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Copa no Dia da Consciência Negra reaviva memória da luta antirracista

Há uma convergência simbólica entre o início da Copa do Mundo 2022, neste 20 de novembro, e o Dia da Consciência Negra, comemorado na mesma data. Os jogadores negros brasileiros são responsáveis por muito do sucesso da pentacampeã seleção canarinho, além de serem destaques nos mais importantes clubes do mundo. Apesar de todo o talento com a bola nos pés, ainda encaram práticas recorrentes de intolerância e discriminação racial no futebol, dentro e fora dos campos.
Vinicius Jr., craque do Real Madrid, enfrentou inúmeros ataques racistas nos jogos na Espanha. Recentemente, o jogador Richarlison, do Tottenham, um dos convocados para a Seleção Brasileira, teve uma banana arremessada em sua direção após comemorar seu gol marcado na partida do Brasil com a Tunísia, encerrada em 5×1. Nas redes sociais — onde também já foi atacado — ele postou: “Enquanto ficarem de blá blá blá e não punirem, vai continuar assim, acontecendo todos os dias e por todos os cantos. Sem tempo, irmão! #racismonão”.
Ao longo da história, grandes nomes da Seleção Brasileira, como Pelé, Mané Garrincha, Leônidas da Silva, Didi, Djalma Santos, Carlos Alberto Torres e Jairzinho fizeram história e, com genialidade incontestável, enfrentaram a discriminação racial. A representação do Brasil sempre chamou a atenção do mundo por ser fortemente marcada pela diversidade étnica e pela notável habilidade de seus jogadores, muitos deles negros. Mas nem mesmo Pelé, o Rei do Futebol, por fim considerado o “Atleta do Século”, ficou imune ao racismo, fosse escancarado ou velado.
Na recém-convocada Seleção Brasileira para a Copa do Catar, vários jogadores já se depararam com falas e atos dessa natureza. Na atual lista de convocados, além de Vinícius Jr. e Richarlison, nomes consagrados como Daniel Alves e Neymar estão entre os que já passaram por algum tipo de discriminação ou de injúria racial, muitas vezes durante as partidas.
Como iniciativa para coibir essa prática, no Senado a expectativa é de que seja votado em breve o projeto da Lei Geral do Esporte (PL 1.153/2019), que estabelece punições mais severas ao crime de racismo no esporte.
Ofensas
Ex-ministro da Igualdade Racial e ex-presidente da Fundação Cultural Palmares, e ligado ao mundo do futebol, Eloi Ferreira de Araújo afirma que todos os atletas negros já foram alvo, de alguma forma, de ofensas racistas.
— Não há como dissociar as conquistas havidas nas Copas e em outros campeonatos da contribuição dos atletas negros que atuaram nessas edições. Certamente, todos os grandiosos futebolistas negros passaram por alguma manifestação racista. A humanidade ainda não foi educada para amar cada um como se não houvesse amanhã. Amar no lugar de discriminar ou odiar depende de mudança de valores.
Para Araújo, “racismo é tudo igual”, seja no Brasil, seja em qualquer outro lugar do mundo:
— É discriminação, é intolerância, é desumanidade, falta de civilismo e civilidade. O racismo é tudo igual, desde um joelho no pescoço, até quando se joga uma banana para o jogador de futebol ou quando se remunera menos um negro ou uma negra que esteja ocupando posto em igualdade, responsabilidade e competências com um não-negro.
Denúncias
Dados do Observatório da Discriminação Racial no Futebol apontam 64 denúncias em 2021. Desde 2014, início da série história, houve 399 registros, de acordo com o senador Paulo Paim (PT-RS), autor do Estatuto da Igualdade Racial, sancionado em 2010 pelo então presidente Lula.
Paim diz esperar que, durante a Copa do Mundo, a Federação Internacional de Futebol (Fifa) promova ações de combate ao racismo.
— O Brasil é a única seleção a ter jogado em todas as competições e é o maior campeão com cinco títulos mundiais. A Copa do Mundo é um evento extraordinário que consegue reunir pessoas das diversas nacionalidades, cores, raças, religiões, orientação sexual, socioeconômica, idade e outras, em prol do amor pelo esporte, o futebol. Mas, apesar de tanta união e emoção ao redor desse belo evento, nos deparamos com os crimes de racismo — expôs o senador Paim.
Para o senador Romário (PL-RJ), ex-craque da Seleção Brasileira, o racismo no futebol existe porque reflete a mesma prática da sociedade.
— O que vemos hoje é um aumento das denúncias, porque tem havido mais discussão na sociedade sobre isso. É uma situação muito triste. O esporte deveria dar exemplo de respeito e o racismo mancha a imagem no esporte.
Punição
Em maio deste ano, a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) anunciou o lançamento da campanha Basta! — Chega de racismo no futebol, após recorrentes atos de discriminação racial na Libertadores e na Sul-Americana.
“A Conmebol considera absolutamente inaceitável qualquer manifestação de racismo e outras formas de violência nos seus torneios. A conscientização, destinada a jogadores, árbitros e torcedores de futebol, será visível por meio de todos os meios de comunicação disponíveis como uma campanha permanente”, dizia o anúncio da campanha.
À época houve alteração do Código Disciplinar, com mudanças no valor das multas aplicadas aos clubes, passando de US$ 30 mil para US$ 100 mil. Também ficou a cargo do órgão judicial competente impor a sanção de disputar um ou mais jogos com portões fechados ou o bloqueio parcial do estádio.
Em pronunciamento no mês de junho, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que foi presidente do Fortaleza Esporte Clube, informou que enviou ofícios ao Ministério das Relações Exteriores e à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) sobre os atos de racismo sofridos por jogadores do Ceará Sporting Club e do Fortaleza durante partidas realizadas na Argentina pela Copa Sul-Americana e pela Copa Libertadores da América.
Ao comentar as alterações da Conmebol, Girão disse ser preciso fazer mais.
— Na minha visão, isso ainda é pouco. Além de multas, [deve acontecer] a perda do mando de campo, assim como a identificação dos torcedores racistas, que devem no mínimo ser impedidos de frequentar os estádios onde quer que seja — afirmou.
O projeto da Lei Geral do Esporte (PL 1.153/2019), do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), não ignorou o desafio de enfrentar o racismo e a discriminação nos estádios de futebol e em outras modalidades esportivas. O texto foi aprovado em junho no Senado. A matéria foi remetida à Câmara, onde sofreu alterações. Agora, os senadores precisam fazer nova análise do texto, que altera a Lei Pelé e no qual foram apensados novos projetos que tramitavam no Senado, entre eles o PLS 68/2017.
Lei Geral do Esporte
Após participar de seminário sobre as melhores práticas internacionais de prevenção e combate ao racismo e a qualquer tipo de violência no futebol, promovido pela Confederação Brasileira do Futebol (CBF), no Rio de Janeiro em agosto deste ano, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, afirmou que a matéria deveria ser analisada depois de decorrido o período eleitoral.
Para Pacheco, o aumento das penalidades aplicadas a crimes de racismo no esporte não é suficiente.
— A solução para os crimes de injúria racial praticados no esporte virá quando o indivíduo passar a receber, além da repressão do Estado, de natureza penal e civil, uma repressão oriunda da própria sociedade. Que aqueles ao redor dessa pessoa gerem um constrangimento em torno dessa conduta. É uma maximização que se alcançará ao longo do tempo, por meio de educação e disciplina, e que precisa ter um comprometimento social mais amplo — disse o presidente do Senado.
Autoridade nacional
Entre as propostas do PL 1.153/2019 está a instituição da Autoridade Nacional para Prevenção e Combate à Violência e à Discriminação no Esporte (Anesporte), que deverá formular e executar políticas públicas de combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância no esporte.
Caberá à Anesporte aplicar sanções a pessoas, associações, clubes ou empresas que praticarem intolerância no esporte, com multas que variam de R$ 500 a R$ 2 milhões. Os estados poderão criar juizados do torcedor, com competência cível e criminal, destinados a julgar causas relacionadas à discriminação no esporte.
O PL também estipula que nos crimes contra a paz no esporte, as penalidades previstas serão aplicadas em dobro quando se tratar de casos de racismo no esporte brasileiro.
Estabelece ainda a proibição de portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, ou entoar cânticos que atentem contra a dignidade da pessoa humana, especialmente de caráter racista, homofóbico, sexista ou xenófobo.
Da mesma forma, nos crimes de torcida, a prática ou incitação à violência, com práticas e condutas discriminatórias, racistas, poderá custar a seus associados ou membros a proibição de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até cinco anos.
Medidas educativas
O ex-ministro Eloi de Araújo afirma que já há leis importantes no combate às práticas racistas, mas que é preciso também trabalhar numa proposta socioeducativa.
— É preciso que nós trabalhemos numa perspectiva desde a juventude mais tenra para construir valores de igualdade, de oportunidade em todos os ambientes. Valores em que todas as pessoas se amem. Porque elas não nascem odiando, elas aprendem a odiar. Essa é a percepção que temos de ter desde o berço, devemos trazer a nossa juventude para o sentimento de compreensão de que o ambiente do Planeta Terra é para todos. Ou é bom para todos, ou dificilmente será bom só para uns poucos. Se todos se respeitarem, qualquer outra forma de intolerância ou discriminação não terá chance de prosperar.
— Estão listados ali conteúdos muito ricos para construir um ambiente de igualdade. Mas é preciso que também haja novas legislações derivadas do Estatuto, bem como regulamentações próprias que a lei precisa ter para que o direito formal ganhe em concretude, ganhe materialidade. Legislações que vão ao encontro da construção da igualdade, oportunidade e fraternidade. A legislação é imprescindível, mas uma legislação mais cidadã, mais civilista.
O senador Romário também observa que as leis necessárias já existem.
— Nós temos [as leis] e as penas são duras, elas só precisam ser cumpridas. Os criminosos precisam ir para a cadeia.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado





Cenário considera impacto do ritmo de exploração agropecuária no bioma
O Cerrado pode perder 33,9% dos fluxos dos rios até 2050, caso o ritmo da exploração agropecuária permaneça com os níveis atuais. Diante da situação, autoridades e especialistas devem dedicar a mesma atenção que reservam à Amazônia, uma vez que um bioma inexiste sem o outro. O alerta para situação é do fundador e diretor executivo do Instituto Cerrados, Yuri Botelho Salmona. Nesta terça-feira (22), é celebrado o Dia Mundial da Água, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Salmona mensurou o efeito da apropriação da terra para monoculturas e pasto, que resultou em artigo publicado na revista científica internacional Sustainability. A pesquisa contou com o apoio do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).
Ao todo, foram analisadas 81 bacias hidrográficas do Cerrado, no período entre 1985 e 2022. Segundo o levantamento, a diminuição da vazão foi constatada em 88% delas em virtude do avanço da agropecuária.
A pesquisa indica que o cultivo de soja, milho e algodão, assim como a pecuária, têm influenciado o ciclo hidrológico. O estudo também evidencia que mudanças do uso do solo provocam a redução da água em 56% dos casos. O restante (44%) está associado a mudanças climáticas.
“Quando eu falo de mudança de uso de solo, a gente está, no final das contas, falando de desmatamento e o que você coloca em cima, depois que você desmata”, disse Saloma, em entrevista à Agência Brasil. Segundo o pesquisador, o oeste da Bahia é um dos locais onde o cenário tem mais se agravado.
Quanto às consequências climáticas, o pesquisador explica que se acentua a chamada evapotranspiração potencial. Salmona explicou ainda que esse é o estudo com maior amplitude já realizado sobre os rios do Cerrado.
“O que está aumentando é a radiação solar. Está ficando mais quente. Você tem mais incidência, está ficando mais quente e você tem maior evaporação do vapor, da água, e é aí em que a mudança climática está atuando, muito claramente, de forma generalizada, no Cerrado. Em algumas regiões, mais fortes, como o Maranhão, Piauí e o oeste da Bahia, mas é geral”, detalhou.
Chuvas
Outro fator que tem sofrido alterações é o padrão de chuvas. Conforme enfatizou Salmona, o que se observa não é necessariamente um menor nível pluviométrico.
“A gente viu que lugares onde está chovendo menos não é a regra, é a exceção. O que está acontecendo muito é a diminuição dos períodos de chuva. O mesmo volume de água que antes caía em quatro, cinco meses está caindo em dois, três. Com isso, você tem uma menor capacidade de filtrar essa água para um solo profundo e ele ficar disponível em um período seco”, comentou.
Uma das razões que explica o efeito de reação em cadeia ao se desmatar o cerrado está no fato de que a vegetação do bioma tem raízes que se parecem com buchas de banho, ou seja, capazes de armazenar água. É isso que permite, nos meses de estiagem, que a água retida no solo vaze pelos rios. Segundo o pesquisador, em torno de 80% a 90% da água dos rios do bioma tem como origem a água subterrânea.
Edição: Heloisa Cristaldo
EBC



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