Entrevistas
Geni Alexandria
Belezas do ILUSTRANDO O CERRADO
Geni Alexandria – Entrevista
Como a veterinária Geni Alexandria prescreveu belíssimas e criativas receitas para a preservação do Cerrado
Silvestre Gorgulho
A vida profissional de Geni Alexandria começou literalmente no campo. Após concluir, em 1988, o curso de Medicina Veterinária na Universidade Federal de Goiás, Geni Alexandria embrenhou-se por terras goianas, desbravando o Cerrado para atender os produtores rurais. Assim, a jovem veterinária percorreu muitas regiões para levar sua assistência técnica: prestou orientação sobre uso de agrotóxicos, o destino de embalagens, o uso racional do solo e o valor dos recursos naturais, sobretudo das águas. Mapeou erosões e explicou como evitá-las. Também conheceu, analisou e recomendou áreas destinadas a reservas ambientais. Enfim, Geni Alexandria pesquisou o Cerrado, descobriu suas potencialidades e tomou consciência da realidade ambiental do bioma.
Profissional dedicada, o trabalho de Geni Alexandria não parou aí. Depois das muitas incursões pelos campos e matas do Cerrado, ela passou a admirar e a respeitar ainda mais a natureza. Virou fotógrafa. Registrava em fotografia tudo de interessante que via. Tudo com uma finalidade: ilustrar a flora do Cerrado. E veio a recompensa pelo trabalho. Um ano depois de iniciar nas ilustrações foi premiada em primeiro lugar pela Fundação Margaret Mee (1) no Concurso de Ilustração Botânica Philip Jenkins 2007 – Categoria Cores, realizado em parceria com a Sociedade Botânica do Brasil e o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. E, agora, Geni Alexandria acaba de lançar seu primeiro livro: Ilustrando o Cerrado. O livro revela as belezas científicas das pesquisas e do trabalho desta veterinária de 46 anos, que nasceu paulista, se criou em Goiânia, mas fez do Cerrado sua referência de sonhos e de vida.
Capa do livro
ILUSTRANDO O CERRADO,
da pesquisadora
Geni Alexandria
Entrevista
GENI ALEXANDRIA
Veterinária, colecionadora de plantas, fotógrafa e ilustradora, Alexandria deixa o recado:”É importante estudar e ilustrar plantas que estão em risco de extinção. Este é um trabalho que exige rigor e urgência, pois é um registro histórico e científico que vai ajudar estudos no futuro”.
FOLHA DO MEIO – Antes da fotografia, compreende-se que todo botânico precisava ser um bom ilustrador. Hoje, com a evolução da fotografia, ainda é importante a ilustração?
GENI ALEXANDRIA – A ilustração é importante para dar os mínimos detalhes de uma planta. A fotografia tem seu valor, pois dá o sentido conjunto, mostra o ambiente natural. Mas com a fotografia não é possível que se obtenha nitidez de detalhes em todos os pontos da planta. O desenho científico registra de forma muito especial e detalhada tudo que se quer. Informações que dizem respeito à espécie são melhor retratadas e é possível evidenciar características que são de grande importância para sua identificação.
FMA – Como o ilustrador trabalha com uma espécie a ser ilustrada?
GA – Primeiramente o mais importante é estar em contato com o exemplar a campo, ou seja, no seu habitat natural. A observação tem que ser minuciosa para que não se deixe de perceber nenhum detalhe. A ilustração científica registra, portanto, toda informação que caracteriza a espécie. Anotações também são feitas e a coleta de matéria: folhas, flores sementes ou um galho, sempre tomando o cuidado de não prejudicar a planta e jamais arrancar o exemplar.
FMA – Após a coleta do material, como é finalizado o trabalho?
GA – Olha, a ilustração botânica exige muita dedicação, muito estudo e, sobretudo, muita paciência. E tem outro detalhe: muitas vezes o ilustrador espera meses para voltar ao mesmo local de coleta, pois tem que aguardar que a espécie esteja em outro estágio vegetativo, florescendo ou frutificando, por exemplo, para que se possa dar continuidade ao trabalho.
FMA – Você tem uma técnica especial?
GA – Evidente que cada ilustrador tem sua técnica. Eu, de minha parte, procuro trabalhar minhas ilustrações com a máxima perfeição e fidelidade. Para finalizá-los busco interagir meus sentidos com os que a natureza me transmitiu quando com as mãos senti a textura e a consistência. Tudo tem que ser informado através do desenho.
“Não sou eu que
digo: terminei! É
a ilustração que diz,
como se já
pudesse sair
do papel: estou
pronta!”
FMA – Quando considera um trabalho finalizado?
GA – Todo profissional fica feliz com a finalização de seu trabalho. Mas que mais me satisfaz é quando eu trabalho os detalhes, quando a textura se define e dá aquela vontade de tocar. Não sou eu que digo: terminei! É a ilustração que diz, como se já pudesse sair do papel: estou pronta!
FMA – Você é uma técnica muito consciente de seu trabalho. Qual a razão de tal dedicação com a natureza?
GA – Acredito que com o conhecimento passa-se a admirar e consequentemente a preservar. O plantio de variadas espécies nativas e exóticas e a ilustração de espécies nativas do cerrado, no decorrer dos anos, é produto de muito carinho e dedicação, com o intuito de contribuir para a difusão e a preservação do Cerrado. Ainda é cedo para resultados concretos, mas ainda que modestos, eles certamente vão existir para reconhecer tal dedicação.
FMA – E quando surgiu a oportunidade de mostrar esse seu trabalho em um livro?
GA – Foi quando o IPHAN na pessoa de Carlos Fernando de Moura Delphim, arquiteto e paisagista, e de Salma Saddi, superintendente regional de Goiás do IPHAN, tomou conhecimento do trabalho que eu vinha realizando. Como conhecedores deram importância e valor à qualidade do meu trabalho e me convidaram a produzir este livro.
E nasce uma ilustradora…
FMA – Como e por que você decidiu ir além da fotografia para a ilustração?
GA – Em 2006, iniciei um curso de ilustração em aquarela, onde aprendi a técnica dessa pintura com o mestre Tai Hsuan-an (2). Assim, eu descobri que era capaz de ilustrar. Por incentivo deste professor participei do curso. E já em 2007, fui premiada por uma das minhas produções. Isso me incentivou a dar continuidade às ilustrações, que hoje é parte principal do meu trabalho com a preservação do Cerrado.
FMA – O livro dá prestígio e visibilidade. Após sua publicação, alguma coisa muda em relação a seu trabalho?
GA – É verdade, o trabalho passou a exigir um maior compromisso, porque minha responsabilidade com quem conhece e valoriza o trabalho aumentou muito. E tenho que dar continuidade a esse projeto, por isto estou cada vez mais empenhada.
FMA – Como foi o processo de produção do livro?
GA – Minha intenção neste livro foi apresentar um pouco do trabalho que realizo com as espécies do Cerrado. Me entreguei muito ao livro justamente porque procurei mostrar todas as etapas do universo que envolve cada prancha, desde a coleta do material até a finalização da ilustração.
FMA – Quais são seus próximos projetos com a ilustração?
GA – Quando a gente começa um trabalho destes, parece não ter fim. Uma coisa puxa a outra. Como a diversidade do Cerrado é muito grande, no início me dediquei mais às palmeiras, depois passei a trabalhar por regiões, atualmente estou dando ênfase a espécies características de cerrado de altitude, assim estou ilustrando plantas de diversas localidades. O interessante é que quanto mais me aprofundo nos estudos, tanto mais sinto necessidade de orientar meu trabalho. Gosto de representar nas pranchas espécies que caracterizam certas regiões. E tem um dado fundamental: é importante estudar e ilustrar plantas que estão em risco de extinção. Este é um trabalho que exige rigor e urgência, pois é um registro histórico e científico que vai ajudar estudos no futuro.
——————————————–
Cacho de Allagoptera campestris
Local de coleta: Cachoeira de Goiás – GO
Allagoptera campestris, (Mart.) Kuntze
Nomes populares: buri; ariri
Importância: potencial paisagístico e seus frutos são avidamente procurados pela fauna regional. Ocorrência e hábitat: solos secos e pobres dos campos e Cerrados do Centro-Oeste e parte da Região Nordeste. Sua presença é relativamente abundante, mesmo em solos degradados.
Esta ilustração obteve o primeiro lugar na categoria Cores, no XV Concurso Philip Jenkins de Ilustrações Botânicas, realizado em 2007 pela Fundação Margareth Mee em parceria com Sociedade Botânica do Brasil.
Entrevista – GENI ALEXANDRIA
“É importante ilustrar plantas em risco de extinção”.
FMA – Como e por que você decidiu ir além da fotografia para a ilustração?
GA – Em 2006, iniciei um curso de ilustração em aquarela, onde aprendi a técnica dessa pintura com o mestre Tai Hsuan-an (2). Assim, eu descobri que era capaz de ilustrar. Por incentivo deste professor participei do curso. E já em 2007, fui premiada por uma das minhas produções. Isso me incentivou a dar continuidade às ilustrações, que hoje é parte principal do meu trabalho com a preservação do Cerrado.
FMA – O livro dá prestígio e visibilidade. Após sua publicação, alguma coisa muda em relação a seu trabalho?
GA – É verdade, o trabalho passou a exigir um maior compromisso, porque minha responsabilidade com quem conhece e valoriza o trabalho aumentou muito. E tenho que dar continuidade a esse projeto, por isto estou cada vez mais empenhada.
FMA – Como foi o processo de produção do livro?
GA – Minha intenção neste livro foi apresentar um pouco do trabalho que realizo com as espécies do Cerrado. Me entreguei muito ao livro justamente porque procurei mostrar todas as etapas do universo que envolve cada prancha, desde a coleta do material até a finalização da ilustração.
FMA – Quais são seus próximos projetos com a ilustração?
GA – Quando a gente começa um trabalho destes, parece não ter fim. Uma coisa puxa a outra. Como a diversidade do Cerrado é muito grande, no início me dediquei mais às palmeiras, depois passei a trabalhar por regiões, atualmente estou dando ênfase a espécies características de cerrado de altitude, assim estou ilustrando plantas de diversas localidades.
O interessante é que quanto mais me aprofundo nos estudos, tanto mais sinto necessidade de orientar meu trabalho. Gosto de representar nas pranchas espécies que caracterizam certas regiões.
E tem um dado fundamental: é importante estudar e ilustrar plantas que estão em risco de extinção. Este é um trabalho que exige rigor e urgência, pois é um registro histórico e científico que vai ajudar estudos no futuro.
Castiçal – Wunderlichia mirabilis
Local de coleta: Serra Dourada – Cidade
de Goiás – GO
Wunderlichia mirabilis, Riedel
& Baker
Nomes populares: castiçal; flor-do-pau
Importância: ornamental e preservação.
Ocorrência e hábitat: campos de altitude, em terrenos pedregosos (Serra Dourada e Pirenópolis).
Planta endêmica.
Esta ilustração faz parte de uma exposição em comemoração
ao centenário de Margaret Mee no Centro Cultural dos Correios – Rio de Janeiro no período de 11 de novembro a 20 de dezembro de 2009.
SUMMARY
ILLUSTRATING THE CERRADO
Veterinarian, Geni Alexandria prescribes a beautiful and creative cure for preserving the Cerrado
The professional life of Geni Alexandria literally began in the field. After graduating from the Universidade Federal de Goiás school of veterinary medicine in 1988, Geni Alexandria headed toward the lands in the state of Goiás and took on the Cerrado to work with farmers there. In the course of her mission, the young veterinarian, traveled through a number of regions to offer her technical assistance: she provided guidance on the use of pesticides, final use/disposal of packaging, correct use of the soil and the importance of natural resources, especially water. She mapped out erosion and explained how to avoid it. She also visited, analyzed and recommended areas to be devoted to environmental preservation reserves. Geni Alexandria truly researched the Cerrado, discovered its potential and gained awareness of the biome environmental reality.
As a dedicated professional, the work of Geni Alexandria did not stop there. After a number of incursions into the fields and woods of the Cerrado, she gained even greater admiration and respect for nature. She became a photographer and recorded every interesting thing she saw, all for one purpose – to illustrate the plant life of the Cerrado. She has been rewarded for her work. One year after she began the illustrations, she was awarded first place by the Fundação Margaret Mee. Geni Alexandria has also just released her first book: “Ilustrando o Cerrado” (Illustrating the Cerrado). The book reveals the scientific beauty involved in the research and work this 46-year old veterinarian has performed. Born in the state of São Paulo, she grew up in the city of Goiania, Goiás State, but made the Cerrado her dream and her life.
GENI ALEXANDRIA – Interview
The importance of Illustration
Illustration is important to enable the smallest details to be seen of the plant. Photography is invaluable because it gives a full picture and shows the natural environment. However, photography cannot provide clarity of all the fine details of the points on a plant.
The work
Observation has to be minute so that no detail goes undetected. Scientific illustration records therefore, all information that defines a species. Notations are also made and the material is collected: leaves, flowers, seeds and branches, at all times taking care not to injure the plants and the specimens are never pulled out by their roots.
Dedication
Botanicalillustration requires a great deal of dedication and study and above all much patience. Often the illustrator waits months to return to the same collection locale, because you have to wait until the species is in another stage of growth, flowering or bearing fruit.
Awareness from illustration
Native species illustrations of the cerrado, over the years, are the product of much caring and dedication, for the purpose of contributing toward the discovery and preservation of it.
An illustrator is born…
In 2006, I took up illustration in watercolors, where I learned this painting technique with the master, Tai Hsuan-an. That was when I learned I had a knack for illustration. I took part in the course and by 2007 I had already won an award for one of my productions. This encouraged me to continue with illustration.
Book production
My intention for this book was to present a little of the work that I do with the Cerrado plant species. I gave myself over to the book because I was seeking to present all the stages of the universe that involves my work, ranging from the collection of material until the final illustration
When we take on an effort such as this, there seems to be no end in sight. One thing leads to another. Since the diversity of the Cerrado is so immense, in the beginning I devoted my work more toward palm trees, afterword I began working by region and currently I have stressed species that are characteristic of the high altitude cerrado, thereby illustrating plants from a range of locations.

Entrevistas
MARCOS TERENA

De filho pródigo à liderança internacional, o índio, piloto e cacique Marcos Terena, tornou-se um líder respeitado e o ponto de equilíbrio entre autoridades brancas e os povos indígenas.




Barraginhas: a salvação das lavouras
A solução para os desertos de Gilbués
Silvestre Gorgulho
Desde a primeira reportagem da Folha do Meio Ambiente sobre o deserto vermelho de Gilbués, em outubro de 2005, o tema não saiu mais da mídia. Depois vieram as matérias sobre as barraginhas. Primeiro em Minas Gerais, depois as experiências feitas pelo técnico da Embrapa, Luciano Cordoval, no Piauí. Mais precisamente na região do entorno do Parque da Serra da Capivara. Cordoval, coordenador do projeto, preparou 30 técnicos da Emater-PI e da COOTAPI – Cooperativa de Técnicos Agrícolas do Piauí que treinaram outros multiplicadores das comunidades locais. Todos foram responsáveis pela implantação de mais de 300 das 3.600 barraginhas programadas na zona rural de 12 municípios: São Raimundo Nonato, Guariba, Paes Landim, Oeiras, São Lourenço, Caracol, Jurema, Acauã, Paulistana, Santa Luz, Coronel José Dias e Aniz de Abreu. E agora as barraginhas chegaram ao município de João Costa, que tem desertos vermelhos à semelhança de Gilbués. Se a iniciativa salvar as terras de João Costa, com certeza Gilbués, também, estará salva. Graças às barraginhas e ao trabalho incansável de um técnico persistente e sonhador: Luciano Cordoval.
A foto mostra o estado avançado de degradação. As casinhas, ao fundo, é a prova
de que já houve um apogeu, onde tudo era verde coberto de matas, mas a ação do homem foi tornando o cenário desertico
Folha do Meio – O que o motivou a trabalhar para tentar reverter a degradação das terras de Gilbués?
Luciano Cordoval – Quando vimos pela primeira vez, na Folha do Meio Ambiente, a reportagem sobre o deserto vermelho de Gilbués, em outubro de 2005, ficamos extremamente estarrecidos.
Olha, foi impressionante ver aquelas imagens publicadas. Mas, imediatamente, este estarrecimento deu origem a uma empolgação. Sim, porque comecei a buscar uma solução. Queria enfrentar aquele desafio. Queria montar uma equipe para desenvolver tecnologias sociais de conservação de solos e água. Não é fácil trabalhar à distância. Mas este problemão de Gilbués é uma questão humanitária e de solidariedade.
FMA – Você tem acompanhado na mídia o desdobramento da questão dos desertos de Gilbués?
Luciano – Sim, estou acompanhando tudo desde aquela primeira matéria que saiu na Folha do Meio. Depois vieram os desdobramentos como no Globo Rural – que até mostrou o jornal de vocês – Globo Repórter, novamente a Folha do Meio Ambiente, com as cartas dos leitores, e muitas citações na Internet.
E o tempo foi passando. Iniciamos nossos trabalhos de captação de águas superficiais de chuvas, pelas barraginhas, para conservação dos solos e água e revitalização de mananciais e córregos, no Semi-Árido e Sub-Úmido piauienses.
Dentre os municípios abrangidos pelo projeto, destacamos o de João Costa, pelo elevado grau de degradação de seus latossolos vermelhos, sob vegetação de Cerrado, após desmatamentos, o que o torna muito parecido ao deserto de Gilbués.
FMA – João Costa está longe de Gilbués. Como você descobriu o deserto vermelho de João Costa ?
Luciano – O avanço das barraginhas, no Piauí, foi planejado para contemplar doze municípios, sendo oito do Semi-Árido e quatro na transição para o Sub-úmido. Em março e abril de 2007, após caminhada pelos sete municípios vizinhos, para implantar o sistema, chegamos a João Costa.
Eles já tinham ouvido falar do projeto e tiveram o privilégio de assistir recentemente, por meio de suas parabólicas, a uma reportagem da TVE, no programa Mobilizando o Brasil, mostrando o avanço das barraginhas no Semi-Árido piauiense e já estavam ansiosos. Isso porque 60 a 70% dos solos do município encontram-se em elevado grau de degradação. Essa situação criou um am-
biente contagiante, favorável, que está contagiando a todos.
“O que for bom para a região de João Costa será bom para Gilbués. João Costa será uma vitrine demonstrativa para a solução dos desertos vermelhos”
FMA – Por que esses municípios piauienses foram contemplados?
Luciano – Porque as barraginhas, ao serem premiadas e certificadas como tecnologia social da Fundação Banco do Brasil, em 2003, receberam um aval para serem disseminadas pelo país, e o estado escolhido foi o Piauí. Mais especificamente a região de seu Semi-Árido e um pouco da transição ao Sub-Úmido.
Na verdade foi pela repercussão do sucesso de nossas experiências em Minas Gerais, nos últimos dez anos. Além de nove municípios do Semi-Árido, foram escolhidos três do Sub-Úmido, sob vegetação de Cerrado. Guaribas, Santa Luz e João Costa se enquadram nessa categoria e são mais parecidos com as regiões de Minas onde já vimos desenvolvendo nosso trabalho com as barraginhas. Desde o início, esperávamos muito desses municípios e eles estão correspondendo.
“É preocupante tendência atual de converter enormes áreas em cultivos para a
produção de etanol. O homem avança, come o filé e deixa os ossos: os desertos vermelhos”.
FMA – Você acredita que João Costa possibilitará o desenvolvimento de um protótipo para Gilbués?
Luciano – Mesmo estando a 400km de distância, João Costa tem muita similaridade com a região degradada de Gilbués, quanto a solos, predominando os latossolos vermelhos, muito frágeis frente à erosão, além de um regime de chuvas parecido, acima de 1.000 mm. E como nós já estamos familiarizados com a região, as pessoas já estão mobilizadas e motivadas.
Também já foram implantadas as primeiras 300 barraginhas. Agora, nós também estamos motivados e encantados, principalmente com o clima favorável instalado. E também com todo esse envolvimento que está nos motivando buscar mais recursos para complementar nossa experiência. Estamos utilizando esse município como nossa base para introduzir uma cultura de plantios em nível, terraceamentos, plantio direto e trabalhar a educação ambiental sustentável.
Assim, queremos mais e mais barraginhas nas fissuras/erosões maiores e milhares de microbarraginhas, não dispersas, mas coladas umas às outras, como alvéolos no “favo de mel”, nas microenxurradas capilares, nas encostas degradadas.
FMA – Como é mesmo esse sistema “favos de mel”?
Luciano – As barraginhas tradicionais serão feitas nas grandes enxurradas, que já apresentam os sulcos feitos pela erosão. Os milhares de alvéolos (microbarraginhas) serão nas enxurradas minúsculas, capilares, quase imperceptíveis, serão como guarda-chuvas invertidos e dentro de cada alvéolo será plantada uma árvore leguminosa nitrificadora, como leucena e algaroba, que deixará suas folhas caírem, para recuperar o solo.
Enquanto se gasta uma hora de máquina para uma barragi-nha, fazem-se de 8 a 12 microbarraginhas nesse mesmo tempo.
FMA – Então, João Costa será o laboratório?
Luciano – Justamente, será o laboratório que pensávamos ter na própria região de Gilbués. Já nos encantamos com a região, com o povo, com a problemática, há reciprocidade, é tudo que necessitávamos.
O que for bom para a região de João Costa será bom para Gilbués. Assim, pretendemos tornar João Costa uma vitrine demonstrativa para a solução desse problema de desertos vermelhos de regiões com solos sob vegetação de Cerrado. Domados os solos-problemas, daí a levar para regiões similares, é questão de arranjos adaptativos, ajustes, sintonia fina.
O importante é o homem, o envolvimento com o povo e esse já é nosso parceiro em João Costa, é meio caminho andado. O mais, é correr atrás dos recursos e trabalhar, trabalhar, estamos otimistas.
FMA – Você acredita que outros desertos poderão surgir?
Luciano – Creio que isso é inevitável, em face do avanço dos desmatamentos e a introdução de pastagens e lavouras sem a aplicação dos cuidados necessários e das técnicas conservacionistas e, principalmente, sem reposição de nutrientes.
Nesse sentido, é preocupante a apressada tendência atual de converter enormes áreas em cultivos para a produção de etanol. O homem avança, come o filé e deixa os ossos, os desertos vermelhos. O Brasil Central está cheio disso.
FMA – Você é otimista mesmo assim?
Luciano – Essa é a minha missão, tentar regenerar solos degradados, veredas e matas ci-liares, revitalizar mananciais, nascentes e córregos, implantar capões no entorno das barragi-nhas e nos eixos úmidos formados por elas.Com a umidade readquirida e o sol, vêm o verde, as nascentes, volta a vida, volta a esperança, somos geradores de esperanças e temos conseguido isoo, o que nós torna otimistas.
FMA – Então,você mudou de estratégia?
Luciano – Sim, pois desco-brimos nosso sítio de trabalho, tropeçamos no nosso tesouro. Numa região em que a mídia não está fazendo pressão, pode-remos gradativamente, e sem as tensões e cobranças externas, apenas as nossas, ter tranqüilidade para desenvolver nossos planos, não será uma corrida contra o tempo, mas um avanço natural. Penso que nada é por acaso, há momentos em que, como se diz em Minas Gerais, o cavalo está passando arreado à nossa frente…
Os desertos vermelhos de Gilbués estão à espera dos resultados dos experimentos com as barraginhas de João Costa. Uma esperança a caminho. (Foto: André Pessoa)
Entrevistas
Guillermo Planas Roca – Entrevista sobre a energia eólica
Brasil começa a diversificar sua matriz energética e busca a sustentabilidade

Energia: a força dos ventos
Silvestre Gorgulho
Os moinhos de ventos são conhecidíssimos. Desde o século V eles eram usados para bombear água e moer grãos. E agora, também, para gerar eletricidade. O sonho ambiental é ambicioso e o jogo, daqui para frente, vai ser pesado. Segundo técnicos do Greenpeace, a energia do vento, ou eólica, pode garantir 10 por cento das necessidades mundiais de eletricidade até o ano 2020. Mais ainda: deve criar 1,7 milhão de novos empregos e reduzir a emissão global de dióxido de carbono na atmosfera em mais de 10 bilhões de toneladas. Hoje, há uma convicção generalizada: o Protocolo de Kioto decretou o fim do uso dos combustíveis fósseis. Agora, governos e empresas não têm outra alternativa do que investir em tecnologias limpas e fontes energéticas renováveis. Está aí a força da energia do vento e dos biocombustíveis.
O Brasil tem sua matriz energética baseada nas hidroelétricas. As barragens brasileiras produzem cerca de 70 mil MV. Mas tem que diversificar esta matriz, para evitar o fantasma do apagão e caminhar em direção à sustentabilidade. Para a construção de novas hidroelétricas, como as do rio Madeira e do Xingu, a polêmica aumenta. Para a energia proveniente de termoelétricas de petróleo, carvão, gás ou nuclear, nem se fala. O jeito é contemplar fontes renováveis, mais atraentes para os ambientalistas, como a eólica e a energia solar.
O Rio Grande do Sul acaba de ganhar uma central de produção de energia do vento, com a mais avançada tecnologia: os Parques Eólicos de Osório. Este é o maior projeto de energia eólica da América Latina, que coloca o Brasil no mapa mun-dial do desenvolvimento sustentável. Subdividido em três parques – Osório, Sangradouro e Índios – o empreendimento, que passou a operar em sua integralidade em janeiro de 2007, tem um total de 75 aeroge-radores e uma potência instalada de 150 MW, capaz de produzir 425 milhões de kw/h por ano de energia – o suficiente para abastecer anualmente o consumo residencial de cerca de 650 mil pessoas. É metade de Porto Alegre.
O projeto gaúcho de R$ 670 milhões começou há cinco anos e tem como sócio majoritário o grupo espanhol Elecnor, através de sua subsidiária Enerfin Enervento, responsável por cerca de 1500 MW de energia eólica no mundo.
Para falar sobre o projeto e o futuro da energia dos ventos, no mundo, entrevistamos o diretor-geral da Enerfin Enervento, o espanhol Guillermo Planas Roca.
A energia eólica é produzida pela transformação
da energia cinética dos ventos em energia elétrica,
que é realizada através de um aerogerador.
GUILLERMO PLANAS ROCA – ENTREVISTA
Guilhermo Roca: “Estudamos outros investimentos
tanto na área de energia eólica como, também,
na área dos biocombustíveis”.
Folha do Meio – O que levou o grupo espanhol Elecnor implantar o maior parque eólico da América Latina no Brasil?
Guilhermo Roca – Foram vários fatores. Primeiro, o incentivo do governo através do Proinfa [Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia]. Depois, acreditamos no trabalho desenvolvido pela ministra Dilma Roussef na re-gulamentação do programa, aliado à demonstração de solidez dos governos federal e gaúcho. O então governador Germano Rigotto passou para os investidores muita segurança e seriedade. Tem ainda um componente técnico importante: O Rio Grande do Sul comprovou que possui boas condições de vento para produção de energia eólica, principalmente nas regiões litorâneas. Foram estas conjunções de fatores, inclusive uma parceria com o município de Osório, que abriu condições para a implantação do projeto. Tornamos realidade um empreendimento do porte do Parque de Osório, com 150 MW
instalados.
FMA – A energia eólica tem suas vantagens ecológicas? Mas, no Brasil, dada a força das hidroelétricas, ela tem vantagens no custo benefício de implantação?
Guilhermo – De fato é uma energia limpa que respeita o meio ambiente. No caso do Brasil, devido ao comportamento dos regimes de vento e chuvas anuais, esta energia é complementar com a energia hídrica, o que permite poupar reservatórios de água em épocas de seca, como o
acontecido no ano passado na região sul.
O recurso eólico está espa-lhado por uma infinidade de regiões no mundo e isto facilita a diversificação geográfica da geração onde for necessária. Na verdade, é uma excelente alternativa às energias não-re-nováveis e às grandes centrais hidroelétricas.
FMA – Mesmo assim, existe um impacto ambiental?
Guilhermo – O impacto ambiental de um projeto de
energia eólica é praticamente nulo, se comparado à implantação de uma usina hidrelétrica ou termelétrica. E tem mais. Sua instalação é completamente reversível. Os Parques Eólicos de Osório respeitam a fauna e a flora dos campos onde foram instalados, preservando, ainda, as atividades produtivas da região. O processo de ge-ração de energia eólica é inteiramente limpo, isento de contaminações e de resíduos radioativos. Não emite gases poluentes, causadores do chamado efeito estufa, responsável pelo aquecimento global. A energia gerada através do vento evita o consumo de ou-tros recursos naturais não re-nováveis e mais poluentes.
FMA – Em tempos tão difíceis para o licenciamento ambiental, como os Parques Eólicos de
Osório conseguiram atender a todas as exigências ambientais?
Guilhermo – O projeto, que foi pioneiro na obtenção das respectivas licenças junto à FEPAM que é o órgão responsável pelo licenciamento am-
biental no Rio Grande do Sul, teve sua implantação precedida de quatro anos de rigorosos estudos ambientais. Foi inclusive precursor, no Brasil, com estudos desta profundidade e complexidade.
Os resultados estão servindo de fonte de consulta para a FEPAM e para novos projetos na área eólica. Uma equipe de oito mestres e doutores em meio ambiente trabalhou continuamente, desde 2002, tendo o monitoramento ambiental prosseguido durante o período de implantação do parque eólico, ocorrida entre outubro de 2005 a dezembro de 2006.
FMA – Depois da entrada em operação dos parques, há cinco meses, o monitoramento ambiental continua?
Guilhermo – Continua sim. E continua sempre muito rigoroso. Agora com ênfase no estudo do comportamento das aves e morcegos e análise do ruído na região após a implantação dos aerogeradores. E isto é muito importante para nós, como empresa, para o estado do Rio Grande do Sul e, evidentemente, para o Brasil. É sempre uma referência para novos projetos.
O modelo E-70 mede 135 metros de altura, pesa quase 1.000 ton e produz 2MW de potência.
No chão, o tamanho de uma hélice: só a pá mede 35 metros
FMA – Os parques foram enquadrados no processo MDL para obterem créditos de carbono?
Guilhermo – Olha, a ONU registrou o projeto dos parques eólicos como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, em dezembro de 2006. Isto porque é um projeto bem caracterizado por ser dirigido por empresas européias e que demonstra contribuir para o desenvolvimento sustentável. O projeto vai evitar a emissão na atmosfera de 148.325 toneladas de CO2 anuais e evitará a queima de uns 236.000 barris de petróleo ao ano.
FMA – Em matéria de tecnologia, o projeto de Osório tem tecnologia de ponta ou é uma média?
Guilhermo – Ah, isso é importante dizer. Os Parques Eólicos de Osório foram um dos primeiros no mundo a implantar aerogeradores de 2MW de potência, fabricados no Brasil. Fabricados e instalados pela empresa alemã Enercon GmbH, atraves da sua subsidiária Wobben Windpower, com sede em Sorocaba, São Paulo.
A Enercon é um dos líderes mundiais em tecnologia eólica de ponta, e os aerogeradores instalados em Osório, o modelo E-70, são reconhecidos internacionalmente como um dos mais avançados na atualidade.
Tecnicamente eu poderia dizer que o modelo E-70 mede 135 metros de altura e pesa quase 1.000 toneladas. Os aerogeradores de Osório contam com gerador síncrono e um gabinete de eletrônica para manter em cada instante a relação entre a velocidade de giro das pás e a velocidade do gerador. Isto os diferencia de outros modelos convencionais que precisam de um sistema de engrenagens.
Um detalhe importante é que a pá utilizada no empreendimento mede 35 metros e é ângulo de passo variável, o que permite melhorar automaticamente o ângulo de incidência do vento sobre o rotor e aproveitar ao máximo a intensidade dos ventos da região.
FMA – Podemos dizer que o Brasil entrou de vez, no mapa mundial do desenvolvimento de energia renovável?
Guilhermo – Podemos ir até além, porque a matriz brasileira de energia já é renovável com as hidroelétricas. Agora o Brasil dá outro passo importante, pois usa a energia eólica que é renovável e causa muito menos impacto ambiental. Assim caminham as nações desenvolvidas.
Queria destacar outra coisa. O Rio Grande do Sul, pelo que aprendi, tem forte história no movimento ambientalista brasileiro. E agora, ele se apresenta como o primeiro estado a investir forte na energia eólica, mostrando mais sensibilidade social e de sustentabilidade. Ou seja, o Rio Grande avança nesta linha do desenvolvimento sustentável, pois este empreendimento traz largos benefícios nas áreas de infra-estrutura, com a diversificação da matriz energética brasileira. Traz benefícios tecnológicos, sociais e ambientais. Acima de tudo, benefícios ambientais globais, por ser um processo limpo de produção de energia renovável sem emissão de ga-ses do efeito estufa.
FMA – Este projeto tem algum significado especial para seu grupo?
Guilhermo – Em âmbito internacional, o projeto de Osório é um dos mais importantes para nosso grupo. Veja que aqui temos 150 MW instalados. Isto equivale a uma hidroelétrica maior do que Corumbá 4, recentemente inaugurada.
Como lhe disse, a Elecnor é hoje um dos principais grupos espanhóis na área de promoção e gestão integral de projetos e desenvolvimento de infra-estrutura. A Elecnor é sócia majoritária dos Parques Eólicos de Osório, através de sua subsidiária Enerfin Enervento, que tem como objeto impulsionar a atividade na área de energias renováveis.
Podemos dizer que durante seus quase 10 anos de trajetória, a Enerfin adquiriu grande experiência em promoção e exploração de parques eólicos. Atualmente, possui 650 MW em operação e mais de 1.500 MW em desenvolvimento pelo mundo. Isto é igual a uma Hidroelétrica do tama-nho de Paulo Afonso.
FMA – O investimento é integralmente privado?
Guilhermo – Posso lhe di-zer que trata-se de um investimento de capital inteiramente privado. R mais ainda: não especulativo, gerador de infra-estrutura e que veio para ficar. Ele está enquadrado nas exigências do Proinfa [Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de
Energia]. O investimento total é de R$ 670 milhões, tendo o
BNDES financiado R$ 465 mi-lhões, através de um consórcio entre o ABN Amro Real, Banco do Brasil, Banrisul, BRDE, Caixa RS e Santander. O restante foi investido pelo Grupo Elecnor.
FMA – Há planos para novos parques eólicos? Existe vontade de investir em bio-combustíveis?
Guilhermo – A área de Osório permite a possibilidade de ampliar a capacidade instalada destes parques. Mas esta é uma ação a ser desenvolvida no futuro. Mas, quando a gente entra com um empreendimento deste tamanho num país, não pode ficar alheio a outras oportunidades. Evidente que a empresa estuda outros investimentos tanto na área de energia como nos biocombustíveis.
FMA – Qual a próxima ação?
Guilhermo – Já estamos estudando uma próxima ação. O Grupo Elecnor prevê, ainda no setor eólico, a construção de um Parque Eólico em Palmares do Sul, também no Rio Grande, até 2008.
O processo de geração de energia eólica é inteiramente limpo,
isento de contaminações. Não emite gases poluentes,
causadores do chamado efeito estufa, responsável pelo aquecimento global.
-
Artigos4 meses ago
DIARIO DE BORDO E MINHA FORÇA AO REI PELÉ
-
Artigos4 meses ago
Orquestra Sinfônica de Brasília apresenta último concerto didático de 2022
-
Reportagens3 semanas ago
Instituto do Câncer reforça campanha contra o HPV e câncer do colo do útero
-
Reportagens4 meses ago
Escolas técnicas de Santa Maria e Paranoá abrem as portas em 2023
-
Artigos4 meses ago
Inovação verde
-
Artigos4 meses ago
Brasil, falta de Neymar e resultado das urnas
-
Reportagens4 meses ago
Princípios ESG aliados ao marketing beneficiam empresas
-
Reportagens4 meses ago
Visibilidade fora do campo: saiba mais sobre as profissões que ganham destaque durante a Copa do Mundo