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SANEAMENTO “MARCANDO PASSO”

Novo Marco Legal do Saneamento é ponto de partida para desenvolvimento econômico e social. Mas volta para novo debate político.

 

RAYMUNDO GARRIDO – ENTREVISTA

 

RAYMUNDO GARRIDO é Engenheiro Civil, MSc e DSc em Economia, professor e pesquisador da Universidade Federal da Bahia. Foi Secretário Nacional dos Recursos Hídricos no governo FHC e é um dos técnicos mais especializados do setor. Nesta entrevista, o professor Garrido aborda a situação atual do Marco Legal do Saneamento, relativo ao abastecimento de água e ao esgotamento sanitário. Para Garrido, a falta de saneamento é a maior violência ambiental no Brasil. O mundo aprendeu que investir em saneamento é investir na verdadeira promoção da saúde e desenvolvimento sustentado.

 

A BALA PERDIDA AMBIENTAL

O Brasil é surpreendente. O saneamento está intimamente ligado ao processo demográfico. Entre 1970 e 2023, a população brasileira passou de 90 milhões de pessoas para 220 milhões. Vale salientar: a diferença, 130 milhões, é um novo e grande país. Do tamanho da Itália e da França juntas. No governo Lula 3, os rumos do Saneamento Básico no Brasil voltam ao centro do debate. Não existe pior violência do que a violência ambiental. Verdadeira bala perdida, a violência ambiental é silenciosa e cruel. Mata aos poucos e muito mais pessoas. Em Belém do Pará, por exemplo, apenas 6% da população possuem rede de esgoto. As autoridades sabem que mais de 60% das internações hospitalares de crianças no Brasil são motivadas pela falta de saneamento básico. Por saneamento se entendem as mais relevantes atividades para promoção da qualidade de vida: abastecimento d’água, esgotamento sanitário, coleta, tratamento e disposição final do lixo, além da drenagem urbana.

 

É ou não violência condenar mais da metade da população brasileira a viver num ambiente insalubre, sem coleta de lixo e sem saneamento adequado?

 

 

 

A ENTREVISTA

 

Silvestre Gorgulho – Sobre o Marco Legal do Saneamento, o governo Lula deu um passo atrás?

Raymundo Garrido – Poderia dizer que o governo brasileiro depois um grande passo à frente, parece ter dado agora uma estacionada. Em 15 de julho de 2020, deu um passo à frente com a sanção da Lei Federal no 14.026, que ficou conhecida como Novo Marco Legal desse setor de Políticas Públicas. O cenário da cobertura dos serviços que compreendem o saneamento era, à ocasião, preocupante, com graves consequências para a saúde coletiva. Hoje, ainda se registram mais de dez mil mortes por ano por saneamento inadequado. Ainda há um longo caminho a percorrer em busca da universalização dos serviços. Pode-se dizer que essa “viagem” mal começou. Mas o Novo Marco, mesmo com menos de três anos de editado, já vem dando sinais de reversão desse quadro desfavorável. É sabido que, com saneamento precário, pode até haver crescimento econômico, mas, desenvolvimento, certamente não.

 

SG – Qual o objetivo do Novo Marco Legal?

Garrido – Entre seus objetivos de destaque, o Novo Marco legal foi concebido para que o Brasil chegue ao ano de 2033 com 99% da população tendo acesso a água potável e a 90% de esgoto coletado e tratado, admitindo estes percentuais como uma ‘proxy’ da universalização dos dois serviços.

 

O principal nó que o Novo Marco Legal buscou desatar foi o da dificuldade para atrair investimentos, particularmente de origem no capital privado, uma vez que os recursos públicos têm sido cronicamente escassos no País.

 

SG – Qual o nó a ser desatado?

Garrido – O principal nó que o Novo Marco Legal buscou desatar foi o da dificuldade para atrair investimentos, particularmente de origem no capital privado, uma vez que os recursos públicos têm sido cronicamente escassos no País. Convém assinalar que, desde a edição da referida Lei Federal no 14.026, mais de duas dezenas de leilões de concessões já foram realizados abrangendo 244 municípios e perfazendo a contratação de cerca de R$82 bilhões de investimentos, o que demonstra que o Novo Marco já ganhou sua própria dinâmica, requerendo que se lhe dê continuidade nesta marcha, acompanhada do necessário monitoramento, que passou para a alçada da ANA.

Adicionalmente ao objetivo de tornar o setor atraente ao investidor privado, o Novo Marco também incluiu outras diretrizes, sendo uma delas o estímulo à regionalização do saneamento sentada em um processo regulatório que faz com que o Governo Federal se cinja a conceber e editar normas de referência, por meio da ANA, deixando as especificidades das distintas regiões para serem tratadas pelas agências reguladoras atuantes no âmbito dos governos sub-regionais, estaduais e/ou municipais.

 

SG – Esse Novo Marco Legal teria um fio condutor?

Garrido – O fio condutor do Novo Marco, além da necessidade de atrair o investidor privado, inclui a competição a que se submetem os prestadores de serviços de saneamento, estatais e privados, na oferta de seus serviços quando dos leilões, bem como a regionalização em blocos formados por municípios. Dita competição é um convite à eficiência na prestação de serviços, fundamental quando se trata de um serviço indispensável em favor da coletividade. A eficiência torna possível a cobrança de tarifas módicas, com ganho para o consumidor do serviço ao mesmo tempo em que o operador concretiza seus resultados e cumpre a obrigação fiscal de entregar a arrecadação devida, forças convergentes que impulsionam a marcha em direção à universalização.

 

 

O Governo Federal publicou recentemente esses dois decretos, afrouxando e flexibilizando as condições das exigências às empresas estatais em relação ao compromisso com a eficiência.

 

 

SG – Como o senhor vê a publicação desses dois decretos relaxando os critérios do Marco Legal?

Garrido – Sim, muito preocupante. O Governo Federal publicou recentemente esses dois decretos, afrouxando e flexibilizando as condições das exigências às empresas estatais em relação ao compromisso com a eficiência. De fato, o objetivo da competição entre os prestadores de serviços é prejudicado pelo adiamento, de março de 2023 para dezembro de 2025, do prazo para que as empresas atualmente detentoras de concessões comprovem suas respectivas capacidades de realizarem os investimentos necessários ao alcance da universalização em 2033. Contratos em desconformidade com as normas, previstos no Marco para regularização até 31 de dezembro de 2021, também continuam vencidos ou com algum tipo de irregularidade mas, conforme decretado, poderão ser regularizados até 2025 em detrimento da eficiência.

 

SG – O que o senhor achou da formação dos blocos regionais?

Garrido – A formação dos blocos regionais, uma inovação trazida pela Lei Federal no 14.026, teve, pelos decretos, seu prazo postergado para 31 de dezembro de 2025. O prazo previsto no Novo Marco expirou em 31 de março de 2023. Constatou-se que cerca de 37% dos municípios perderam esse prazo, correspondendo a uma população de 66 milhões de habitantes. Como os blocos regionais são uma parte estratégica do Novo Marco dado que a sua definição está diretamente relacionada com a viabilidade econômica do sistema de saneamento que atuará em cada conjunto de municípios integrantes desses blocos, mais razoável seria empreender uma ação, ágil tanto quanto possível, para orientar e implementar a constituição dos blocos faltantes. Assim, se evitaria a espera de quase três anos que, certamente, comprometerá irreversivelmente a meta da universalização em 2033.

 

SG – É o caso de se acabar com a licitação para disputar a renovação das concessões das empresas estatais que já operam?

Garrido – É outro aspecto preocupante. Não fazer a licitação desfaz o sentido da concorrência estabelecido no Novo Marco Legal. Preocupante porque dará a dispensa às companhias estatais que já atuam em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas de se submeterem a licitação para disputar a renovação de suas concessões. Convém observar que o Novo Marco não exclui as companhias estatais, antes submete todas, estatais e privadas, a uma só regra, princípio basilar de um sistema competitivo. Esse regime concorrencial que o Novo Marco estabeleceu tornou-se necessário após seis décadas, desde o Planasa, ao longo das quais inúmeros avanços foram promovidos pelas companhias estatais, menos o da universalização dos serviços.

 

Tudo está funcionando a contento, desde 2020. Então o melhor, o mais indicado é não alterar a Lei. Há, ainda, a considerar a importância da estabilidade das regras. Este é um relevante elemento quando a atração do setor privado está em jogo.

 

SG – Como o senhor vê o fato de o legislador ter atribuído à ANA a responsabilidade de regulamentar alguns dispositivos dessa Lei?

Garrido – De fato, Art. 4-A da Lei 14.026/20 indica que a responsabilidade de elaborar as normas de referência é da ANA. Essas normas de referência constituirão as diretrizes complementares ao texto legal, detalhando-o, explicando-o, atividade inerente à regulamentação. Então, se o Legislador aprovou e o Executivo sancionou a atribuição à ANA de regulamentar alguns dispositivos da Lei, não parece razoável que o Executivo proceda a essa tarefa senão por meio da ANA e não por Decreto.

No meu ponto de vista, para que a instância que se ocupa da regulamentação dos inúmeros dispositivos do referido Art. 4-A da Lei 14.026/20 deixasse de ser a ANA, seria necessária a edição de nova Lei que alterasse o mencionado dispositivo.

 

SG – Conclusão: melhor deixar a Lei como está?

Garrido – Olha, agora em julho a Lei faz três anos. Este período funcionou como uma “fase dos testes” e está dando muito certo. Tudo está funcionando a contento, desde 2020. Então o melhor, o mais indicado é não alterar a Lei. Há, ainda, a considerar a importância da estabilidade das regras. Este é um relevante elemento quando a atração do setor privado está em jogo. Investidor quer segurança jurídica.

 

 

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Túnel Rei Pelé

EU FUI LÁ CONFERIR COMO É BELA A OBRA DO ARTISTA OMAR FRANCO.

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A Praça Boulevard sobre o Túnel Rei Pelé, de Taguatinga, recebeu hoje a escultura de arte produzida pelo gênio de Omar Franco.
A obra mais importante de Brasília, recém inaugurada, o Túnel Rei Pelé revitaliza todo centro de Taguatinga com dois marcos de infraestrutura: 1) acesso subterrâneo de 1.010 metros de extensão, com duas pistas paralelas, cada uma com três faixas de rolagem em cada sentido.2) Para harmonizar o local, está sendo construído um Boulevard arborizado que ostenta uma imagem do Rei do Futebol.
A escultura de Pelé, em aço carbono e aço inox, com 2,70 metros de altura, 1,25 de largura e 30 cm de profundidade foi plantada hoje no centro do Boulevard e amanhã, dia 8, recebe os últimos detalhes de Omar Franco.
OMAR FRANCO – Mineiro de Santa Rita de Caldas, Omar Franco nasceu em 1956, ano que Pelé fez seu primeiro jogo profissional pelo Santos. Em 1969, Omar Franco veio para o Distrito Federal fixando residência em Taguatinga. Suas esculturas fazem parte do cenário urbano de Brasília e podem ser encontradas no Setor Comercial Norte e Sul, Setor Bancário Norte, Avenida W3 Norte, shoppings, praças, prédios e esquinas.
Essa escultura do Pelé é especial e vale a pena ser visitada.
A abstração e a luz pelos olhos do PELÉ – explica Omar Franco.
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SOBRAL PINTO, O SENHOR JUSTIÇA.

Por que Sobral Pinto não aceitou ser indicado para o Supremo

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Heráclito Fontoura Sobral Pinto foi ferrenho defensor dos direitos humanos, especialmente durante a ditadura do Estado Novo e a ditadura militar de 1964.
Jurista e advogado de presos políticos, apelidado de “Senhor Justiça”, notabilizou-se por seus embates na defesa de seus clientes.
Apesar de suas divergências com o “comunismo materialista” por conta de seu catolicismo fervoroso, Sobral Pinto defendeu os comunistas Luiz Carlos Prestes e Harry Berger (comunista alemão, preso e torturado no Brasil durante o Estado Novo) perante o Tribunal de Segurança Nacional, em 1937.
Sobral Pinto foi também advogado e amigo do ex-presidente JK.
Guardião da Lei e defensor de JK, mineiro de Barbacena, Sobral Pinto acompanhou JK em todos os inquéritos, inclusive defendendo a própria posse do ex-presidente.
Quando JK tomou posse, consultou Sobral Pinto para indicá-lo ao Supremo, mas o “Senhor Justiça” se declinou do convite:
– PRESIDENTE, ISSO É UMA TROCA DE FAVORES.
(Simples assim)
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A Sexta Onda da Tecnologia: Transformando o Futuro com Sustentabilidade e ESG

A busca por práticas sustentáveis e critérios ESG impulsiona a inovação e redefine os paradigmas da sociedade

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Ao longo da história, a inovação tecnológica tem impulsionado o progresso humano e transformado a sociedade. Desde a Revolução Industrial até as redes de comunicação modernas, cada onda tecnológica trouxe avanços significativos. Atualmente, estamos vivendo a sexta grande onda da inovação, que se concentra na sustentabilidade e no ESG (Environmental, Social and Governance). Neste artigo, exploraremos como a busca por práticas sustentáveis e a valorização dos critérios ESG estão moldando o futuro e já gerando demanda por profissionais especializados.

A Sexta Onda da Inovação: Sustentabilidade e ESG:
A sexta onda da inovação, que deve perdurar até 2045, está impulsionada pela necessidade de enfrentar os desafios ambientais, sociais e de governança que a humanidade enfrenta. A sustentabilidade, com foco na preservação do meio ambiente e no uso responsável dos recursos naturais, tornou-se uma prioridade global. Além disso, a ênfase em critérios ESG, que envolvem preocupações ambientais, sociais e de governança corporativa, ganhou destaque como uma abordagem abrangente para avaliar a sustentabilidade de empresas e investimentos.

A Revolução ESG:
A revolução ESG está se desdobrando em várias frentes, com governos, empresas e executivos reconhecendo a importância de incorporar práticas sustentáveis e responsáveis em suas operações e estratégias de negócios. A adoção de medidas para reduzir a pegada de carbono, promover a diversidade e inclusão, garantir a transparência e a responsabilidade nas operações e fortalecer a governança corporativa são algumas das áreas-chave dessa revolução.

Demandas por Profissionais Especializados:
A transição para a sustentabilidade e a integração de critérios ESG nas operações empresariais estão criando uma demanda crescente por profissionais especializados. Esses especialistas desempenham um papel crucial no desenvolvimento e implementação de estratégias de sustentabilidade, bem como na integração dos critérios ESG em todas as áreas de uma organização. Profissionais com conhecimento em energias renováveis, gestão de resíduos, responsabilidade social corporativa, finanças sustentáveis, entre outros campos relacionados, estão sendo cada vez mais procurados para ajudar as empresas a se adaptarem às demandas da sexta onda da inovação.

Impacto da Sexta Onda da Inovação:
A sexta onda da inovação está revolucionando a maneira como as empresas operam, os governos legislam e a sociedade como um todo interage com o meio ambiente. A busca por práticas sustentáveis e a valorização dos critérios ESG estão mudando a forma como os negócios são conduzidos, promovendo a responsabilidade socioambiental e a criação de valor compartilhado. Além disso, a sustentabilidade e o ESG estão impulsionando a inovação em setores como energia limpa, transporte sustentável, tecnologias de eficiência energética e muito mais, criando novas oportunidades econômicas.

A sexta onda da inovação, focada na sustentabilidade e no ESG, está transformando a sociedade e a maneira como as empresas e governos operam. A revolução ESG está se desdobrando em todo o mundo, impulsionada pela necessidade de enfrentar os desafios ambientais e sociais. A demanda por profissionais especializados está crescendo à medida que as empresas buscam integrar a sustentabilidade e os critérios ESG em suas estratégias e operações. À medida que avançamos nessa onda de inovação, é fundamental priorizar ações sustentáveis ​​e responsáveis ​​para construir um futuro mais resiliente e equitativo para todos.

 

Ondas da tecnologia:

1ª onda (1785 – 1845): Revolução Industrial
A Revolução Industrial marcou o início da mecanização da produção, com o surgimento de máquinas movidas a vapor. Essa onda trouxe mudanças significativas na indústria têxtil, na fabricação e na agricultura, transformando a economia e a sociedade.

2ª onda (1845 – 1900): Idade do Vapor
A segunda onda foi caracterizada pelo aprimoramento das tecnologias movidas a vapor, como locomotivas e navios a vapor. Isso possibilitou o desenvolvimento das ferrovias, a expansão do transporte e a integração regional e global.

3ª onda (1900 – 1950): Era da Eletricidade
A terceira onda foi marcada pela eletrificação e pela disseminação da energia elétrica. A invenção da lâmpada incandescente e a construção de redes elétricas permitiram a iluminação urbana, o desenvolvimento de novas indústrias e o avanço das comunicações.

4ª onda (1950 – 1990): Produção em Massa
A quarta onda foi caracterizada pelo advento da produção em massa, impulsionada pelo uso de linhas de montagem e automação industrial. Essa onda permitiu uma maior eficiência na produção, levando a um aumento significativo na produção de bens de consumo.

5ª onda (1990 – 2020): Redes e Tecnologias da Informação e Comunicação
A quinta onda foi impulsionada pelo surgimento da Internet e das tecnologias da informação e comunicação (TIC). Isso trouxe a conectividade global, a disseminação da informação e a transformação de vários setores, como o comércio eletrônico, as redes sociais, a computação em nuvem e a inteligência artificial.

6ª onda: Sustentabilidade e ESG (2020 – 2045)
A sexta onda, como discutido anteriormente, está focada na sustentabilidade e nos critérios ESG. Essa onda está impulsionada pela necessidade de enfrentar os desafios ambientais e sociais, promovendo práticas sustentáveis e responsáveis em todos os setores da sociedade.

Cada onda da tecnologia trouxe avanços significativos e impactos transformadores em diferentes aspectos da vida humana. A sexta onda, em particular, está moldando o futuro com uma ênfase na sustentabilidade e no ESG, buscando equilibrar o progresso tecnológico com a responsabilidade socioambiental.

 

 

 

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