Entrevistas
Geraldo Gentil – Entrevista “As nascentes geográfica e história do Velho Chico”
A nova nascente do rio São Francisco – Repercussão na mídia
Repercussões pela nova nascente do Velho Chico
O fantástico rio de duas nascentes, muitas lendas e mil e uma utilidades
Silvestre Gorgulho, de Brasília
As repercussões pela matéria exclusiva sobre a nova nascente do rio São Francisco foram imediatas. Telefonemas, e-mails, cartas e notícias nas rádios, sites, tevês e jornais de todo o Brasil. O Jornal do Brasil foi o primeiro a repercutir a reportagem com uma matéria do jornalista Hugo Marques, no dia 26 de abril. Depois o Jornal de Brasília, dia 2 de maio, a Folha da Manhã (de Passos-MG), o jornal Hoje em Dia de Belo Horizonte. A notícia, por ser importante, polêmica e de interesse nacional, merecia mesmo essa divulgação. Voltamos ao coordenador técnico da Expedição Américo Vespúcio, engenheiro da Codevasf Geraldo Gentil(foto), para avaliar essa repercussão. Veja o que ele diz e guarde bem sua última recomendação porque essa sim, pode ser o grande resultado de tantas pesquisas: – Quero mesmo é ver duas placas afixadas lá nas nascentes do Velho Chico mais ou menos assim: “Parque Nacional da Serra da Canastra-Samburá – Nascente Histórica – Município de São Roque de Minas-MG” e “Parque Nacional da Serra da Canastra-Samburá – Nascente Geográfica – Município de Medeiros-MG”. É verdade, tudo isso são coisas do fantástico, legendário e valoroso rio São Francisco. Só ele mesmo seria capaz de ter duas nascentes, tantas lendas e mil e uma utilidades.
Foi muito grande a repercussão da matéria da Folha do Meio sobre a nova nascente do rio São Francisco. Como o senhor viu esta nova polêmica?
Geraldo Gentil – Acho que foi uma boa notícia, dada com seriedade e responsabilidade pela Folha do Meio Ambiente, e que correu as primeiras páginas de várias outras publicações. Por aí vemos a força dos números, a força das pesquisas e a força da verdade. Essa é uma notícia que tem conseqüência histórica, geográfica, política, ambiental e cultural. Não podemos ficar presos a amarras burocráticas. A coisa vai além. Os resultados de um levantamento desta natureza foram de surpresa, uma vez que se trata de uma área montanhosa tida como por demais conhecida, situada no Sudeste do País, no eixo Belo Horizonte-São Paulo, o que vem mostrar o quanto é grande o nosso Brasil. Tenho conversado com técnicos e recebido e-mails de toda parte, querendo saber o que faremos com os novos dados geográficos. Muitas pessoas dizem que esse trabalho poderá servir de modelo para outras bacias e sub-bacias na maioria pouco conhecidas, uma vez que a bacia hidrográfica é hoje a base do planejamento dos recursos hídricos para o desenvolvimento sustentado. A notícia veio colocar sobre a mesa a grave situação das cabeceiras a montante de Três Marias e das sub-bacias que para aí convergem, como a do rio Pará, Paraopeba, das Velhas, Marmelada, Indaiá, além das “historicamente desconhecidas” cabeceiras e seus primeiros formadores.
O Ibama considera a nascente histórica. Diz o chefe da unidade em São Roque, Vicente Paula Leite, que o Ibama considera como nascente o ponto mais alto e não o mais longo. Como o senhor vê essa questão?
Gentil – Respeito sua opinião, mas não acredito como ele afirmou que “todos os órgãos governamentais consideram a nascente de qualquer rio como sendo o ponto mais alto e não o mais longo”. Não sei de onde ele tirou essa unanimidade, até mesmo porque a Cemig não vai por aí, e portaria de 1996 do Dnaee, hoje Aneel, também não. E mais: a ANA anunciou que não se posicionou ainda, “porque foi apanhada de surpresa”. Vários experts aqui em Brasília têm sido unânimes em elogiar a iniciativa da Codevasf. Da nossa parte pesquisamos vasta literatura específica, mas é bom haver contestações, é da natureza de qualquer tese. Vejo nessa saudável polêmica nacional bons indícios para se ensinar melhor a geografia nas salas de aulas. Até mesmo geógrafos famosos estão sujeitos a erros, por exemplo, quando é citado em atlas que o rio São Francisco tem a foz em “delta”, e não em estuário. Ou aquele vereador de Xique-Xique que disse em audiência pública quando da Expedição Américo Vespúcio que o rio São Francisco “nasce nas bandas de Montes Claros e vem poluído de lá”.
Não só as nascentes famosas são importantes,
mas também cada nascente de um minúsculo tributário lá nos grotões
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E a repercussão entre as cidades das cabeceiras?
Gentil – Olha, por coincidência estava em Iguatama e Arcos, região das dez cidades-mães do São Francisco, quando saiu a reportagem da Folha do Meio Ambiente. Nessa ocasião fazia palestras sobre a revitalização da bacia na PUC Minas/Arcos e na Escola Superior de Biologia e Meio Ambiente de Iguatama.
Quando a notícia saiu e outros jornais republicaram a matéria, foi uma bomba. Todos – professoras e estudantes, prefeitos e vereadores, juízes e promotores, empresários rurais e da mineração – queriam saber mais detalhes. Acho que temos que aproveitar essa motivação, essa polêmica para redirecionar o desenvolvimento na região. Temos que preservar mais.
Alguns perguntavam por que a Codevasf não faz investimentos em fruticultura irrigada e piscicultura no Alto São Francisco. Não existem campos de pesquisa da Ufla, que integra o GTT/MMA para a revitalização, nem da Epamig na região. É uma oportunidade para trabalhar mais o turismo ecológico, e vejo que é viável integrar esta região das cabeceiras que tem uma economia tradicional no setor primário (agricultura, pecuária e mineração/indústria calcária) para o setor terciário como o turismo, serviços e educação superior, face à sua localização privilegiada.
Todo rio é um ser vivo. Tudo que se faz na
cabeça repercute nos pés e vice-versa.
Pelo menos agora o Velho Chico tem duas nascentes…
Gentil – Pois é, dizem que agora teremos dois fortes pontos turísticos nas nascentes. São dois pontos que se somam a dezenas de outros, rio abaixo. É o Caminho Fluvial do São Francisco, a exemplo do Caminho da Estrada Real. Nesses contatos que já vem de antes, pude perceber a surpresa e o carinho que todos tem para com o nosso Velho Chico, e a necessidade urgente de se mudar o paradigma voltado para um desenvolvimento sustentado. Ouvi também algumas opiniões contrárias, mais no sentido de se preservar o status quo, isto é, está tudo bem, nada deve ser mudado. Com estes devemos ter paciência, um dia perceberão que estavam equivocados.
Como a Codevasf encara esta questão política, administrativa e técnica?
Gentil – A verdade é que, historicamente, a Codevasf não tem atuado a montante da barragem de Três Marias, construída nos anos JK. Hoje a Codevasf possui aí a Estação de Piscicultura e Hidrobiologia, tida como referência em todo o Brasil. Quem não conhece o biólogo Yoshimi Sato?
A Codevasf também mantém atividades em Morada Nova de Minas. Sabemos do interesse de Divinópolis em sediar a 8ª superintendência do órgão, visando a alavancar investimentos em fruticultura irrigada e agroindústria, e ancorar em parceria com o governo do Minas e parcerias público-privadas, incentivos ao tradicional queijo canastra, o café, as ações ambientais, piscicultura, ecoturismo e outras atividades econômicas, como os arranjos produtivos locais. Bem, mas eu não posso falar pela Codevasf, só quem pode é o presidente.
Essa é uma questão localizada ou tem repercussão em toda a bacia?
Gentil – Como diz um provérbio chinês, temos que conhecer a montanha para conhecer o rio. Não apenas estas nascentes famosas, mas cada nascente de um minúsculo tributário escondido nos grotões, até as grandes sub-bacias que tem origem nos píncaros dos divisores de águas. O que causa uma grande preocupação é observar a avassaladora ocupação pela agricultura intensiva da soja, cereais e tubérculos com seus pivôs centrais para irrigação desde as cabeceiras, onde já existem focos de pré-desertificação em unidades de cambissolos e vossorocas gigantescas que ocorrem em vários municípios.
Por isso criei duas metáforas “pescoço esfolado do Velho Chico”. Essa é uma visão da situação atual e “as Dez Cidades-Mães do São Francisco”, uma visão nova e atuante desde São Roque e Medeiros até Santo Antônio do Monte até os grandes cerrados do Paracatu, do Urucuia, do Carinhanha, do rio GrandeBarreiras, que tem como carro-chefe o chamado agronegócio, deixando de lado os critérios e valores ambientais. Isto sem falar na desertificação da Caatinga, o deserto de Cabrobó, etc.
Daí a necessidade urgente do zoneamento ecológico-econômico de toda bacia com área de 640.000 km², por meio de parcerias entre o governo e a iniciativa privada. Isto já vem sendo executado de forma incipiente pela Aíba, uma associação de empresários rurais em Barreiras/BA.
Não podemos, nos dias de hoje, trocar água por terra, tão escassa e preciosa ela é. O que se espera é uma mudança de paradigma. A verdade é tão cristalina quanto as águas da Casca D}Anta: um grande rio não é apenas a sua calha principal.
E quanto à revitalização do Velho Chico, agrega algo de novo?
Gentil – Uma bacia hidrográfica deveria ser vista como um sistema de vasos comunicantes desde as nascentes até a foz, com a água circulando perpetuamente no ciclo hidrológico – desde as matas que formam as nuvens e trazem as chuvas, descem ao lençol freático, água subterrânea, nascentes, até as cheias anuais, hoje represadas para usos múltiplos, não esquecendo da vazão ecológica que deve seguir até o desemboque noutro rio ou no mar. Daí a urgência de se preservar as matas ciliares e de topo. De se ter controle sobre os agrotóxicos e de se manter um equilíbrio dinâmico e robusto do rio e seus afluentes.
Vejo a chamada revitalização como uma oportunidade única para um pacto entre os grandes usuários da bacia – energia elétrica, irrigação, navegação, abastecimento, piscicultura e outros. Esperamos que o Ibama, o MMA, o Ministério da Integração, o governo de Minas, se entendam e implantem as unidades de conservação já propostas ao governo federal e estadual, como a expansão do Parque Nacional da Serra da Canastra-Samburá, do Parque Estadual da Mata de Pains, interligando tudo isto pela APA das Dez Cidades-Mães do São Francisco ou das Cabeceiras.
E rezemos todos para que unidades de conservação semelhantes se estendam por toda a bacia e tenha início o saneamento com as ETEs, a reciclagem do lixo, além do turismo como agregador de renda e emprego, a educação ambiental permanente, e tudo o mais previsto neste amplo programa.
E o que dizer sobre o desvio do rio São Francisco feito em lagoa da Prata?
Gentil – Enquanto a opinião pública brasileira exige a recuperação do sofrido rio para as atuais e futuras gerações, situações como esta do desvio em Lagoa da Prata continuam sem solução. Digo aqui com humor que a primeira transposição já foi feita e não pode perdurar. Esperamos que se tape logo aquele rombo que cruzamos na Expedição Américo Vespúcio e vimos a público denunciar 23 anos após, e se implante na “ilha” surgida de uns 250 hectares, uma unidade de conservação estadual ou municipal como medida mitigadora.
Voltar o rio ao leito natural e seguir o meandro é apenas cumprir o que manda a lei. Que os herdeiros de Antônio Luciano Pereira cumpram o que já foi decidido em juízo.
É muito grave também a situação das “pontes do bagaço”, das lagoas marginais e das matas ciliares a montante e a jusante das pontes. Caso nada seja feito, fica bem lá uma placa-epitáfio assim: “aqui jaz um rio”, no “pescoço degolado do Velho Chico”.
A nova nascente pode influenciar na transposição?
Gentil – Para mim um rio é um ser vivo. Tudo que se faz na cabeça repercute nos pés e vice-versa. Como é polêmica esta questão, devemos esclarecer que, primeiro, os novos dados surgiram por força de uma expedição que percorreu o rio de ponta a ponta por ocasião dos 500 anos da sua descoberta. Foi a primeira ação concreta após o decreto de revitalização do rio, em junho de 2001.
Segundo, os ministérios do Meio Ambiente e da Integração Nacional e o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco poderão utilizar os novos dados, de grande força simbólica, tanto para a revitalização – o grande anseio de cada ribeirinho da bacia -, como para a transposição – o grande anseio dos habitantes do Nordeste Setentrional – para abastecimento de água potável.
Na minha opinião, a convivência com a seca é possível, dentro de princípios e técnicas próprios já conhecidos entre outros povos.
Por exemplo?
Gentil – Por que não criar um programa para o dry farming, a agricultura seca e suas plantas resistentes como o sorgo granífero, amêndoas, palma forrageira e tantas outras? As cisternas para captação das chuvas e barragens subterrâneas, técnicas milenares que conheci no Egito, Palestina e em Israel? A própria Embrapa/Cpatsa já pesquisou e tem esses dados nas mãos, é só implantá-los. Daí poderia surgir um grande programa de convivência com a seca a curto prazo com a participação da própria comunidade.
Quanto à questão legal, como ficam o IBGE, a MEC, o MMA, o MI-Integração Nacional?
Gentil – Bem, recomendamos à Codevasf encaminhar o documento conclusivo ao IBGE e outros órgãos do governo federal para homologação oficial, inclusive para o Ministério da Educação. Todo esse estudo pode ser contestado ou não, mas há que ter uma palavra oficial e final. Só assim teriam fim os inúmeros dados conflitantes referentes à extensão e altitudes das nascentes do rio da integração nacional.
Lembro-me que por ocasião do levantamento, o prefeito Cairo Manoel, de São Roque de Minas, disse que “até que enfim poderemos informar com segurança aos estudantes, professores e jornalistas que ligam e escrevem de todo o Brasil sobre os dados que vocês vieram levantar”. Grande prefeito, que não perde de vista a importância e o contexto histórico das nascentes que ocorrem no seu município, sede do fabuloso Parque Nacional da Serra da Canastra, que esperamos, digo mais uma vez, seja estendido até as vertentes do Samburá, com suas paisagens cênicas, palmerianas, que encantaram minha vista. Então duas rústicas e grosseiras placas de arenito poderão indicar:
“Parque Nacional da Serra da Canastra-Samburá
Nascente Histórica Município de São Roque de Minas-MG”
ou então
“Parque Nacional da Serra da Canastra-Samburá
Nascente Geográfica Município de Medeiros-MG”
Então, convenhamos, não há nada a perder, só a ganhar. São coisas do legendário e fabuloso rio São Francisco. Coisas que só ele é capaz de ser e de ter.
Graaande Samburá!
Rio Samburá foi alçado ao patamar de grande
formador do rio da Unidade Nacional
José Carlos Carvalho (*) Quanto mais o tempo passa, quanto mais a tecnologia nos permite conhecer melhor a natureza, novas descobertas vão-se agregando ao que sabemos sobre o mundo em que vivemos. Agora, fala-se da nova nascente do rio São Francisco, no planalto do Araxá, acrescentando vários quilômetros ao seu curso e conferindo novo status ao rio Samburá, agora alçado ao patamar de grande formador do Rio da Unidade Nacional. Feliz está Minas Gerais que de tantas minas ou nascentes vive o saudável dilema de escolher a mina certa, com a certeza de que não há mina incerta.
É claro que tudo nos interessa de perto, no momento em que se discute a revitalização e transposição do São Francisco para minorar a seca em parte considerável do nordeste brasileiro.
![]() Bem no pé do Ipê amarelo brotam as águas cristalinas do rio Samburá. O filete de água corre por entre braquiárias, capim barba-de-bode e pouca mata ciliar serpenteando vales e montanhas até encontrar o histórico São Francisco para, juntos, atravessarem cinco estados brasileiros até o oceano Atlântico |
Os novos estudos, certamente, contribuirão para que cuidados redobrados se tomem em relação ao tributário maior do rio, cujas nascentes talvez até reclamem a criação de uma unidade de conservação para melhor protegê-las. Vamos nos debruçar sobre os resultados da pesquisa da Codevasf, para orientar nossas decisões setoriais, ouvindo a Agência Nacional de Águas, como órgão técnico federal responsável por estas definições.
Com uma ou duas nascentes, uma histórica, outra geográfica – não importa – o São Francisco é a esperança de dias melhores e de condições mais saudáveis de vida para uma parte considerável de nossa população do Semi-árido.
(*) José Carlos Carvalho é
ex-Ministro e atual
secretário do Meio Ambiente
e Desenvolvimento
Sustentável de MG
Novas nascentes e mudanças de dominialidade
Até mesmo o rio Paracatu, de domínio de MG, é extensão do rio Preto,
este de domínio federal. Portanto a nascente do Paracatu estaria no DF ou Goiás
Francisco Antonio B. Rolim (*)Imprescindível. Este seria um dos termos usados para qualificar o trabalho que a equipe da Codevasf fez sobre medição do novo comprimento do rio São Francisco, publicado na Folha do Meio Ambiente, em abril/2004. Esse tipo de estudo demonstra a importância de efetuar trabalhos semelhantes em muitos rios do país.
Os estudiosos das ciências naturais sentem a carência de dados precisos que subsidiem os trabalhos técnicos, os quais refletem diretamente nos projetos e programas de governo. Na área de gestão de águas, portanto, torna-se urgente que sejam confirmados os comprimentos dos principais cursos de água, tornando factível planejamento de ações em níveis de todos os governos. Seguramente, na mesma bacia do São Francisco, podemos ter outros rios, hoje considerados de domínio de gestão estadual, que caso fossem efetuados trabalhos similares aos da Codevasf, as chances de alteração na dominialidade seriam grandes.
Tomemos como exemplo o rio Paracatu, um dos principais tributários do rio São Francisco. Alguns especialistas asseguram que na realidade este rio, de domínio do Estado de Minas Gerais, é extensão do rio Preto, este de domínio federal. Portanto, a nascente do rio Paracatu estaria em território do Distrito Federal ou Goiás, possivelmente nascendo nas cabeceiras do ribeirão Santa Rita, extremo nordeste do Distrito Federal, ou no seio da cidade de Formosa (GO).
O fato é que, como paira a dúvida, esta grande e relevante sub-bacia precisa ter esclarecido o real comprimento do seu curso d’água principal. Em caso de mudança de dominialidade muitas ações de governo não mais se restringiriam às ações locais do estado mineiro, já que as políticas para gestão hídrica seriam transpostas para discussão em nível federal.
(*) Francisco Antônio Braga Rolim
é eng. de Minas/UFPB, especializado em
Gestão de Recursos Hídricos, Mineração
e Manejo de bacias hidrográficas.
mineral@terra.com.br
E o Samburá pode virar federal
“Esse é um tema complexo. Se o rio Samburá for considerado oficialmente como nascente do São Francisco, o Samburá vai passar para domínio da União e a outorga de uso de suas águas será feita pela Agência Nacional de Águas e não mais pelo Igam [Instituto de Gestão das Águas de Minas Gerais]. Em compensação o órgão estadual ficaria com a administração do trecho do São Francisco que vai da serra da Canastra até a confluência com o Samburá”.
Marcelo de Deus Melo, engenheiro
da Gerência de Planejamento
Hidroenergético da Cemig
Chega de discussão teórica. O importante
é a revitalização do Velho Chico
“Ninguém vai tirar a importância cênica, histórica e turística da nascente do rio São Francisco na serra da Canastra. Não serão alteradas a biodiversidade e a beleza da região, que é o que move os turistas e estudiosos que visitam o Parque da Canastra e São Roque de Minas. O fato é que o São Francisco é um rio brasileiro, tem seu berço lá nas terras de Guia Lopes, no platô da serra da Canastra, e o importante é que temos de fazer uma discussão pragmática em torno da recuperação e revitalização da bacia. Chega de discussão teórica. Os ribeirinhos sabem exatamente o que deve ser feito. O que é necessário é redirecionar as políticas públicas que devem cuidar da questão ambiental relativa aos recursos hídricos. Se não forem feitas estas ações imediatas, os brasileiros acabarão assistindo comodamente ao estrangulamento, fim e deteriorização da bacia do São Francisco”.
Cairo Manoel Oliveira, prefeito
de São Roque de Minas e
membro do Comitê da
Bacia Hidrográfica do
São Francisco
Um trabalho que merece respeito
Reportagem da Folha do Meio é da mais alta importância
Nelson da Franca(foto) (*)
“A reportagem sobre as nascentes do rio São Francisco publicadas em primeira mão pela Folha do Meio Ambiente é um fato da mais alta importância para a difusão do conhecimento atual da geografia brasileira e de um dos principais rios das Américas.
Bem isenta, fundamentada com dados científicos e técnicos, utilizando metodologia moderna, todos os especialistas da Codevasf que participaram deste trabalho merecem respeito e o reconhecimento dos que se interessam pelo rio e pela bacia do São Francisco.
O comprimento de 2.863,3km, bem como a nova divisão fisiográfica que está sendo coordenada pela Codevasf no âmbito do Projeto GEF/São Francisco, com o apoio da ANA, do GEF, do Pnuma e da OEA são fatos que mostram a sensibilidade, o interesse e a capacidade da equipe de geoprocessamento da companhia sobre temas tão relevantes”.
Brasília, 12/maio/2004
(*) Nelson da Franca Ribeiro dos Anjos
é Coordenador Internacional de
Projetos da OEA no Brasi
Entrevistas
Kátia Queiroz Fenyves fala a respeito de sustentabilidade e meio ambiente

Kátia Fenyves é Mestre em Políticas Públicas e Governança pela Sciences Po Paris e formada em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo. Ao longo de sua trajetória profissional, acumulou experiências em cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável no terceiro setor e na filantropia. Atualmente é Gerente do Programa de Finanças Verdes da Missão Diplomática do Reino Unido no Brasil.
1. Você estudou e tem trabalhado com a questão de sustentabilidade e o meio ambiente. Pode nos falar um pouco a respeito desses temas?
Meio ambiente é um tema basilar. Toda a vida do planeta depende de seu equilíbrio. A economia, da mesma forma, só se sustenta a partir dos recursos naturais e de como são utilizados. Sustentabilidade, portanto, foi o conceito que integrou as considerações aos aspectos ambientais, sociais e econômicos, revelando de forma mais sistêmica esta inter-relação e, sobretudo, colocando o meio ambiente como eixo estratégico do desenvolvimento, para além de seu valor intrínseco.
2. Quando se fala em sustentabilidade, pensa-se no tripé social, ambiental e econômico. Como você definiria esses princípios? Qual deles merece maior atenção, ou todos são interligados e afetam nossa qualidade de vida integralmente?
Exatamente, sustentabilidade é o conceito que revela as interligações entre os três pilares – social, ambiental e econômico e, portanto, são princípios interdependentes e insuficientes se tomados individualmente. Talvez, o ambiental seja realmente o único que escapa a isso. A natureza não depende da economia ou da sociedade para subsistir, mas, por outro lado, é impactada por ambos. Por isso, sustentabilidade é um conceito antrópico, ou seja, é uma noção que tem como referencial a presença humana no planeta.
3. Questões relacionadas à sustentabilidade, preservação do meio ambiente e consumo consciente são discutidas nas escolas e universidades?
Há entre as Diretrizes Curriculares Nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, que são normas obrigatórias, as específicas para Educação Ambiental que devem ser observadas pelos sistemas de ensino e suas instituições de Educação Básica e de Educação Superior a partir da Política Nacional de Educação Ambiental. Estas contemplam todos os temas citados na pergunta. Não sou especialista na área então é mais difícil avaliar a implementação, mas em termos de marco institucional o Brasil está bem posicionado.
4. Quando se fala em preservação do meio ambiente, pensa-se também nos modelos de descarte que causam tantos danos ao meio ambiente. Existe alguma política de incentivo ao descarte consciente?
Mais uma vez, o Brasil tem um marco legal bastante consistente para o incentivo ao descarte consciente que é a Política Nacional de Resíduos Sólidos de 2010, que é inclusive uma referência internacionalmente. Na verdade, mais que um incentivo ela é um desincentivo ao descarte inconsciente por meio do estabelecimento da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e a logística reversa. Isso significa que a PNRS obriga as empresas a aceitarem o retorno de seus produtos descartados, além de as responsabilizar pelo destino ambientalmente adequado destes. A inovação fica sobretudo na inclusão de catadoras e catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis tanto na logística reversa como na coleta seletiva, algo essencial para um país com nosso contexto social.
5. Você acha que os modelos de descarte atuais serão substituídos por novos modelos no pós-pandemia? O que fazer, por exemplo, para incentivar as pessoas a descartar de forma consciente as máscaras antivírus?
Sempre é preciso se repensar e certamente a pandemia deu destaque a certas fragilidades da implementação da PNRS. Grande parte dos hospitais brasileiros ainda não praticam efetivamente a separação e adequada destinação de seus resíduos e, na pandemia, este problema é agravado tanto pela maior quantidade de resíduos de serviços de saúde gerados como por uma maior quantidade de geradores, uma vez que a população também começa a produzir este tipo de resíduo em escala. Falta ainda muita circulação da informação, então talvez este seja o primeiro passo: uma campanha de conscientização séria que jogue luz nesta questão.
6. Na sua opinião, o mundo está mais consciente das necessidades de preservação do meio ambiente e dos recursos naturais para que gerações futuras possam deles usufruir?
Acredito que tenhamos passado do ponto em que estas necessidades de preservação eram uma questão de consciência e chegamos a um patamar de sobrevivência. Também não se trata apenas das gerações futuras, já estamos sofrendo as consequências do desequilíbrio ambiental provocado pela ação humana e do esgotamento dos recursos naturais desde já. A própria pandemia é resultado de relações danosas entre o ser humano e o meio ambiente e os conflitos por fontes de água, por exemplo, são uma realidade.
7. Quais as ações que mais comprometem e degradam o meio ambiente?
Nosso modelo produtivo e de consumo como um todo é baseado em uma relação predatória com o meio ambiente: retiramos mais do que necessitamos, sem respeitar os ciclos naturais de reposição e, além disso, quando descartamos os resíduos e rejeitos não cumprimos com os padrões adequados estabelecidos. Já temos conhecimento suficiente para evitar grande parte dos problemas, mas ainda não conseguimos integrá-lo nas nossas práticas efetiva e definitivamente.
8. O que na sua opinião precisa ser feito para que as sociedades conheçam mais a respeito de sustentabilidade, preservação do meio ambiente e consumo consciente?
Acredito que para avançarmos como sociedade precisamos tratar a questão das desigualdades socioeconômicas que estão intrinsicamente relacionadas a desigualdades ambientais, inclusive no que diz respeito às informações, ao conhecimento. A educação é, portanto, um componente estratégico para este avanço, mas é preciso ter um entendimento amplo que traga também os saberes tradicionais para esta equação. Além disso é preciso cada dia mais abordar o tema da perspectiva das oportunidades, pois a transição para modos de vida mais sustentáveis, que preservam o meio ambiente e que se baseiem em consumo conscientes alavancam inúmeras delas; por exemplo, um maior potencial de geração de empregos de qualidade e menos gastos com saúde.
9. A questão climática está relacionada com a sustentabilidade? Como?
A mudança do clima intensificada pela ação antrópica tem relação com nossos padrões de produção e consumo em desequilíbrio com o meio ambiente: por um lado, vimos emitindo uma quantidade de gases de efeito estufa muito significativa e, por outro, vimos degradando ecossistemas que absorvem estes gases, diminuindo a capacidade natural do planeta de equilibrar as emissões. Assim, a questão climática está relacionada com um modo de vida insustentável. A notícia boa é que práticas sustentáveis geram diretamente um impacto positivo no equilíbrio climático do planeta. Por exemplo, o Brasil tem potencial para gerar mais de 25 mil gigawatts em energia solar, aproveitando sua excelente localização geográfica com abundância de luz solar, uma medida sustentável que, ao mesmo tempo, é considerada uma das melhores alternativas para a diminuição das emissões de CO2 na atmosfera, que é um dos principais gases intensificadores do efeito estufa.
Entrevistas
MARCOS TERENA

De filho pródigo à liderança internacional, o índio, piloto e cacique Marcos Terena, tornou-se um líder respeitado e o ponto de equilíbrio entre autoridades brancas e os povos indígenas.



Entrevistas
José Carlos Carvalho – Entrevista sobre Reforma Tributária
Novo ministro do MMA pede política tributária e de crédito para meio ambiente

Meio Ambiente e a reforma tributária
Por que não existe dinheiro para plantar árvores
na sistemática de crédito rural?
Silvestre Gorgulho, de Brasília
![]() “Precisamos ter uma tributação mais favorável para as atividades econômicas que usam de forma sustentada os recursos naturais, em detrimento daquelas que ainda trabalham com o uso predatório desses recursos.” |
Um profissional do meio ambiente. Conciliador, duro quando é para defender a política ambiental e estudioso das questões que envolvem natureza, o novo ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, já é por demais conhecido: foi diretor do IBDF, ajudou a fundar o Ibama, foi presidente do Instituto Estadual de Floresta de Minas, foi o primeiro Secretário do Meio Ambiente de Minas Gerais e é um interlocutor seguro das causas ambientais. Seu pensamento é claro: a política ambiental tem que envolver o pobre; os avanços já foram muitos, mas temos desafios fantásticos ainda pela frente, pois muitos problemas só serão resolvidos com a adesão total da sociedade; a fiscalização e controle são peças importantes, mas não é tudo, pois veja o caso das “Pet” – temos que estimular a indústria de reciclagem que hoje paga 30% mais imposto que a indústria que opera com matéria virgem; para ter desenvolvimento sustentável temos que fazer mudanças na política tributária e de crédito… O novo ministro do Meio Ambiente – meio capixaba, meio mineiro – sabe das coisas, quer mudar para melhorar e, sobretudo, sabe onde quer chegar. Por esta entrevista, o leitor vai perceber o alcance de suas palavras.
O Brasil esgotou todos os mecanismos de comando e de controle do Estado para a política ambiental?
Ministro – Na minha avaliação, praticamente sim. Eu não afirmaria categoricamente que esgotou, porque ainda temos um déficit operacional para implementar as ações de controle e de fiscalização. Mas no plano político legal, essa questão parece bem resolvida, porque o Brasil deste a Constituição de 1988, e com a legislação ordinária que se seguiu, desenhou um arcabouço legal, extraordinariamente bem articulado, sendo um dos mais avançados do mundo em matéria de proteção ao meio ambiente. Isso começa com o capítulo de meio ambiente da Constituição, no reforço aos mecanismos de licenciamento ambiental, depois com a legislação infraconstitucional, culminando com a Lei de Crimes Ambientais. O Brasil é uma das poucas nações do mundo a criminalizar o dano ambiental. Desse modo, nós chegamos ao ponto máximo daquilo que poderíamos chegar no plano legal para trabalhar com mecanismos de comando e controle. É evidente que, a despeito do grande avanço que tivemos no plano institucional, tanto por parte do Governo Federal, como dos órgãos estaduais de meio ambiente, nossa capacidade operacional para aplicar essa formidável legislação ainda é deficitária. É preciso melhorar esse quesito, especialmente na fiscalização. Agora temos que começar uma nova etapa da política ambiental. Se os mecanismos de comando e controle são absolutamente necessários, em face da realidade brasileira, eles não são suficientes para promover o uso sustentável dos recursos naturais, que é o objetivo prioritário da política ambiental que o País adotou. Temos, portanto, que avaliar os instrumentos econômicos aplicados à gestão do meio ambiente, como a cobrança pelo uso das águas, já prevista na lei nacional de gerenciamento de recursos hídricos.
Essas mudanças econômicas incluiriam, por exemplo, a mudança da política tributária? O Ministério da Fazenda poderia tornar-se parceiro nesse processo?
Ministro – Eu tenho certeza que o Ministério da Fazenda será nosso parceiro, sobretudo pela percepção que o ministro Malan tem sobre esses temas. Temos tido oportunidade de conversar. Há um entendimento claro de que alguns importantes instrumentos de política econômica foram desenhados numa época em que a questão ambiental não tinha a importância que tem hoje. É evidente que, nesse processo, vamos ter, como já conseguimos fazer com a questão da cobrança pelo uso da água, uma parceria com a equipe econômica. Isso significa utilizar mecanismos da política tributária, de tal maneira que se possa ter uma tributação mais favorável para as atividades econômicas que usam de forma sustentada os recursos naturais, em detrimento daquelas que ainda trabalham com o uso predatório desses recursos. Isso implica utilizar também a política creditícia, principalmente as políticas de crédito destinadas às atividades rurais, um campo em que se pode atuar muito para melhorar os padrões de qualidade ambiental no Brasil.
O crédito rural pode e deve ser orientado para a proteção ao meio ambiente. Se, por exemplo, a implantação de um projeto agrícola exigir um desmatamento, o crédito financia essa operação de desmatamento. Mas se alguém vai a um banco pedir dinheiro para plantar árvores, não vai conseguir, pois essa operação não está prevista na sistemática do crédito rural. Acho, portanto, imprescindível que se faça esse redirecionamento, até como forma de reduzir as tensões no campo.
O programa ICMS-Ecológico, desenvolvido com grande sucesso onde foi implantado, tem chances de transformar-se em um programa nacional?
Ministro – Um dos pontos de nossa agenda de discussão com a equipe econômica é essa, que terá de ser travada no âmbito do Confaz, o Conselho de Política Fazendária que reúne todos os secretários de Fazenda dos Estados. O ICMS, como se sabe, tem uma administração compartilhada pelo Confaz, mas os estados podem livremente dispor sobre 25% desse tributo. Essa idéia de utilizar o ICMS como forma de estimular as ações ambientais, já foi adotada em Minas, no Paraná, em São Paulo e Pernambuco. Outros estados estão discutindo o assunto, como Rio de Janeiro, Espírito Santo, Mato Grosso e Bahia.
Como o senhor imagina uma política de incentivos à reciclagem e à reutilização dos materiais?
Ministro – Esse é um tema fundamental para a economia brasileira. Seja pelas próprias especificidades de nossa economia, sobretudo no segmento da economia de transformação, que se dedica a transformar recursos naturais em matérias primas. Aí temos um espaço amplo para operar no âmbito tributário. Além disso, nossa economia modernizou-se, especialmente face ao processo acelerado de urbanização da sociedade. E aí entra a outra questão, que é a grande produção de resíduos gerados por essa nova dinâmica da organização da sociedade brasileira. Temos que trabalhar intensamente o reuso e a reciclagem, o que implica políticas de comando e controle associadas a instrumentos econômicos. Porém é indispensável um grande programa de educação ambiental, para mudar o comportamento da sociedade e dos cidadãos, no sentido da plena aceitação da reciclagem e do reuso. Ou seja, não adianta o governo viabilizar recursos para ter um aterro sanitário em cada cidade brasileira, com padrão de primeiro mundo, se a sociedade continuar jogando lixo na rua. É indispensável que se utilize uma gestão integrada, combinando mecanismos de comando e controle, com instrumentos econômicos e uma educação ambiental. No caso do lixo isso é extremamente evidente.
E em relação ao saneamento?
Ministro – Em relação ao saneamento, destaco uma experiência nova e embrionária com a Agência Nacional de Águas, relacionada à utilização da água que, à medida em que ela for se consolidando e ganhando visibilidade, vai ajudar a mudar as políticas de saneamento no Brasil. Tradicionalmente, as políticas de saneamento no Brasil seguiram uma filosofia que eu chamo de obreirista. Só se financia obras de saneamento. Queremos mudar isso, e colocar o foco na qualidade da água. Este ano a agência vai aplicar mais de 100 milhões de reais na chamada compra de esgoto tratado. Ou seja, estaremos contratando metas de qualidade. O concessionário do esgoto, seja público ou privado, lança o esgoto in natura, e você vai contratar a qualidade desejada, ou seja, ele terá acesso ao crédito, desde que lance o esgoto dentro dos padrões definidos pelos órgãos ambientais. Com isso, pensamos numa mudança total na cultura, sobretudo do setor público, com ganhos para a sociedade.
![]() “Não adianta o governo viabilizar recursos para ter um aterro sanitário em cada cidade brasileira, com padrão de primeiro mundo, se a sociedade continuar jogando lixo na rua.” |
Qual o papel do ambientalista Fábio Feldmann, que acaba de ser designado para trabalhar junto ao presidente da República? Haverá algum choque com as atribuições do MMA?
Ministro – Não. O presidente designou o Fábio, por meio de um decreto, Coordenador da Rio + 10. Não tem nada a ver com a gestão do meio ambiente. Ele vai coordenar a participação do governo brasileiro na cúpula do desenvolvimento sustentável e não apenas de meio ambiente. A Rio + 10 permeia as várias estruturas do governo. E por isso, o presidente escolheu o Fábio para ser o seu articulador oficial, junto aos diversos segmentos envolvidos.
Como a Rio+10 será uma reunião de avaliação e não deliberativa, e como pouco se avançou em matéria de cumprimento da Agenda 21 nos últimos dez anos, há o risco do evento esvaziar-se?
Ministro – Sim, o risco do esvaziamento existe. De fato, é uma reunião mais voltada a avaliar os instrumentos que foram propostos no Rio de Janeiro. Mas o risco também existe em virtude da situação mundial. Vivemos um momento complicado no plano internacional, desde o 11 de setembro. Mas, por outro lado, acho que ficou evidente, sobretudo após os atentados nos Estados Unidos, que o mundo não resolve seus problemas sem solidariedade. Não há a menor chance de resolver os problemas com propostas de unilateralismo nas relações internacionais. Creio que essa percepção tende a fortalecer Johannesburgo, ou seja, que é fundamental construir uma solidariedade internacional para enfrentar os problemas que têm dimensão internacional, seja o terrorismo, seja a pobreza, seja o meio ambiente. Considero também que a questão da pobreza deverá ser muito discutida durante a Rio + 10. Ninguém pode dizer que isso não é importante. Porém não podemos ir a Johannesburgo para discutir só pobreza e deixar de lado o questionamento sobre os padrões de produção e de consumo dos países industrializados, que têm um impacto muito maior sobre o meio ambiente global. Não podemos deixar de lado, por exemplo, as emissões, a decisão dos Estados Unidos de não aderir à Convenção sobre a Mudança do Clima e de não aderir ao Protocolo de Kyoto. Entendo que a discussão de temas como esses ajudará a evitar o esvaziamento de Johannesburgo.
Entende-se que a posição brasileira continua sendo de forte apoio ao Protocolo de Kyoto. Mas estamos aguardando ainda uma reação do governo brasileiro à proposta alternativa do presidente Bush. Ela virá?
Ministro – Se a proposta do presidente Bush tem algum mérito, é apenas de romper o imobilismo do governo americano. Mas no mérito ela é absolutamente insatisfatória. É uma proposta de não fazer. Essa é a visão do Ministério do Meio Ambiente. A proposta americana é insatisfatória, sobretudo considerando que os Estados Unidos são responsáveis pela emissão de 25% dos gases poluentes do planeta.
Há recursos suficientes este ano para tocar o projeto de revitalização da Bacia do São Francisco?
Ministro – Nós temos um plano plurianual de recuperação do rio São Francisco previsto para ser executado em dez anos, com investimentos de um bilhão de reais. O ano passado, de transferências federais nós liberamos 70 milhões de reais que chegou a quase 100 milhões de reais com as contrapartidas dos estados e municípios. Este ano nós temos recursos orçamentários para repetir os investimentos de 2001. A idéia é que se possa manter esse patamar de investimentos, de tal maneira que se possa chegar ao fim dos próximos dez anos com as metas alcançadas. Essas metas contemplam a extinção completa dos lixões na calha principal do rio, com toda a destinação final adequada do lixo; queremos que o esgoto esteja tratado nos municípios próximos à calha principal e dos principais afluentes e queremos que estejam recuperadas as principais nascentes e mananciais, sobretudo no alto curso do rio, além de outras iniciativas previstas, como a biodiversidade, a implantação dos parques, a educação ambiental e o fortalecimento da capacidade de fiscalização. Porém nossas três metas fundamentais são: a recuperação das áreas degradadas, com prioridade para as nascentes e mananciais do alto curso do rio; a solução do problema do lixo e o tratamento do esgoto.
Está em tramitação no Congresso um projeto que cria um fundo destinado a investir em programas de combate à desertificação. Esse fundo teria 5% dos recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente. Qual a posição do Ministério?
Ministro – Essa é uma questão que nós estamos examinando, porque o Fundo Nacional do Meio Ambiente tem uma missão específica. Ele já opera com recursos escassos, de maneira que a questão ainda está em aberto para nós. De repente, esses fundos podem operar de maneira articulada. Eu também não quero entrar numa disputa hegemônica. Se, de repente, é mais fácil ter uma ação conduzida pelo Ministério da Fazenda, isso em nada me incomoda, desde que ela resulte em efetiva melhoria para o meio ambiente. Aliás, essa é uma questão que tem de ser bem avaliada, porque meio ambiente permeia todas as políticas. Você não pode cair naquela visão curta de achar que, porque o País criou um Ministério do Meio Ambiente, todos os demais ministérios estão desobrigados de cooperar na questão ambiental. Isso é um equívoco que explica essa disputa hegemônica da burocracia.O fato de existir o MMA não desobriga os demais ministérios da responsabilidade de proteger o meio ambiente. De fato, o Ministério do Meio Ambiente é apenas o ministério matricial. Todos os demais órgãos do governo têm claras responsabilidades na questão ambiental.
Como o MMA avalia, do ponto de vista ambiental, as iniciativas em curso no Congresso, visando a redivisão territorial na Amazônia?
Ministro – Do ponto de vista ambiental, é fundamental reforçar o Estado brasileiro na Amazônia. Não tenho informação suficiente para dizer se esse reforço pressupõe a criação de territórios federais. Mas se for considerado que a criação dos territórios é indispensável a esse reforço, certamente temos de apoiá-la.
Criar o território apenas por criar o território, sem essa consideração de que é preciso fortalecer o Estado brasileiro, por meio das instituições que podem ajudar a promover o desenvolvimento sustentável na Amazônia, não é aconselhável. Isso significa que você tem que ter um Ibama e uma Funai mais fortes na Amazônia.
A propósito, considero que o presidente Fernando Henrique acaba de dar um passo importante para o fortalecimento da Amazônia, que é a extinção da Sudam e sua substituição por uma agência de fomento, e a criação de um novo fundo de desenvolvimento da Amazônia, em substituição ao antigo sistema de incentivos fiscais.
Essas instituições foram criadas nos anos 60, quando não havia nenhuma preocupação ambiental. Agora, com os novos instrumentos, temos a oportunidade de reorientar toda essa atividade na Amazônia, no sentido de privilegiar as ações ambientais e de desenvolvimento sustentável da região.
Isso é muito mais importante para a Amazônia do que, por exemplo, contratar mais três mil fiscais do Ibama para atuar na região.
Existe algum programa no sentido de estimular a recuperação de áreas degradadas?
Ministro – Estamos elaborando um grande programa de recuperação de áreas degradadas na Mata Atlântica, com recursos do Pronaf, voltados principalmente para a agricultura familiar. Isso pode marcar uma diferença importante.
Até agora, todas as ações da política ambiental brasileira foram no sentido de evitar que o passivo ambiental aumentasse. Isso é o que fazem as políticas de comando e controle. Elas não têm nenhum instrumento para recuperar o passivo que já foi gerado. No nosso caso, é um passivo que já tem 500 anos. Não é uma coisa de ontem. Vamos usar recursos do Pronaf para estimular a recuperação de áreas degradadas, a silvicultura econômica, em que o plantio de madeira pode significar uma fonte adicional de emprego e de renda para a agricultura familiar, e também a silvicultura ecológica voltada para a recuperação das matas ciliares, das áreas de lençol freático, combinando o Pronaf, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Programa Nacional de Florestas do MMA, e as linhas de crédito fornecidas pelo Ministério da Fazenda e o Banco Central.
A idéia é lançar esse programa ainda este ano, inicialmente na Mata Atlântica, por se tratar de nosso bioma mais devastado. Todos os biomas merecem um programa de recuperação, inclusive o cerrado, que certamente será atendido no tempo devido, mas é preciso ter uma prioridade, e esta é, no momento, a Mata Atlântica.
O Projeto Sivam vai começar a operar. Há alguma preocupação do governo em relação a disponibilização dos dados levantados na Amazônia?
Ministro – Recentemente o presidente Fernando Henrique convocou uma reunião para discutir o arranjo institucional do Projeto Sivam nesta reta final, tendo em vista que, dentro de 90 dias ele já começa a entrar na fase operacional.
O governo está se mobilizando para definir a melhor forma para a fase de operação do projeto. Em relação às informações, devo dizer que o projeto tem duas vertentes: uma é militar, que terá de ser tratada como manda os regulamentos militares, com as cautelas e os cuidados necessários. As informações de natureza militar têm que ser tratadas como tal. A outra vertente do Projeto Sivam é o levantamento de dados e informações envolvendo a gestão ambiental e a gestão do território. Essas informações devem estar absolutamente disponíveis para o amplo conhecimento da sociedade.
Que conselhos relativos ao meio ambiente o senhor daria aos formuladores dos programas dos candidatos presidenciais?
Ministro – Como mencionei anteriormente, com a parte da legislação praticamente completa, é preciso partir para a operacionalização desse aparato legal, por exemplo, aumentando a fiscalização e adotando uma integração da política ambiental com as políticas econômicas. Mas é indispensável mudar os principais instrumentos da política de desenvolvimento do Brasil, do contrário, de nada adiantará mais fiscalização, que acabará sendo anulada pelas deformações das políticas públicas. Precisamos completar o esforço da fiscalização – e estamos fazendo isso agora, com a autorização para realizar um novo concurso no Ibama.
Agora vejam: temos mais de cinco mil fiscais de meio ambiente atuando no Brasil, mas a fiscalização é apenas parte do problema, juntamente com a mudança das políticas públicas. O crucial, no entanto, é mudar a mentalidade, a cultura do povo, a atitude do cidadão.
Eu costumo dizer que, por trás de um grande problema ambiental você tem um problema econômico e um problema cultural. Você pode ter investimento, pode ter tecnologia apropriada, mas o cidadão não participa, pois está absorvido por uma cultura de inesgotabilidade dos recursos, provinda, sobretudo da enorme extensão territorial do País e de seus imensos recursos naturais. É uma cultura que leva ao desperdício.
Romper com essa cultura é indispensável para a adoção de uma política de desenvolvimento sustentável para o País. E aí talvez a crise energética tenha nos dado a melhor de todas as lições. Aliás, antes de ser uma crise energética, ela foi uma crise ambiental, pois se tratava de escassez de água para gerar as turbinas das hidrelétricas.
Pela primeira vez, a sociedade brasileira lidou com a escassez, e percebeu que fazia uso perdulário da energia. Estávamos diante de duas opções: ir para o apagão, que poderia ser de até oito horas diárias, ou fazer um esforço para aderir ao racionamento. A sociedade, de forma madura, optou pela segunda alternativa. E tanto gostou, que continuou economizando, mesmo depois da suspensão do racionamento.
Mas as eleições estão aí. Que conselhos o senhor daria a candidatos e eleitores?
Ministro – O próprio cronograma eleitoral faz com que os candidatos, neste momento, estejam em fase de articulação de suas candidaturas. Só agora os candidatos estão trabalhando as suas propostas de governo.
Eu acho que é preciso aguardar essas propostas, para saber como cada candidato vai lidar com a questão do meio ambiente. Mas para mim é absolutamente claro que não há como tratar uma proposta séria para o Brasil hoje, sem entrar no debate da questão ambiental. Seja no que diz respeito ao meio ambiente urbano, seja com os problemas que acumulamos ao longo da existência do Brasil, como a poluição dos rios e das bacias hidrográficas, a falta de disposição adequada de lixo urbano, a questão da Amazônia, que é uma questão estratégica para nós.
É fundamental que o Brasil reafirme sua soberania sobre a Amazônia, demonstrando que o governo e a sociedade têm capacidade para proteger o imenso patrimônio natural da Amazônia. Isso, seguramente irá fazer parte das propostas dos candidatos.
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