Entrevistas
Raul Gonzalez Acosta – Entrevista
Animais de Circo – bichos não foram feitos para artistas
18 de Setembro de 2008
Animais de Circo
A operação para resgatar animais de um circo, em Brasília, transformou-se em pesadelo para dezenas de bichos e conseguiu deixar desidratado até um camelo. Depois de viajarem numa carreta de Brasília a Campo Grande (MS), percorrendo mais de dois mil quilômetros, estes animais chegaram totalmente estressados ao Zôo da Capital da República. A operação “resgate” do Ibama para salvar os animais de maus-tratos se revelou ainda mais torturante, devido a liminares judiciais. Apesar de um pônei ter morrido, duas dezenas de animais “amestrados”, que tinham sido apreendidos no Le Cirque, em meados de agosto, passam bem. Os últimos animais a chegar ao Zoo foram um rinoceronte branco macho, ameaçado de extinção, e um elefante africano macho. O embarque em Campo Grande foi vistoriado por uma equipe da Polícia Federal, para dar cumprimento à ordem do juiz federal Clorisvaldo Rodrigues, da 1ª Vara Federal de Campo Grande.
Bichos têm que se ‘virar nos trinta’ para sobreviver ao circo, ao Ibama e à Justiça
Foram travadas diferentes batalhas, no front do Judiciário, que autorizou o Ibama recolher elefantes, rinoceronte, girafas, pôneis, zebra, llanas e dois camelos que haviam sido levados para Campo Grande escondidos pelos donos do circo. Após denúncias de maus-tratos contra os animais e uma ação, frustrada do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que ameaçou um flagrante. Quem saiu ganhando com as trapalhadas e com a ação descabida do Judiciário, que autorizou a transferência dos animais para uma chácara na periferia da capital sul-matrogrossense, foi o Zoológico de Brasília.
Histórico das denúncias
Em agosto, o Ibama recebeu denúncias de maus-tratos a animais do Le Cirque, que estava armado a pouco mais de dois quilômetros do Ministério do Meio Ambiente. Com um mandado de busca e apreensão, o instituto queria a guarda temporária dos animais, mas o proprietário do circo conseguiu uma liminar na 3ª Vara Criminal da Circunscrição Especial de Brasília que autorizava a retomada da posse.
O dono do circo retirou os animais de Brasília, em 16 de agosto. Com a derrubada da liminar, o Ibama fez uma nova operação de apreensão dos animais no circo, mas já não encontrou mais nenhum deles, que foram levadas para Campo Grande. Veterinários que examinaram os animais na chegada de Campo Grande, se surpreenderam com Xuxa, uma elegante camela, capaz de encantar a todos.
Acostumada a sobreviver até oito dias sem beber água, Xuxa chegou em Brasília abatida, nem de longe lembrava a exuberante camela que animou milhares de crianças que frenquentavam o Le Cirque. Para o veterinário Antonio Ganme, chefe da Divisão de Fiscalização do Ibama, Xuxa apresentava sinais de anemia profunda e insuficiência renal. “Sem dúvidas, esse quadro é resultado dos maus-tratos sofridos nos últimos anos.” A mesma sorte não teve um dos dez pôneis que morreu no trajeto da viagem.
O diretor Raul Gonzalez fala sobre a operação do Ibama, sobre o sofrimento de animais de circo e sobre os zoológicos brasileiros.
A polícia ambiental tomou conta da área enquanto técnicos do Ibama recolhiam os animais.
Chocolate é um elefante africano, mais forte e mais inquieto do que seus colegas indianos. Ele vai receber uma área só para ele no Zoo.
A veterinária do Zoo de Brasília teve que dar soro para a camela Xuxa, bastante desidratada pela longa viagem.
Yuli, uma hipopótamo fêmea, trocou uma minúscula banheira no circo por um imenso lago com água corrente.
Raul Gonzalez Acosta – Entrevista
Raul Acosta, Diretor do Zoo de Brasília
Raul Gonzalez Acosta, 54 anos, diretor do Jardim Zoológico, tem uma vida dedicada aos animais. Economista, Raul nasceu no México, mas desde a primeira vez que veio ao Brasil com seu pai, não quis mais voltar para o México. Naturalizou-se brasileiro e “este é o meu País”, costuma dizer. Acosta já foi diretor e três vezes presidente da Sociedade de Zoológicos do Brasil. Profissional respeitado, entra governo e sai governo, Raul continua na linha de frente do Zoológico de Brasília elogiado por técnicos, ambientalistas e visitantes. O Zoo de Brasília é uma referência nacional. Conta hoje com mais de 1.300 animais. E a taxa de renovação natural das espécies, ou seja, a reprodução tem crescido a cada ano. Em 2000, o número de nascimento era de 15% do total de bichos. No ano seguinte, saltou para 25%. E em 2007 alcançou um recorde: 33%. Portanto, ninguém melhor para explicar estas questões sobre o uso de animais nos circos e na tevê.
FMA – Como o senhor vê o uso de animais – selvagens ou não – em circos?
Raul Acosta – No meu modo de ver, todos os animais têm que ter o respeito e a proteção do homem e não devem ser submetidos a ações contrárias a sua biologia ou as condições de vida que não são próprias de sua espécie. Nem devem ser submetidos a ambientes de estresse, mesmo que s
eja para entreter ou divertir o homem. Para isso temos artistas humanos maravilhosos, super-talentosos que devem ser valorizados e reconhecidos pelo seu valor. Animais não foram feitos para isso. Alem do que, os circos não têm a mínima condição de ofertar qualidade de vida aos próprios animais em função das características da vida nômade que levam.
FMA – E como o senhor vê o uso de animais – selvagens ou não – nos programas de TV?
Raul – Como dissemos, os animais não foram feitos para serem artistas. Eles devem ser respeitados como são. O bom na tevê é assistir apenas aos documentários que nos trazem conhecimento de como é a vida deles no seu habitat. Como se comportam, como é a biologia das espécies. É pelo conhecimento que vamos poder ajudá-los na sua conservação e na preservação de suas características naturais.
FMA – O fato dos animais estarem presos, enjaulados ou acorrentados, deveria bastar para que os circos fossem impedidos de abrirem suas portas?
Raul – Os circos precisam abrir as portas para os grandes artistas humanos. Animais têm seus lugares próprios de viver. Ou nas grandes reservas ou nos Jardins Zoológicos.
FMA – O circo recorreu à Justiça e obteve uma liminar que diz não haver maus tratos. Um laudo elaborado a partir da fiscalização atesta o contrário. Falta sensibilidade à justiça para estas questões?
Raul – Acho que as pessoas que elaboram os laudos devem deixar bem explícito o que é maus tratos. Um juiz que estudou leis e não estudou biologia, pode não entender que não basta só alimentar um animal. Eles como nós, precisam conviver com outros de sua própria espécie, precisam ter sua biologia, anatomia, fisiologia respeitadas. Como você coloca um elefante de mais de 3000 kg equilibrando-se em cima de um tamborete? É óbvio que isso trará sérias conseqüências àquela espécime, pois está indo contra sua própria natureza. Todos os elefantes em circos possuem problemas graves em suas articulações. Isso não é maus tratos? O homem, para seu divertimento, vaidade e para saciar sua ânsia de acumulação de capital, faz com que um animal que na natureza anda muito, fique preso, suba em um banquinho, etc… causando seqüelas graves, dores crônicas para o resto de sua vida… A pessoa que faz o laudo tem que deixar bem explícito todos esses fatos para que o juiz use adequadamente as leis.
FMA – Segundo Ricardo Gondor Junior, do Le Cirque, todos os animais entraram no País legalmente, são documentados e têm autorização do Ibama. E não teria como se desfazer de animais que estão no circo há 50 anos…
Raul – O que podemos constatar na documentação do circo que tivemos acesso pelas fichas de vistoria do Ibama, nenhum dos animais está com eles há 50 anos. O que está a mais tempo é a elefanta Madras, adquirida em 1966. Os demais estão há poucos anos. Eles podem ter a documentação de entrada dos animais, mas não possuem documentação sanitária obrigatória para estar mudando de estado para estado, de cidade para cidade colocando em risco nossas defesas sanitárias contra doenças como febre aftosa, anemia infecciosa eqüina, tuberculose etc.
FMA – O advogado Luiz Sabóia argumentou que os maus tratos são o que os fiscais fizeram, deixando os animais três horas sem água…
Raul – Com todo o respeito, o advogado deveria estar mais por dentro do que significa maus tratos para poder defender a contento seus clientes.
FMA – Os circos perderiam sua popularidade se detalhes dos tratamentos dos animais fossem amplamente divulgados?
Raul – Com certeza! Por isso mais uma vez enfatizamos que está na hora de mudarmos nossos conceitos e investirmos mais nos talentos humanos, na capacidade humana de representar e levar alegria aos espectadores.
FMA – Há vários projetos de lei no Congresso para colocar ordem no picadeiro. O que diz a lei brasileira hoje?
Raul – Infelizmente não temos uma legislação própria para circo, mas temos um das melhores legislações ambientais do mundo. E a nossa constituição garante a proteção e o direito a vida de todas as espécies.
FMA – E qual seria uma boa lei para coibir tantos abusos?
Raul – É só seguir a Constituição Brasileira e a Lei de Crimes Ambientais.
FMA – Como o senhor vê hoje as condições dos zôos brasileiros?
Raul – Infelizmente temos muitos zoológicos brasileiros em condições precárias necessitando de modificações profundas em suas estruturas e em seu modo de atuar.
FMA – Quais os parâmetros de um zoológico ideal?
Raul – Um zoológico ideal é aquele que dá aos animais um recinto mais próximo possível de seu habitat, respeitando as características biológicas e o comportamento de cada espécie. Para ser um Zôo eficiente há que trabalhar com a conservação, pesquisa científica, lazer e educação ambiental.
FMA – Num ranking de competência, eficiência e sustentabilidade quais os melhores zoológicos do Brasil?
Raul – Acredito que dentre os melhores estão os de Belo Horizonte, Brasília, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Sorocaba, Bauru.
FMA – Tem algum zoológico modelo no mundo?
Raul – Existem alguns zoológicos nos Estados Unidos e Europa que conseguiram recriar o habitat dos animais, de modo que o animal fique isolado das pessoas vivendo naturalmente, com tranqüilidade e segurança.

Entrevistas
MARCOS TERENA

De filho pródigo à liderança internacional, o índio, piloto e cacique Marcos Terena, tornou-se um líder respeitado e o ponto de equilíbrio entre autoridades brancas e os povos indígenas.



Entrevistas
Paulo Vanzolini: poeta-pesquisador e sambista-zoólogo
Na fronteira da Amazônia não tem Brasil, nem Peru, nem Colômbia. É de quem paga mais

ONG para mim não vale nada, com raríssimas exceções.
E quem mora na Amazônia sabe que está cheio de falsos missionários
“O Rio Amazonas é uma paisagem
diversificada que sempre me atraiu
muito pelo aspecto biológico
e humano. Flora e fauna são fantásticas.
As populações ribeirinhas de origem mista,
caboclas, indiáticas e nordestinas
estão belamente adaptadas
à vida no grande rio”.
Primeiro, uma auto-definição:
Eu sou Paulo Vanzolini / Animal de muita fama / Que tanto corre no seco / Como na varge de lama / Mas quando o marido chega / Corre pra baixo da cama
Silvestre Gorgulho, de Brasília
Um breve perfil: todo brasileiro conhece Paulo Vanzolini se o identificarmos como compositor e sambista, autor de “Ronda” e “Volta por Cima”. Poucos brasileiros o conhecem como zoólogo, formado em medicina pela Escola de Medicina da USP e que fez seu doutorado em Harvard, de 1947 a 1950, tendo como orientador o pai da Zoologia Comparada, o mestre A. S. Romer. Assim, Vanzolini são vários: um pouco de artista, muito de músico, bastante de cientista e um colosso de brasileiro. O campo de estudo principal do doutor Paulo Emílio Vanzolini é a Herpetologia, a parte da Biologia que engloba os répteis e anfíbios. Viajou extensivamente pelo Brasil e América Latina e se considera o último dos viajantes clássicos. Pesquisou profundamente a Amazônia, sendo reconhecido mundialmente como uma das maiores autoridades sobre o ecossistema amazônico. A ligação e paixão de Vanzolini pela Amazônia começou em 1944 quando foi passar férias no Pará e subiu o rio Anapari com um caçador de borboletas. Perdeu a conta de quantas viagens já fez nos mais de 50 anos de pesquisas na Amazônia e enumera devagar os rios que percorreu: Anapari, Juruá, Purus, Madeira, Xingu, Araguaia, Tocantins, Japurá, Negro, Branco, Trombetas, Solimões, Nhamundá e muitos de seus afluentes. Desde 1946 está ligado ao Museu de Zoologia da USP. Hoje, com 76 anos e aposentado, Vanzolini ainda trabalha de domingo a domingo e conserva duas grandes salas rodeado de mapas, livros e vidros com exemplares de lagartos, sapos e cobras. A biblioteca é a maior coleção herpetológica do mundo. Com duas ex-alunas ele é também sócio da MVA, uma pequena empresa que realiza estudos de impacto ambiental. Em sua carreira, Vanzolini orientou 36 teses de doutoramento. Membro da American Society of Ictiologists and Herpetologists, ele é pesquisador associado do Museu de Harvard, do Museu de História Natural de Nova York e do Smithsonian. Essa entrevista foi feita pelo cineasta e amigo Ricardo Dias, diretor dos filmes “No Rio das Amazonas” e “Fé” e que, desde 1985, vem documentando seu trabalho. Fã incondicional de Paulo Vanzolini, eu próprio fiz questão de conhecer um pouco mais de sua obra científica. Uma maravilha! Tão linda quanto o show que fui assistir no restaurante brasiliense “Feitiço Mineiro”, agora em outubro, onde com a cantora Ana Bernardo, Vanzolini falou de sua história, contou “causos” e mais “causos” e ainda soltou a voz cantando suas melodias inesquecíveis. Infelizmente, ou felizmente, só não pude escutá-lo cantando “Ronda”. Sabe por quê? Os presentes no ” Feitiço” fizeram um coro tão uníssono, tão forte e tão bonito que foi de arrepiar. Mas agora vamos à entrevista sobre a Amazônia, sobre a ciência e sobre os políticos. Um outro mundo de Paulo Vanzolini que vale a pena conhecer. Esta entrevista foi feita pelo cineasta Ricardo Dias.
No caso da Amazônia, o que significa fronteira?
Paulo Vanzolini – Fronteira na Amazônia não existe. Você passa de um lado para outro, mora do lado de lá e vive do lado de cá. Passa por cima. É uma linha imaginária. Eu, por exemplo, quando trabalhei no Acre, metade do material que está aqui rotulado como Acre, na realidade é Bolívia. Mas 50 metros além da fronteira não fazem diferença. Também em Roraima você passa para a Guyana, ali em Lethem, com a maior facilidade. O pessoal da Guiana vem à missa em Bonfim. Agora, onde tem estrada, como de Roraima para a Venezuela, você tem controle. Ali é uma chateação danada, da Vila Pacarâima, o chamado BV8, no marco 8 da fronteira, tem o exército. Onde tem o exército é uma chateação.
E nessa guerra do narcotráfico entre Estados Unidos, Governo colombiano e terroristas. O que vai acontecer?
Vanzolini – É difícil dizer, porque a gente não sabe quais são as forças armadas. Do lado do Brasil tem uma turma de militares dedicadíssimos à Amazônia, o pessoal da Guerra na Selva, o coronel Fregapani, por exemplo. É um pessoal completamente alucinado.Um pessoal muito ruim esse pessoal do exército lá. Agora, eles são missionários, são fanáticos. O Fregapani chegava e dizia assim para mim: – Paulo, vamos raciocinar juntos. Esses índios Ianomami têm identidade étnica?
– É lógico que têm. Só casam com Ianomami.
Paulo Vanzolini canta e conta “causos” no restaurante “Feitiço Mineiro”, em Brasília
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– E veja, Paulo, que eles têm identidade linguística e cultural, pois só falam Ianomami…
Então, rapaz, se nós damos terra para eles, eles viram uma nação. Aí um levanta e diz “Sou o rei dos Ianomami, vamos nos separar do Brasil!” Imediatamente os Estados Unidos apoiam e amanhã nós perdemos um pedaço do Brasil.
– Fregapani, 9 mil índios descalços tirarem um pedaço do Brasil?
– Paulo, vocês são muito ingênuos, não enxergam o perigo!
Então, é um pessoal muito ruim. Pode fazer besteira, compreende? De repente eles se metem a defender a Pátria Amada Idolatrada e sai um tiroteio danado.
O senhor sempre fala sobre as fronteiras do rio Içá…
Vanzolini – Pois é, o Içá é um rio binacional. Ele nasce na Colômbia e morre no Brasil. Ele é Putumayo, Isau Putumayo. Ele é um rio de muito índio, como os Boras. Então tem muita comunidade protestante, tem muita missão. É um lugar bastante complicado, porque no meio dessas missões tem um monte de espião da CIA. Quando eu estava no rio Negro e fiz amizade com missionários americanos, eles “dedavam” os outros: “Aquele é da CIA!” Quem mora lá sabe que está cheio de falso missionário na Amazônia.
E qual é o objetivo deles?
Vanzolini – Na minha opinião é vigilância política. Olheiros, simplesmente saber como estão as coisas. Os Estados Unidos não querem nunca serem apanhados despreparados. Agora, as interpretações variam, desde achar que amanhã eles estão roubando o Brasil, a achar que são boa gente. Na minha opinião é o seguinte: busca de informação. Missionários têm muita facilidade de contato e, por isso mesmo, são bons colhedores de informação.
O Aziz Ab’Saber, notável geógrafo e militante de causas políticas e ambientais, está sempre reclamando da reação dos norte-americanos em relação ao incêndio de Roraima. Eles estariam dizendo que o incêndio seria uma demonstração de que o Brasil não teria capacidade de administrar a Amazônia. O que o senhor acha?
Vanzolini – Essa coisa dos americanos e ingleses vem lá do século XIX. Basta ler a história da Bolívia. O Acre é brasileiro só porque a Bolívia cedeu direitos, inclusive de polícia, para uma companhia anglo-americana. Quer dizer, eles sempre tiveram essa idéia de que quem sabe administrar são eles. Quando o Brasil, por causa do Acre, fechou o rio Amazonas, os americanos quase invadiram o Brasil. Porque o comércio é sagrado e o comércio de lugares atrasados é deles. Então sempre houve isso, porque eles acreditam que quem sabe administrar são eles mesmo. Mas eu não creio nisso no caso do Brasil. Hoje em dia, os Estados Unidos tem respeito pelo Brasil. E tem, inclusive, respeito intelectual.
Então eles estariam de fato querendo ajudar?
Vanzolini – Eles não querem é sair perdendo. Você precisa pensar o seguinte: o problema do narcotráfico nos Estados Unidos é seríssimo. É um câncer social. Veja bem, eles não estão defendendo a Colômbia nem o Brasil, eles estão defendendo os Estados Unidos contra o narcotráfico.
Mas o noticiário diz que praticamente 50% dos insumos para o tráfico na Colômbia, vem dos Estados Unidos.
Vanzolini – Meu amigo, não seja ingênuo. A sociedade capitalista está aí para vender e comprar.
E nessa história como é que fica o caboclo amazônico, que você conhece muito bem?
Vanzolini – Essa é a realidade humana. A minha impressão é que quem pagar o caboclo, o caboclo vai atrás.
Pode ser tanto o missionário, quanto o garimpeiro, quanto o traficante, quanto o guerrilheiro?
Vanzolini – Não faz diferença nenhuma. O caboclo é muito desconfiado. Você saber o que está na cabeça dele é muito difícil. No tempo em que eu ficava bastante tempo lá, eu acabava sentindo a turma. Mas nos últimos anos eu não tenho tido mais a oportunidade de sentir o caboclo da Amazônia. A impressão que eu tenho é a seguinte: ele não tem lealdade pelo exército, nenhuma. Não tem Pátria Amada Idolatrada para ele. Ele vai com quem pagar.
E se garantir saúde, escola…
Vanzolini – Não! É quem pagar, é toma lá, dá cá!
O senhor conhece esses lugares onde, hoje, estão a guerrilha e os traficantes na Colômbia?
Vanzolini – Conheço sim. É uma região de Amazônia pura, de Vila Vicencio para o sul.
E o tipo de vida é igual à nossa Amazônia? Então se pagarem para o caboclo ele trabalha para narcotráfico, sem problema?
Vanzolini – Já está trabalhando. Olha bem, o Peru, Colômbia e aquele pedaço do estado do Amazonas é um país só. E deles. Não tem nada que ver nem com Colômbia, nem com o Peru, nem com o Brasil. É do povo que vive lá. Uns tipos muito isolados e muito independentes.
E nem a população cresce muito?
Vanzolini – É verdade. É um por um. Nasce um e morre um. Também não tem migração para lá. Um dia eu estava em Tefé e fui ao campo de aviação. Tinha chegado um incêndio na beira do aeroporto. Eu comentei que aquilo era um perigo e eles disseram que não era nada. Era só uma plantação de coca sendo queimada. Tinha uma plantação de coca, de epadu, encostada no campo de pouso.
Essa relação com o tráfico vem de longe. E agora o que acontece se de repente começam a jogar agente laranja e destruir tudo. O que esse povo vai fazer?
Vanzolini – Há uns 15 anos teve uma missão brasileira do Pacto Amazônico e foi o Aristides Pacheco Leão, que era presidente da Academia Brasileira de Ciência, que chefiou essa missão. Fui eu, foi o Seixas Lourenço, que depois foi diretor do Museu Goeldi e Secretário da Amazônia no Ministério do Meio Ambiente. Foi, também, o antropólogo e indianista Roberto Cardoso. E nós estivemos no Conselho de Pesquisa do Peru e o presidente do Conselho disse: “Se a Colômbia acaba com o narcotráfico, ela acaba é com a Colômbia. O que sustenta esse país é a cocaína. Não se iludam! Nós não temos nada para vender a não ser cocaína.” Isso dito pelo presidente do CNPQ deles.
Vanzolini conversa com o pescador Vitorino Malheiros, na ilha do Camaleão, Baixo Amazonas
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E na questão da defesa do meio ambiente. As ONGs tentando defender as comunidades, todo esse trabalho?
Vanzolini – Aí você tem o José Márcio Ayres, no Mamirauá, na boca do Japurá. Aquela é uma região muito boa de bicho. Uma região meio pantanosa entre o Japurá e o Amazonas. O Márcio está fazendo uma coisa inteligente, sensata.
Está organizando as comunidades. É a única coisa que eu conheço de defesa da Amazônia. Ele está organizando o pessoal, o pessoal tem uma certa democracia, um certo espírito público. Ele está fazendo um serviço bom, desse ponto de vista. O José Márcio agora está em Belém, no Museu Goeldi. Agora, vou dizer uma coisa para vocês. ONG, pra mim, não vale nada.
Por que essa opinião tão negativa sobre as ONGs?
Vanzolini – Em primeiro lugar porque são fanáticos. Radicais. Você sabe que todo fanatismo não tem objetividade. São muito ignorantes e muito pretensiosos. Dos muitos que eu conheço, eu tenho a impressão que eles têm a paixão do poder: É aquele negócio: – Nossa ONG parou esta obra! Eu posso mais do que o governo! Eu posso mais do que uma hidroelétrica! Tem muito disso. Claro que também tem muita gente boa, mas são poucos.
Como é essa coisa que o senhor fala da motosserra e do trator?
Vanzolini – Bem, é que o trator não significa muito. Mas a motosserra é vida. A Amazônia ainda não chegou nesse ponto, mas se você for ao Espírito Santo, você encontra ladrão de madeira. O nego vai de motosserra à noite, derruba um jacarandá, tira as toras, bota na perua e vai vender. Claro que a copa da árvore fica e você sabe que o tronco foi roubado. A Amazônia ainda não chegou nesse ponto. Eu tenho a impressão que não passam de seis ou sete tipos de madeiras amazônicas que são exportáveis, porque são madeiras que dão plaqueado fino. Madeira de gram muito uniforme. É uma gilete que vai descascando. Um tronco de um metro acaba fino como um palmito. Ninguém compra madeira amazônica para fazer móvel maciço.
Mas por que a motosserra é vida?
Vanzolini – Veja bem. Se o caboclo tem um freguês que compre uma boa árvore por mês, esse caboclo faz a sua vida. Eu vi lotarem um navio com dez mil toneladas de madeira, no baixo Amazonas, na década de setenta. Olha, dez mil toneladas é madeira pra burro. E toda essa madeira era trazida em pequenas jangadas. Não era aquele jangadão que leva dois dias passando. Eram jangadas de caboclo. Madeira comprada de caboclo. Então a motosserra para o caboclo, principalmente depois que ela está paga, representa uma certeza de lucro. É a vida dele.
E ele não tem nenhum constrangimento em derrubar?
Vanzolini – Para o caboclo, lá tem madeira demais. Nunca vai acabar. Ele considera uma loucura você se preocupar com isso.
Fale um pouco mais sobre os pastores e os missionários.
Vanzolini – A missão protestante na Amazônia é antiga. Do século XIX. Recebeu um grande influxo na década de sessenta com aquele negócio de Novas Tribos. Parte foi movimento autêntico dentro das igrejas protestantes missionárias proselitistas e parte foi a CIA mesmo. A CIA fez um bruto investimento em missões protestantes. Isso você aprende conversando com o missionário. Ele diz: “Fulano é da CIA”. Agora é como eu digo, eu penso que eles não são treinados para intervir, são treinados para observar. Eles são o dedo no pulso da gente. Posso estar errado, mas é difícil!
Mas eles vão fazer a cabeça das pessoas? Vão levar os índios e caboclos para Jesus, ou isso é secundário?
Vanzolini – O pessoal com que eles lidam não vai para Jesus de jeito nenhum. Por exemplo, eu fiquei no rio Negro, na casa de um missionário. E ele ficava desesperado, porque no quintal tinha uma árvore que era o maior alucinógeno da região. Os índios se reuniam lá para tomar esse paricá e faziam as maiores orgias no quintal da casa do missionário. Ele ficava alucinado, chorava, se trancava, mas não adiantava nada. É um pessoal que faz muito negócio com Jesus mas não se entrega. Por outro lado você encontra uns núcleos pequenos alucinados. Por exemplo, uma comunidade protestante que conheci no baixo Amazonas. Os missionários ocupavam quinze minutos por noite de uma emissora na ilha de Bonaire com um programa de rádio. Duas horas da madrugada, baixava o Espírito Santo em todo mundo. Imagina o que eles não se sacrificavam para pagar isso aí. E eles eram completamente refratários a qualquer contato. Me puseram para fora, não me deixaram ficar lá.
Vanzolini durante as filmagens “No Rio das Amazonas” com o mercado Ver-o-Peso, em Belém, ao fundo |
Por que é tão difícil a política na Amazônia?
Vanzolini – O amazônida é uma romântico danado, cheio de superlativos. A maior floresta, a enorme fertilidade, a maior diversidade… Ninguém pensa na Amazônia com a cabeça fria. É como dizia Artur César Ferreira, que era um bom historiador, um sujeito inteligente que tinha aquela paixão pela Amazônia: – A Amazônia é tudo, não tem nada que chegue nos pés da Amazônia… E a Amazônia vem sendo vítima. A Amazônia é muito difícil de explorar. Precisa estudar mas esse pessoal não tem capacidade intelectual para estudar. A formação intelectual do amazônida é muito ruim no geral.
E os políticos da Amazônia?
Vanzolini – Eles representam pouco. Eles não têm o menor interesse na preservação. Eles estão é fazendo cacife político. Querem voto. Qual era a receita do Gilberto para o futuro da Amazônia? “Uma motosserra para cada família.” Isso era plataforma política de Gilberto Mestrinho.
Mas hoje em dia ele tem um discurso um pouco diferente.
Vanzolini – Só discurso. Mas a cabeça de Mestrinho não mudou…
E a Zona Franca de Manaus?
Vanzolini – No fundo, a Zona Franca de Manaus é considerada um grande fracasso pelos amazonenses, pois deu foi muito dinheiro para São Paulo. Eu não conheço economia para dizer isso, mas o pessoal mais consciente é muito amargo em relação à Zona Franca. Sabe o que a Zona Franca faz? Mete um negócio num container, mete o container no navio ou avião e manda direto para São Paulo.
E o que significa o garimpo como linha de frente de ocupação?
Vanzolini – O garimpo não é amazônida. O garimpeiro é maranhense, é mineiro, cearense ou baiano. E é obcecado pelo ouro. Eu vi no Tapajós uma vez, dois primos maranhenses que foram para o garimpo de Itaituba e pegaram 1,2 kg de ouro. Na volta um matou o outro e tirou a pele do rosto para ninguém reconhecer o morto. Quer dizer, o garimpeiro é desumano… Eu acabava com os garimpeiros. O que eles fizeram com os Ianomamis é abominável.
Por que continua a invasão da pecuária se aparentemente todos sabem que derrubar a mata para criar gado é muito menos rentável que a preservação da floresta?
Vanzolini – Na Amazônia, mesmo, é muito pouco o que se faz de pastagem. É caríssimo! Hoje o cara faz uma pastagem pequena, porque não existe a pecuária como indústria.
E o caso de Rondônia?
Vanzolini – Rondônia foi outra coisa, foi café. Café robusta, o café mais ordinário que existe. Veja como é difícil falar sobre a Amazônia. Eu me esqueci completamente que Rondônia é Amazônia, mas é.
Vamos voltar ao caboclo: qual a diferença entre ser miserável e ser desassistido?
Vanzolini – As coisas que não podem ser feitas pela pessoa não tem na Amazônia. Aquilo que é institucional, aquilo que governo devia dar, não tem. Começa com escola. Você vê o problema de escola lá qual é. Quer dizer, é uma menina mal alfabetizada que ensina as crianças. O povo é desassistido nesse sentido de não ter saúde e educação. Qual foi a grande arma do Gilberto Mestrinho para ficar dono do Amazonas? Maternidade Dona Balbina Mestrinho. Ele com os amigos dele meteram uma maternidade em cada canto do estado do Amazonas. Depois os milicos mandaram pintar por cima do nome, mas o povo pintou com uma caiação bem leve, de modo que você contra a luz via o nome. E o caboclo dizia: “tá vendo, é coisa de Gilberto e eles tão dizendo que é deles”.
Vamos falar sobre a presença de outros estrangeiros, os cientistas e pesquisadores desde o Wallace, o Bates até o Fearnside. Qual sua opinião?
Vanzolini – Vamos pegar como exemplo Harold Sioli. Ele fez a carreira dele baseado na Amazônia e acabou como o maior chefe de Instituto da Max Planck, na Alemanha. E foi ele quem começou limnologia (estudo das águas interiores) na Amazônia. Se nós temos limnologia na Amazônia, quem abriu a porta foi Harold Sioli. É dele o conceito de rio de água branca, de água verde, de água preta. O Fearnside, por exemplo, a tese dele, que é o ano de uma propriedade rural na Transamazônica, (Human Carrying Capacity of the Tropical Rain Forest) é a primeira coisa séria que existe sobre exploração agrícola da Amazônia. Então, um bom cientista estrangeiro é um benefício tremendo. Eu fiquei conhecendo o Fearnside por intermédio de dois americanos que estiveram aqui no Brasil fazendo um trabalho de sapos em Boracea. Vieram com bolsa da NSF, ou melhor, da National Science Foundation. O chefe deles era um burro e fez um projeto inviável. Ele fez um plano que deveriam pegar não sei quantos sapos por mês. Quando chegou em março e não pegavam mais sapos, porque acabaram os sapos de Boracea, porque Boracea só tem sapos de novembro a fevereiro. O cara tinha que se explicar na NSF e veio com uma história de que os dois pesquisadores não trabalharam direito. A NSF perguntou para mim se era verdade. Eu disse que não! Aliás, esse imbecil deveria ter a decência de perguntar se o projeto era viável. Os rapazes depois que escaparam dessa armadilha do chefe, ficaram muito meus amigos e um deles me escreveu sobre um amigo que era um grande ecólogo humano que ia fazer a tese na Índia. Mas a Índia estava em litígio com os Estados Unidos e proibiram a entrada de cientistas americanos. Ele me pediu para ver se arranjava para ele vir para o Brasil. Então eu arrumei para o Fearnside vir. E foi uma loucura, porque todos os agrônomos brasileiros eram contra o Fearnside. Uma ciumeira danada.
Como foi esse trabalho do Fearnside?
Vanzolini – O que ele fez foi acompanhar uma propriedade agrícola na Transamazônica durante um ano, sendo que ele pesquisou no campo de 74 a 76. Um trabalho lindo que é a tese dele na Universidade de Michigan? “Human Carrying Capacity of the Brazilian Rainforest”. O Fearnside é muito sensível e ele pegou por exemplo essa agricultura de roça que você queima, tem vez que queima bem, tem vez que queima mal. O resultado depende muito da qualidade da coivara. Ele fez um trabalho bem completo, não só do ponto de vista da economia rural, mas de tecnologia de caboclo também. Ele entrou muito bem no mundo do caboclo. Ele é um cara maravilhoso e o livro dele é absolutamente básico para qualquer um que queira conhecer a Amazônia.
Agora outros personagens: Jarbas Passarinho, Jáder Barbalho, ACM?
Vanzolini – Vou te contar uma história. Uma vez eu estava numa estação de televisão na Bahia e lá estava um deputado sendo entrevistado. A repórter perguntou: “É verdade que o senhor nomeou sua filha para tal emprego, para o qual ela não tem a menor competência, ganhando um dinheirão? Ele respondeu: “Nomeei, e daqui a dezoito anos nomeio o filho dela porque quem trata da minha família sou eu.” E o estúdio inteiro rompeu em palmas. O Jarbas é isso, ele é um político brasileiro tradicional. Quando o Jarbas era governador do Pará, na véspera de eleição, nenhum barco de oposição podia sair no rio. Barco de oposição chegava, vinha a fiscalização em cima. Eleitor do adversário não chegava na urna. Não tem nada de personalidade militar. É mais um político do tipo tradicional. Quanto ao Jáder e ACM são todos uns “Collorzinhos de Mello”.
Vanzolini: trabalho bom e inteligente de ONG só o do José Márcio Ayres, em Mamirauá |
E os institutos de pesquisa como o INPA, Museu Goeldi, qual o papel deles?
Vanzolini – É zero. Não têm densidade científica para pesar. A qualidade da pesquisa é muito ruim, a consciência deles é muito primitiva.
Mas nunca teve qualidade?
Vanzolini – Quer dizer, de vez em quando você tem um Fearnside no INPA, porque aconteceu um cara bom. O Museu Goeldi nunca teve nada que prestasse, nunca. Começando pelo Goeldi, que não gostava de brasileiros.
Que história é essa?
Vanzolini – O Goeldi era racista, ele não gostava de brasileiros. Ele era um suiço-alemão que veio para cá naquela colônia suiça de Teresópolis, no final do século passado. Um exemplo: o Carlos Moreira, que foi o primeiro especialista em crustáceos que teve no Brasil, era do Museu Nacional e era loiro. Um dia o Goeldi chegou para ele indignado: – O senhor mentiu para mim. Eu estava certo que o senhor era anglo-saxão e o senhor é filho de portugueses. Deu a maior bronca no Carlos Moreira porque não era anglo-saxão. Outro exemplo: quando a Inspetoria de Pesca, no Rio de Janeiro, comprou um navio chamado Annie, que tinha um trol com uma rede de 200 metros, começamos a conhecer as espécies da costa do Brasil. Foi uma loucura, o que começou a entrar de peixes que não se sabia que existiam no Brasil. O ictiólogo Alípio Miranda Ribeiro, que era do Museu Nacional, começou a descrever as espécies. Sabe o que o Goeldi fazia? Ia ao mercado, comprava os peixes do Annie e mandava para o Museu Britânico. Resultado: o trabalho do Tate Reagan, ictiólogo do Museu Britânico, saiu quase ao mesmo tempo do trabalho do Alípio Miranda Ribeiro.
E aqui, a USP como vai?
Vanzolini – A USP está numa hora muito ruim. A ciência brasileira está numa hora muito ruim e uma das causas é que houve uma expansão muito grande da pós-graduação, e essa expansão baixou o nível. Com o tempo vai haver seleção natural e as faculdades ruins e os doutores ruins vão ficar pelo caminho. Mas no momento está muito baixo o nível. E CNPQ e FAPESP com muito dinheiro, está dando dinheiro para tudo quanto é pesquisa ruim.
Normalmente o que se fala é que falta dinheiro para pesquisa, por que o senhor pensa diferente?
Vanzolini – Porque eu vejo o que sobra de dinheiro na FAPESP, onde eu fui conselheiro vários anos e também assessor do Oscar Salla na época que ele foi diretor. Hoje, o que eu vejo é que depois de dar bolsas descabidas para uma produção de baixa qualidade, ainda sobram oito, dez milhões por ano. A FAPESP dá dinheiro para qualquer um fazer pós-graduação. Lembrando que é só a FAPESP que tem dinheiro. Quando eu fiz a lei da FAPESP eu botei que ela devia investir 25%, porque eu tinha medo de algum governo que não desse o 1%, como o governador Abreu Sodré por exemplo não deu. Três anos de Sodré e ele não pagou a FAPESP, mas ela vivia porque ela tinha o investimento. O Paulo Isnard ainda deu uma melhorada nesse investimento e hoje em dia a FAPESP rola no dinheiro, tem dinheiro demais.
Para finalizar, qual seria o papel da ciência brasileira nessa história toda de Amazônia?
Vanzolini – Infelizmente não tem papel nenhum! A ciência brasileira virá depois, é caudatária. A questão é política e econômica.
Entrevistas
Volney Garrafa – Entrevista sobre ética e transgênicos
Transgênicos: o nó não está na tecnologia, mas no seu controle

Transgênicos: o nó não está na tecnologia,
mas no seu controle
Uma coisa é certa: as mudanças genéticas possíveis – vegetais, animais e
humanas – já alteraram irreversivelmente o curso da história.
Silvestre Gorgulho, de Brasília
Na edição de abril, a Folha do Meio Ambiente fez uma longa matéria sobre os chçãoamados OGMs e transgênicos, mostrando justamente que a revolu causada por eles é irreversível. E mais: que eles são, sem dúvida, um dos principais e mais polêmicos assuntos do momento. A verdade é que a questão sobre os chaar algo sólido, verdadeiro e ao alcance de sua compreensão. E qual o desafio que se apresenta à sociedade do Século 21,mados OGMs e transgênicos divide cientistas, ambientalistas e, no meio do tiroteio, fica a opinião do consumidor, tentando agarr quando o mundo usufrui dos transgênicos de segunda geração e assiste à terceira revolução econômica mundial? Sim, porque, apesar da polêmica, um fato sobressai: a revolução provocada pelos OGMs e transgênicos é irreversível e está embutida num mundo de economia cada vez mais globalizada. Nesse quadro, qual o próximo passo? Evidente que o desafio maior fica na segurança e na certeza de que os transgênicos vão chegar apenas para fazer o bem.
O professor Volnei Garrafa, Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Bioética da Universidade de Brasília e Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, foi um dos primeiros no Brasil a se preocupar com os aspectos éticos da atividade científica voltada para a biologia, assunto que na Europa e nos Estados Unidos surgiu paralelamente com os questionamentos sobre a segurança dos inventos e descobertas na área da genética. Criaram-se neologismos para definir essas novas preocupações como biotecnologia. biossegurança e bioética. E foi com essa última que Volnei Garrafa se identificou. Nesta entrevista, ele analisa os conflitos gerados por essa revolução científica e explica até onde vai essa liberdade que está na dificuldade em trabalhar a relação entre a certeza do que é benéfico e a dúvida sobre os “limites”.
Inicialmente, professor, o que, exatamente, significa bioética?
Volnei Garrafa – Real-mente, é indispensável fazer um esclarecimento sobre o estatuto epistemológico da bioética, uma vez que grande parte daqueles que têm utilizado esta expressão no Brasil, o tem feito de forma errônea. A bioética não chegou pautada em proibições, limites ou vetos. E muito menos na necessidade imperiosa que muitos vêem de que tudo seja regulamentado, codificado, legalizado. Pelo contrário, baseada no respeito ao pluralismo moral, para ela o que vale é o desejo livre, soberano e consciente dos indivíduos e das sociedades humanas, desde que as decisões não invadam a liberdade e os direitos de outros indivíduos e de outras sociedades.
A modernidade da bioética está, exatamente, em libertar-se dos paternalismos que se confundem com beneficência. Historicamente, a humanidade vem carregando o peso do maniqueísmo entre o “certo” e o “errado”, entre o “bem” e o “mal”, entre o “justo” e o “injusto”. Para a bioética laica, o que é bem, certo ou justo para uma comunidade moral, pode não ser para outra, já que suas moralidades, ou costumes, podem ser diversas. Desta maneira, ao invés de pautar-se em proibições, vetos, limitações, normatizações ou mesmo em mandamentos, ela atua afirmativamente, de forma positiva. Para ela, portanto, a essência é a liberdade, porém com compromisso, com responsabilidade.
E quando a posição é inconciliável, como o caso do aborto?
VG – Bem, aí há que caracterizar-se por proceder à analise processual dos conflitos de modo a proporcionar – na medida do possível – a mediação e a solução pacífica das diferenças. Em situações nas quais “estranhos morais” cheguem a posições inconciliáveis no contexto de temas situados nas últimas fronteiras do diálogo, como é o caso do aborto e em alguns momentos o tema dos transgênicos. Nesses casos, provavelmente, durante um bom tempo estaremos trabalhando para a construção de um consenso universal. As únicas saídas parecem ser o diálogo e a tolerância, exercidos com responsabilidade.
A ciência tem que avançar. E como fica a vida humana?
VG – A ciência e a técnica não podem prescindir da ética.
Como aplicar a bioética no caso específico dos transgênicos?
VG – É impossível imaginar a atual estrutura biológica e societária como eterna e imutável. Como disse o rabino Henry Sobel na reunião do grupo de estudos sobre “bioética” desenvolvido durante o Encontro Internacional sobre Clonagem e Transgênicos promovido em Brasília pelo Senado Federal em junho de 1999: “a natureza é imperfeita, cria imperfeições biológicas nos campos vegetal, animal e humano. É papel da ciência, pois, consertar essas imperfeições”.
Um dos compromissos da ciência, portanto, é gestar o futuro, antecipando-se a ele por meio das descobertas que venham realmente proporcionar benefícios e segurança à espécie humana. A mutabi-lidade da sociedade e do mundo é uma certeza. A dúvida reside em estabelecer o limite ou ponto concreto até onde (e em que momento) os avanços da ciência devam acontecer.
Como o senhor vê a posição do Brasil face aos avanços científicos?
VG – Durante os Encontros Malraux, realizados em 1997, em Brasília, o francês Jacques Rigaud pronunciou as seguintes palavras , que talvez possam ajudar na nossa reflexão: “Nós marcamos um encontro com o Brasil e o Brasil faltou… outros chegaram. Nossa geração, nos anos 30, acostumou-se à idéia de que a América Latina e o Brasil eram a terra do futuro… amávamos tudo aqui. Mas o encontro não foi possível. Nós vos esperamos no século XXI”.
Realmente, no presente momento histórico, enfrentamos um paradoxo ético insustentável: ao mesmo tempo em que, por exemplo, hospitais dos centros desenvolvidos do país estão capacitados a realizar transplantes múltiplos de órgãos humanos, milhares de crianças e idosos morrem todos os anos completamente desassistidos nos campos e nas cidades.
Quanto aos transgênicos, podemos acreditar na ciência?
VG – Este parece-me um dos pontos mais cruciais a serem debatidos com a chegada dos transgênicos ao Brasil. Com tantos e tão agudos problemas remanescentes a resolver, não devemos abdicar ao futuro. Mas com que grau de certeza podemos acreditar na segurança que nos é oferecida por grandes empresas internacionais, que baseiam suas ações exclusivamente no lucro? E na ciência brasileira que, apesar de episódios pontuais de bravura, detém uma parcela de contribuição abaixo de 1% na produção mundial? Apesar do brilho inquestionável de algumas poucas estrelas nacionais e da luta diuturna de pesquisadores das nossas universidades e de algumas empresas públicas, em que pese seus magros recursos e salários, também nesse setor o Brasil é um país periférico e dependente. Já faz um bom tempo que ciência e tecnologia, juntamente com saúde e educação, não são prioridades brasileiras, seja no campo político ou orçamentário. As palavras de segurança, no que se refere ao plantio e ao consumo de transgênicos, são provenientes de alguns setores acadêmicos brasileiros. Portanto, apesar de singelas e provavelmente sinceras, são frágeis, inconsistentes no sentido de pensamento próprio. E, por isso mesmo, merecem ser consideradas com evidentes reservas.
E o futuro?
VG – A ciência tem que avançar. Mas é bom perguntar: a quanto chegará o preço da vida humana? Não se pode prever. A questão é como a maior parte dos habitantes do planeta vão ter condições de acesso aos benefícios dos avanços da ciência e, assim, prolongar e melhorar a qualidade de suas vidas. Mas a ciência precisa continuar avançando, com criatividade, prudência e sob controle.
Summary
Transgenic Products: the issue is not in the technology, but in its control
One thing is certain: the possible genetic changes – in vegetal, animal and human life forms – have already irreversibly modified the course of History.
In the April edition, the Folha do Meio shared a long article on the MGOs and transgenic products, showing that the revolution caused by them is irreversible. And more: that they are, without a doubt, one of the main and more controversial topics of the moment. The truth is that the issue on the MGOs and transgenic products divides scientists, environmentalists and, somewhere in this mess, is the opinion of the consumer, trying to grasp something solid, true and within the reach of his knowledge. So which is the challenge that is presented to 21st Century society, when the world makes use of second-generation transgenic products and attends the third world economic revolution? Because, despite the controversy, a fact clearly appears: the revolution provoked by the MGOs and transgenic products is irreversible and is inlaid in an economy world that further globalizes by the minute. In this context, which is the next step? Evidently the biggest challenge is in the security and the certainty that transgenic products will arrive only to perform good deeds.
Professor Volney Garrafa, Coordinator of the Study and Research Center in Bioethics of the University of Brasilia and Vice-president of the Brazilian Bioethics Society, was one of the first people in Brazil to worry about the ethical aspects of the scientific activity regarding biology, a matter that appeared simultaneously in Europe and the United States with the questionings on the security of inventions and discoveries in the field of genetic research. Neologisms were created to define these new concerns such as biotecnology. biosecurity and bioethics. Volney Garrafa has been working mostly on the last one in the list: bioethics. In this interview, he analyzes the conflicts generated by this scientific revolution and explains up to where this freedom can go that is in the difficulty in working the relation between the certainty of what is beneficial and the doubt on the ” limits “.
It is indispensable to make a clear statement on the epistemologic laws of bioethics, since most people that have used this expression in Brazil, used it incorrectly. The bioethics was not brought up surrounded by prohibitions, limits or vetoes. And even less in the imperious necessity that many people feel in regulating, codifying and legalizing everything. Actually, it is based on the respect to moral pluralism, valuing the free, sovereign and conscientious desire of individuals and human societies, as long as the decisions do not invade the freedom and the rights of other individuals and other societies.
The modern aspect of bioethics is, accurately, in freeing itself from the paternal control that is mistaken by charity. Historicaly, humanity has carried the burden of believing in the eternal fight between ” right ” and ” wrong ” , between ” good ” and ” evil “, between ” justice ” and ” injustice ,”. For the secular bioethics, what is good, right or fair for a moral community, may not be for another community, since their moralities, or customs, can be diverse. This way, instead of being caged by prohibitions, vetoes, limitations, procedures or even laws, it acts affirmatively, in a positive manner. For it, therefore, the essence is freedom itself, nonetheless with commitment and responsibility.
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