Entrevistas
Maria Clara Albuquerque – Entrevista sobre bioética
Bioética: Recife vai sediar V Congresso
Bioética: Recife vai sediar congresso
De 13 a 15 de maio, o V Congresso de Bioética vai debater meio ambiente, cidadania, fome, clonagem, transgênicos e os valores para construção de uma vida solidária
Silvestre Gorgulho, de Brasília
Nunca se falou tanto em ética, em cidadania e transparência. Mas muito há ainda o que falar e, sobretudo, em aprender para praticar. Para o jornalista Paulo José Cunha a ética está na moda. “Em qualquer discussão, do verdureiro ao presidente da República, do estudante ao catedrático, a questão mais debatida é se alguém agiu de forma ética ou aética. Se existe obediência à ética ou se alguém atenta contra a ética”, diz ele. E na biologia, na pesquisa, na medicina, então, é assunto para toda hora. Do dia 13 ao dia 15 de maio, em Recife, profissionais de todo o Brasil terão oportunidade de se aprofundar mais no tema durante o V Congresso Brasileiro de Bioética. Segundo a professora Maria Clara Albuquerque, presidente do Congresso, o evento vai contar com convidados, brasileiros e estrangeiros que participarão dos diversos painéis sobre os mais importantes temas éticos da atualidade. “Desde a construção solidária da vida e seus valores fundamentais, sobretudo a cidadania, tema central do encontro, até questões persistentes referentes à fome, a miséria e a exclusão social, questões emergentes relativas aos avanços da biotecnociência como reprodução assistida, clonagem e transgênicos”, explica Maria Clara (foto) para concluir: “Vamos abordar a ética da responsabilidade com o meio ambiente e sua preservação, além da ética na pesquisa com seres humanos. Tudo num contexto multidisciplinar que dê suporte na construção de um novo estatuto para a vida humana no século 21I”.
O que você entende por bioética?
Maria Clara – Traduzido ao pé da letra, a palavra bioética tem o significado de ética da vida. Podemos fazer analogia com as palavras gregas bios -vida – conhecimento da biologia dos seres viventes e ethos – ética. Bioética seria o conhecimento dos valores humanos.
Qual conceito se aplica a Bioética?
MC – Embora o termo bioethics tenha recebido várias críticas, foi o termo que ficou, que foi difundido. Segundo a Encyclopedia of cioethics, pode-se defini-la como o estudo sistemático das dimensões morais – das ciências da vida e do cuidado da saúde utilizando uma variedade de metodologia éticas num contexto interdisciplinar.
Vista como ciência, pode-se dizer que a bioética busca estabelecer um diálogo inter, multi e trans cultural entre o conhecimento científico e o conhecimento dos valores humanos. Esse diálogo é essencial para a sobrevivência da humanidade.
Onde e como surgiu esse movimento?
MC – Surgiu em decorrência de movimentos nos Estados Unidos na década de 60, ganhando credibilidade na década de 70. Foi a partir, do livro de Potter intitulado Bioethics bridge to the future. Depois tomou rumos acadêmicos através do Instituto Kennedy com vasta difusão pelo mundo todo.
No Brasil foi oficialmente constituída em 18 de fevereiro de 1995, com a criação da Sociedade Brasileira de Bioética, que conta hoje com mais de 500 sócios e já promoveu quatro congressos nacionais e um internacional. Esse V Congresso, em Recife, é muito importante, pois pela primeira vez a discussão ganha o Norte e Nordeste. Os congressos anteriores foram no centro-sul.
Quais são os temas de interesse da bioética?
MC – São muitos. Estão na nossa vida. Veja alguns: ética religiosa. Por exemplo: situações de conflitos entre as religiões que terminam envolvendo as nações. Filosofia da biologia. Exemplo: origem e evolução das espécies. Ciência e tecnologia. Exemplo: reprodução assistida, clonagem, engenharia genética. Sociologia. Exemplo: relação profissional-paciente, multiprofissional. Assistência à saúde, acesso à saúde, distribuição de recursos escassos e assistência para doenças específicas como pacientes terminais, soropositivos para HIV, dependentes químicos etc. Na dimensão política aborda temas genocídios, torturas, guerras, pluralismo cultural, armas químicas e biológicas. Na economia, abrange temas como o desenvolvimento sustentável. Na veterinária preocupa-se com o tema experimentação com animais entre outros. No jornalismo, a ética na busca e divulgação da notícia.
A Bioética, como disciplina, deve ter um compromisso?
MC – Deve sim. Favorecer a construção do senso crítico, instrumento do livre arbítrio, para capacitar decisões responsáveis e livres de situações conflituosas que as ciências da vida e da saúde apresentam no dia a dia.
Desta forma a bioética presta a sua contribuição para a conscientização e prática da cidadania.
É bom explicar que cidadania deve ser entendida como eqüidade, igualdade de oportunidades, relações de justiça, solidariedade e respeito ao diferente, traduzindo-se em dignidade e qualidade de vida para os mais vulneráveis.
Quais são os pontos considerados mais polêmicos nesta discussão?
MC – Eutanásia, aborto e transplantes. São situações que têm crescido dentro do sistema de produção capitalista que é o mercado pela vida. As questões que envolvem o transplante de órgãos é bem típico nesta discussão.
Como isso envolve dinheiro e poder, por estar em jogo a perspectiva de vida de ricos e pobres, há um conflito muito grande. Muitas vezes estatal, às vezes particular, o problema é que a pergunta fica no ar: existe moralidade no comércio de órgãos?
E tem mais, as questões morais envolvendo manipulação genética, o caso dos patenteamentos. Enfim, transgênicos, economia, seguros, saúde e escravidão são temas polêmicos e sempre em discussão.
Mais informações:
www.cro-pe.org.br/bioetica
Fone: (81) 34689780
Entrevistas
MARCOS TERENA

De filho pródigo à liderança internacional, o índio, piloto e cacique Marcos Terena, tornou-se um líder respeitado e o ponto de equilíbrio entre autoridades brancas e os povos indígenas.



Entrevistas
Dener Giovanini – Entrevista sobre tráfico de animais
Tráfico de Animais Silvestres – Um problema maior do que se imagina

O tráfico de animais é um problema muito maior e muito mais grave do que se imagina |
O terceiro maior negócio do mundo: tráfico
de Animais Silvestres
Silvestre Gorgulho – de Brasília
Tudo começou com a Sociedade Mata Viva, em 1995, no Rio de Janeiro. E tudo começou, também, com o ambientalista Dener Giovanini, formado em Letras pela UFRJ e com curso de Biologia (incompleto) pela Faculdade de Vassouras. Giovanini foi o fundador e presidente da Sociedade Mata Viva. Em 1998, fez um projeto audacioso criando uma Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres. O projeto foi tão bem estruturado, tão bem aceito e trouxe tantos resultados positivos para a sociedade que deixou de ser criatura e ficou maior que o próprio criador. O projeto ficou maior do que a própria Socidade Mata Viva e se transformou na Renctas, uma das ONGs mais citadas pela mídia mundial. Em 2001, foram mais 17 horas de mídia espontânea nas tevês e 400 matérias nos mais importantes jornais brasileiros e internacionais. Para falar desta rede que conta com a participação de 580 organizações filiadas, ninguém melhor do que Dener Giovanini, seu primeiro e único dirigente.
FMA – O tráfico continua aumentando?
Dener – Eu acredito que hoje, no Brasil, ninguém tem condições de afirmar se o tráfico está crescendo ou diminuindo. Nem a sociedade, nem o governo. Simplesmente porque nós nunca possuímos dados estatísticos que permitisse uma comparação e que nos fornecesse um resultado confiável a respeito desse tema.
FMA – Não existe um levantamento?
Dener – Olha, o primeiro documento sobre tráfico de animais silvestres foi produzido pela Renctas e lançado no ano passado. Somente quando fizermos a segunda versão é que vamos ter parâmetros para avaliar a verdadeira dimensão desse comércio ilegal.
Hoje isso é impossível, exatamente pela inexistência de dados anteriores ao relatório da Renctas. Podemos afirmar então, que esse relatório foi o marco zero no Brasil. Somente a partir dos próximos relatórios vamos ter condições de fazer comparações. O tráfico de animais é um problema muito maior do que se imagina. É uma situação vivenciada pelo Brasil desde a sua descoberta.
FMA – E quais as principais dificuldades para combater esse crime?
Dener – Infelizmente as dificuldades são muitas. A começar pela nossa legislação ambiental, que precisa ser revista e alterada para que tenha uma ação realmente efetiva quanto à proteção do nosso patrimônio ambiental.
Também existem problemas com relação ao setor judiciário, principalmente no que diz respeito à aplicação das leis. Infelizmente esse crime é considerado de menor conseqüência, de menor poder ofensivo, o que provoca um certo desestímulo para a atuação dos órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental.
FMA – E as dificuldades operacionais?
Dener – Essas também são grandes. A principal delas está na falta de recursos para a fiscalização. Soma-se a isso a quase inexistência de locais para destinação dos animais apreendidos. Desta forma, quando um agente ambiental apreende um animal, ele fica com um grande problema nas mãos, por não ter para onde levá-lo.
Os problemas são macros, e necessitam de soluções rápidas e eficazes. Para isso é preciso que tenhamos políticas públicas que englobem a participação de todos os setores da sociedade brasileira para resolvê-los. E é isso que a Renctas está buscando através das parcerias que vem estabelecendo.
FMA – Qual o papel do Governo nesse processo e qual o papel do cidadão?
Dener – O governo já deu um passo extremamente importante ao reconhecer a existência desse problema. É verdade que ainda há muito a ser feito, mas nós já vemos uma mobilização por parte do Ibama, por exemplo, quando aumenta a sua fiscalização em locais historicamente conhecidos pela atuação de traficantes, como é o caso do Raso da Catarina, local onde vive a Arara Azul de Lear. Ou nas feiras livres espalhadas por todo o Brasil. Isso é um ponto bastante positivo.
FMA – A repressão é suficiente para acabar com o tráfico?
Dener – Evidente que não. Não vamos resolver o problema do tráfico de animais silvestres somente com a repressão, porque esse é um problema basicamente cultural. Infelizmente faz parte da cultura brasileira enxergar os animais silvestres como passíveis de serem utilizados como mascote, como animais domésticos. Isso é uma herança do nosso processo colonial. Naqueles tempos os nossos índios viviam em estreito relacionamento com a fauna e esse comportamento foi absorvido pelos colonizadores.
FMA – Vamos falar do futuro. Quais as perspectivas do trabalho?
Dener – Estamos atuando em diversas frentes. Eu gostaria de citar algumas que considero muito importantes, como o trabalho de educação ambiental que temos realizado.
Lançamos uma campanha nacional contra o tráfico de animais silvestres, que teve uma grande repercussão e foi vencedora do prêmio Ford e Conservation Internacional em reconhecimento aos resultados alcançados.
Agora estamos fazendo a segunda versão da campanha, em parceria com o Ministério das Relações Exteriores e Ministério do Meio Ambiente. Estamos trabalhando com órgãos do governo no sentido de estabelecer parcerias para a criação de políticas públicas, discutindo alternativas viáveis para o combate ao tráfico de animais silvestres.
FMA – Destaque alguns desses trabalhos.
Dener – Posso destacar a realização de workshops de treinamento e capacitação para os agentes responsáveis pela fiscalização ambiental no Brasil. Nós já realizamos esse evento em 16 estados, e vamos cobrir todo país.
Esses workshops têm sido importantes por reunir todos os agentes responsáveis pela fiscalização ambiental, como o Ibama, Polícia Ambiental, Polícia Civil, Polícia Federal e a sociedade, representada pelas ONGs e pelas universidades. Em cada estado nós estamos presentes fisicamente, plantando uma semente de conscientização e criando oportunidade para uma atuação conjunta, harmoniosa e eficiente entre os órgãos responsáveis pelo controle ambiental.
FMA – É possível alguém possuir um animal silvestre legalmente?
Dener – A lei brasileira não proíbe que você tenha um animal silvestre. Basta que ele seja oriundo de um criadouro autorizado pelo Ibama. A exigência é que este animal seja adquirido com toda a documentação e que seja nascido em cativeiro e não retirado da natureza.
Eu acredito que a criação comercial da fauna silvestre é uma boa idéia para se combater o tráfico, porém, hoje nós temos uma dificuldade muito grande nesse aspecto, por dois motivos: primeiro o governo ainda não dispõe das condições necessárias para efetuar uma fiscalização eficiente nos criadouros autorizados a funcionar pelo Ibama. São poucos fiscais e alguns desses criadouros não respeitam a lei e acabam vendendo animais retirados da natureza.
Existem muitas pessoas sérias e honestas, mas como em toda área, há aqueles que prejudicam a boa intenção dos demais. A segunda dificuldade que eu identifico na criação comercial é o altíssimo preço dos animais que estão disponíveis no mercado.
FMA – Como funciona esses preços?
Dener – Simples, uma arara brasileira de origem legal custa em um criadouro autorizado cerca de R$ 3.500,00 a R$ 4.000,00, enquanto no comércio clandestino a mesma ave é comercializada por cerca de R$ 600,00. Isso é um desestímulo para que as pessoas possam ter acesso aos recursos naturais. Eu vejo a criação comercial ainda como uma criação extremamente elitista, ou seja, a fauna só está disponível para aqueles que tem muitos recursos para adquiri-la legalmente. Enquanto os problemas de fiscalização e de acesso a essas espécies não forem resolvidos, nós ainda teremos muita dificuldade para combater esse comércio ilegal.
FMA – A maior parte dos nossos animais é retirada da natureza para atender ao tráfico internacional. Como é possível resolver essa situação?
Dener – A questão do tráfico de animais silvestres é um problema mundial. É evidente que o Brasil, por possuir uma das biodiversidades mais ricas do planeta, torna-se um dos países mais visados por essa atividade criminosa. Mas no mundo inteiro há espécies que são procuradas para os mais diversos fins pelos traficantes de animais silvestres, seja na África, na Europa ou nos EUA.
FMA – E o tráfico internacional?
Dener – É bom ressaltar que a comunidade internacional também é responsável pela perda da biodiversidade brasileira, uma vez que ela é uma fomentadora desse tráfico.
As pessoas quando entram em um pet shop nos EUA, na Inglaterra ou na França, precisam saber que aquele animal que está disponível para a venda pode ter sido retirado ilegalmente do Brasil e se elas não tiverem essa consciência, a demanda vai continuar existindo e o nosso país vai continuar a perder sua riqueza biológica.
Nós temos uma fronteira enorme, é praticamente impossível impedir a saída desses animais, visto que grande parte do comércio é feito através das fronteiras secas. No Norte existe um tráfico muito grande nas fronteiras com a Venezuela, Bolívia e Peru. No Sul do país temos muita saída de animais através do Cone-Sul, como a Argentina, Uruguai, Paraguai.
Então é necessário que a comunidade internacional esteja ciente da sua responsabilidade nesse processo. Por isso, a Renctas está desenvolvendo com o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério das Relações Exteriores uma campanha com o intuito de sensibilizar e chamar a atenção da comunidade internacional sobre sua responsabilidade.
FMA – Quais são os valores envolvidos nesta atividade criminosa?
Dener – Os números são absurdos. Nós temos espécies brasileiras, como a Arara azul de lear, que chega a ser comercializada por U$ 60 mil no mercado internacional.
Algumas serpentes raras chegam facilmente a U$25 mil no mercado de Singapura. É sempre bom atentarmos para o fato de que a lógica do tráfico é extremamente cruel: quanto mais raro for o animal, mais caro será seu valor no mercado ilegal e conseqüentemente, mais procurado. Temos o tráfico para fins científicos, conhecido como biopirataria, o tráfico para pet-shops, para criadores e colecionadores particulares. Tem até o tráfico que utiliza pedaços de animais e nesse tipo de tráfico entra o uso do animal para a indústria do artesanato ou fins medicinais.
Enfim, as variantes e os tipos de tráficos são muitos, e isso torna todas as espécies de alguma maneira passíveis de interesse para os traficantes. Um só traficante atende diversos seguimentos, ele tanto pode fornecer serpentes e escorpiões para pesquisadores estrangeiros, quanto borboletas para atender a indústria do artesanato na China.
FMA – Como todo esse lucro é distribuído na cadeia do tráfico?
Dener – O fato é que temos um componente social muito importante. A chamada linha de frente é composta pelos apanhadores, que são as pessoas com condições sócioeconômicas muito desfavoráveis. Essa camada da sociedade é a primeira a ser arregimentada pelos traficantes. É bom ressaltar que nenhuma atividade criminosa pode ser usada para justificar um aumento de renda.
FMA – Uns são explorados e quem ganha são os intermediários?
Dener – Isso mesmo. Os apanhadores são humildes, ganham muito pouco, mas têm papel fundamental. Êles que conhecem a região. É fácil encontrar pessoas que ganham R$0,20, R$0,50 por uma borboleta que ela captura e entrega na mão do traficante. Ou seja, ela não vai resolver o seu problema de renda e em seguida vai acabar tendo problemas ambientais, porque as espécies vão desaparecer.
Existem os intermediários, que são as pessoas que fazem o transporte da região de apanha para a região de venda, esses tem um lucro melhor. Mas o maior lucro é o do vendedor final. Principalmente das quadrilhas internacionais que atuam no Brasil, que são em torno de 350 a 400.
Assim, o grande lucro do tráfico fica nas mãos dos traficantes que têm conexões internacionais. Estamos falando de muito dinheiro. Da terceira maior atividade ilegal do mundo, perdendo só para o tráfico de drogas e armas. É um negócio que movimenta só no Brasil um bilhão e quinhentos milhões de dólares todos os anos.
FMA – E em termos de perda de biodiversidade?
Dener – A perda é incalculável, pois uma vez que uma espécie desaparece do seu habitat, nós nunca mais teremos a chance de recriá-la, e sabemos que todos os dias nós temos muitas espécies correndo o risco de desaparecer sem que nós tenhamos sequer conhecimento da sua existência.
Toda vez que perdemos um patrimônio genético, poderemos estar perdendo a única oportunidade de encontrar a cura para várias doenças. Hoje por exemplo, produtos para hipertensão arterial são feitos com o principio ativo de serpentes brasileiras. Toda espécie tem um papel extremamente importante no equilíbrio ambiental.
FMA – Existe risco para a saúde ter animal em casa?
Dener – Os riscos são muito grandes. Qualquer espécie possui microorganismos dentro de si. Uma vez que ela é retirada do seu habitat, a mesma passa por um processo de estresse muito grande e pode transmitir uma série de doenças ao ser humano, como a febre amarela, doença de chagas, leishimaniose, etc. Inclusive doenças desconhecidas da medicina, que são chamados de vírus emergentes.
No Brasil, nós já tivemos vários casos de hantavírus transmitidos por animais silvestres. Assim, quando uma pessoa leva para casa um animal de origem ilegal, ela está expondo sua família a um risco muito grande. Mais do que se pensa .
Entrevistas
Maria Reis: o alimento melhor e mais barato não está só no supermercado
A fome e a doença no Brasil têm jeito

MARIA REIS – ENTREVISTA
O que o pobre tem que entender é que o alimento não está
apenas no supermercado e o remédio não está só na farmácia
Silvestre Gorgulho, de Brasília
Há alguns ano s, entrevistei a professora Maria Reis(a direita na foto) para uma matéria sobre alimentação na Folha do Meio Ambiente. E essa educadora me chamou muita atenção pelo seu trabalho nas salas de aula e no campo. Por onde passa, ela mostra que a fome e a doença no Brasil têm jeito, pois a natureza dá tudo o que precisamos. Só tem um senão: o povo é orientado a ir buscar alimento apenas no supermercado e remédio só na farmácia, sem saber que brota do chão uma variedade enorme de produtos para os seus males. Principalmente para o pior deles: a fome. E a professora Maria Reis é sempre uma inconformada, pois ela não aceita que um País que tem a maior diversidade de plantas do planeta, essa imensa extensão de terras férteis, a maior reserva de água doce do mundo, condições naturais favoráveis à agricultura pode ainda ter gente que padece de fome. Não basta o governo virar um supermercado dos miseráveis, colocando-se paternalisticamente à disposição de quem tem fome. É fundamental que o governo seja um agente que possa levar as condições para que essas pessoas possam matar a fome dignamente. Por suas próprias mãos. Vale a pena conferir esta entrevista com a professora Maria Reis, uma candanga que nasceu aqui perto de Brasília. Ela é de Morrinhos, em Goiás, e autora de dois livros: “Educação Alimentar” e “As Plantas Medicinais”.
Em primeiro lugar, por que essa sua ligação com o campo?
Maria Reis – A origem está na minha infância em Morrinhos, interior de Goiás. Sempre quando terminava as aulas na escola, começava o aprendizado da terra. Era assim que, desde muito cedo, eu e meus 8 irmãos aprendíamos com meu pai os segredos da natureza e o amor e o respeito por ela. Ele jamais admitiu que destruíssemos uma planta. Também nos ensinou a aproveitar todas as sementes. Com minha mãe aprendi a aproveitar as dádivas da terra, que tem muito mais para oferecer do que muita gente pode imaginar. Foi ela quem me ensinou a cozinhar, a preparar alimentos alternativos, aproveitar integralmente os vegetais, utilizar as plantas medicinais. Isso que atualmente as pessoas chamam de alternativo, que parece moderno, na realidade é toda uma cultura desenvolvida pela sabedoria dos antigos, que infelizmente foi se perdendo com o tempo e que é preciso resgatar e difundir. Principalmente entre a população carente. Trago ainda outra herança importante de meus pais: a curiosidade.
Como a senhora pesquisa suas receitas?
Maria Reis – Até hoje ando pelo cerrado, na reserva que mantenho no meu sítio em Alexânia e descubro novas plantas medicinais e alimentícias. Também aprendo com as pessoas do lugar, pesquiso em livros os valores nutritivos e terapêuticos das plantas, descubro espécies de outros países que se adaptam bem ao nosso solo, planto, invento receitas, procurando sempre aproveitar o melhor dos vegetais. Esse “melhor” não tem nada a ver com o que se costuma chamar de “partes nobres” dos alimentos. Utilizo cascas, flores, sementes, raízes, brotos, talos, farelos e folhas que normalmente vão para o lixo das casas brasileiras, inclusive as mais pobres. Muitos destes alimentos oferecem bem mais nutrientes que os convencionais.
Quando falávamos a estas pessoas
sobre a importância de se utilizar farelos,
cascas e outras alternativas alimentares,
muitas delas se aborreciam, diziam que eram pobres,
mas não comiam comida de porco
O que a senhora pode dizer sobre a cultura do desperdício?
Maria Reis – O desperdício nasce no preconceito, na falta de informação. A fome no Brasil não é só um problema econômico, é também um problema de educação. Durante muito tempo atuei em programas sociais, direcionados a comunidades carentes, junto à Pastoral da Criança, Pastoral da Saúde, LBA. O trabalho era essencialmente educativo, no sentido de melhorar a qualidade de vida das populações de baixa renda. Nós ensinávamos às comunidades hábitos de higiene, saúde, novos conceitos alimentares, como aproveitar os alimentos, orientávamos gestantes, lactentes. Quando falávamos a estas pessoas sobre a importância de se utilizar farelos, cascas e outras alternativas alimentares, muitas delas se aborreciam, diziam que eram pobres, mas não comiam comida de porco. Não é nada fácil.
É necessário um trabalho amplo, intenso para mudar, melhorar os hábitos alimentares, a qualidade de vida do brasileiro. É preciso vontade política, não só no sentido de buscar uma sociedade mais justa, com melhor distribuição de renda, como o apoio dos órgãos governamentais em ações visando resultados a curto e médio prazo. Ações educativas que ajudem as pessoas a viverem melhor. Nessas minhas experiências em trabalhos comunitários pude constatar pessoalmente muitas das coisas que vêm a reboque da escassez econômica. Desnutrição, condições sanitárias mais do que precárias, um grave desperdício de alimentos. Tudo perpetuado pela ignorância e pela falta de informação.
Porque esses ensinamentos não chegam ao povo?
Maria Reis – Porque o povo é orientado para buscar remédios na farmácia, sem saber que brota do chão a cura para os seus males, principalmente para o pior deles: a fome. Não posso me conformar com um país que tem a maior diversidade de plantas do planeta, uma imensa extensão de terras férteis, condições naturais favoráveis à agricultura e padece de fome. Preconceitos contra o aproveitamento dos vegetais causam a perda constante de poderosas fontes de alimento. É uma verdadeira afronta à fome, que no nosso país mata mais do que muitas guerras. E mata principalmente crianças.
Qual a recomendação que a senhora daria aos nossos leitores?
Maria Reis – Acho que nunca é demais lembrar às pessoas o que aprendi bem cedo com meu pai. A natureza dá tudo o que precisamos. Em troca ela só precisa de respeito e cuidado. Preservar a natureza é preservar a nossa própria vida, a vida das próximas gerações. Como podemos dizer que amamos nossos filhos, nossos netos, se não cuidamos do mundo que estamos deixando para eles? Ensino às pessoas uma alimentação mais natural, a se tratarem com plantas medicinais. É um trabalho que gosto muito, mas por incrível que pareça isto, às vezes, tem me deixado triste.
Na comunidade próxima ao meu sítio em Alexânia, por exemplo, oriento as pessoas para a utilização de vegetais do cerrado que antes elas ignoravam. E agora observo estas plantas sendo devastadas, até na reserva que mantenho no sítio e que vem sendo invadida, depredada. Essas pessoas não têm sequer o cuidado de extrair o fruto sem danificar os galhos. Às vezes até arrancam a planta pela raiz por pura displicência, tiram a proteção dos troncos sem a menor necessidade. E quando sofrem com as consequências da devastação do meio dizem que é castigo de Deus. Mas é claro que Deus não tem culpa nenhuma de nada disso. Temos que fazer a nossa parte, respeitar todas as formas de vida, preservar a integridade das plantas, não poluir, replantar, tratar com amor, com reverência o que temos de melhor, de mais bonito no nosso planeta. Temos principalmente que ensinar, dar o exemplo para as novas gerações. É uma missão que cabe aos pais, aos educadores, a todos os adultos. Ninguém pode se omitir.
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