinado com uma bela metáfora. Até mesmo porque não há poesia sem metáfora. Clarice Lispector é a rainha das metáforas. Maravilhosa! Esta figura de linguagem é uma poderosa forma de comunicação. É como a luz do sol: bate n’alma e fica.
Incrível, mas uma das mais belas metáforas que já li é de um naturalista e geógrafo alemão chamado Alexander Von Humbolt, fundador da moderna geografia física e autor do conceito de meio ambiente geográfico. [As características da fauna e da flora de uma região estão intimamente relacionadas com a latitude, relevo e clima]
Olha a metáfora que Humbolt usou para expressar seu encantamento pelo espetáculo dos vagalumes numa várzea em terras brasileiras.
“OS VAGALUMES FAZEM CRER QUE, DURANTE UMA NOITE NOS TRÓPICOS, A ABÓBODA CELESTE ABATEU-SE SOBRE O PRADOS”.
Para continuar no mote dos vagalumes ou pirilampos tem a música do Jessé “Solidão de Amigos” com a seguinte estrofe:
Quando a cachoeira desce nos barrancos
Faz a várzea inteira se encolher de espanto
Lenha na fogueira, luz de pirilampos
Cinzas de saudades voam pelos campos.
Lindo demais! É a arte de vagalumear.
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Reportagens

SRTV Sul, Quadra 701, Bloco A, Sala 719
Edifício Centro Empresarial Brasília
Brasília/DF
rodrigogorgulho@hotmail.com
(61) 98442-1010