Entrevistas

Geraldo Gentil – Entrevista “As nascentes geográfica e história do Velho Chico”

A nova nascente do rio São Francisco – Repercussão na mídia


Repercussões pela nova nascente do Velho Chico


O fantástico rio de duas nascentes, muitas lendas e mil e uma utilidades


Silvestre Gorgulho, de Brasília


As repercussões pela matéria exclusiva sobre a nova nascente do rio São Francisco foram imediatas. Telefonemas, e-mails, cartas e notícias nas rádios, sites, tevês e jornais de todo o Brasil. O Jornal do Brasil foi o primeiro a repercutir a reportagem com uma matéria do jornalista Hugo Marques, no dia 26 de abril. Depois o Jornal de Brasília, dia 2 de maio, a Folha da Manhã (de Passos-MG), o jornal Hoje em Dia de Belo Horizonte. A notícia, por ser importante, polêmica e de interesse nacional, merecia mesmo essa divulgação. Voltamos ao coordenador técnico da Expedição Américo Vespúcio, engenheiro da Codevasf Geraldo Gentil(foto), para avaliar essa repercussão. Veja o que ele diz e guarde bem sua última recomendação porque essa sim, pode ser o grande resultado de tantas pesquisas: – Quero mesmo é ver duas placas afixadas lá nas nascentes do Velho Chico mais ou menos assim: “Parque Nacional da Serra da Canastra-Samburá – Nascente Histórica – Município de São Roque de Minas-MG” e “Parque Nacional da Serra da Canastra-Samburá – Nascente Geográfica – Município de Medeiros-MG”. É verdade, tudo isso são coisas do fantástico, legendário e valoroso rio São Francisco. Só ele mesmo seria capaz de ter duas nascentes, tantas lendas e mil e uma utilidades.


Foi muito grande a repercussão da matéria da Folha do Meio sobre a nova nascente do rio São Francisco. Como o senhor viu esta nova polêmica?
Geraldo Gentil –
Acho que foi uma boa notícia, dada com seriedade e responsabilidade pela Folha do Meio Ambiente, e que correu as primeiras páginas de várias outras publicações. Por aí vemos a força dos números, a força das pesquisas e a força da verdade. Essa é uma notícia que tem conseqüência histórica, geográfica, política, ambiental e cultural. Não podemos ficar presos a amarras burocráticas. A coisa vai além. Os resultados de um levantamento desta natureza foram de surpresa, uma vez que se trata de uma área montanhosa tida como por demais conhecida, situada no Sudeste do País, no eixo Belo Horizonte-São Paulo, o que vem mostrar o quanto é grande o nosso Brasil. Tenho conversado com técnicos e recebido e-mails de toda parte, querendo saber o que faremos com os novos dados geográficos. Muitas pessoas dizem que esse trabalho poderá servir de modelo para outras bacias e sub-bacias na maioria pouco conhecidas, uma vez que a bacia hidrográfica é hoje a base do planejamento dos recursos hídricos para o desenvolvimento sustentado. A notícia veio colocar sobre a mesa a grave situação das cabeceiras a montante de Três Marias e das sub-bacias que para aí convergem, como a do rio Pará, Paraopeba, das Velhas, Marmelada, Indaiá, além das “historicamente desconhecidas” cabeceiras e seus primeiros formadores.


O Ibama considera a nascente histórica. Diz o chefe da unidade em São Roque, Vicente Paula Leite, que o Ibama considera como nascente o ponto mais alto e não o mais longo. Como o senhor vê essa questão?
Gentil –
Respeito sua opinião, mas não acredito como ele afirmou que “todos os órgãos governamentais consideram a nascente de qualquer rio como sendo o ponto mais alto e não o mais longo”. Não sei de onde ele tirou essa unanimidade, até mesmo porque a Cemig não vai por aí, e portaria de 1996 do Dnaee, hoje Aneel, também não. E mais: a ANA anunciou que não se posicionou ainda, “porque foi apanhada de surpresa”. Vários experts aqui em Brasília têm sido unânimes em elogiar a iniciativa da Codevasf. Da nossa parte pesquisamos vasta literatura específica, mas é bom haver contestações, é da natureza de qualquer tese. Vejo nessa saudável polêmica nacional bons indícios para se ensinar melhor a geografia nas salas de aulas. Até mesmo geógrafos famosos estão sujeitos a erros, por exemplo, quando é citado em atlas que o rio São Francisco tem a foz em “delta”, e não em estuário. Ou aquele vereador de Xique-Xique que disse em audiência pública quando da Expedição Américo Vespúcio que o rio São Francisco “nasce nas bandas de Montes Claros e vem poluído de lá”.


Não só as nascentes famosas são importantes,
mas também cada nascente de um minúsculo tributário lá nos grotões






O mapa da mina: acima, no círculo vermelho a nascente histórica. No círculo amarelo a nascente geográfica, no município de Medeiros. No círculo verde, a confluência do rio Samburá com o São Francisco. Ao lado, toda a bacia do rio São Francisco

E a repercussão entre as cidades das cabeceiras?
Gentil –
Olha, por coincidência estava em Iguatama e Arcos, região das dez cidades-mães do São Francisco, quando saiu a reportagem da Folha do Meio Ambiente. Nessa ocasião fazia palestras sobre a revitalização da bacia na PUC Minas/Arcos e na Escola Superior de Biologia e Meio Ambiente de Iguatama.
Quando a notícia saiu e outros jornais republicaram a matéria, foi uma bomba. Todos – professoras e estudantes, prefeitos e vereadores, juízes e promotores, empresários rurais e da mineração – queriam saber mais detalhes. Acho que temos que aproveitar essa motivação, essa polêmica para redirecionar o desenvolvimento na região. Temos que preservar mais.
Alguns perguntavam por que a Codevasf não faz investimentos em fruticultura irrigada e piscicultura no Alto São Francisco. Não existem campos de pesquisa da Ufla, que integra o GTT/MMA para a revitalização, nem da Epamig na região. É uma oportunidade para trabalhar mais o turismo ecológico, e vejo que é viável integrar esta região das cabeceiras que tem uma economia tradicional no setor primário (agricultura, pecuária e mineração/indústria calcária) para o setor terciário como o turismo, serviços e educação superior, face à sua localização privilegiada.


Todo rio é um ser vivo. Tudo que se faz na
cabeça repercute nos pés e vice-versa.


Pelo menos agora o Velho Chico tem duas nascentes…
Gentil –
Pois é, dizem que agora teremos dois fortes pontos turísticos nas nascentes. São dois pontos que se somam a dezenas de outros, rio abaixo. É o Caminho Fluvial do São Francisco, a exemplo do Caminho da Estrada Real. Nesses contatos que já vem de antes, pude perceber a surpresa e o carinho que todos tem para com o nosso Velho Chico, e a necessidade urgente de se mudar o paradigma voltado para um desenvolvimento sustentado. Ouvi também algumas opiniões contrárias, mais no sentido de se preservar o status quo, isto é, está tudo bem, nada deve ser mudado. Com estes devemos ter paciência, um dia perceberão que estavam equivocados.


Como a Codevasf encara esta questão política, administrativa e técnica?
Gentil –
A verdade é que, historicamente, a Codevasf não tem atuado a montante da barragem de Três Marias, construída nos anos JK. Hoje a Codevasf possui aí a Estação de Piscicultura e Hidrobiologia, tida como referência em todo o Brasil. Quem não conhece o biólogo Yoshimi Sato?
A Codevasf também mantém atividades em Morada Nova de Minas. Sabemos do interesse de Divinópolis em sediar a 8ª superintendência do órgão, visando a alavancar investimentos em fruticultura irrigada e agroindústria, e ancorar em parceria com o governo do Minas e parcerias público-privadas, incentivos ao tradicional queijo canastra, o café, as ações ambientais, piscicultura, ecoturismo e outras atividades econômicas, como os arranjos produtivos locais. Bem, mas eu não posso falar pela Codevasf, só quem pode é o presidente.


Essa é uma questão localizada ou tem repercussão em toda a bacia?
Gentil –
Como diz um provérbio chinês, temos que conhecer a montanha para conhecer o rio. Não apenas estas nascentes famosas, mas cada nascente de um minúsculo tributário escondido nos grotões, até as grandes sub-bacias que tem origem nos píncaros dos divisores de águas. O que causa uma grande preocupação é observar a avassaladora ocupação pela agricultura intensiva da soja, cereais e tubérculos com seus pivôs centrais para irrigação desde as cabeceiras, onde já existem focos de pré-desertificação em unidades de cambissolos e vossorocas gigantescas que ocorrem em vários municípios.
Por isso criei duas metáforas “pescoço esfolado do Velho Chico”. Essa é uma visão da situação atual e “as Dez Cidades-Mães do São Francisco”, uma visão nova e atuante desde São Roque e Medeiros até Santo Antônio do Monte até os grandes cerrados do Paracatu, do Urucuia, do Carinhanha, do rio GrandeBarreiras, que tem como carro-chefe o chamado agronegócio, deixando de lado os critérios e valores ambientais. Isto sem falar na desertificação da Caatinga, o deserto de Cabrobó, etc.
Daí a necessidade urgente do zoneamento ecológico-econômico de toda bacia com área de 640.000 km², por meio de parcerias entre o governo e a iniciativa privada. Isto já vem sendo executado de forma incipiente pela Aíba, uma associação de empresários rurais em Barreiras/BA.
Não podemos, nos dias de hoje, trocar água por terra, tão escassa e preciosa ela é. O que se espera é uma mudança de paradigma. A verdade é tão cristalina quanto as águas da Casca D}Anta: um grande rio não é apenas a sua calha principal.


E quanto à revitalização do Velho Chico, agrega algo de novo?
Gentil –
Uma bacia hidrográfica deveria ser vista como um sistema de vasos comunicantes desde as nascentes até a foz, com a água circulando perpetuamente no ciclo hidrológico – desde as matas que formam as nuvens e trazem as chuvas, descem ao lençol freático, água subterrânea, nascentes, até as cheias anuais, hoje represadas para usos múltiplos, não esquecendo da vazão ecológica que deve seguir até o desemboque noutro rio ou no mar. Daí a urgência de se preservar as matas ciliares e de topo. De se ter controle sobre os agrotóxicos e de se manter um equilíbrio dinâmico e robusto do rio e seus afluentes.
Vejo a chamada revitalização como uma oportunidade única para um pacto entre os grandes usuários da bacia – energia elétrica, irrigação, navegação, abastecimento, piscicultura e outros. Esperamos que o Ibama, o MMA, o Ministério da Integração, o governo de Minas, se entendam e implantem as unidades de conservação já propostas ao governo federal e estadual, como a expansão do Parque Nacional da Serra da Canastra-Samburá, do Parque Estadual da Mata de Pains, interligando tudo isto pela APA das Dez Cidades-Mães do São Francisco ou das Cabeceiras.
E rezemos todos para que unidades de conservação semelhantes se estendam por toda a bacia e tenha início o saneamento com as ETEs, a reciclagem do lixo, além do turismo como agregador de renda e emprego, a educação ambiental permanente, e tudo o mais previsto neste amplo programa.


E o que dizer sobre o desvio do rio São Francisco feito em lagoa da Prata?
Gentil –
Enquanto a opinião pública brasileira exige a recuperação do sofrido rio para as atuais e futuras gerações, situações como esta do desvio em Lagoa da Prata continuam sem solução. Digo aqui com humor que a primeira transposição já foi feita e não pode perdurar. Esperamos que se tape logo aquele rombo que cruzamos na Expedição Américo Vespúcio e vimos a público denunciar 23 anos após, e se implante na “ilha” surgida de uns 250 hectares, uma unidade de conservação estadual ou municipal como medida mitigadora.
Voltar o rio ao leito natural e seguir o meandro é apenas cumprir o que manda a lei. Que os herdeiros de Antônio Luciano Pereira cumpram o que já foi decidido em juízo.
É muito grave também a situação das “pontes do bagaço”, das lagoas marginais e das matas ciliares a montante e a jusante das pontes. Caso nada seja feito, fica bem lá uma placa-epitáfio assim: “aqui jaz um rio”, no “pescoço degolado do Velho Chico”.


A nova nascente pode influenciar na transposição?
Gentil –
Para mim um rio é um ser vivo. Tudo que se faz na cabeça repercute nos pés e vice-versa. Como é polêmica esta questão, devemos esclarecer que, primeiro, os novos dados surgiram por força de uma expedição que percorreu o rio de ponta a ponta por ocasião dos 500 anos da sua descoberta. Foi a primeira ação concreta após o decreto de revitalização do rio, em junho de 2001.
Segundo, os ministérios do Meio Ambiente e da Integração Nacional e o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco poderão utilizar os novos dados, de grande força simbólica, tanto para a revitalização – o grande anseio de cada ribeirinho da bacia -, como para a transposição – o grande anseio dos habitantes do Nordeste Setentrional – para abastecimento de água potável.
Na minha opinião, a convivência com a seca é possível, dentro de princípios e técnicas próprios já conhecidos entre outros povos.


Por exemplo?
Gentil –
Por que não criar um programa para o dry farming, a agricultura seca e suas plantas resistentes como o sorgo granífero, amêndoas, palma forrageira e tantas outras? As cisternas para captação das chuvas e barragens subterrâneas, técnicas milenares que conheci no Egito, Palestina e em Israel? A própria Embrapa/Cpatsa já pesquisou e tem esses dados nas mãos, é só implantá-los. Daí poderia surgir um grande programa de convivência com a seca a curto prazo com a participação da própria comunidade.


Quanto à questão legal, como ficam o IBGE, a MEC, o MMA, o MI-Integração Nacional?
Gentil –
Bem, recomendamos à Codevasf encaminhar o documento conclusivo ao IBGE e outros órgãos do governo federal para homologação oficial, inclusive para o Ministério da Educação. Todo esse estudo pode ser contestado ou não, mas há que ter uma palavra oficial e final. Só assim teriam fim os inúmeros dados conflitantes referentes à extensão e altitudes das nascentes do rio da integração nacional.
Lembro-me que por ocasião do levantamento, o prefeito Cairo Manoel, de São Roque de Minas, disse que “até que enfim poderemos informar com segurança aos estudantes, professores e jornalistas que ligam e escrevem de todo o Brasil sobre os dados que vocês vieram levantar”. Grande prefeito, que não perde de vista a importância e o contexto histórico das nascentes que ocorrem no seu município, sede do fabuloso Parque Nacional da Serra da Canastra, que esperamos, digo mais uma vez, seja estendido até as vertentes do Samburá, com suas paisagens cênicas, palmerianas, que encantaram minha vista. Então duas rústicas e grosseiras placas de arenito poderão indicar:


“Parque Nacional da Serra da Canastra-Samburá
Nascente Histórica Município de São Roque de Minas-MG”

ou então
“Parque Nacional da Serra da Canastra-Samburá
Nascente Geográfica Município de Medeiros-MG”


Então, convenhamos, não há nada a perder, só a ganhar. São coisas do legendário e fabuloso rio São Francisco. Coisas que só ele é capaz de ser e de ter.


Graaande Samburá!
Rio Samburá foi alçado ao patamar de grande
formador do rio da Unidade Nacional


José Carlos Carvalho (*)
Quanto mais o tempo passa, quanto mais a tecnologia nos permite conhecer melhor a natureza, novas descobertas vão-se agregando ao que sabemos sobre o mundo em que vivemos. Agora, fala-se da nova nascente do rio São Francisco, no planalto do Araxá, acrescentando vários quilômetros ao seu curso e conferindo novo status ao rio Samburá, agora alçado ao patamar de grande formador do Rio da Unidade Nacional. Feliz está Minas Gerais que de tantas minas ou nascentes vive o saudável dilema de escolher a mina certa, com a certeza de que não há mina incerta.


É claro que tudo nos interessa de perto, no momento em que se discute a revitalização e transposição do São Francisco para minorar a seca em parte considerável do nordeste brasileiro.







Bem no pé do Ipê amarelo brotam as águas cristalinas do rio Samburá. O filete de água corre por entre braquiárias, capim barba-de-bode e pouca mata ciliar serpenteando vales e montanhas até encontrar
o histórico São Francisco para, juntos, atravessarem cinco estados brasileiros até o oceano Atlântico

Os novos estudos, certamente, contribuirão para que cuidados redobrados se tomem em relação ao tributário maior do rio, cujas nascentes talvez até reclamem a criação de uma unidade de conservação para melhor protegê-las. Vamos nos debruçar sobre os resultados da pesquisa da Codevasf, para orientar nossas decisões setoriais, ouvindo a Agência Nacional de Águas, como órgão técnico federal responsável por estas definições.


Com uma ou duas nascentes, uma histórica, outra geográfica – não importa – o São Francisco é a esperança de dias melhores e de condições mais saudáveis de vida para uma parte considerável de nossa população do Semi-árido.


(*) José Carlos Carvalho é
ex-Ministro e atual
secretário do Meio Ambiente
e Desenvolvimento
Sustentável de MG


 


Novas nascentes e mudanças de dominialidade
Até mesmo o rio Paracatu, de domínio de MG, é extensão do rio Preto,
este de domínio federal. Portanto a nascente do Paracatu estaria no DF ou Goiás


Francisco Antonio B. Rolim (*)
Imprescindível. Este seria um dos termos usados para qualificar o trabalho que a equipe da Codevasf fez sobre medição do novo comprimento do rio São Francisco, publicado na Folha do Meio Ambiente, em abril/2004. Esse tipo de estudo demonstra a importância de efetuar trabalhos semelhantes em muitos rios do país.
Os estudiosos das ciências naturais sentem a carência de dados precisos que subsidiem os trabalhos técnicos, os quais refletem diretamente nos projetos e programas de governo. Na área de gestão de águas, portanto, torna-se urgente que sejam confirmados os comprimentos dos principais cursos de água, tornando factível planejamento de ações em níveis de todos os governos. Seguramente, na mesma bacia do São Francisco, podemos ter outros rios, hoje considerados de domínio de gestão estadual, que caso fossem efetuados trabalhos similares aos da Codevasf, as chances de alteração na dominialidade seriam grandes.
Tomemos como exemplo o rio Paracatu, um dos principais tributários do rio São Francisco. Alguns especialistas asseguram que na realidade este rio, de domínio do Estado de Minas Gerais, é extensão do rio Preto, este de domínio federal. Portanto, a nascente do rio Paracatu estaria em território do Distrito Federal ou Goiás, possivelmente nascendo nas cabeceiras do ribeirão Santa Rita, extremo nordeste do Distrito Federal, ou no seio da cidade de Formosa (GO).
O fato é que, como paira a dúvida, esta grande e relevante sub-bacia precisa ter esclarecido o real comprimento do seu curso d’água principal. Em caso de mudança de dominialidade muitas ações de governo não mais se restringiriam às ações locais do estado mineiro, já que as políticas para gestão hídrica seriam transpostas para discussão em nível federal.


(*) Francisco Antônio Braga Rolim
é eng. de Minas/UFPB, especializado em
Gestão de Recursos Hídricos, Mineração
e Manejo de bacias hidrográficas.
mineral@terra.com.br


E o Samburá pode virar federal


“Esse é um tema complexo. Se o rio Samburá for considerado oficialmente como nascente do São Francisco, o Samburá vai passar para domínio da União e a outorga de uso de suas águas será feita pela Agência Nacional de Águas e não mais pelo Igam [Instituto de Gestão das Águas de Minas Gerais]. Em compensação o órgão estadual ficaria com a administração do trecho do São Francisco que vai da serra da Canastra até a confluência com o Samburá”.


Marcelo de Deus Melo, engenheiro
da Gerência de Planejamento
Hidroenergético da Cemig


Chega de discussão teórica. O importante
é a revitalização do Velho Chico


“Ninguém vai tirar a importância cênica, histórica e turística da nascente do rio São Francisco na serra da Canastra. Não serão alteradas a biodiversidade e a beleza da região, que é o que move os turistas e estudiosos que visitam o Parque da Canastra e São Roque de Minas. O fato é que o São Francisco é um rio brasileiro, tem seu berço lá nas terras de Guia Lopes, no platô da serra da Canastra, e o importante é que temos de fazer uma discussão pragmática em torno da recuperação e revitalização da bacia. Chega de discussão teórica. Os ribeirinhos sabem exatamente o que deve ser feito. O que é necessário é redirecionar as políticas públicas que devem cuidar da questão ambiental relativa aos recursos hídricos. Se não forem feitas estas ações imediatas, os brasileiros acabarão assistindo comodamente ao estrangulamento, fim e deteriorização da bacia do São Francisco”.


Cairo Manoel Oliveira, prefeito
de São Roque de Minas e
membro do Comitê da
Bacia Hidrográfica do
São Francisco


Um trabalho que merece respeito
Reportagem da Folha do Meio é da mais alta importância


Nelson da Franca(foto) (*)
“A reportagem sobre as nascentes do rio São Francisco publicadas em primeira mão pela Folha do Meio Ambiente é um fato da mais alta importância para a difusão do conhecimento atual da geografia brasileira e de um dos principais rios das Américas.
Bem isenta, fundamentada com dados científicos e técnicos, utilizando metodologia moderna, todos os especialistas da Codevasf que participaram deste trabalho merecem respeito e o reconhecimento dos que se interessam pelo rio e pela bacia do São Francisco.
O comprimento de 2.863,3km, bem como a nova divisão fisiográfica que está sendo coordenada pela Codevasf no âmbito do Projeto GEF/São Francisco, com o apoio da ANA, do GEF, do Pnuma e da OEA são fatos que mostram a sensibilidade, o interesse e a capacidade da equipe de geoprocessamento da companhia sobre temas tão relevantes”.
Brasília, 12/maio/2004


(*) Nelson da Franca Ribeiro dos Anjos
é Coordenador Internacional de
Projetos da OEA no Brasi


 

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Entrevistas

Brasília é Parte da União’, Declara Carlos Velloso em Discussão sobre o FCDF

Magistrado Enfatiza Importância do FCDF e Defende Corte de Privilégios

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Carlos Velloso: “Segurança pública é ponto sensível, sobretudo em Brasília” – (crédito: Divulgação)

 

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso emitiu, sem custo, um parecer jurídico ao Governo do Distrito Federal (GDF) em que sustenta as peculiaridades de Brasília como uma unidade da Federação que é extensão da União e dela sempre será dependente para manter a qualidade administrativa, de seus moradores e daqueles que passam por aqui a serviço. O fundamento, segundo o ministro aposentado, está na própria Constituição Federal que estabelece caber à União organizar e manter a segurança pública da capital.

Para Velloso, antes de pensar em reduzir repasses por meio do Fundo Constitucional (FCDF), como está em discussão na Câmara dos Deputados, em projeto de lei de autoria do líder do governo, José Guimarães (PT-CE), o Executivo deveria cortar privilégios, como isenções e incentivos fiscais bilionários, além de emendas parlamentares ao Orçamento. Para o magistrado que vive em Brasília, a qualidade dos serviços, especialmente de segurança pública, é fundamental para a manutenção da capital. Ele ressalta — sem citar descoberta pela Polícia Federal de plano para assassinar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do STF, com vistas a um golpe de Estado — que autoridades públicas têm sido alvo de ameaças de todo tipo.

O ministro afirma não acreditar que haja uma espécie de retaliação federal ao DF pelo episódio de 8 de janeiro de 2023, mas, se houver, a saída não é destruir os serviços de segurança. “Convém acentuar que segurança pública é ponto sensível, sobretudo em Brasília. Se há desgosto, é colocar as cartas na mesa e debater com as autoridades locais as falhas que teriam ocorrido, a fim de aperfeiçoar o sistema de segurança pública e não colaborar para o pior”, afirma.

Qual foi o fundamento para a criação do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF)?

O fundamento está na Constituição Federal, que estabelece que cabe à União organizar e manter a Polícia Civil, Militar e o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao DF para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio (CF, art. 21, XIV). O Fundo foi instituído pela Lei 10.633, de 2002, no governo de Fernando Henrique Cardoso, que compreendeu que o DF é, na realidade, uma extensão da União. Brasília, que em termos de desenvolvimento econômico, mudou a cara do Brasil, e isso devemos ao presidente Juscelino Kubitschek, é o cartão-postal do Brasil. Aqui estão os poderes da República, as representações diplomáticas. E Brasília, tal qual Washington, DC, é uma cidade administrativa. Não é um polo industrial. É cidade planejada para uma população de no máximo um milhão de habitantes, que hoje passa de dois milhões. Muitos brasileiros querem viver aqui, porque Brasília tem qualidade de vida inigualável. E tem o que nenhuma cidade desse porte tem, que é boa segurança pública. Aqui, como proclamou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, no Congresso Nacional, podemos andar na rua sem maiores preocupações, o que não acontece no Rio e São Paulo e na maioria das demais capitais dos estados.

O governo fala em ajuste fiscal e mira o fundo que mantém a capital do Brasil. Daria para começar cortando privilégios reais?

Sim. Privilégios devem ser eliminados. Leiam recente artigo de Everardo Maciel (ex-secretário da Receita Federal), em que ele, dos mais lúcidos comentaristas do sistema fiscal e tributário, aborda o tema com mestria. Há muito que cortar de privilégios que custam caro ao contribuinte. O Congresso poderia colaborar com as emendas ao orçamento, emendas que os jornais vêm denunciando há mais de dois anos. E atenção para as isenções e os incentivos fiscais, que somam bilhões. Enfim, é preciso cortar gastos, gastos que o governo fez, e que é necessário cortar, mas sabendo cortar. O ministro (Fernando) Haddad (da Fazenda) tem adquirido cabelos brancos nessa luta, tendo contra ele gente do próprio partido. É uma pena.

Por que esse embate contra Brasília, na sua opinião?

Não vejo nada mais que uma escolha equivocada. O governo afirma que a segurança pública é preocupação do governo. E vão cortar gastos em detrimento justamente da segurança pública da cidade que é cartão postal da República? Ora, começar a preocupar-se com a segurança pública adotando medida que vem atrapalhar o que está funcionando bem? E mais, a União deve prestar assistência financeira ao DF para a execução de serviços públicos de saúde e educação. O corte vem em detrimento também desses serviços essenciais cuja prestação é obrigatória, está na Constituição.

A correção do FCDF por variação da receita líquida guardaria analogia com o FPE e o FPM, que são financiados por percentuais de tributos federais, e nessa hipótese alterar o critério poderia ser visto como violação do pacto federativo, que integra cláusula pétrea constitucional?

Perfeito. Aliás, em entrevista recente, o ex-presidente Michel Temer abordou o tema, ele que sempre foi professor de direito constitucional. O DF integra o sistema federativo, quer dizer, o DF é uma unidade federada. O corte no Fundo Constitucional do DF abala o sistema que o legislador, cumprindo a disposição constitucional, instituiu. Atenta-se, assim, contra a forma federativa de Estado, que constitui cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4º, I), porque atenta-se contra a autonomia administrativa e política do DF, que nada seria sem a autonomia financeira, ou que não passaria, com o corte, de unidade federativa simplesmente nominal.

Se for uma violação, caberia uma ação direta de inconstitucionalidade, caso a proposta venha a ser aprovada?

Sim, claro que caberia uma ação direta de inconstitucionalidade.

O ex-presidente Temer, constitucionalista como o senhor, e Everardo Maciel consideram um erro a proposta do ministro Haddad de corte do FCDF. O senhor se juntará a eles para defender essa causa?

Estou de acordo com Temer e com Everardo Maciel, pelos quais tenho admiração. Acrescento que o DF tem bons advogados públicos, a Procuradoria Jurídica do DF é das melhores do Brasil. E partidos políticos certamente que cuidariam do tema. Em assunto semelhante forneci, há alguns anos, parecer jurídico à Procuradoria do DF, por solicitação do governo de então. A condição que impus para fornecer o parecer é que ele seria sem custos, isto é, gratuito. Assim procedi como forma de agradecer ao DF a qualidade de vida que o os habitantes do DF têm desfrutado.

Mudar a forma de cálculo da correção do FCDF agora será uma porta aberta para a instabilidade nos repasses?

Antes da Lei 10.633, de 2002, o DF dependia, para se manter, de repasses com interferência política. Numa palavra, o DF ficava com o pires na mão a depender da boa vontade da política e do governo federal.

Acredita que esse movimento seja uma retaliação política?

Acredito que não. Como mencionei. Trata-se apenas de uma decisão que pode ter sido tomada até com intenção boa, mas que é equivocada, a meu ver.

Por qual motivo? Acha que Brasília tem algum privilégio?

Se se entendeu que Brasília goza de privilégio, é porque não se pensou, por exemplo, que Brasília constitui cartão-postal da República. Conforme mencionei, Brasília sedia os poderes da República e as embaixadas dos países com os quais o Brasil mantém relações diplomáticas. Brasília não é um polo industrial. Brasília é uma cidade administrativa, repito. Os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 são demonstrativos de que Brasília precisa de órgãos mantenedores da segurança pública dos melhores. O ministro Ricardo Lewandowski (da Justiça) elogiou, no Congresso, os órgãos da Segurança Pública de Brasília. Convém acentuar que segurança pública é ponto sensível, sobretudo em Brasília. Se há desgosto, é colocar as cartas na mesa e debater com as autoridades locais as falhas que teriam ocorrido, a fim de aperfeiçoar o sistema de segurança pública e não colaborar para o pior. Mas eu penso que terá ocorrido simplesmente decisão equivocada.

Brasília tem sido assolada, nos últimos tempos, por ameaças golpistas e terroristas, bem como pela incursão de facções do crime organizado. Como a redução do FCDF poderia impactar, negativamente, esse cenário potencialmente explosivo?

Acrescento que há autoridades públicas, em Brasília, sob ameaças de todo tipo. Felizmente, já não sou autoridade pública. Falo como cidadão, como jurista. Fazer cortes justamente no Fundo Constitucional que financia a segurança pública do DF, é claro que vai resultar em enfraquecimento das forças de segurança. Considero fundamental a segurança de autoridades públicas, tanto quanto dos cidadãos que vivem em Brasília, e não somente dos que aqui vivem, mas dos brasileiros de modo geral, porque Brasília recebe brasileiros de todos os rincões do Brasil. Brasília é o centro do poder e Brasília é dos brasileiros. E deve ser considerada, ademais, a prestação dos demais serviços, saúde, educação, dentre outros (CF, art. 21, XIV).

A proposta do governo federal argumenta que usar os mesmos critérios para contemplar o DF e os outros Estados seria estabelecer a justiça federativa. Mas é possível desconsiderar o fato de Brasília ser a capital do Brasil?

Apenas há equívoco na interpretação fiscalista. Realizar a igualdade está justamente, e busco em Ruy Barbosa a lição sempre atual, implica tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades. Há um pequeno grande livro de um jurista notável, Celso Antônio Bandeira de Melo, “O conteúdo jurídico do princípio da igualdade”, que explica bem a matéria. Ora, parece que demos as razões por que o DF deve ser tratado da forma como é tratado. O constituinte originário deu-lhe forma de unidade federativa e os meios de subsistência como tal. Pode-se até discordar da autonomia política do DF, mas o certo é que assim manda a Constituição que seja observado e há de ser cumprido. Brasília é uma cidade administrativa com características próprias. Nessa situação, a população está contente, porque Brasília ainda tem a melhor qualidade de vida das grandes cidades brasileiras. Houve um tempo em que as pessoas aqui chegavam com a intenção de retornar e retornavam. Hoje, as pessoas querem viver em Brasília. Servidores públicos se aposentam e aqui ficam. Os parlamentares têm que sair nos fins de semana para visitar as suas bases, justifica-se. O importante é o povo ter voz para pugnar por serviços públicos cada vez melhores. Para isto, Brasília tem uma Câmara Distrital, onde os brasilenses estão representados e o governador é também eleito pelo povo de Brasília.

Não existe um certo desconhecido e leviandade em retirar recursos de um fundo estabelecido na Constituição a cada dificuldade de ajuste fiscal, colocando sob ameaça permanente o FCDF?

Eu penso que há simplesmente decisão equivocada. O ministro Haddad precisa ter ao seu lado um assessor jurídico versado no direito constitucional administrativo. Hoje, com a constitucionalização do direito, a Constituição, o livrinho do presidente Dutra — quem se lembra do livrinho do Dutra? — tem que estar sempre à mão do administrador público.

Não é contraditório um governo que tem como lema reduzir as desigualdades sociais tomar uma medida que agravará as referidas desigualdades sociais na terceira maior metrópole do país?

Por tudo que disse acima, creio que já deixei claro o que acho. Encerro a entrevista louvando o Correio Braziliense, que pugna pelo direito e pelos interesses dos brasilenses. E termino com uma expressão do Lucas, meu neto adolescente. Valeu!

 

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Entrevistas

CUBATÃO: Entrevista com Celma do Carmo de Souza Pinto

Em entrevista à Folha do Meio, Celma do Carmo de Souza Pinto fala sobre a paisagem de Cubatão e a história de uma cidade estigmatizada pela poluição.

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Historiadora, pesquisadora, Doutora em Teoria, História e Crítica, pela Universidade de Brasília, Celma de Souza Pinto é profunda conhecedora da realidade do patrimônio industrial e da paisagem cultural brasileira. Celma do Souza é autora de três livros sobre a memória da industrialização na Baixada Santista: “Anilinas” – “Meu lugar no mundo: Cubatão” – “Cubatão, história de uma cidade industrial” e uma dissertação de mestrado “A construção da paisagem industrial de Cubatão – o caso da Companhia Fabril e da Usina Henry Borden”. É ex-servidora da Prefeitura Municipal de Cubatão e trabalhou por mais de 10 anos no IPHAN Sede, em Brasília. Atualmente dirige o Instituto Base no desenvolvimento de projetos culturais.  Para Celma de Souza, mais do que resgatar a impactante história do desenvolvimento industrial de Cubatão é abrir possibilidades para novos olhares sobre a paisagem do município.

CELMA DO CARMO DE SOUZA PINTO – ENTREVISTA

“Somos humanos e a vida humana é inseparável da história, da natureza, do patrimônio. O reconhecimento da paisagem de Cubatão como bem cultural abre novas possibilidades de conhecimento, de projetos educacionais, de lazer e da percepção da memória social. Vivemos dentro ou junto às paisagens”.

 

FOLHA DO MEIO – Cubatão era símbolo de poluição. Cidade estigmatizado pela poluição e com um dos maiores parques industriais do Brasil. Qual a relação com as paisagens culturais?

CELMA – Cubatão está inserido em um território com as marcas de eventos históricos desde o início da ocupação portuguesa pela sua localização entre o litoral e o Planalto Paulista. A partir de princípios de fins do século XIX, o município testemunha a evolução técnica e tecnológica do País, em suas obras de infraestrutura viária fabris e industriais. Isso somado, é claro, ao ambiente natural no qual se destacam a Serra do Mar, a Mata Atlântica e os manguezais típicos da região costeira. Por isso, Cubatão, além de ter um dos maiores parques industriais do Brasil abriga monumentos históricos como a Calçada do Lorena, o Caminho do Mar, antigos testemunhos fabris, de infraestrutura e várias reservas ambientais como o Parque Estadual da Serra do Mar. Todos esses elementos compõem e influenciam, direta ou indiretamente, a vida dos moradores do município, configurando uma paisagem cultural.

 

FMA – Sim, a paisagem é emblemática, o esforço de despoluição foi grande, mas Cubatão já tem esse reconhecimento?

CELMA – Verdade, a paisagem de Cubatão é uma das mais emblemáticas do Brasil pela imbricação de todos esses elementos somados aos problemas ambientais que manteve a atenção. Mas ainda não tem o reconhecimento que merece no âmbito cultural. Minha pesquisa “O (In)visível patrimônio da industrialização – reconhecimento de paisagens em Cubatão”, procura rever essa paisagem, considerando seus paradoxos, defendendo a urgência de iniciativas para sua valorização e reconhecimento também pelos seus relevantes aspectos históricos, culturais, paisagísticos e até afetivos.

Celma de Souza Pinto: Paisagem industrial em Cubatão-SP: o caso da companhia fabril e da usina Henry Borden.

 

FMA – Mas, você poderia explicar melhor o que é uma paisagem cultural?

CELMA – O termo advém da geografia a partir da evolução dos estudos e da compreensão da noção de paisagem, que remonta ao século XIV no Ocidente. A Unesco, em 1994, inseriu a categoria de paisagem cultural em sua relação de bens culturais passíveis de serem declarados como Patrimônio Mundial. Paisagens culturais são as que foram afetadas, construídas ou resultantes do desenvolvimento humano e da sua ação e relação com a natureza. Como atualmente todo o planeta, e até o espaço sideral, é marcado pela ação humana, as paisagens culturais têm uma variedade muito grande. Tanto podem abarcar grandes territórios, quanto pequenas parcelas territoriais, como áreas industriais, locais de notável beleza, fazendas, jardins e outros. Isso abriu possibilidade para o reconhecimento e valorização também das paisagens industriais, como a de Cubatão, no campo do patrimônio cultural.

FMA – Quais os critérios para reconhecimento de uma paisagem cultural?

CELMA – Os critérios de reconhecimento de uma paisagem cultural variam conforme são estabelecidos pelos documentos de cada país, ou como definidos pela Unesco. No Brasil, por exemplo, a Chancela da Paisagem Cultural Brasileira, estabelecida pela Portaria IPHAN nº 127/2009, define a paisagem como “uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores”. Busca abranger a diversidade de lugares, costumes e paisagens brasileiras. O reconhecimento de uma paisagem cultural perpassa primeiro o Espaço, as pessoas que nele vivem ou interage.

FMA – Paisagem cultural é aquela constituída a partir da interferência humana na natureza…

CELMA – Sim, é o lugar onde se vive, o meio que reflete a interação entre as pessoas e a natureza. É o legado das culturas com o mundo natural, com o tempo: com os eventos do passado, a fruição do presente e as expectativas para o futuro, entre outros. As paisagens culturais são uma narrativa de expressões culturais e de identidade regional para grupos sociais, para comunidades e para a coletividade.

 

FMA – Então, qual a importância da paisagem de Cubatão?

CELMA – Aí que vamos chegar. A paisagem de Cubatão se distingue pelo forte caráter histórico, pela associação com o movimento de ocupação portuguesa desde o século XVII e pela vinculação ao processo industrial e de desenvolvimento técnico paulista e do Brasil, expresso nas vias de transporte já existentes antes da chegada do europeu e das construídas ao longo do tempo. Mas também ostenta um capítulo importante da história ambiental e do operariado brasileiro cuja memória está se perdendo e é parte fundamental da construção da paisagem que não se dá somente no município de Cubatão, mas em outros municípios da Baixada Santista, como Santos.  Enfim, é uma região que ostenta uma paisagem plena de história e, ao mesmo tempo, dotada de uma beleza natural, cênica, ecológica, educacional, contemplativa, de lazer… em suma, um incomparável patrimônio cultural a ser conhecido, divulgado e desfrutado.

 

FMA – Com toda essa importância, por que pouco se fala da paisagem cultural de Cubatão?

CELMA – Não é bem assim. Na verdade, desde a década de 1980, muito se tem falado de Cubatão e da sua paisagem. Sobretudo quando houve uma massiva divulgação na mídia sobre os altos índices de poluição industrial. A partir de 1950, após a construção da Refinaria Presidente Bernardes, até a década de 1970, Cubatão recebeu mais de vinte indústrias de base na área da petroquímica e siderurgia, tornando-se um dos mais importantes complexos industriais do País. Como o Brasil ainda não dispunha de uma legislação ambiental, as indústrias foram instaladas sem o devido cuidado com emissão de poluentes no ar, na água e no solo. Tais consequências nefastas ao meio ambiente e à saúde humana, valeram à cidade a alcunha de Vale da Morte. Mesmo com o trabalho bem-sucedido da Cetesb no controle da poluição ambiental, a imagem negativa de Cubatão ficou no imaginário. Não queremos que essa história seja esquecida, apenas mostrar outros aspectos.

 

FMA – Como é a atual relação dos moradores de Cubatão com a chamada paisagem cultural?

CELMA – Boa questão. Em entrevistas que fiz com moradores de Cubatão, ficou evidente que consideram a paisagem como seu patrimônio cultural. Demonstraram também inquietação com a preservação dos testemunhos da industrialização e da infraestrutura. Eles se preocupam com a natureza, a Serra do Mar, que constitui o envoltório cênico que emoldura a cidade e é o elemento visual mais relevante da região. Mas eles se afligem com o descaso pelos remanescentes de antigas fábricas, pelos antigos caminhos e pela ferrovia. Também evidenciaram que, apesar da carência de políticas de preservação, educacionais, de lazer, entre outros, existe uma relação de identidade com a paisagem local e uma consciência sobre a necessidade de preservação dos testemunhos materiais remanescentes.

 

FMA – Por que é importante o reconhecimento dessa paisagem?

CELMA – Primeiro, porque somos humanos e a vida humana é inseparável da história, da natureza, do patrimônio. O reconhecimento da paisagem como bem cultural abre novas possibilidades de conhecimento, projetos educacionais, lazer e percepção da memória social. Vivemos dentro ou junto às paisagens. Nesse sentido, pode contribuir para que a cidade se torne mais humanizada com melhoria na qualidade de vida, proporcionando um sentido de lugar e de identidade às gerações futuras, assim como propiciar à comunidade uma melhor compreensão sobre o lugar onde vivem e a como buscar uma maior fruição dos testemunhos arquitetônicos e bens tombados da região. Além de possibilitar a novas atividades econômicas ligadas ao potencial histórico e paisagístico que insira a população local.  

A pesquisa de Celma do Carmo, “O (In)visível patrimônio da industrialização – reconhecimento de paisagens em Cubatão”, procura rever essa paisagem, considerando seus paradoxos, defendendo a urgência de iniciativas para sua valorização e reconhecimento também pelos seus relevantes aspectos históricos, culturais, paisagísticos e até afetivos.

 

FMA – Como preservar os elementos arquitetônicos e outros que tornam essa paisagem tão importante?

CELMA – Para isso é imprescindível a atuação séria e isenta dos órgãos de preservação locais e estadual. A preservação do patrimônio cultural exige uma ação conjunta da população com o governo municipal não só no âmbito do patrimônio, mas também para desenvolvimento de projetos de valorização, reabilitação, revitalização ou mesmo requalificação urbana de sítios de valor histórico reconhecidos pela população, como por exemplo, a orla do rio Cubatão, que atravessa a cidade. Ou com a recuperação de locais degradados que remontam à história ferroviária na região. A paisagem pode ser também um meio para criação de mecanismos de reparação que pode incluir também a preservação da memória do trabalhador e fortalecimento da identidade local como museus, centros culturais, projetos educativos, enfim…

 

FMA – Fico imaginando o tamanho desse desafio: Cubatão está entre o maior complexo industrial do Brasil e o maior porto do Brasil?

CELMA – E põe desafio nisso. De fato, como Cubatão situa-se entre um complexo industrial e o Porto de Santos gera um desafio que é conciliar as necessidades de modernização desses setores com as aspirações da população, que almeja o indispensável respeito ao patrimônio cultural e à história. As paisagens estão em constante transformação. Quando relacionadas à indústria isso fica ainda mais evidente, pois a principal característica da indústria é o dinamismo por processos de mudança no modo de produção, de estruturação econômica, entre outros. Por isso é urgente a revisão do atual modelo de desenvolvimento excludente e pautado em projetos que atendem somente às necessidades industriais e portuárias, sem considerar os interesses dos moradores. Não é possível manter o conceito de desenvolvimento da década de 1950 no qual somente a ampliação industrial irá trazer benefícios para a cidade.

 

FMA – Mas o IDH de Cubatão é bem alto…

CELMA – É verdade. O IDH de Cubatão é bem alto, se comparado aos outros municípios da Baixada Santista. No entanto, os moradores não estão imunes aos mesmos problemas de seus vizinhos, cujo IDH e arrecadação tributária é perceptivelmente inferior. Donde se vê que o desenvolvimento e o progresso alardeados pela industrialização não se concretizaram. Então, fica claro que ali os efeitos negativos da industrialização se fazem sentir de modo muito mais adverso do que os benefícios.

A superação desses desafios exige, dentre outros, mecanismos de reconhecimento da paisagem, de forma conjunta com as propostas de gestão compartilhada, com apoio de todos os setores envolvidos e do poder público. Sem isso, é possível que em poucos anos a cidade de Cubatão desapareça como local de vida e convivência humana, vindo a se tornar um mero depósito de contêineres ou um grande pátio de estacionamento de caminhões. Não podemos esquecer que ali vivem pessoas.

 

 

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Entrevistas

John Elkington: A Vanguarda da Sustentabilidade Empresarial e Global

Explorando a Vida e o Legado do Arquiteto da Tripla Linha de Base e Defensor Incansável da Responsabilidade Corporativa

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Na arena global da sustentabilidade, poucos nomes ressoam com a mesma reverência que o de John Elkington. Conhecido como o arquiteto da “Tripla Linha de Base”, Elkington emergiu como um pioneiro na integração de preocupações ambientais, sociais e financeiras no mundo dos negócios. Sua jornada como defensor incansável de práticas sustentáveis e responsáveis ​​é um testemunho vivo de sua influência e impacto duradouro.

As Raízes da Visão de Elkington

Nascido com uma consciência intrínseca do poder transformador da sustentabilidade, John Elkington começou sua jornada na Universidade de Londres, onde se formou em Economia e Estudos de Engenharia. Desde o início, seu interesse abrangente pelas interseções entre o mundo dos negócios e as questões ambientais e sociais o levou a explorar novos paradigmas de desenvolvimento econômico que priorizassem não apenas o lucro, mas também o bem-estar coletivo.

A Tripla Linha de Base e Seu Legado Duradouro

É inegável que o maior legado de John Elkington é a popularização do conceito de “Tripla Linha de Base”. Sua inovadora abordagem de avaliação de desempenho empresarial não apenas com base em lucros financeiros, mas também em impactos ambientais e sociais, foi revolucionária. Essa estrutura conceitual permitiu que as empresas repensassem suas práticas e redefinissem o sucesso empresarial, levando em consideração não apenas os resultados financeiros, mas também o impacto em comunidades e ecossistemas.

O Compromisso Contínuo com a Mudança Sistêmica

Além de suas contribuições teóricas, Elkington é conhecido por seu compromisso contínuo com a mudança sistêmica. Ele trabalhou incansavelmente para influenciar políticas e práticas corporativas, promovendo a sustentabilidade como um imperativo central para o crescimento econômico e o bem-estar social. Sua atuação como autor prolífico e palestrante renomado ampliou ainda mais o alcance de suas ideias e inspirou uma geração de líderes a repensar o papel das empresas na sociedade.

O Legado Duradouro e o Caminho à Frente

À medida que o mundo enfrenta desafios cada vez mais complexos, o legado de Elkington permanece como um farol de esperança e um lembrete constante de que a sustentabilidade não é apenas uma opção, mas uma necessidade urgente. Sua visão e dedicação incansável continuam a orientar não apenas empresas, mas também formuladores de políticas e defensores da sustentabilidade em direção a um futuro mais equitativo e próspero.

John Elkington personifica a noção de que a sustentabilidade não é apenas um conceito acadêmico, mas uma filosofia de vida e uma abordagem essencial para moldar um mundo mais resiliente e sustentável. Sua jornada continua a inspirar e a moldar a narrativa global da responsabilidade empresarial e do ativismo sustentável.

 

Entrevista

John Elkington: Bem, ao longo das últimas décadas, testemunhamos um crescente reconhecimento da importância da sustentabilidade, tanto a nível empresarial quanto global. As empresas estão percebendo que devem abordar não apenas suas operações, mas também sua cadeia de suprimentos e impacto social. Vemos um movimento contínuo em direção a práticas mais responsáveis e transparentes, mas ainda há muito trabalho a ser feito.

Com certeza. Quais são os principais desafios que você identifica atualmente em termos de implementação de práticas sustentáveis em larga escala?

John Elkington: Um dos principais desafios é a integração da sustentabilidade no cerne dos modelos de negócios. Muitas empresas ainda veem a sustentabilidade como uma iniciativa isolada, em vez de uma parte fundamental de sua estratégia. Além disso, a falta de regulamentações e políticas sólidas em muitas partes do mundo dificulta a adoção generalizada de práticas sustentáveis. Também é fundamental envolver os consumidores e criar uma demanda por produtos e serviços mais sustentáveis.

Concordo plenamente. Considerando o cenário atual, como você visualiza a importância da inovação e da tecnologia na promoção da sustentabilidade?

John Elkington: A inovação e a tecnologia desempenham um papel crucial na transição para práticas mais sustentáveis. Novas tecnologias podem aumentar a eficiência, reduzir desperdícios e permitir o uso mais inteligente dos recursos. Da energia renovável aos avanços na agricultura sustentável e na gestão de resíduos, a tecnologia tem o potencial de impulsionar mudanças positivas significativas. No entanto, é importante garantir que essas inovações sejam acessíveis e amplamente adotadas, especialmente em comunidades com recursos limitados.

Definitivamente. Quais conselhos você daria para os líderes empresariais e os formuladores de políticas que desejam impulsionar práticas mais sustentáveis?

John Elkington: Para os líderes empresariais, eu enfatizaria a importância de incorporar a sustentabilidade em toda a cadeia de valor, desde a concepção do produto até o descarte responsável. Isso não apenas beneficia o planeta, mas também pode gerar eficiências operacionais e melhorar a reputação da marca. Para os formuladores de políticas, é fundamental criar um ambiente regulatório favorável e incentivar a inovação e o investimento em práticas sustentáveis. Além disso, é crucial promover a conscientização e a educação sobre a importância da sustentabilidade em todas as esferas da sociedade.

 

 

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