Artigos

ITAMAR FRANCO, O PALÁCIO DA ALVORADA E DONA SARAH KUBITSCHEK

Silvestre Gorgulho

 

Simplicidade e espontaneidade eram marcas do presidente Itamar Franco. Quem conviveu com ele pode comprovar. Comigo mesmo aconteceram vários exemplos. Vale relembrar um.

Passava das 18 horas do dia 8 de junho de 1993. Uma terça-feira. Acabara de fechar minha coluna no Jornal de Brasília, quando a secretária da redação me chama:

– Silvestre, é do Palácio do Planalto.

Atendi. Era um velho amigo dos tempos da Embrapa, o advogado Mauro Durante, então Secretário-Geral da Presidência da República. Foi logo me perguntando se dona Sarah Kubitschek estava em Brasília. Disse que sim. Tinha estado com ela no apartamento de Márcia, na antevéspera.

– Ótimo! Aguarde um pouquinho que o Presidente Itamar Franco quer lhe pedir um favor.

Foram dois ou três longuíssimos segundos. Um favor? Pensei comigo. Para o Presidente da República? Uma nota no jornal? O que será, meu Deus? Entra o Presidente na linha. Depois de um afetuoso cumprimento e lembranças passadas, diz:

– Silvestre, tomei uma decisão. Estou morando aqui numa casa da Península dos Ministros, mas o Henrique [Hargreaves], a Ruth [Hargreaves] e o pessoal da segurança, todos estão pressionando muito para eu me mudar para o Palácio da Alvorada. O que você acha.

– Presidente…

– Presidente não! Itamar.

– Sim, sim, presidente Itamar… Acho uma sábia decisão. O senhor já deveria ter feito isso há mais tempo. Lá é a residência oficial do Presidente da República. Fico aqui pensando que o presidente Fernando Collor teria tido menos problemas com os vizinhos e com ele próprio se tivesse morado no Alvorada e não na Casa da Dinda. O Palácio da Alvorada vai lhe trazer mais tranquilidade…

– É o que todos falam. Mas não quero ser intruso. Preciso de energias positivas. Só vou numa condição. Aquela foi a residência de um homem de bem, um dos maiores brasileiros e fico assim meio sem jeito de chegar lá no Alvorada… assim sem mais nem menos.

– Como sem mais nem menos, presidente… Itamar? O Palácio é a residência oficial…

– Eu sei. Mas isso tudo para mim tem um ar de mistério. A áurea do presidente Juscelino Kubitschek domina o Alvorada. Não que eu seja supersticioso. Dizem, até que no Palácio da Alvorada o piano toca sozinho à noite…

Sem saber onde ia dar a conversa, enquanto falava ia imaginando mil coisas. Lembrei-me da primeira frase do Mauro Durante: “A dona Sarah está em Brasília?”

– Presidente…

– Não, Itamar…

– OK, Presidente… Itamar. O que o senhor acha se eu conversar com Dona Sarah e contar sua intenção de ir para o Alvorada. Quem sabe…

– Isso mesmo, Silvestre. Grande ideia. Fale com ela.

– Sim, vou sair direto do jornal para o Memorial JK. É aqui pertinho. Volto a falar com o senhor.

– Se ela quiser me ligar é um prazer. Você sabe de minha admiração pelo presidente Juscelino e por dona Sarah. JK me ajudou muito na eleição para Senado em 1974. Quem sabe ela e Márcia passam toda a manhã comigo lá no Palácio da Alvorada.

Fui ao Memorial JK. Encontrei dona Sarah com o coronel Affonso Heliodoro e a Cirlene Ramos. Contei-lhes toda história. Muito feliz e um pouco surpresa, dona Sarah foi logo dizendo que fazia o que presidente Itamar quisesse. Era muito importante ele ir para o Alvorada. Depois de alguns outros comentários, concluiu:

– Silvestre, conheço bem o Itamar. Ele é uma pessoa simples, mas muito atento aos simbolismos. Ele não quer chegar ao Alvorada sozinho. Vamos fazer o seguinte, vou lá recebê-lo com “honras de Chefe de Estado e Espírito de Minas Gerais”.

Diante da aprovação e do incentivo do Cel. Affonso Heliodoro, liguei para Mauro Durante:

– Ministro, estou aqui no Memorial JK com dona Sarah e ela ficou muito feliz com a decisão do presidente Itamar em se mudar para o Alvorada. Ela quer falar com o presidente.

Passei o telefone para dona Sarah. Conversaram e acertaram dia e hora para ela e Márcia irem ao Palácio da Alvorada receber o presidente Itamar Franco.

Assim, dia 10 de junho de 1993, uma quinta-feira, seis meses depois de ser efetivado Presidente da República, Itamar Franco se muda para o Palácio da Alvorada. Além de receber “as Honras de Estado e o Espírito de Minas”, Itamar proporcionou uma das maiores emoções à dona Sarah, eterna Primeira-Dama do Brasil. Ela havia deixado o Alvorada pela última vez em 30 de janeiro de 1961. Há 32 anos ela não voltava à sua primeira residência em Brasília.

Durante a visita, os jornalistas pediram para falar com o presidente e com dona Sarah. O Francisco Baker, Secretário de Imprensa, improvisou uma mesa com duas cadeiras para os entrevistados e várias cadeiras para os jornalistas. Começou a coletiva. Itamar fez agradecimentos à dona Sarah e à Marcia Kubitschek. Logo passou a palavra para a dona Sarah. Não havia microfone. Contaram histórias e respondiam perguntas. Já rolavam uns 10 minutos de entrevista, quando presidente me fez um sinal me chamando. Cheguei e ele cochichou no meu ouvido:

– Silvestre, pede para algum jornalista perguntar para a dona Sarah se o piano do Alvorada toca sozinho à noite.

Achei inusitado, mas cumpri a missão. Perguntei à jornalista Bruna Vieira, que cobria o evento para a TV Globo, se poderia fazer a pergunta.

– Mas é isso mesmo? Tem algum fundamento?

– É a lenda que corre. Uma curiosidade. O que é curioso também é notícia, não acha?

Bruna logo levantou o braço, pediu licença e fez a pergunta:

– Dona Sarah, é verdade que aqui no Palácio da Alvorada o piano toca sozinho?

– Olha, minha filha – respondeu dona Sarah – este Palácio traz energias extras aos presidentes. Se à noite o piano toca sozinho, está provado o alto astral do Palácio da Alvorada. Há coisa melhor do que uma boa música neste ermo encantado do Cerrado?

Aplausos!

Antes de se despedir de Itamar Franco, dona Sarah agradeceu:

– Vivi um sonho, presidente. São 32 anos sem contemplar as colunas de Niemeyer, sem entrar na Capelinha Nossa Senhora da Conceição e sem colher uma flor deste jardim abençoado.

Saí pela rampa do Alvorada com dona Sarah, Márcia, Henrique Hargreaves e Affonso Heliodoro para pegar o carro. Nisso o presidente Itamar chamou:

– Quem vai levar a fona Sarah é o comboio da Presidência da República.

E ele próprio levou dona Sarah até o carro presidencial. Ao voltar, o presidente segurou no meu braço e pediu que o acompanhasse. Passava do meio dia. Ao chegar na sala de entrada, disse assim com muita benquerença:

– Silvestre, não tenho como agradecer. Que manhã vivemos aqui, heim? O Espírito de Minas baixou sobre nós.

– Ora, presidente. Eu que agradeço pelo privilégio de viver este momento…

Nisso passava um senhor, talvez mordomo, com um uniforme azul claro. Itamar o chamou:

– Como é seu nome?

– Augusto, presidente. Às suas ordens!

– Onde você nasceu?

– Na Bahia, presidente.

– Já sei que vamos nos dar bem. Eu nasci num navio, mas fui registrado em Salvador. Augusto é o nome de meu pai. Será que você poderia fazer um favor para nós? Consegue uma televisão, coloque aqui nesse corredor, pra gente ver o noticiário e saber como os jornais deram as notícias de hoje.

– Presidente, tem uma tevê grande lá na sala íntima. A que eu uso no meu aposento é muito pequena.

– Traga a sua, Augusto, aqui é melhor.

E lá veio o Augusto com uma tevê 14 polegadas cinza, uma antena com bombril na ponta, um tamborete e colocou onde o Itamar pediu. Sentamos o presidente e eu no segundo degrau da escada que dá acesso aos aposentos superiores. Ali assistimos o Jornal da Globo e outros noticiários da Band e do SBT.

Que delícia poder viver instantes como esse. Ao sair, tão logo liguei o carro, matutei comigo mesmo: numa manhã vivi a sensação de uma vida inteira. Talvez, seja essa a plenitude da felicidade. Um segredo simples: felicidade é encontrar a nossa alegria na alegria dos outros.

 

 

 

Artigos

VENTO DA ARTE NOS CORREDORES DA ENGENHARIA

Lá se vão 9 anos. Março de 2014.

Publicado

em

 

No dia 19 de março, quando o Sinduscon – Sindicato das Indústrias da Construção Civil do DF completava 50 anos, um vendaval de Arte, Musica, Pintura adentrou a casa de engenheiros, arquitetos e empresários e escancarou suas portas e janelas para a Cultura.
Para que o vento da arte inundasse todos seus corredores e salões, o então presidente Júlio Peres conclamou o vice Jorge Salomão e toda diretoria para provar que Viver bem é viver com arte. E sempre sob as asas da Cultura, convocou o artista mineiro Carlos Bracher para criar um painel de 17 metros sobre vida e obra de JK e a construção de Brasília. Uma epopeia.
Diretores, funcionários, escolas e amigos ouviram e sentiram Bracher soprar o vento da Arte durante um mês na criação do Painel “DAS LETRAS ÀS ESTRELAS”. O mundo da engenharia, da lógica e dos números se transformou em poesia.
Uma transformação para sempre. Um divisor de águas nos 50 anos do Sinduscon.
O presidente Julio Peres no discurso que comemorou o Cinquentenário da entidade e a inauguração do painel foi didático e profético:
“A arte de Carlos Bracher traz para o este colégio de lideranças empreendedoras, a mensagem de Juscelino Kubitschek como apelo à solidariedade fraterna e à comunhão de esforços. Bracher é nosso intérprete emocionado das tangentes e das curvas de Oscar Niemeyer e Lucio Costa. Nos lances perfomáticos de seu ímpeto criador, Bracher provocou um espetáculo de emoções nas crianças, professores, convidados, jornalistas e em nossos funcionários.
Seus gestos e suas pinceladas de tintas vivas plantaram sementes de amor à arte. As colheitas já começaram.”
Aliás, as colheitas foram muitas nesses nove anos e serão ainda mais e melhor na vida do Sinduscon. O centenário da entidade está a caminho…
Sou feliz por ter ajudado nessa TRAVESSIA.
SG
Fotos: Carlos Bracher apresenta o projeto do Painel. Primeiro em Ouro Preto e depois visita as obras em Brasília.
Na foto: Evaristo Oliveira (de saudosa Memória) Jorge Salomão, Bracher, Julio Peres, Tadeu Filippelli e Silvestre Gorgulho
Continue Lendo

Artigos

METÁFORAS… AH! ESSAS METÁFORAS!

Publicado

em

 

Sou fascinado com uma bela metáfora. Até mesmo porque não há poesia sem metáfora. Clarice Lispector é a rainha das metáforas. Maravilhosa! Esta figura de linguagem é uma poderosa forma de comunicação. É como a luz do sol: bate n’alma e fica.
Incrível, mas uma das mais belas metáforas que já li é de um naturalista e geógrafo alemão chamado Alexander Von Humbolt, fundador da moderna geografia física e autor do conceito de meio ambiente geográfico. [As características da fauna e da flora de uma região estão intimamente relacionadas com a latitude, relevo e clima]
Olha a metáfora que Humbolt usou para expressar seu encantamento pelo espetáculo dos vagalumes numa várzea em terras brasileiras.
“OS VAGALUMES FAZEM CRER QUE, DURANTE UMA NOITE NOS TRÓPICOS, A ABÓBODA CELESTE ABATEU-SE SOBRE O PRADOS”.
Para continuar no mote dos vagalumes ou pirilampos tem a música do Jessé “Solidão de Amigos” com a seguinte estrofe:
Quando a cachoeira desce nos barrancos
Faz a várzea inteira se encolher de espanto
Lenha na fogueira, luz de pirilampos
Cinzas de saudades voam pelos campos.
Lindo demais! É a arte de vagalumear.
Continue Lendo

Artigos

A LUA CHEIA DE MARÇO FAZ DUAS HOMENAGENS ÁS MULHERES E AO TIÃO NERY PELOS 91 ANOS

Publicado

em

 

Vou confessar. Sou como o Sebastião Nery: gosto de viajar mais por palavras do que por avião, ônibus ou carro.
Mas viajar de trem, gosto também. Sabe por quê? Simples, porque a vida é uma viagem de trem. Embarca aqui, desembarca ali. Conhece um aqui, fica amigo de outro ali. Perde um tempão aqui, mas ganha uma surpresa imensa acolá.
E nesse trem de sobe e desce, entra e sai, dorme e acorda a gente vai curtindo Manuel Bandeira com seu
“Café com pão, café com pão, café com pão… Virge Maria que foi isso maquinista?”
Este 8 de março é lua cheia para duas homenagens. Às MULHERES e ao jornalista Sebastião Nery, que completa hoje 91 anos.
Em 1976, eu organizei a festa dos 44 anos do Nery aqui em Brasília, com um churrasco. Meu Deus, e o tempo passa. Depois fiz a sua festa de 50 anos e muitos outros aniversários passamos juntos.
Quando Nery fez 80 anos, a festa foi no restaurante Forneria (hoje Rancho Português) lá na Lagoa-RJ. Junto com meu irmão João Vitor fizemos a cachaça TIÃO NERY – 80 graus. Um sucesso!
Voltando ao trem da vida, vale lembrar Villa Lobos com seu Trenzinho Caipira:
“Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra
Vai pelo mar”.
O trem é assim mesmo: vai pela serra, vai por aldeias, matas, pontilhões, corações e atravessa a vida.
Hoje, dia 8, o NERY faz 91 anos. E o trem vai chegando na Estação da Saudade para a gente embarcar em mais uma viagem de aniversário. O Nery na Barra da Tijuca, agora sem a Bia, e eu aqui em Brasília.
Trem difícil é passar aniversário longe dos amigos de fé.
ABRAÇO DE

PARABÉNS

, MEU AMIGO!

O trem é assim mesmo: vai pela serra, vai por aldeias, matas, pontilhões, corações e atravessa a vida.
Hoje, dia 8, o NERY faz 91 anos. E o trem vai chegando na Estação da Saudade para a gente embarcar em mais uma viagem de aniversário. O Nery na Barra da Tijuca, agora sem a Bia, e eu aqui em Brasília.
Trem difícil é passar aniversário longe dos amigos de fé.
ABRAÇO DE

PARABÉNS

MEU AMIGO!

FOTOS:
1) Nery e eu esperando o trem… que já vem, que já vem…
2) A Cachaça que comemorou os 80 do Nery
3) O Nery e a charge do MENSALÃO, quando contou num artigo bombástico como começou o Mensalão do governo PT.
4) NERY, testemunha ocular do Mensalão.
5) Nery no Seminário, estudando muito porque queria ser ‘O BISPO DE ROMA”.
Continue Lendo

Reportagens

SRTV Sul, Quadra 701, Bloco A, Sala 719
Edifício Centro Empresarial Brasília
Brasília/DF
rodrigogorgulho@hotmail.com
(61) 98442-1010