Reportagens
Cine Brasília recebe mostra latino-americana
Filmes são de 15 países da região e de um convidado, Canadá

Agência Brasília* | Edição: Carolina Lobo
O Cine Brasília recebe neste mês, entre os dias 22 e 29, a 6ª Mostra de Cinema Latino-Americana e Caribenha. O evento, com entrada franca, é fruto de cooperação entre a Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) e o Grupo dos Chefes de Missão da América Latina e Caribe (Grulac), um dos cinco grupos regionais das Nações Unidas.
São 16 filmes legendados em português, provenientes de 15 países do subcontinente – Argentina, Barbados, Bolívia, Chile, Costa Rica, Cuba, El Salvador, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Trinidade e Tobago, Uruguai – e um do Canadá, país convidado.
“A seleção de filmes da mostra reflete a diversidade e riqueza da produção existente na América Latina. Os espectadores terão a oportunidade tanto de revisitar alguns dos títulos icônicos da cinematografia da região dos anos 1990 quanto de descobrir obras de jovens talentos”, afirma o diretor da LatAm, entidade que congrega realizadores de cinema na América Latina, Gerardo Michelin. “A mostra também permite que se viaje por nossos países, de norte a sul, passando pelo Caribe, com histórias que tocarão todo mundo”, complementa o uruguaio.
Programação
⇒ Quinta (22)
→ 19h – Costa Rica: Tenho sonhos elétricos. Classificação indicativa: 18 anos
Eva é uma garota de 16 anos, inquieta e de temperamento forte, que vive com sua mãe, sua irmã mais nova e seu gato, mas quer desesperadamente morar com seu pai, de quem é distante. Agarrando-se ao gato enquanto seu pai passa por uma segunda adolescência, Eva se equilibra entre a ternura e a sensibilidade da juventude e a dureza do mundo adulto.
→ 21h – Bolívia: Cuidando do sol. Classificação indicativa: livre
No Lago Titicaca, na Bolívia, uma menina de 10 anos enfrenta uma série de emoções novas e conflitantes quando seu pai vai embora. Lucía construiu seu dia a dia em torno da espera pelo retorno de seu pai.
⇒ Sexta (23)
→ 18h30 – Chile: Allende em seu laberinto. Classificação indicativa: livre
O filme narra as últimas horas do ex-presidente Salvador Allende, junto a seus colaboradores mais próximos, dentro do Palácio da Moeda, em 11 de setembro de 1973. Angústia, desespero, solidariedade, amor são emoções que se misturam e se sobrepõem a cada minuto, na contagem regressiva para um desfecho que mudará para sempre a história do Chile.
→ 20h15 – Argentina: Bem-vinda, Violeta! Classificação indicativa: 14 anos
Ana (Débora Falabella) é uma escritora que, ansiosa em busca de alguma inspiração para escrever Violeta, seu próximo romance, ingressa em um reconhecido laboratório literário na Cordilheira dos Andes. Nessa viagem, ela se envolve com Holden (Darío Grandinetti), criador do método pelo qual os escritores abandonam suas próprias vidas para viver como seus personagens. O líder carismático acaba cativando a escritora, que mergulha em uma intensa investigação artística, vivendo, segundo o método orienta, como sua personagem Violeta – até que o equilíbrio entre realidade e ficção sai do controle. O longa é inspirado no romance Cordilheira, de Daniel Galera.
⇒ Sábado (24)
→ 18h30 – República Dominicana: Amanhã não esqueça. Classificação indicativa: 16 anos
Um adolescente com síndrome de Down e seu avô diagnosticado com Alzheimer formam uma relação especial para escapar das hostilidades diárias a tentar encontrar a felicidade. Quando a esposa de Roberto morre, ele acaba indo morar com Jan, o neto de 22 anos com síndrome de Down. Os dois começam a se aproximar, descobrindo que têm muitas coisas em comum, inclusive sonhos que vão realizar juntos.
→ 20h30 – Barbados: Fire in Babylon. Classificação indicativa: livre
Traçando a gloriosa hegemonia da equipe de críquete das Índias Ocidentais no final dos anos 1970 e 1980, o filme descreve como um taco e uma bola foram mais eficazes do que tiros na batalha contra a injustiça racial e a luta pelos direitos dos negros. A história é contada por homens que estiveram lá – como Viv Richards, Michael Holding e Clive Lloyd. Fire in Babylon possui arquivo dinâmico, trilha sonora com clássicos de Bob Marley e The Wailers, Gregory Issacs e Burning Spear. É uma história que celebra a emancipação de um povo através do esporte – no caso, o críquete.
⇒ Domingo (25)
→ 17h30 – Uruguai: A teoria dos vidros quebrados. Classificação indicativa: livre
O especialista de seguros Claudio pensava que teria uma vida tranquila ao ser transferido para uma pacata cidade. Contudo, ele acaba se envolvendo em uma série de eventos estranhos e misteriosos.
→ 19h15 – Cuba: Morango e chocolate, Classificação indicativa: 16 anos
O filme é centrado no papel de David, um estudante universitário diligente, correto, mas homofóbico. Seus conceitos sobre o que é bom e o que é ruim são lançados em um dilema quando ele faz amizade com Diego, um artista homossexual. Entre os dois se desenvolve uma relação que quebra mal-entendidos, preconceitos e intolerâncias. História baseada no conto El Lobo, el bosque y el hombre, do escritor cubano Senel Paz.
⇒ Segunda-feira (26)
→ 18h30 – Trinidade e Tobago: Dias verdes à beira do rio. Classificação indicativa: 14 anos
Em uma remota vila à beira-mar em 1952, em Trinidad, uma negra ambiciosa de 15 anos, Shell, fica encantada com a atraente indiana Rosalie e lisonjeada com a amizade de seu pai, Gidharee, que mentalmente o aceita como um futuro filho. Apesar da doença terminal de seu pai, Shell segue um compassivo Gidharee para trabalhar em sua plantação exótica ao longo do rio com seus grandes cães de caça, na esperança de atrair Rosalie. Enquanto isso, Shell se apaixona por uma garota delicada e delicada da cidade, Joan. O triângulo amoroso se desenvolve, à medida que Shell lidera as garotas, sem perceber a armadilha projetada por Gidharee para prender sua masculinidade. Quando Dragon’s Blood, um líquido estimulante, é dado aos cães de Gidharee, uma forte ameaça é enviada a Shell, que deve enfrentar as consequências de suas ações.
→ 20h15 – Peru: A pena capital. Classificação indicativa: 14 anos
Baseado no livro homônimo de Santiago Roncagliolo. Um homem é assassinado em Lima durante a Copa do Mundo na Argentina de 1978. Félix Chacaltana, funcionário administrativo do governo, investiga o assassinato e descobre uma trama internacional de sequestro, desaparecimento e tortura. Felix também começa a descobrir a vida secreta do país. Embora o Peru esteja aparentemente prestes a voltar à democracia, opositores peruanos e argentinos perseguidos começam a desaparecer em operações militares por toda a cidade. Félix tenta denunciá-lo, mas ninguém acredita nele. Ou talvez ninguém se importe, porque há uma Copa do Mundo. Félix não sabe, mas está prestes a perder a virgindade sexual, política e até futebolística.
⇒ Dia 27 (terça-feira)
→ 18h30 – El Salvador: Minisérie Las Pupusas Capítulo 1. Classificação indicativa: livre
Uma viagem ao coração da comida mais amada por milhões de salvadorenhos, um prato ancestral que fez parte da história de um pais inteiro. Feitas de milho ou de arroz, com queijo ou com torresmo, as pupusas nunca passam despercebidas. A história afirma que, se você não conhece o amor a primeira vista, é porque ainda não ficou frente a frente com uma pupusa salvadoreña.
→ 19h15 – Suriname: O Preço do açúcar. Classificação indicativa: 16 anos
Drama histórico sobre duas mulheres jovens no Suriname do século 18. La blanca Sarith e seu escravo Mini-Mini viviam na próspera plantação de açúcar da família de Sarith. O perigo constante de ataques de escravos fugitivos trouxe a vida protegida da fazenda. Enquanto Sarith se apaixona pela mudança da vida colonial e pela busca de um marido, Mini-Mini tem sua própria oportunidade de ser feliz. Será que ela é capaz e suficientemente valente para apoderar-se dela, às custas de sua ama? Baseado no livro de Cynthia McLeod, uma romancista surinamesa conhecida por seus romances históricos e pela primeira novela que se converteu instantaneamente em uma das autoras mais destacadas do Suriname.
⇒ Dia 28 (quarta-feira)
→ 18h30 – Canadá: A linguagem é uma história de amor. Classificação indicativa: livre
Em uma aula como nenhuma outra, a de Madame Loiseau, que transmite francês para adultos recém-chegados, alguns deles analfabetos. Ansiosos por estudar, aprender, encontrar trabalho e criar a família com tranquilidade, as histórias de dor e esperança dos alunos convergem na sala de aula dessa professora.
→ 20h15 – Paraguai: Los buscadores. Classificação indicativa: livre
A trama conta a história de Manu (Tomás Arredondo), um jornaleiro que mora em Chacarita e trabalha nos arredores de Assunção. Certo dia, Manu recebe um livro que fala sobre a história do Paraguai e revela a existência de um mapa escondido, que pode, ou não, revelar a localização exata de um tesouro escondido na época da Guerra da Tríplice Aliança. Juntamente com seu amigo Fito (Christian Ferreira) e Don Elio (Mario Toñanez), um homem que conhece a aventuras dos “caçadores”, que buscam la plata, ele decide seguir as pistas para encontrar o tesouro que colocaria fim aos problemas econômicos de todos eles que vivem às margens da cheia do Rio Paraguai.
⇒ Dia 29 (quinta-feira)
→ 18h – México: O diabo entre as pernas. Classificação indicativa: 18 anos
Sexo na terceira idade e outros perigos que atormentam os amantes do envelhecimento ganham um toque sincero, inflexível e sombriamente hilariante nesse filme.
→ 20h30 – Panamá: Algo azul. Classificação indicativa: livre
O sonho de se casar de Ana logo se tornará realidade, mas, antes, ela terá que fugir da polícia com um vestido de casamento de uma estrela internacional, enquanto tem o seu coração abalado pelo ex.
Serviço
6ª Mostra Latino-Americana e Caribenha
→ De 22 a 29 deste mês
→ Ingressos: Entrada franca, até atingir a capacidade (619 assentos)
→ Cine Brasília – SHCS EQS 106/107, s/nº Asa Sul. Mais informações: (61) 99878-2198 e Instagram.
*Com informações da Secretaria de Cultura e Economia Criativa
Reportagens
Ação educativa em bares orienta contra direção após consumo de álcool
Com o projeto Rolê Consciente, o Detran promove intervenções artísticas sobre os riscos de beber e dirigir; iniciativa acontece nesta sexta, na Asa Norte

Agência Brasília* I Edição: Débora Cronemberger
Na noite desta sexta-feira (29), acontece mais uma edição do projeto Rolê Consciente do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF). A ação educativa percorre bares e restaurantes levando conscientização ao público para não dirigir, se beber. A ação de hoje ocorre na Asa Norte, de 18h às 21h.

O Rolê Consciente é uma ação que envolve intervenções artísticas com bonecos, MCs do trânsito com suas rimas e, também, um papo sério com a entrega de material educativo e palestras dos professores de trânsito do Detran-DF. Toda a ação é voltada ao tema sobre os efeitos do álcool no organismo, orientações de segurança quanto à utilização de celular ao volante, a importância do respeito à velocidade máxima das vias, faixa de pedestre, respeito aos ciclistas e muito mais.
De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, dirigir após o consumo de álcool é infração gravíssima, com multa no valor de R$ 2.934,70 e suspensão do direito de dirigir por um ano. O Rolê Consciente acontece às quintas e sextas-feiras e, a partir de outubro, será aos sábados e domingos também.
*Com informações do Detran
Reportagens
Parceria visa fortalecer o esporte inclusivo no DF
Secretarias de Esporte e Lazer e da Pessoa com Deficiência vão elaborar ações para ampliar o acesso das pessoas com deficiência à prática esportiva em todas as suas esferas e em todas as faixas etárias

Agência Brasília* | Edição: Igor Silveira
A Secretaria de Esporte e Lazer (SEL-DF) e a Secretaria da Pessoa com Deficiência (SEPD-DF) se uniram para potencializar o paradesporto e esporte inclusivo no DF. As ações serão efetivadas por meio do Programa de Esporte Inclusivo.
A SEL-DF tem trabalhado para fomentar a visibilidade e valorização do paradesporto na cidade. Para isso, a pasta vem realizando eventos com o objetivo de dar celeridade ao acesso das pessoas com deficiência à prática esportiva em todas as suas esferas e em todas as faixas etárias.

O secretário Julio Cesar Ribeiro explica que uma das principais prioridades da pasta tem sido criar ações para dar visibilidade ao paradesporto. “A valorização e o investimento no paradesporto são fundamentais para construir uma comunidade mais inclusiva, onde cada cidadão, independentemente de suas habilidades, encontre espaço e oportunidades no universo esportivo do Distrito Federal”, destaca. O esporte é uma ferramenta essencial para a superação de barreiras”, completa Ribeiro.
Para o secretário da Pessoa com Deficiência, Flávio Santos, as duas secretarias poderão estabelecer uma política pública específica e efetiva voltada para atender às pessoas com deficiência nessa área. “As ações já existiam, mas serão ampliadas e melhoradas por meio desse trabalho porque, aí sim, vai ser construído um programa de esporte inclusivo”, afirma.
As pastas já trabalhavam de forma conjunta em ações pontuais, com o apoio aos paratletas por meio dos programas Compete Brasília e Bolsa Atleta, além das atividades oferecidas nos Centros Olímpicos e Paralímpicos. “Eu, como secretário e como atleta, sempre evidenciei a importância do esporte como uma poderosa ferramenta de inclusão”, finaliza Flávio.
Inclusão
Em maio deste ano, o Centro Olímpico e Paralímpico do Gama, recebeu mais de 350 inscrições para o Festival Paralímpico, que, pela primeira vez, ocorreu em Brasília. O evento realizado pela SEL-DF proporcionou aos participantes a inclusão por meio da vivência lúdica nos esportes paralímpicos.
O Campeonato Regional Centro-Oeste de Bocha Paralímpica foi outro marco na capital federal. O evento, que recebeu o apoio inédito da pasta, serviu como etapa classificatória para o Campeonato Brasileiro de Bocha Paralímpica, além de ter proporcionado aos atletas a oportunidade de ter representado suas associações e região em uma competição de nível nacional.
Outro evento que contou com o apoio da pasta foi a etapa regional das Paralimpíadas Escolares, que fomentou a inclusão e o progresso dos jovens atletas com deficiência, reunindo a participação de mais de 900 competidores. Os jogos ocorreram entre os dias 31 de agosto e 1º de setembro.
Outras competições paradesportivas também foram apoiadas pela SEL, como o Brasileiro de Adestramento Paraequestre, Centro-oeste de Handebol de Surdos e o Campeonato Regional de Goalball.
*Com informações da Secretaria de Esporte e Lazer do Distrito Federal (SEL-DF)
Reportagens
Poeta vencedora do Prêmio Jabuti transita do slam à literatura grega
Autora voltou à Estação Guilhermina para lançamento de seu livro

Foi na praça ao lado da Estação Guilhermina do Metrô, na zona norte paulistana, que Luiza Romão começou a declamar versos em público. Ali, acontece desde 2012, toda última sexta-feira do mês, a batalha de rimas conhecida como Slam da Guilhermina. Agora, dez anos depois desse encontro com a poesia falada, a autora retornou ao espaço para fazer um dos eventos de lançamento de Também Guardamos Pedras Aqui, seu livro que venceu o último Prêmio Jabuti.
“Quase pedir a benção”, resume a poeta sobre os sentimentos sobre esse momento que ela enxerga como o fechamento de um ciclo. “Acho que é bastante significativo, fazer isso bem antes de ganhar o mundo, assim, sabe? Antes de ir pro mundão”, comenta a respeito da turnê que se aproxima nos próximos dias. Até janeiro de 2024, a previsão é que Luiza tenha passado pela França, Argentina, México e Alemanha para divulgar o livro premiado, que já tem prontas traduções para o francês e espanhol.
Formada em artes cênicas, Luiza se aproximou da poesia atraída pelo modelo performático do slam, que começou a frequentar em 2013. As batalhas de rimas foram criadas por Marc Smith, nos Estados Unidos, na década de 1980. As competições, que atualmente acontecem em diversas partes do mundo, começaram, segundo a autora, como uma forma de tornar a leitura de poesia mais atraente nos saraus. “Em geral, em noites de cabaré, quando músico ia se apresentar, todo mundo prestava atenção. Quando ia uma pessoa do stand up, todo mundo prestava atenção. Na hora que o poeta ia declamar, era o momento que geral ia no banheiro, comprar cerveja, acender cigarro”, conta.
A performance da poesia falada, que compõe a cena cultural das periferias paulistanas, acabou atraindo Luiza, que tinha vindo em 2010 para a cidade, para estudar na Universidade de São Paulo. “Não estava no meu horizonte de vida virar poeta. Foi através do encontro com as batalhas de slam, com os microfones abertos, com o movimento saraus, que eu comecei a escrever”, lembra.
Uma estética que se relaciona com as temáticas que atravessam a juventude, especialmente a que vive fora dos bairros mais privilegiados. “Uma poesia muito engajada. Uma poesia que pensa o seu tempo histórico, que é fundamentada na dimensão coletiva da palavra. Toda essa partilha da performance”, enumera sobre as razões que a aproximaram dos versos e das rimas.
Atualmente com 31 anos, Luiza tem quatro livros publicados. O Também Guardamos Pedras Aqui é diretamente inspirado no épico grego Ilíada, de autoria atribuída a Homero, que retrata a conquista de Troia.
Veja os principais trechos da entrevista com a autora:
Vamos começar falando um pouco do livro Também Guardamos Pedras Aqui. Queria entender um pouco por que essa opção pela poesia grega e também o que isso significa na sua trajetória.
Eu sou formada em teatro. Tem algo que, de certa forma, eu discuto no livro, talvez de uma maneira não tão direta, que é essa obsessão nossa pelos gregos, que não diz respeito só a mim, Luiza, mas a nossa sociedade que passou por esse processo brutal de colonização e que ainda hoje continua referenciando de maneira tão intensa nos currículos escolares, nas produções culturais, esse imaginário cânone greco-latino. Então, na faculdade de artes cênicas, por exemplo, eu estudei dois anos de Grécia antiga.
Isso é algo que também se verifica nos cursos de letras e em muitos outros cursos. Você estuda tragédia grega. Você estuda comédia grega. Você estuda poética de Aristóteles, O Banquete do Platão. Uma tradição que é tão distante a nós. E, muitas vezes, a gente acaba não olhando para outras tradições e cosmovisões que estão mais próximas. As diferentes tradições latino-americanas andinas, maias e tudo mais ou as tradições africanas.
Quando eu termino [o curso universitário] eu vou fazer EAD, que a escola de artes dramáticas da USP, eu tenho que retomar essa galera [os gregos]. Eu estava lá, lendo pela segunda vez a mesma tradição, e faltava a Ilíada.
Então, eu estava indo viajar, fazer um mochilão pela Bolívia e pelo Chile. Eu falei: ‘Ah, vou pegar a Ilíada. Por que não? [risos]. É pesado, mas, pelo menos, é um volume só’. Meu irmão, Caetano, tinha uma edição que era leve, de papel bem fininho.
Foi onde eu li e fiquei muito chocada. Eu costumo dizer que o Pedras nasce um pouco desse horror a essa narrativa fundante da tradição ocidental, que é narrativa muito violenta. Eu sabia que era a história de uma guerra, que é como é contada, né? Mas, na verdade, não é a história de uma guerra, é a história de um massacre.
O que diferencia uma guerra de um massacre?
A guerra é quando, minimamente, você tem pé de igualdade. Você tem possibilidades reais dos dois lados ganharem. É algo que vai ser disputado na batalha. E, quando você lê a Ilíada, você vê que os troianos nunca tiveram chance de ganhar, porque os deuses eram gregos. Acho que foi a maior indignação para mim, porque isso eu não sabia antes de ler. Mas você tem o tempo inteiro a batalha acontecendo no campo terreno, entre gregos e troianos, e uma batalha acontecendo no plano divino, digamos assim, no Olimpo. Então, você tem os deuses que são pró-troianos e os deuses que são pró-gregos. E tem um momento que tem uma treta gigante, e Zeus [deus do trovão e líder do panteão grego] fala: ‘ninguém intervém na guerra, nenhum dos deuses’. E aí os troianos passam a ganhar a guerra.
Só que aí tem uma coisa que é muito doida, porque a gente tem essa ideia de perfeição atrelada à divindade, no catolicismo. No panteão dos gregos, na mitologia grega, são deuses que estupram, que têm inveja, que trapaceiam. Hera [esposa de Zeus] faz uma trapaça com Zeus. Ela vai até o fundo do oceano, pega um sonífero e Zeus dorme. Aí, ela e Atena [deusa associada a sabedoria] voltam para a guerra, quebram o pacto.
Os deuses são trapaceiros e Ulisses [herói grego] é trapaceiro também, porque é uma trapaça o que ele faz com cavalo. Não é fair play [jogo justo]. Eu acho que tem essa dimensão do massacre. Além de toda a devastação de um povo, das inúmeras formas de aniquilação, de tortura de subjugação, de estupro, de violência que estão no livro, tem isso de que é impossível esse povo ganhar. [Por orientação de Ulisses, os gregos fingem se retirar do campo de batalha e oferecem um cavalo gigante de madeira como presente aos troianos. Porém, uma parte dos soldados gregos se esconde dentro da escultura para, durante a noite, abrir os portões da cidade e provocar a derrota de Troia.]
No poema Homero, você diz que os gregos “foram capazes de” e traz uma lista, que seria de atrocidades, mas que está coberta por uma tarja preta, de censura, para em seguida dizer que, apesar desses horrores, eles, ao menos devolveram o corpo de Heitor, príncipe de Troia, ao contrário do que se fez, muitas vezes na ditadura militar brasileira. Você quer dizer que vivemos horrores maiores do que os troianos?
Isso tem muito a ver com dimensão quase que performativa da minha leitura. Eu estava lendo nessa viagem e passei pelo local onde Che Guevara [guerrilheiro que participou da revolução cubana] foi assassinado, no interior da Bolívia. Inclusive, tinha uma menina lá [parte do grupo], que era Tânia. Eles estavam tentando articular uma revolução comunista no coração da América Latina. A ideia seria sair do coração da Bolívia e se espalhar pelo continente inteiro. Eles são delatados, passam por uma emboscada e são assassinados.
O Che Guevara morre. A cabeça dele fica exposta em uma dessas vilas e o corpo fica desaparecido, por medo de que o local em que ele estivesse enterrado virasse um mausoléu de peregrinação comunista, um lugar de memória. O corpo dele só é encontrado 30 anos depois. Um dos militares disse que ele estava enterrado numa pista de pouso militar. Hoje você tem um museu do Che Guevara nesse local.
Eu queria aprofundar um pouco o uso desse recurso da censura, que aparece em outras partes do livro.
Eu acho que essa questão da censura ou do apagamento de arquivos é algo que também está muito presente quando a gente fala dessa história, dessa imposição de uma história única, dessa construção de um relato produzido pelo poder. Então, desses arquivos que são censurados, apagados e tudo mais.
Também, de certa forma propõe esse jogo com os leitores, da mesma forma que eu estou tentando reconstituir uma história que é muito apagada, vamos tentar reconstituir juntos. Talvez seja exercício imaginativo nosso também.
Você disse que Ulisses não jogava no fair play [jogo justo]. Tem um texto em que parece que você fala disso, invertendo a condição de herói e vilão, no poema Polifemo [gigante de um olho só que comia pessoas]. “Ninguém te cegou não/ não foi Ulisses/ aquela noite o policial não tinha identificação”
Ulisses, para mim, é um personagem que a gente, enquanto ocidente, vai emular como a inteligência. Primeiro, tudo que a gente sabe das viagens dele [narradas na Odisseia], é ele o que conta. Ou seja, ele pode estar mentindo, ele pode ter inventado tudo. Para mim, é um narrador nada confiável. Principalmente, porque do que a gente sabe, sim, de dados dele, é o personagem que faz o Cavalo de Tróia, que ganha na trapaça.
Então, Polifemo estava lá e, de repente, chegam esses homens, se metem [nos domínios dele] e ainda o cegam. E tem essa que a grande sabedoria do Ulisses é falar: “Eu não sou ninguém”. Então, Polifemo começa a gritar [após ter o olho furado]: “ninguém me cegou”.
Isso também foi uma chave de leitura para o caso do Sergio Silva [fotógrafo que perdeu o olho nas manifestações de 2013] e de vários e várias manifestantes que foram baleados com bala de borracha nos últimos anos, seja no Brasil, seja no Chile, onde a gente teve de fato uma forma sistemática da polícia de dilacerar o globo ocular de muitas pessoas.
E que ninguém cegou essas pessoas. É a mesma situação bastante recorrente quando a gente fala das ações das polícias militares, seja pelo não uso de identificação, seja porque cada vez mais são policiais que estão com balaclava ou com capacete.
Você fala em diversos momentos sobre violência (policial, contra a mulher), que é uma temática muito recorrente nos slams. Como o movimento dos slams atravessa a sua trajetória?
Minha trajetória é completamente atravessada pelo slam. Eu vim do teatro, sou das artes cênicas. Não estava no meu horizonte de vida virar poeta. Foi através do encontro com as batalhas de slam, com os microfones abertos, com o movimento saraus, que eu começo a escrever. Principalmente, por ser uma poesia muito engajada. Uma poesia que pensa o seu tempo histórico, que é fundamentada na dimensão coletiva da palavra. Toda essa partilha da performance é uma forma poética também de encarar esses temas.
O slam não dissocia política e poética. É óbvio que é indissociável. Mas tem alguns lugares que se tem ilusões que é possível dissociar disso. Então, eu começo a frequentar em 2013 e continuo, não mais como slammer. Já aposentei as chuteiras faz um tempo. Mas, de vez em quando, fazendo a parte de produção. Fui fazer um mestrado sobre isso.
Em que momento você se aposentou do slam?
Como slammer, é muito normal a gente ter ondas, né? É tipo jogador de futebol, a carreira é curta. A gente vai lá, batalha uma, batalha outra, brinca durante dois ou três anos. É muito normal. Assim, você tem uma renovação da cena muito constante. Então, eu comecei a frequentar em 2013, já tinha tido uma onda antes de mim. Eu sou dessa segunda geração e já estão na sexta geração, agora.
Então, eu fui fazer outras paradas em termos de artista, de criação artística. Mas, ao mesmo tempo, é um lugar que eu gosto muito de estar. Eu continuo frequentando muito nesses últimos anos.
De alguma forma, tentei elaborar bastante a reflexão sobre a cena na dissertação. Acho que é uma forma de agradecer também esses anos todos de trajetória. É um trabalho que é a primeira parte é bastante dedicada a pensar historiografia do slam nos Estados Unidos. Eu traduzi muita coisa que não está disponível em português.
Também analiso quatro poemas da Luz Ribeiro, de Pieta Poeta, do Beto Bellinati e da Ana Roxo. Pensando como que essas questões todas vão para o corpo do poema. Porque, muitas vezes, quando a gente fala de slam, a gente só faz uma abordagem antropológica ou socializante, sendo que a gente está falando de poesia. E eu acho que ler esses poemas também na sua potência estética, o que eles têm de disruptivo, no que eles propõem de linguagem, no que eles contestam em toda uma tradição literária brasileira, isso é muito potente também.
Edição: Sabrina Craide
ebc
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