Entrevistas
Geraldo Gentil e Marisa Cordeiro
No coração da Caatinga
No coração da Caatinga
Na busca de soluções para o Semi-Árido, a transposição do São Francisco continua sendo uma panacéia. O mais importante é a erradicação do analfabetismo, pai e mãe da pobreza.
Silvestre Gorgulho
18 de Junho de 2008
É possível conviver com qualidade social no Semi-Árido? Estará o bioma Caatinga com os dias contados? Sessenta profissionais de nível superior de várias origens, desde instituições federais, estaduais e da sociedade civil buscam as respostas. Em Lagoa Seca, próximo a Campina Grande-PB, nos altos da Borborema, esses profissionais participaram de um seminário como parte do curso de especialização por tutoria à distância, “Desenvolvimento Sustentável para o Semi-árido Brasileiro”. Meses depois, em João Pessoa, foi a vez do II Seminário Luso-Brasileiro sobre Agricultura Familiar e Desertificação. Nesses eventos foram discutidos diversos assuntos relacionados ao processo de desertificação na busca de soluções próprias para as Áreas Susceptíveis à Desertificação, que cobre mais de um milhão de quilômetros quadrados e onde vivem mais de 25 milhões de pessoas.
Geraldo Gentil e Marisa Cordeiro – Entrevista
Geraldo Gentil Vieira é engenheiro agrônomo pela Universidade Federal de Lavras e especializado em Irrigação e Solos:
“O importante é erradicar a pobreza e dar direito à cidadania. A questão é de sobrevivência e resistência”. O combate à desertificação é centrado na comunidade.
Folha do Meio – Como funciona o curso?
Geraldo Gentil – O curso é patrocinado pelo Ministério do Meio Ambiente por meio da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano, pela Universidade Federal de Campina Grande e pela ABEAS (ver glossário) e pelo IICA. O objetivo é prover os técnicos de informações básicas de como realizar o desenvolvimento sustentável para o Semi-Árido Brasileiro, garantindo e gerando técnicas para as atuais e futuras gerações. Os técnicos precisam definir novos caminhos para a fixação do homem no campo. E o enfoque está na vocação local e regional, na educação contextualizada visando a convivência do homem com o meio ambiente. Isto possibilita o desenvolvimento sustentável por meio do uso racional dos recursos naturais.
FMA – Vamos ao cerne da questão: é possível viver na região?
Marisa – Olha, vamos por partes. Grosso modo, é possível viver na região. Evidente que não é fácil, justamente pelas escassas e irregulares chuvas. E também pelos solos quase sempre rasos e salinos de origem cristalina.
Produzir e armazenar, tal como os povos em invernos rigorosos e climas áridos de outras latitudes, é a questão. A dificuldade é justamente sob o ângulo social e de degradação ambiental.
Isto envolve uma convivência de nebulosos 500 anos. Os primeiros passos foram dados nos anos 90 na COP-3 (Conferência das Partes das Nações Unidas), em Recife, e desde então muitos passos foram dados.
FMA – Qual o nível de conhecimento que temos sobre o Semi-árido?
Geraldo Gentil – Quem melhor definiu isto foi José Roberto de Lima, coordenador de Combate à Desertificação do MMA.
Para ele o nível de conhecimento que temos sobre o Semi-árido, e mais especificamente sobre os processos de desertificação no Brasil, ainda é muito incipiente. Isto vem dificultando um planejamento de longo prazo mais profundo.
Aliás, José Roberto de Lima lembra que este tem sido o motivo para que tantos planos, projetos e instituições públicas e privadas naufraguem em suas tentativas de promover o desenvolvimento regional. O Curso de Pós-Graduação é justamente uma tentativa de avançar neste esforço e aumentar nosso conhecimento sobre o Semi-árido.
FMA – O que é desertificação?
Geraldo Gentil – A desertificação é definida como a degradação do solo em regiões áridas, semi-áridas e sub-úmidas secas, resultante de fatores climáticos, geológicos, antrópicos e outros.
A complexidade da desertificação é conseqüência de práticas predatórias seculares como o desmatamento e queimadas para agricultura de subsistência e latifúndios, sobrepastoreio bovino e ovinocaprino, enfim, o retirar e nada repor, gerando pobreza e êxodo rural. Envolve temas tão diversos como antropologia, solo e água, flora e fauna, a biodiversidade-mãe, as sementes e o semear, o molhar das águas do telhado e o clima seco que tudo envolve.
FMA – O que vocês chamam de oasificação?
Geraldo Gentil – Conhecemos este neologismo em curso no Egito e, mais recentemente, citado pelo agrônomo Beranger Araújo em curso em Campina Grande. A oasificação é o processo contrário à desertificação. Não se trata de descobrir o problema da desertificação e sim de buscar soluções pela oasificação. Mediante técnicas próprias de captação e acumulação de água, solo, matéria orgânica e nutrientes, pode-se reverter a desertificação, inclusive em situações extremas. Sair da situação parda, seca e estéril, para outra, azul, verde e produtiva. Nada mais é que a formação de oásis em pequenas propriedades produtivas em torno de uma fonte d’água.
No Brasil o fazedor de oásis é o agrônomo Luciano Cordoval, da Embrapa, com as suas “barraginhas”.
FMA – E quais as possíveis soluções?
Marisa – Temos que criar com urgência programas produtivos familiares sustentáveis, unidades de conservação integrais, como parques nacionais, reservas ecológicas, RPPNs (Reserva Particular do Patrimônio Natural). A biodiversidade da Caatinga é riquíssima.
O Semi-Árido clama por recursos e soluções concretas sustentáveis. A educação formal, a profissionalizante, ambiental e as redes ajudam a catalisar idéias e práticas. Temos que preparar as pessoas e estimular o intercâmbio de experiências. Sem educação e não combatendo a ignorância, não há solução. Oficinas e cursos profissionalizantes denominados “Práticas do Aprender” trabalham a concepção, refletindo e analisando criticamente a partir da prática e da inserção da realidade vivenciada.
Geraldo Gentil – O PAN Brasil e a ASA-Brasil – Articulação do Semi-Árido, ong que congrega cerca de 800 instituições da sociedade civil no Semi-Árido Brasileiro, tem apresentado grandes propostas, como o P1MC, o Uma Terra Duas Águas (P1+2), as Sementes da Paixão, e outros como os Projetos Amanhã, o Mandala.
É preciso repensar e propor políticas públicas e ações de convivência sócio-econômica para a região. Tendo vivido por um período no Nordeste semi-árido – minha filha adorava passear nas feiras – acredito que as soluções podem e devem vir basicamente do próprio nordestino e do sertanejo, antes de tudo um forte, parodiando Euclides. O importante é erradicar a pobreza e dar direito à cidadania.
FMA – Ou seja, sem educação não há solução?
Marisa – É verdade, a educação profissionalizante é fundamental para a convivência com o Semi-árido brasileiro. Pensar urgentemente em propostas que valorizem as riquezas do Semi-árido e possibilitem oferecer um ensino mais significativo para os jovens visando sua fixação, voltadas para a melhoria das condições de vida no campo. Isto é responsabilidade de todos nós educadores, preocupados com o futuro das próximas gerações, tão desprovidas de oportunidades. É preciso pressa. Os jovens rurais são potenciais sabedores das formas de relacionar e explorar suas potencialidades, através da convivência sustentável com a região, construída com os saberes empíricos dos pais agricultores, a partir da luta pela água, pela terra, pelos seus direitos e cidadania, e principalmente pela sua própria sobrevivência. Porque não dizer, resistência.
Geraldo Gentil – Vejo o Nordeste e em especial o Semi-árido, como uma região polêmica e de grande potencial natural e social. Não fosse assim, não seria tão populosa.
Mas vejo que historicamente a região tem ficado defasada do desenvolvimento nacional, são precisos investimentos maciços para resgatá-la.
FMA – Faltam polícias públicas…
Geraldo Gentil – Sim, a verdade é que faltam políticas públicas consistentes, apropriadas para o clima seco, que deve ser visto não como entrave, mas como um fator capaz de gerar riquezas para seus filhos de forma sustentável. Para tanto todos precisam agir: é urgente erradicar o mal maior, o analfabetismo, o pai e mãe da pobreza. E junto, de imediato, há que se revitalizar as bacias e sub-bacias nordestinas, que estão à deriva, como a do rio Paraíba e tantas outras.
Muitos não acreditam que existe desertificação, mas é um processo que vem crescendo a olhos vistos e com uma gravidade cada dia maior.
“A educação profissionalizante é fundamental para
a convivência com o
Semi-árido. Pensar
urgentemente em
propostas que valorizem as riquezas do Semi-árido e
possibilitem oferecer um
ensino mais significativo para os jovens visando sua
fixação, voltadas para a
melhoria das condições de
vida no campo, uma questão de sobrevivência
e resistência”.
Em Campina Grande/Lagoa Seca-PB, participantes do Seminário sobre Convivência com o Semi-árido
Glossário
ABEAS – Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior.
ASD – Áreas Susceptíveis à Desertificação, cobrindo mais de um milhão de km² em nove estados, cujos focos mais degradados são os do Seridó-PB/RN, Gilbués-PI, Irauçuba-CE e Cabrobó-PE; muitos outros estão em formação acelerada. Vasconcelos Sobrinho foi o pesquisador que denominou “núcleo de desertificação” a ocorrência – isolada ou agregada – de manchas de solo onde o horizonte superficial encontra-se muito erodido e, em muitos casos, aflorando a rocha.
Barraginhas – Programa de oasificação concebido por Luciano Cordoval, da Embrapa/CNMS, para coleta de água de chuva segundo o princípio indiano “colher a gota de chuva em pé”, i. é, antes que as enxurradas causem erosões e atinjam os corpos d’água.
CPO-3 – Conferência das Partes das Nações Unidas, da Convenção de Combate à Desertificação, ocorrida em Recife em novembro de 1999.
DSSB – Curso de Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido Brasileiro.
IICA – Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura.
PAN Brasil – Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação da Seca do MMA, é um instrumento norteador que busca harmonizar ações e maior cooperação entre todos os envolvidos com a questão da desertificação; para tanto, a participação das comunidades é fundamental.
P1MC – Programa por um Milhão de Cisternas para coleta de água de chuva do telhado, do MMA.
Projeto Amanhã – Projeto da Codevasf para capacitação e organização profissionalizante de jovens com faixa etária entre 14 e 26 anos, tendo formado 15 mil jovens em 15 anos (veja matéria nesta edição); está em estudos a instalação de uma unidade em Gilbués; o ideal seria atuar em cada núcleo de desertificação, mas a Codevasf não atua no RN/PB e CE.
RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural, proteção espontânea da biodiversidade pelo proprietário, com averbação em cartório.
Sementes da Paixão – Rede de agricultores para troca de sementes locais ou nativas, que técnicamente são chamadas de “sementes crioulas”, com patrimônio genético do Semi-Árido.
Uma Terra Duas Águas (P 1+2) – Programa que propõe que cada agricultor tenha uma terra para plantar e duas fontes de água, uma para beber e outra para a produção agrícola.

Entrevistas
MARCOS TERENA

De filho pródigo à liderança internacional, o índio, piloto e cacique Marcos Terena, tornou-se um líder respeitado e o ponto de equilíbrio entre autoridades brancas e os povos indígenas.



Entrevistas
Luiz Simões Lopes – Entrevista sobre o início do ambientalismo
O precursor do ambientalismo no Brasil

LUIZ SIMÕES LOPES, o precursor do ambientalismo no Brasil
Silvestre Gorgulho, FGV Rio de Janeiro
“…Todos os povos precisam dedicar atenção às suas reservas florestais. As florestas, nas suas múltiplas utilidades, têm posto de alto relevo na vida das nações, sob o ponto de vista econômico, sanitário e social”.
“… Sob todas as latitudes campeia, infrene, um sinistro espírito de destruição e os homens, tomados de uma demência coletiva que lhes acende diabolicamente as órbitas, lançam-se contra a árvore, sua benfeitora, na ânsia de desnudar a Terra. Por toda parte precisam surgir medidas de proteção.”
“As matas estão cada dia fugindo mais das aglomerações humanas e muitos de vós terão recordação de matas das quais não existem nem vestígios hoje em dia… No Brasil, grande parte dos brasileiros não conhece sequer a árvore que deu nome à Pátria – o Pau Brasil.”
Mais atual, difícil. Mais oportuno, nunca. Quando vemos hoje a ONU e outras entidades propondo estratégias para se obter um desenvolvimento sustentável, recomendando maneiras e ajudando a definir noções comuns relativas a questões ambientais, não podemos imaginar que, neste mesmo Brasil, tão alvo de agressões do exterior, há 59 anos, precisamente em março de 1930, um brasileiro reformista, inconformado, empreendedor e sonhador já estava lutando pela nossa natureza. E fantástico ver que, este brasileiro, com 86 anos, despachando oito horas por dia em seu gabinete, ainda propõe soluções para o hoje e para o amanhã, com a mesma serenidade, lucidez e competência com que, em julho de 1938, por exemplo, promoveu o divisor de águas da administração pública brasileira com a criação do DASP, ou quando assinou a Exposição de Motivos ao presidente da República, para a criação da Fundação Getúlio Vargas.
O professor Luiz Simões Lopes, gaúcho, agrônomo formado em Belo Horizonte, um dos criadores da FBCN – Fundação Brasileira para Conservação da Natureza, mentor e primeiro Diretor Geral do Serviço Florestal, lançador de revistas sobre cultura e educação, como a Revista Florestal, de onde foram tiradas estas citações, desde a década de 20 sinalizava, pela primeira vez no País, “que a Terra era uma bola frágil e pequena, dominada não pela ação e pela obra do homem, mas por um conjunto ordenado de nuvens, oceanos, vegetação e solos” (Comissão Brundtland-1988) Simões Lopes vislumbrou, desde então, a grandiosidade desta tarefa. A humanidade precisava agir conforme essa ordenação natural. Há mais de meio século, este brasileiro – único na sua medida do País – deu seu grito de alerta. Viva a vida !
Silvestre Gorgulho foi até sua sala na FGV, no Rio, e conversou com o professor. Eis a entrevista publicada na primeira edição da Folha do Meio Ambiente, em 1989:
Seu pai, Idelfonso Simões Lopes, foi ministro da Agricultura de Epitácio Pessoa. Este fato influenciou sua formação de agrônomo?
Simões Lopes – Não, talvez tenha me interessado por agronomia, porque meu irmão mais velho estudou agronomia na Argentina. Numa escola famosa. E, também, porque nós tínhamos fazenda. Formei-me em Belo Horizonte, mais fui aluno da Escola Agrícola Luiz de Queiroz, em Piracicaba, lá fui presidente de uma associação de classe, que estava parada e que incluía também professores da escola. Consegui uma coisa muito importante que foi reviver a revista da associação que se chamava “O Solo”. Sou um criador de revistas. Em Niterói, trabalhei na revista “A Rama” e, no Ministério da Agricultura, criei a “Revista Florestal”, que passou a ser publicada pelo serviço Florestal do Ministério.
Todos os movimentos de saúde, de educação, de cultura e de valorizado do patrimônio têm seu apoio. Há 31 anos o senhor foi o fermento na criação da FBCN. Como foi?
Simões Lopes – Não, eu não fui o criador. Fui um dos que tomou parte naquele movimento. Havia muito. A fundação foi criada por um grupo grande. Nesta época, eu trabalhava com e presidente Juscelino Kubitschek.
Quando o senhor começou a trabalhar com floresta?
Simões Lopes – Eu já era funcionário do Ministério da Agricultura, em 1925, como oficial do Gabinete do ministro Miguel Calmon, e fui convidado para ser uma espécie de secretário da Comissão, que ele tinha designado para preparar a legislação inicial do Serviço Florestal.
O senhor também foi o criador de várias revistas.
Simões Lopes – É que eu já tinha um interesse muito grande pelo assunto. Em 1930, eu já tinha a “Revista Florestal”. Este aqui é um número bonito que consegui fazer (mostrando o exemplar). Eu era o diretor técnico; o Francisco Rodrigues de Alencar, diretor – gerente. Foi em julho e agosto de 1930. Impressa no Rio de Janeiro e à minha custa. Não havia dinheiro do governo, apenas de publicidade.
Como compatibilizar ecologia e desenvolvimento?
Simões Lopes – Não há incompatibilidade. O território onde está situado Berlim, uma das grandes cidades do mundo, tem 75% de sua área coberta de florestas.
Como o senhor vê a ocupação da Amazônia?
Simões Lopes – Considero uma destruição. Ela deveria ser ocupada, mas de maneira racional. A tecnologia tem que ir na frente. Cientificamente. Conservando as matas densas, explorando, de maneira racional, as florestas. As nossas florestas, inclusive, são muito ricas até em remédios. Tirar uma floresta nativa e substituí-la por uma floresta produtiva é perfeitamente justificável. Poderá fazer um manejo. As árvores também têm vida, elas não vivem para sempre. Há uma certa época em que elas podem ser cortadas, desde que sejam replantadas ou que as filhas delas continuam nascendo. Mas não fazem isso, porque as queimam.

Em relação aos compromissos assumidos na Rio 92 e não cumpridos, Kyoto foi um divisor de água?
Ministro – Sim. Em 92, os países desenvolvidos assumiram o compromisso voluntário de buscar atingir, por volta do ano 2000, os mesmos níveis de emissões de 1990 de gases de efeito estufa. O que não será cumprido por muitos dos países industrializados. Em Kyoto os países assumem o compromisso legal, e não mais voluntário, de redução de suas emissões. Neste aspecto, a Conferência de Kyoto marca o início de um processo irreversível, com a inclusão de um novo fator no ordenamento jurídico das relações internacionais, ou seja, o da necessidade de limitar as emissões dos chamados gases de efeito estufa, em especial gás carbônico, pelas atividades humanas sob pena de mudarmos o clima do planeta.
Os países em desenvolvimento vão ter acesso às tecnologias para um desenvolvimento limpo?
Ministro – A Convenção já estipula que os países em desenvolvimento devem procurar buscar trajetórias “mais limpas” de desenvolvimento social e econômico, ou seja, seguir desenvolvendo o país com menor emissão de gases de efeito estufa. A construção desta trajetória menos intensiva em gases de efeito estufa, entretanto, considerando que a maior prioridade dos países em desenvolvimento é o desenvolvimento sócio-econômico e, em especial, a erradicação da pobreza, está condicionada à obtenção de ajuda dos países desenvolvidos em termos de provisão de recursos e tecnologias adequados para este fim. A experiência obtida após 5 anos de implementação da Convenção nos mostra que esta ajuda não se materializou quer por dificuldades econômicas dos países desenvolvidos, quer pela falta de um mecanismo que acelerasse este processo. O Protocolo de Kyoto adotou como um de seus artigos, uma proposta, com modificações, que foi originalmente apresentada pelo Brasil e adotada por todo o bloco de países em desenvolvimento. Segundo esta proposta, será criado um Mecanismo de Desenvolvimento Limpo em que recursos dos países desenvolvidos poderão ser aplicados como “oportunidades para auxiliar no cumprimento dos seus tetos de emissão” em projetos que visem a redução de emissões de gases de efeito estufa em países em desenvolvimento. A entidade que operar este mecanismo também se encarregará de certificar que as reduções alcançadas por cada projeto produzam benefícios reais. Este mecanismo poderá ser uma maneira efetiva de produzir a necessária transferência de recursos e tecnologias para os países em desenvolvimento.
Quais os compromissos do Brasil?
Ministro – O Protocolo não estabelece metas de limitação de emissões para os países em desenvolvimento e, portanto, para o Brasil, porque estes países ainda se encontram em um estágio inicial de desenvolvimento com emissões crescentes. O compromisso do Brasil é o de avançar na implementação do compromisso inicial na Convenção, assumido na Conferência do Rio de Janeiro, em 92, por todos os países em desenvolvimento, ou seja, elaborar um diagnóstico da situação atual para apresentar às Nações Unidas. Neste diagnóstico serão estimadas nossas emissões dos principais gases de efeito estufa (em especial, gás carbônico, metano e óxido nitroso) em todos os setores de atividade humana que geram estes gases. É um esforço enorme se lembrarmos que as atividades humanas que geram gases de efeito estufa abrangem produção e uso de energia (termelétricas, refinarias, transporte, consumo nas residências etc.), produção de gases na indústria (cimento, química, papel e celulose, alumínio, uso de solventes, lubrificantes, vernizes e tintas etc.), uso da terra (desflorestamento, queimadas do cerrado, florestas plantadas), agricultura (pecuária, cultivo de arroz, uso de fertilizantes) e tratamento de lixo e esgoto. Neste esforço estamos envolvendo cerca de 60 instituições no Brasil dos diferentes níveis de governos, empresas públicas e privadas, universidades e organizações não-governamentais, com a ajuda dos maiores especialistas do assunto no país em cada um dos setores envolvidos.
Além do inventário de emissões, vamos apresentar o que o Brasil está fazendo no sentido de combater a mudança do clima. O Brasil tem feito muito em termos de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Iniciativas como o Pró-álcool, maior programa de energia renovável do mundo, o potencial instalado de 60 GW de hidrelétricas, os programas nacionais de conservação de energia, Procel (setor elétrico) e Conpet (setor petróleo e gás natural), o Prodeem (Programa de Desenvolvimento Energético de Estados e Municípios) são programas no setor energético que permitem que o Brasil apresente um dos menores índices, no mundo, de emissão de gases de efeito estufa por unidade de energia gerada. Na área de uso da terra, vamos apresentar o trabalho de combate e prevenção de queimadas, o Projeto Prevfogo. Também no combate ao desmatamento da floresta amazônica, o Brasil foi pioneiro em utilização de sensoreamento remoto por satélite para avaliar a área anual desmatada e as emissões de gases, e recente legislação busca retirar todos os incentivos que existiam no passado que originaram o quadro atual de desmatamento.
Pessoalmente, o senhor acha que a Conferência de Kyoto foi um avanço?
Ministro – Estou convencido de que a Conferência de Kyoto representa um novo passo no sentido de enfrentar o problema. A Convenção sobre Mudança do Clima, em 1992, estabeleceu o início do processo de discussão técnica, científica e política do problema de aquecimento global, um problema de longo prazo, assinado e ratificado por mais de 160 países. Em 1995, na 1º Conferência das Partes em Berlim, se verificou que os compromissos de estabilização das emissões contidos na Convenção não seriam atingidos e foi estabelecido o Mandato de Berlim para a elaboração de um protocolo que transformasse os compromissos voluntários em obrigação legais.
Berlim, depois Kyoto. O protocolo será cumprido?
Ministro – O Protocolo estabelecido em Kyoto em dezembro de 1997 é o fim do processo iniciado em Berlim. Mediante o Protocolo de Kyoto a Convenção segue aprofundando os compromissos dos países e, em especial, dos países desenvolvidos que agora se comprometem, em um documento com vínculos legais, a reduzirem seus níveis de emissões entre 2008 e 2012 em cerca de 5%, tomando como base as emissões de gases de efeito estufa realizadas em 1990. Apesar de ser considerada uma meta modesta por algumas entidades, deve-se reconhecer que alguns países, como os Estados Unidos, por exemplo, emitem atualmente gases de efeito estufa em níveis superiores a 10% acima dos níveis de 1990, o que mostra, por um lado, a dificuldade de definição de políticas voluntárias, como proposto originalmente na Convenção, que efetivamente controlem o nível de emissões geradas pelas atividades econômicas. Por outro lado, o esforço para o cumprimento das metas de Kyoto implica importantes mudanças nas sociedades daqueles países.
No entanto, o problema é de longo prazo e existem incertezas sobre os efeitos do aquecimento global ao nível regional e local. Os cenários do IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, que estimam aumentos da temperatura média da superfície terrestre entre 1 e 3,5 graus Celsius até o ano 2100; a dificuldade de separar os efeitos decorrentes da acumulação de gases de efeito estufa na atmosfera daqueles decorrentes da variabilidade natural do clima; os custos envolvidos ou o tempo necessário para a introdução de inovação tecnológica ou mudança de padrões de consumo são fatores que nos obrigam a planejar em um ambiente de incerteza e adotarmos a precaução como diretriz. A meta estabelecida em Kyoto, se cumprida, representa um primeiro passo na direção do desenvolvimento sustentável e na tentativa de combater o aquecimento global, ao mudarmos a tendência de interferência crescente das atividades humanas no sistema do clima.
Os países ricos vão cumprir o pouco que prometeram?
Ministro – As dificuldades da solução do problema de aquecimento global decorre basicamente do fato de que os gases de efeito estufa permanecem por longos períodos na atmosfera, sendo que o dióxido de carbono, o principal gás de efeito estufa, permanece por mais de um século na atmosfera. A proposta do Brasil, apresentada nas discussões preliminares para a elaboração do Protocolo, mostra que o problema do aquecimento global foi originado principalmente pelas emissões dos países industrializados após a revolução industrial. Cabe aos países industrializados tomarem a iniciativa de liderança no processo de combater a mudança de clima. Nesse sentido, todos esperamos o cumprimento do Protocolo e certamente haverá uma fiscalização e uma cobrança permanente das promessas feitas em Kyoto. Os países em desenvolvimento que tanto vêm fazendo, apesar de restrições financeiras e tecnológicas, continuarão na busca do desenvolvimento sustentado e estarão prontos para assumirem suas responsabilidades em relação a um regime universal e justo de repartição do ônus de evitar a mudança do clima no momento em que os países industrializados mostrarem que estão efetivamente reduzindo suas emissões em níveis inferiores aos de 1990.
SUMMARY
José Israel Vargas, 70 years of age, in addition to serving at the head of the Ministry of Science and Technology, presides over the Academy of Third World Sciences, with headquarters in Italy, and is vice-president of the World Independent Commission on the Oceans. He also lead the group of scientists and leaders of thought from Latin America in the elaboration of a document to be presented as a non-governmental proposal to the United Nations Assembly to be held this year in Lisbon to debate the question of the ocean environment. In his role of Minister, Vargas also headed the Brazilian delegation in international forums discussing the greenhouse effect. So who better than he to speak about the Kyoto Conference, where he played a most important part by virtue of his forthright and progressive positions.
In terms of the unfulfilled commitments made at Rio’92, was a watershed achieved at Kyoto?
Minister Vargas: Yes. In ’92, the developed countries made a voluntary commitment to seek, by the year 2000, to bring their emission of greenhouse gases back down to the same level as their 1990 emissions. Most of them have not fulfilled this promise. But in Kyoto these countries made a legally binding commitment, not a voluntary one, to reduce their emissions.
Do you personally feel that the Kyoto Conference was a move forward?
Minister Vargas: I am convinced that it represents a new step in the way we are confronting the problem. The Convention on Climate Change, signed and ratified in 1992 by over 160 countries, established the beginnings of the process of a technical, scientific and political discussion of the problem of global warming, a long-term problem. In 1995 the First Conference of the Parties in Berlin, it was verified that the commitment made in the Convention to stabilize emissions was not being met, leading to the formulation of the Berlin Mandate establishing the protocol for transforming the voluntary commitments into legal obligations.
Berlin, then Kyoto. Will these obligations be met?
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