Entrevistas
Miguel von Behr – Entrevista sobre o Jalapão
Jalapão: história, cultura e meio ambiente
Jalapão sob olhar de Miguel von Behr
Esse ecossistema faz transição com a Caatinga e é prioritária para a conservação da flora, da fauna, dos recursos hídricos e do patrimônio espeleológico do bioma
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Silvestre Gorgulho, de Brasília
A exuberância dos ecossistemas brasileiros sempre encantaram biólogos, fotógrafos, pesquisadores e jornalistas – estrangeiros e brasileiros – e há vários séculos frequenta grandes publicações nacionais e internacionais. Cada uma com sua característica. De Carl Friedrich von Martius, passando por Saint Hilaire, Langsdorff, Arne Sucksdorff até os contemporâneos como Miguel von Behr que lança, no próximo dia 11 de maio, em Brasília, seu novo livro: Jalapão – o Sertão das Águas. Miguel von Behr é arquiteto, fotógrafo e ambientalista. Funcionário do Ibama, von Behr trabalha com a criação e implantação de unidades de conservação, planejamento urbano e corredores ecológicos, e é autor do selo editorial Série Ecossistemas Brasileiros História, Cultura e Natureza. Seus trabalhos (Guarakessaba – Chapada dos Veadeiros, o Berço das Águas do Novo Milênio – a Serra da Bodoquena – e, agora, O Jalapão – Sertão das Águas) mostram o que ocorre – ou ocorreu – em termos históricos e culturais ao redor das unidades de conservação e contribuem para inseri-las na realidade regional. Seus livros apresentam cada ecossistema de uma forma global, fortalecendo a identidade e a relação homem-natureza. O Jalapão está no extremo leste do Tocantins e concentra uma das maiores extensões dos 20% de Cerrado brasileiro ainda conservados. É área pouco pesquisada, importante por estar na transição com a Caatinga e prioritária para a conservação da flora, da fauna, dos recursos hídrico e do patrimônio espeleológico do bioma.
![]() Miguel von Behr é arquiteto, fotógrafo e ambientalista. Seus livros têm uma forma holística de abordagem |
Como surgiu a série Ecossistemas Brasileiros?
Miguel von Behr – Essa série foi resultado de uma séria experiência profissional de mais de 20 anos como ambientalista, fotógrafo e arquiteto. Como ambientalista eu pude entender melhor essa teia que envolve as relações de vida entre os recursos minerais, a flora, a fauna e nós homens sobre a Terra. Como fotógrafo eu pude registrar e eternizar imagens fantásticas desta relação. E como arquiteto eu pude entender a harmonia, a orquestração e a dinâmica das forças, das belezas e dos mistérios da natureza.
Evidente que para fazer essa Série Ecossistemas Brasileiros eu tive o apoio do Ibama, do Ministério do Meio Ambiente, de governos estaduais e de alguns parceiros da iniciativa privada, aproveitando as leis estaduais e federal de incentivo à cultura.
O que acho importante nas suas publicações é a forma holística de sua abordagem, ou seja, natureza, cultura, povo, processo histórico de ocupação humana. Como nasceu esta sua preocupação?
Miguel – Olha, eu sou um apaixonado pela natureza e gosto de enxerga-la com olhos de ambientalista, de antropólogo, de fotógrafo, de arquiteto, de historiador e até de espiritualista.
Não dá para fotografar e registrar a beleza e a importância de um sítio histórico ou de uma natureza exuberante sem entender em que contexto aquele sítio está inserido na vida do homem e daquela região no passado, no presente e no futuro.
Na verdade eu gosto de fazer um trabalho para sociedade como um todo, para comunidade local, para os turistas, para os formadores de opinião, para os formuladores de políticas públicas e para os tomadores de decisão. Por quê? Para que todos sintam a responsabilidade que têm no sentido de preservar e de contribuir para que a região se desenvolva dentro de um ritmo sustentável e de uma forma que as atuais e futuras gerações se beneficiem daquelas riquezas e belezas.
Quais foram os títulos já publicados e quais os próximos livros?
Miguel – Foram vários. Guarakessaba, uma fantástica reserva de Mata Atlântica do Paraná. Chapada dos Veadeiros, uma das regiões mais lindas de Goiás, berço das águas do novo milênio; e a Serra da Bodoquena, outra região lindíssima de Mato Grosso do Sul. Agora sai este livro sobre o Jalapão, uma das três áreas prioritárias para conservação da biodiversidade do bioma Cerrado, que já perdeu um pouco mais da metade da sua cobertura vegetal original. Quanto aos próximos, duas obras estão na reta final: Costa dos Corais, em Pernambuco e Alagoas, e Arquipélago do Marajó, no Pará, além de já ter finalizado fotos e texto sobre o Lago da Serra da Mesa, em Goiás.
Por que um livro sobre o Jalapão?
Miguel – Porque não existe uma obra com registros fotográficos que englobe os ricos aspectos históricos, culturais e naturais do Jalapão. Ou seja, um livro que literalmente apresente a região de uma forma global para a sociedade. O livro é proposto também para que possamos despertar a atenção da sociedade para o desenvolvimento sustentável da região, por meio de uma comunicação de qualidade, contribuindo para fortalecer a política de turismo regional, integrando as três linhas temáticas mais exploradas pelo turismo: histórico, cultural e natural.
Qual a importância do Jalapão para a conservação do Cerrado?
Miguel – Porque o Jalapão é uma área semidesértica, formada por enormes áreas de rochas areníticas, mas cheia de pequenos rios que nunca secam. A erosão provocada pela chuva e pelo vento na serra do Espírito Santo formam as dunas, uma das principais atração turística do Jalapão, além das dezenas de cachoeiras.
Quais os resultados da Expedição Científica do Ibama ao Jalapão que você chefiou em 2001?
Miguel – O principal resultado foi a imediata criação da Estação Ecológica da Serra Geral do Tocantins, a maior unidade de conservação do Cerrado criada na época, com 712 mil hectares, maior que o Líbano. Outro resultado, apesar do pouco tempo disponível, foi a avaliação dos aspectos ambientais como botânica, fauna, espeleologia e antropologia, mostrando a presença de espécies raras, endêmicas e em processo de extinção.
A presença, por exemplo, do tatu-bola. Além de ser uma indicação da influência do bioma de Caatinga é de relevante importância por ser uma espécie ameaçada de extinção.
O relatório produzido divulgou os resultados utilizados hoje pelas escolas da região, no desenvolvimento de projetos regionais, corredores ecológicos do Cerrado e gestão biorregional do Jalapão.
Houve outras expedições científicas ao Jalapão?
Miguel – Houve várias outras e muito importantes. No século retrasado e passado houve a expedição dos ingleses George Gardner e James Wells. Teve também a do alemão Guilherme Dodt, no século 19, e dos brasileiros Agenor Augusto de Miranda, dr. Júlio Paternostro e Gilvando Simas Pereira no século passado. Todas elas deixaram interessantes e importantes relatos sobre a realidade cultural e ambiental da época em que foram realizadas.
Por que “Sertão das Águas”?
Miguel – Porque a região é de águas emendadas, pois possui nascentes de afluentes de rios de três grande bacias hidrográficas brasileiras: Tocantins, São Francisco e Parnaíba.
A Chapada das Mangabeiras é o maciço central de onde partem águas para essas três bacias, formando-se na região um enorme lençol d’água subterrâneo e um imenso manancial hídrico de rios e córregos permanentes, favorecendo ainda mais a biodiversidade.
Devido a grande quantidade areia, a água passa facilmente entre os poros dos terrenos, impedindo a sua concentração na superfície. A aridez da paisagem esconde uma enorme quantidade de água, dando vida à região. Por isso, “Sertão das Águas”.
Naturatins divulga portaria de proteção ao capim dourado O presidente do Naturatins, Isac Braz da Cunha, assinou portaria que ordenou a coleta e manejo do capim dourado. A portaria 005 proíbe a coleta de capim dourado (Shyngonanthus nitens) nos municípios de São Félix do Tocantins, Mateiros e Ponte Alta do Tocantins, em virtude da pressão sobre a espécie, devido ao elevado interesse pelo artesanato. A coleta poderá ser feita somente pelos credenciados nas associações Capim Dourado do Povoado de Mumbuca, Comunitária de Artesãs e Pequenos Produtores de Mateiros, Comunitária dos Extrativistas, Artesãos e Pequenos produtores do Povoado do Prata e a Associação Esperança dos extrativistas e Pequenos Produtores da Fazenda Nova. A proibição para coletores não credenciados é por tempo indeterminado. Já, entre os autorizados será feita de forma seletiva, deixando-se exemplares intocados. |
Quais as medidas tomadas para ordenar o turismo no Jalapão?
Miguel – Em primeiro lugar é bom dizer que é possível tirar proveito do turismo, por sinal a única atividade econômica que cresceu no Jalapão nos últimos anos.
O turismo ajudou a gerar riqueza, empregos e a distribuir lucros. As visitas se transformaram também numa experiência de educação ambiental para os turistas.
A principal medida foi a criação de unidades de conservação pelo governo do Tocantins e pelo Ibama, formando o maior mosaico de diferentes áreas protegidas do Cerrado brasileiro, com mais de 1,5 milhão de hectares, atualmente em processo de implantação.
Relacionado com turismo está o conhecido capim dourado, uma das razões para os turistas se dirigirem à região e conhecer este artesanato que já é admirado internacionalmente. Atualmente há controle sobre o corte do capim. (ver boxe abaixo).
Mais um trabalho concluído. Qual a melhor lembrança?
Miguel – É saber que existe a esperança de utilizar a fotografia como meio de elevar a auto-estima do homem, construindo uma ponte de identidade entre o passado, o presente e o futuro. É bom saber que este esforço vai interferir positivamente na vida das pessoas e ajuda a preservar a memória do Jalapão. Tudo isso contribui para despertar uma reflexão de como compatibilizar a tão necessária conservação da biodiversidade com o também tão necessário desenvolvimento.
Entrevistas
MARCOS TERENA

De filho pródigo à liderança internacional, o índio, piloto e cacique Marcos Terena, tornou-se um líder respeitado e o ponto de equilíbrio entre autoridades brancas e os povos indígenas.




Barraginhas: a salvação das lavouras
A solução para os desertos de Gilbués
Silvestre Gorgulho
Desde a primeira reportagem da Folha do Meio Ambiente sobre o deserto vermelho de Gilbués, em outubro de 2005, o tema não saiu mais da mídia. Depois vieram as matérias sobre as barraginhas. Primeiro em Minas Gerais, depois as experiências feitas pelo técnico da Embrapa, Luciano Cordoval, no Piauí. Mais precisamente na região do entorno do Parque da Serra da Capivara. Cordoval, coordenador do projeto, preparou 30 técnicos da Emater-PI e da COOTAPI – Cooperativa de Técnicos Agrícolas do Piauí que treinaram outros multiplicadores das comunidades locais. Todos foram responsáveis pela implantação de mais de 300 das 3.600 barraginhas programadas na zona rural de 12 municípios: São Raimundo Nonato, Guariba, Paes Landim, Oeiras, São Lourenço, Caracol, Jurema, Acauã, Paulistana, Santa Luz, Coronel José Dias e Aniz de Abreu. E agora as barraginhas chegaram ao município de João Costa, que tem desertos vermelhos à semelhança de Gilbués. Se a iniciativa salvar as terras de João Costa, com certeza Gilbués, também, estará salva. Graças às barraginhas e ao trabalho incansável de um técnico persistente e sonhador: Luciano Cordoval.
A foto mostra o estado avançado de degradação. As casinhas, ao fundo, é a prova
de que já houve um apogeu, onde tudo era verde coberto de matas, mas a ação do homem foi tornando o cenário desertico
Folha do Meio – O que o motivou a trabalhar para tentar reverter a degradação das terras de Gilbués?
Luciano Cordoval – Quando vimos pela primeira vez, na Folha do Meio Ambiente, a reportagem sobre o deserto vermelho de Gilbués, em outubro de 2005, ficamos extremamente estarrecidos.
Olha, foi impressionante ver aquelas imagens publicadas. Mas, imediatamente, este estarrecimento deu origem a uma empolgação. Sim, porque comecei a buscar uma solução. Queria enfrentar aquele desafio. Queria montar uma equipe para desenvolver tecnologias sociais de conservação de solos e água. Não é fácil trabalhar à distância. Mas este problemão de Gilbués é uma questão humanitária e de solidariedade.
FMA – Você tem acompanhado na mídia o desdobramento da questão dos desertos de Gilbués?
Luciano – Sim, estou acompanhando tudo desde aquela primeira matéria que saiu na Folha do Meio. Depois vieram os desdobramentos como no Globo Rural – que até mostrou o jornal de vocês – Globo Repórter, novamente a Folha do Meio Ambiente, com as cartas dos leitores, e muitas citações na Internet.
E o tempo foi passando. Iniciamos nossos trabalhos de captação de águas superficiais de chuvas, pelas barraginhas, para conservação dos solos e água e revitalização de mananciais e córregos, no Semi-Árido e Sub-Úmido piauienses.
Dentre os municípios abrangidos pelo projeto, destacamos o de João Costa, pelo elevado grau de degradação de seus latossolos vermelhos, sob vegetação de Cerrado, após desmatamentos, o que o torna muito parecido ao deserto de Gilbués.
FMA – João Costa está longe de Gilbués. Como você descobriu o deserto vermelho de João Costa ?
Luciano – O avanço das barraginhas, no Piauí, foi planejado para contemplar doze municípios, sendo oito do Semi-Árido e quatro na transição para o Sub-úmido. Em março e abril de 2007, após caminhada pelos sete municípios vizinhos, para implantar o sistema, chegamos a João Costa.
Eles já tinham ouvido falar do projeto e tiveram o privilégio de assistir recentemente, por meio de suas parabólicas, a uma reportagem da TVE, no programa Mobilizando o Brasil, mostrando o avanço das barraginhas no Semi-Árido piauiense e já estavam ansiosos. Isso porque 60 a 70% dos solos do município encontram-se em elevado grau de degradação. Essa situação criou um am-
biente contagiante, favorável, que está contagiando a todos.
“O que for bom para a região de João Costa será bom para Gilbués. João Costa será uma vitrine demonstrativa para a solução dos desertos vermelhos”
FMA – Por que esses municípios piauienses foram contemplados?
Luciano – Porque as barraginhas, ao serem premiadas e certificadas como tecnologia social da Fundação Banco do Brasil, em 2003, receberam um aval para serem disseminadas pelo país, e o estado escolhido foi o Piauí. Mais especificamente a região de seu Semi-Árido e um pouco da transição ao Sub-Úmido.
Na verdade foi pela repercussão do sucesso de nossas experiências em Minas Gerais, nos últimos dez anos. Além de nove municípios do Semi-Árido, foram escolhidos três do Sub-Úmido, sob vegetação de Cerrado. Guaribas, Santa Luz e João Costa se enquadram nessa categoria e são mais parecidos com as regiões de Minas onde já vimos desenvolvendo nosso trabalho com as barraginhas. Desde o início, esperávamos muito desses municípios e eles estão correspondendo.
“É preocupante tendência atual de converter enormes áreas em cultivos para a
produção de etanol. O homem avança, come o filé e deixa os ossos: os desertos vermelhos”.
FMA – Você acredita que João Costa possibilitará o desenvolvimento de um protótipo para Gilbués?
Luciano – Mesmo estando a 400km de distância, João Costa tem muita similaridade com a região degradada de Gilbués, quanto a solos, predominando os latossolos vermelhos, muito frágeis frente à erosão, além de um regime de chuvas parecido, acima de 1.000 mm. E como nós já estamos familiarizados com a região, as pessoas já estão mobilizadas e motivadas.
Também já foram implantadas as primeiras 300 barraginhas. Agora, nós também estamos motivados e encantados, principalmente com o clima favorável instalado. E também com todo esse envolvimento que está nos motivando buscar mais recursos para complementar nossa experiência. Estamos utilizando esse município como nossa base para introduzir uma cultura de plantios em nível, terraceamentos, plantio direto e trabalhar a educação ambiental sustentável.
Assim, queremos mais e mais barraginhas nas fissuras/erosões maiores e milhares de microbarraginhas, não dispersas, mas coladas umas às outras, como alvéolos no “favo de mel”, nas microenxurradas capilares, nas encostas degradadas.
FMA – Como é mesmo esse sistema “favos de mel”?
Luciano – As barraginhas tradicionais serão feitas nas grandes enxurradas, que já apresentam os sulcos feitos pela erosão. Os milhares de alvéolos (microbarraginhas) serão nas enxurradas minúsculas, capilares, quase imperceptíveis, serão como guarda-chuvas invertidos e dentro de cada alvéolo será plantada uma árvore leguminosa nitrificadora, como leucena e algaroba, que deixará suas folhas caírem, para recuperar o solo.
Enquanto se gasta uma hora de máquina para uma barragi-nha, fazem-se de 8 a 12 microbarraginhas nesse mesmo tempo.
FMA – Então, João Costa será o laboratório?
Luciano – Justamente, será o laboratório que pensávamos ter na própria região de Gilbués. Já nos encantamos com a região, com o povo, com a problemática, há reciprocidade, é tudo que necessitávamos.
O que for bom para a região de João Costa será bom para Gilbués. Assim, pretendemos tornar João Costa uma vitrine demonstrativa para a solução desse problema de desertos vermelhos de regiões com solos sob vegetação de Cerrado. Domados os solos-problemas, daí a levar para regiões similares, é questão de arranjos adaptativos, ajustes, sintonia fina.
O importante é o homem, o envolvimento com o povo e esse já é nosso parceiro em João Costa, é meio caminho andado. O mais, é correr atrás dos recursos e trabalhar, trabalhar, estamos otimistas.
FMA – Você acredita que outros desertos poderão surgir?
Luciano – Creio que isso é inevitável, em face do avanço dos desmatamentos e a introdução de pastagens e lavouras sem a aplicação dos cuidados necessários e das técnicas conservacionistas e, principalmente, sem reposição de nutrientes.
Nesse sentido, é preocupante a apressada tendência atual de converter enormes áreas em cultivos para a produção de etanol. O homem avança, come o filé e deixa os ossos, os desertos vermelhos. O Brasil Central está cheio disso.
FMA – Você é otimista mesmo assim?
Luciano – Essa é a minha missão, tentar regenerar solos degradados, veredas e matas ci-liares, revitalizar mananciais, nascentes e córregos, implantar capões no entorno das barragi-nhas e nos eixos úmidos formados por elas.Com a umidade readquirida e o sol, vêm o verde, as nascentes, volta a vida, volta a esperança, somos geradores de esperanças e temos conseguido isoo, o que nós torna otimistas.
FMA – Então,você mudou de estratégia?
Luciano – Sim, pois desco-brimos nosso sítio de trabalho, tropeçamos no nosso tesouro. Numa região em que a mídia não está fazendo pressão, pode-remos gradativamente, e sem as tensões e cobranças externas, apenas as nossas, ter tranqüilidade para desenvolver nossos planos, não será uma corrida contra o tempo, mas um avanço natural. Penso que nada é por acaso, há momentos em que, como se diz em Minas Gerais, o cavalo está passando arreado à nossa frente…
Os desertos vermelhos de Gilbués estão à espera dos resultados dos experimentos com as barraginhas de João Costa. Uma esperança a caminho. (Foto: André Pessoa)
Entrevistas
Guillermo Planas Roca – Entrevista sobre a energia eólica
Brasil começa a diversificar sua matriz energética e busca a sustentabilidade

Energia: a força dos ventos
Silvestre Gorgulho
Os moinhos de ventos são conhecidíssimos. Desde o século V eles eram usados para bombear água e moer grãos. E agora, também, para gerar eletricidade. O sonho ambiental é ambicioso e o jogo, daqui para frente, vai ser pesado. Segundo técnicos do Greenpeace, a energia do vento, ou eólica, pode garantir 10 por cento das necessidades mundiais de eletricidade até o ano 2020. Mais ainda: deve criar 1,7 milhão de novos empregos e reduzir a emissão global de dióxido de carbono na atmosfera em mais de 10 bilhões de toneladas. Hoje, há uma convicção generalizada: o Protocolo de Kioto decretou o fim do uso dos combustíveis fósseis. Agora, governos e empresas não têm outra alternativa do que investir em tecnologias limpas e fontes energéticas renováveis. Está aí a força da energia do vento e dos biocombustíveis.
O Brasil tem sua matriz energética baseada nas hidroelétricas. As barragens brasileiras produzem cerca de 70 mil MV. Mas tem que diversificar esta matriz, para evitar o fantasma do apagão e caminhar em direção à sustentabilidade. Para a construção de novas hidroelétricas, como as do rio Madeira e do Xingu, a polêmica aumenta. Para a energia proveniente de termoelétricas de petróleo, carvão, gás ou nuclear, nem se fala. O jeito é contemplar fontes renováveis, mais atraentes para os ambientalistas, como a eólica e a energia solar.
O Rio Grande do Sul acaba de ganhar uma central de produção de energia do vento, com a mais avançada tecnologia: os Parques Eólicos de Osório. Este é o maior projeto de energia eólica da América Latina, que coloca o Brasil no mapa mun-dial do desenvolvimento sustentável. Subdividido em três parques – Osório, Sangradouro e Índios – o empreendimento, que passou a operar em sua integralidade em janeiro de 2007, tem um total de 75 aeroge-radores e uma potência instalada de 150 MW, capaz de produzir 425 milhões de kw/h por ano de energia – o suficiente para abastecer anualmente o consumo residencial de cerca de 650 mil pessoas. É metade de Porto Alegre.
O projeto gaúcho de R$ 670 milhões começou há cinco anos e tem como sócio majoritário o grupo espanhol Elecnor, através de sua subsidiária Enerfin Enervento, responsável por cerca de 1500 MW de energia eólica no mundo.
Para falar sobre o projeto e o futuro da energia dos ventos, no mundo, entrevistamos o diretor-geral da Enerfin Enervento, o espanhol Guillermo Planas Roca.
A energia eólica é produzida pela transformação
da energia cinética dos ventos em energia elétrica,
que é realizada através de um aerogerador.
GUILLERMO PLANAS ROCA – ENTREVISTA
Guilhermo Roca: “Estudamos outros investimentos
tanto na área de energia eólica como, também,
na área dos biocombustíveis”.
Folha do Meio – O que levou o grupo espanhol Elecnor implantar o maior parque eólico da América Latina no Brasil?
Guilhermo Roca – Foram vários fatores. Primeiro, o incentivo do governo através do Proinfa [Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia]. Depois, acreditamos no trabalho desenvolvido pela ministra Dilma Roussef na re-gulamentação do programa, aliado à demonstração de solidez dos governos federal e gaúcho. O então governador Germano Rigotto passou para os investidores muita segurança e seriedade. Tem ainda um componente técnico importante: O Rio Grande do Sul comprovou que possui boas condições de vento para produção de energia eólica, principalmente nas regiões litorâneas. Foram estas conjunções de fatores, inclusive uma parceria com o município de Osório, que abriu condições para a implantação do projeto. Tornamos realidade um empreendimento do porte do Parque de Osório, com 150 MW
instalados.
FMA – A energia eólica tem suas vantagens ecológicas? Mas, no Brasil, dada a força das hidroelétricas, ela tem vantagens no custo benefício de implantação?
Guilhermo – De fato é uma energia limpa que respeita o meio ambiente. No caso do Brasil, devido ao comportamento dos regimes de vento e chuvas anuais, esta energia é complementar com a energia hídrica, o que permite poupar reservatórios de água em épocas de seca, como o
acontecido no ano passado na região sul.
O recurso eólico está espa-lhado por uma infinidade de regiões no mundo e isto facilita a diversificação geográfica da geração onde for necessária. Na verdade, é uma excelente alternativa às energias não-re-nováveis e às grandes centrais hidroelétricas.
FMA – Mesmo assim, existe um impacto ambiental?
Guilhermo – O impacto ambiental de um projeto de
energia eólica é praticamente nulo, se comparado à implantação de uma usina hidrelétrica ou termelétrica. E tem mais. Sua instalação é completamente reversível. Os Parques Eólicos de Osório respeitam a fauna e a flora dos campos onde foram instalados, preservando, ainda, as atividades produtivas da região. O processo de ge-ração de energia eólica é inteiramente limpo, isento de contaminações e de resíduos radioativos. Não emite gases poluentes, causadores do chamado efeito estufa, responsável pelo aquecimento global. A energia gerada através do vento evita o consumo de ou-tros recursos naturais não re-nováveis e mais poluentes.
FMA – Em tempos tão difíceis para o licenciamento ambiental, como os Parques Eólicos de
Osório conseguiram atender a todas as exigências ambientais?
Guilhermo – O projeto, que foi pioneiro na obtenção das respectivas licenças junto à FEPAM que é o órgão responsável pelo licenciamento am-
biental no Rio Grande do Sul, teve sua implantação precedida de quatro anos de rigorosos estudos ambientais. Foi inclusive precursor, no Brasil, com estudos desta profundidade e complexidade.
Os resultados estão servindo de fonte de consulta para a FEPAM e para novos projetos na área eólica. Uma equipe de oito mestres e doutores em meio ambiente trabalhou continuamente, desde 2002, tendo o monitoramento ambiental prosseguido durante o período de implantação do parque eólico, ocorrida entre outubro de 2005 a dezembro de 2006.
FMA – Depois da entrada em operação dos parques, há cinco meses, o monitoramento ambiental continua?
Guilhermo – Continua sim. E continua sempre muito rigoroso. Agora com ênfase no estudo do comportamento das aves e morcegos e análise do ruído na região após a implantação dos aerogeradores. E isto é muito importante para nós, como empresa, para o estado do Rio Grande do Sul e, evidentemente, para o Brasil. É sempre uma referência para novos projetos.
O modelo E-70 mede 135 metros de altura, pesa quase 1.000 ton e produz 2MW de potência.
No chão, o tamanho de uma hélice: só a pá mede 35 metros
FMA – Os parques foram enquadrados no processo MDL para obterem créditos de carbono?
Guilhermo – Olha, a ONU registrou o projeto dos parques eólicos como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, em dezembro de 2006. Isto porque é um projeto bem caracterizado por ser dirigido por empresas européias e que demonstra contribuir para o desenvolvimento sustentável. O projeto vai evitar a emissão na atmosfera de 148.325 toneladas de CO2 anuais e evitará a queima de uns 236.000 barris de petróleo ao ano.
FMA – Em matéria de tecnologia, o projeto de Osório tem tecnologia de ponta ou é uma média?
Guilhermo – Ah, isso é importante dizer. Os Parques Eólicos de Osório foram um dos primeiros no mundo a implantar aerogeradores de 2MW de potência, fabricados no Brasil. Fabricados e instalados pela empresa alemã Enercon GmbH, atraves da sua subsidiária Wobben Windpower, com sede em Sorocaba, São Paulo.
A Enercon é um dos líderes mundiais em tecnologia eólica de ponta, e os aerogeradores instalados em Osório, o modelo E-70, são reconhecidos internacionalmente como um dos mais avançados na atualidade.
Tecnicamente eu poderia dizer que o modelo E-70 mede 135 metros de altura e pesa quase 1.000 toneladas. Os aerogeradores de Osório contam com gerador síncrono e um gabinete de eletrônica para manter em cada instante a relação entre a velocidade de giro das pás e a velocidade do gerador. Isto os diferencia de outros modelos convencionais que precisam de um sistema de engrenagens.
Um detalhe importante é que a pá utilizada no empreendimento mede 35 metros e é ângulo de passo variável, o que permite melhorar automaticamente o ângulo de incidência do vento sobre o rotor e aproveitar ao máximo a intensidade dos ventos da região.
FMA – Podemos dizer que o Brasil entrou de vez, no mapa mundial do desenvolvimento de energia renovável?
Guilhermo – Podemos ir até além, porque a matriz brasileira de energia já é renovável com as hidroelétricas. Agora o Brasil dá outro passo importante, pois usa a energia eólica que é renovável e causa muito menos impacto ambiental. Assim caminham as nações desenvolvidas.
Queria destacar outra coisa. O Rio Grande do Sul, pelo que aprendi, tem forte história no movimento ambientalista brasileiro. E agora, ele se apresenta como o primeiro estado a investir forte na energia eólica, mostrando mais sensibilidade social e de sustentabilidade. Ou seja, o Rio Grande avança nesta linha do desenvolvimento sustentável, pois este empreendimento traz largos benefícios nas áreas de infra-estrutura, com a diversificação da matriz energética brasileira. Traz benefícios tecnológicos, sociais e ambientais. Acima de tudo, benefícios ambientais globais, por ser um processo limpo de produção de energia renovável sem emissão de ga-ses do efeito estufa.
FMA – Este projeto tem algum significado especial para seu grupo?
Guilhermo – Em âmbito internacional, o projeto de Osório é um dos mais importantes para nosso grupo. Veja que aqui temos 150 MW instalados. Isto equivale a uma hidroelétrica maior do que Corumbá 4, recentemente inaugurada.
Como lhe disse, a Elecnor é hoje um dos principais grupos espanhóis na área de promoção e gestão integral de projetos e desenvolvimento de infra-estrutura. A Elecnor é sócia majoritária dos Parques Eólicos de Osório, através de sua subsidiária Enerfin Enervento, que tem como objeto impulsionar a atividade na área de energias renováveis.
Podemos dizer que durante seus quase 10 anos de trajetória, a Enerfin adquiriu grande experiência em promoção e exploração de parques eólicos. Atualmente, possui 650 MW em operação e mais de 1.500 MW em desenvolvimento pelo mundo. Isto é igual a uma Hidroelétrica do tama-nho de Paulo Afonso.
FMA – O investimento é integralmente privado?
Guilhermo – Posso lhe di-zer que trata-se de um investimento de capital inteiramente privado. R mais ainda: não especulativo, gerador de infra-estrutura e que veio para ficar. Ele está enquadrado nas exigências do Proinfa [Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de
Energia]. O investimento total é de R$ 670 milhões, tendo o
BNDES financiado R$ 465 mi-lhões, através de um consórcio entre o ABN Amro Real, Banco do Brasil, Banrisul, BRDE, Caixa RS e Santander. O restante foi investido pelo Grupo Elecnor.
FMA – Há planos para novos parques eólicos? Existe vontade de investir em bio-combustíveis?
Guilhermo – A área de Osório permite a possibilidade de ampliar a capacidade instalada destes parques. Mas esta é uma ação a ser desenvolvida no futuro. Mas, quando a gente entra com um empreendimento deste tamanho num país, não pode ficar alheio a outras oportunidades. Evidente que a empresa estuda outros investimentos tanto na área de energia como nos biocombustíveis.
FMA – Qual a próxima ação?
Guilhermo – Já estamos estudando uma próxima ação. O Grupo Elecnor prevê, ainda no setor eólico, a construção de um Parque Eólico em Palmares do Sul, também no Rio Grande, até 2008.
O processo de geração de energia eólica é inteiramente limpo,
isento de contaminações. Não emite gases poluentes,
causadores do chamado efeito estufa, responsável pelo aquecimento global.
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