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Cem anos do rádio no Brasil: conheça a história do Repórter Esso

Programa é um ícone do radiojornalismo nacional

 

O ano era 1941. A Segunda Guerra Mundial estava em curso. Em junho, a Alemanha invadia a União Soviética com 3 milhões de soldados. Em outro continente, os Estados Unidos usavam sua política de boa vizinhança para se firmar como potência mundial e liderança entre as nações das Américas.

american way of life (estilo de vida americano) era propagado no Brasil, trazendo elementos que iam da Coca-Cola ao personagem da Disney Zé Carioca, aliado a grandes projetos estruturais – como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Foi nesse contexto que chegou ao país o programa que é um ícone do radiojornalismo nacional: o Repórter Esso.

O programa que revolucionou os jornais brasileiros era um produto de comunicação da Standart Oil Company of Brazil, a gigante do petróleo estadunidense que dá nome ao radiojornal. Seu conteúdo era supervisionado pela agência de publicidade McCann-Erickson e produzido pela agência internacional de notícias United Press Associations (UPA).

Ele já existia em outros países – ao longo de sua história, foi transmitido em 15 nações por 60 emissoras. No projeto original, o Repórter Esso dedicava-se a trazer notícias sobre a Segunda Guerra Mundial, em horários fixos ao longo do dia e também em edições extraordinárias, quando necessário. Com cinco minutos de duração e normas rígidas de conteúdo, com notícias curtas e diretas, praticava o contrário do que vigorava na época em jornais falados. Foi sobretudo o formato do Esso que trouxe inovação para o radiojornalismo.

O acervo da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) recuperou o manual sonoro do Repórter Esso, narrado por Heron Domingues: “às 8h, primeiro horário do Repórter Esso, a saudação aos ouvintes deve ser feita com otimismo, voz clara e sem qualquer sinal de sono. Há necessidade de que, neste primeiro horário de nosso boletim, o ouvinte seja acordado pela voz alegre, firme e pontual do Repórter Esso“, orienta o guia.

 

“Ele inaugurou um modelo que depois foi seguido por outras emissoras do Brasil e da América Latina”, diz Luciano Klöckner, autor do livro O Repórter Esso: A Síntese Radiofônica Mundial que Fez História. “O estilo europeu vigorava no Brasil nos anos 1930 e 1940. Era pomposo, os horários não eram tão respeitados. Passou-se para um estilo mais seco e direto, sem adjetivações. Claro que nem sempre isso ocorreu – eles adjetivavam bastante as notícias”.

O noticiário fez sua primeira transmissão em 28 de agosto de 1941, estreando na então hegemônica Rádio Nacional, emissora estatal que dominava a audiência na época. Depois, passou a ser transmitido também em outras rádios. Alguns de seus locutores ficaram marcados pelo enorme prestígio que conquistaram por causa da apresentação do programa. Um deles foi Heron Domingues, voz do Esso na Nacional de 1944 a 1962.

 

Repórter Esso (Lançamento) - 1941

 

Cartaz de 1941 anuncia o lançamento do Repórter Esso – Reprodução

Testemunha ocular da história

Junto ao público, o Repórter Esso conquistou credibilidade e audiência. O Ibope media blocos de 15 minutos de audiência na época, segundo Klökner. “Não tinha como mirar a lupa para os cinco minutos do Repórter Esso, mas os blocos onde ele estava inserido tinham uma elevação de audiência de 25%, chegando a registrar aumento de 50% durante a Segunda Guerra”, conta.

Seu slogan “O primeiro a dar as últimas” era levado a sério pelos ouvintes. E esse prestígio rendeu uma história que ilustra a confiança que as pessoas tinham no jornal. No dia 2 de setembro de 1945, a Rádio Tupi surpreendeu o público ao anunciar o fim da Segunda Guerra Mundial. A notícia, no entanto, não tinha ido ao ar ainda no Repórter Esso. E o conflito só foi considerado encerrado pelos brasileiros quando o locutor Heron Domingues entrou no ar repetindo, empolgadamente: “terminou a guerra! Terminou a guerra!”.

Luciano Klökner detalha o caso: “Há duas versões. Pelo que se sabe, a Tupi teria recebido a informação da Associated Press (AP), e ela deu a notícia no ar. Mas houve um desmentido, e o contexto dessa notícia é que ela era verdadeira, mas os negociadores da rendição alemã pediram que a imprensa segurasse a informação. E a AP não segurou, repassou para as associadas dela. A outra versão me foi contada pessoalmente pelo [locutor] Luiz Mendes, amigo do Heron Domingues. Ele, Mendes, teria dado a notícia primeiro na Rádio Globo. E contam que houve um clamor público na Praça Mauá, onde funcionava a sede da Rádio Nacional, porque as pessoas perguntavam por que a notícia do fim da guerra não tinha saído no Esso”.

O episódio ficou marcado ainda pelos detalhes que antecedem o dia histórico. Segundo Klökner, à época, foi bastante divulgado que Heron Domingues pediu à emissora para deixar uma cama de campanha na redação para conseguir dar a notícia em primeira mão, e isso era muito divulgado à época.

O áudio original com o anúncio do fim da guerra perdeu-se com o tempo. Em 1956, por ocasião dos 20 anos da Nacional, foi produzido um disco com momentos marcantes da história da emissora, e Domingues fez uma reprodução do que foi ao ar na época.

 

O crédito pelo anúncio do suicídio do presidente Getúlio Vargas também é disputado por diferentes jornais – mas a versão aceita pelos pesquisadores é que o povo acreditou, mesmo, quando ouviu no Repórter Esso. É o que contou à TV Brasil o radialista Antônio Carlos, que foi locutor da Rádio Nacional no início da sua carreira, nos anos 1950. Neste vídeo, ele reforça a relevância do Repórter Esso para os ouvintes e a sociedade:

 

Esso foi, como outro de seus slogans atesta, “testemunha ocular da história”. Até 1945, exclusivamente da Segunda Guerra Mundial. Com o fim do conflito, introduziu aos poucos notícias do país e também as regionais, de cada estado em que transmitia.

Este áudio, cedido pelo pesquisador Luciano Klöckner, compila manchetes e notícias extraídas do Repórter Esso e fez parte do programa especial de 24 anos de irradiação do noticiário.

A mudança editorial, combinando notícias mais próximas dos brasileiros com a credibilidade já consolidada que possuía, rendeu-lhe histórias menos pomposas que os anúncios históricos, mas que demonstravam a força do programa junto ao público – e, ainda, o potencial de mobilização que o jornalismo tem na sociedade.

É o caso da aterrisagem de um avião no aeroporto de Campo Grande em uma pista que estava às escuras. De acordo com o que narrou Klökner em seu livro, um apelo foi feito no Repórter Esso para que carros fossem levados para iluminar o local. Os motoristas compareceram, e a aeronave pousou com a ajuda dos faróis, sem que nenhuma das 14 pessoas a bordo ficassem feridas.

 

Declínio

O radiojornalismo em geral foi atingido duramente pelo regime militar em 1964 – até mesmo o Repórter Esso, que tinha uma linha editorial cuidadosa para não desagradar a governos e autoridades.

No dia 1º de abril daquele ano, uma das edições do Repórter Esso não foi ao ar – pelo menos em São Paulo. “Ali eu me dei conta que o processo da revolução já tinha se instalado”, conta o locutor Fabbio Perez, que faria o jornal das 8h pela Rádio Tupi. O mesmo aconteceu em diferentes emissoras e jornais impressos.

Repórter Esso sobreviveu até 1968 – na televisão, onde tinha estreado em 1952, durou até 1970. Na avaliação do pesquisador Luciano Klökner, o desgaste político que culminou com o fim do Repórter Esso tem a ditadura militar entre seus motivadores – embora não seja o único. “Houve queda de audiência motivada pela concorrência com outras emissoras e a televisão, e ainda o interesse da empresa [Esso] de distribuir verbas publicitárias, sem concentrá-la em um único programa”.

 

Repórter Esso

O Repórter Esso estreou na televisão em 1952, e ficou no ar até 1970 – Divulgação/Repórter Esso

Sua última transmissão no rádio foi ao ar no dia 31 de dezembro de 1968, na locução de Roberto Figueiredo. O fim de uma história de 27 anos ficou eternizado na voz emocionada do profissional (ouça o áudio recuperado pelo programa Todas as Vozes, que foi ao ar pela Rádio MEC):

 

Repórter Esso

Anúncio comunica a última edição do Repórter Esso na televisão – Divulgação/Repórter Esso

Série de reportagens

Em comemoração aos cem anos do rádio no Brasil, completados em 7 de setembro de 2022, a Agência Brasil publica uma série de reportagens sobre as principais curiosidades históricas do rádio brasileiro. Veja as matérias já publicadas:

Cem anos do rádio no Brasil: o padre brasileiro que inventou o rádio

Cem anos do rádio no Brasil: Recife foi “berço”, dizem pesquisadores

Cem anos do rádio no Brasil: das emissoras pioneiras até a Era de Ouro

Cem anos do rádio no Brasil: caráter educativo marca história da mídia

Cem anos do rádio no Brasil: o nascimento do radiojornalismo

O centenário do rádio no país também será celebrado com ações multiplataforma em outros veículos da EBC, como a Radioagência Nacional e a Rádio MEC que transmitirá, diariamente, interprogramas com entrevistas e pesquisas de acervo para abordar diversos aspectos históricos relacionados ao veículo. A ideia é resgatar personalidades, programas e emissoras marcantes presentes na memória afetiva dos ouvintes.

 

 

 

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Cúpula do Planetário de Brasília reabre para visitação

As atividades do local foram retomadas após serviços de manutenção no projetor analógico Spacemaster

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Agência Brasília* | Edição: Chico Neto

 

A cúpula do Planetário de Brasília reabriu para visitação em maio. O local recebeu serviços de manutenção e já voltou a receber visitantes de todas as regiões do DF, bem como de outros estados.

Localizado no Eixo Monumental, Planetário de Brasília Luiz Cruls é espaço para públicos de todas as idades | Foto: Divulgação/Secti

O secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, Gustavo Amaral, afirma que a reabertura do espaço é fundamental para o fomento à divulgação científica. “O Planetário é um dos espaços de ciência e tecnologia mais importantes do Distrito Federal e exerce um papel crucial no processo de despertar o interesse de crianças e jovens pela ciência”, avalia..

De janeiro a abril deste ano, o Planetário de Brasília já recebeu mais de 20 mil visitantes. A expectativa é que esse número cresça ainda mais com a reabertura da cúpula. Atualmente, o espaço conta com a exibição de filmes e projeções sobre astronomia.

Além do conteúdo audiovisual, também é possível acompanhar exposições sobre o sistema solar e o Universo Surpreendente, bem como um espaço destinado à Agência Espacial Brasileira.

Divulgação científica

Planetário de Brasília Luiz Cruls é um espaço público, cujo principal objetivo é estimular a divulgação científica e despertar o interesse pelo conhecimento. Podem ser feitas visitas livres ou guiadas às exposições do acervo e à cúpula, onde há projeções e exibições dos filmes sobre astronomia, cosmologia e astronáutica.

A visita é gratuita e atende a públicos de todas as idades. Localizado no Eixo Monumental, o Planetário funciona de terça a domingo, das 7h30 às 19h. Para a visita de grupos, é necessário fazer agendamento prévio pelo telefone (61) 98199-2692.

*Com informações da Secretaria de Tecnologia e Inovação Científica

 

 

 

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Governo do GDF investe R$ 2,8 milhões em circuitos juninos

Disponibilizados por meio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa, recursos abrangem apresentações e um campeonato

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Jak Spies, da Agência Brasília | Edição: Chico Neto

 

A Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) vai destinar R$ 2,8 milhões aos circuitos de quadrilhas juninas, beneficiando 70 grupos com fomento para participar de apresentações. Só para premiar grupos e coletivos, há um aporte de R$ 600 mil.

Os investimentos são apoiados pelo decreto nº 42.315, de 20 de julho de 2021, que institui a política cultural Distrito Junino, destinada a apoiar a cadeia produtiva dos festejos desta temporada no Distrito Federal.

Os recursos serão distribuídos em dois circuitos, passando por 12 regiões, além de um campeonato entre quadrilhas que será disputado em três cidades. São pelo menos 800 pessoas envolvidas nos festejos.

De acordo com a subsecretária de Difusão e Diversidade Cultura, Sol Montes, o circuito junino é o segundo maior segmento de cultura popular do país. “Os grupos populares preservam a tradição e fazem parte da identidade cultural da cidade, além de fomentar a economia criativa, com artistas, músicos, bailarinos, gastronomia e feiras”, lembra. “São milhares de famílias impactadas pelo setor”.

Espetáculo junino

Robson Vilela, mais conhecido como Fusca, é integrante de uma das quadrilhas de Ceilândia que participam dos eventos – a Sanfona Lascada, que tem mais de 40 anos de história. Ele vê o circuito como uma ferramenta de transformação de quem participa, para manter viva a cultura de São João.

“A economia criativa do DF é pulsante”, aponta. “Os grupos recebem ajuda de custo, então o fomento é importante, porque a preparação vem desde o mês de janeiro, e as apresentações vão até agosto. Além dos dançarinos, temos banda ao vivo, costureira, coreógrafo, toda uma cadeia produtiva… Até as escolas públicas e particulares são incentivadas pelas competições. Brasília compra esse espetáculo.”

A entrada para os circuitos é gratuita. Com início no dia 9, as apresentações das quadrilhas ocorrerão em Taguatinga, Ceilândia e Samambaia – sempre de sexta-feira a domingo.

 

 

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Explorando Marte em Tempo Real: Agência Espacial Europeia Realizará Transmissão ‘Live’ do Planeta Vermelho

Evento histórico apresentará novas imagens de Marte a cada 50 segundos, proporcionando uma experiência fascinante e aproximando o público da exploração espacial.

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Nesta sexta-feira, a Agência Espacial Europeia (ESA) realizará um evento inédito e emocionante: a primeira ‘live’ de Marte. Essa transmissão ao vivo trará para o público novas imagens do Planeta Vermelho a cada 50 segundos, oferecendo uma experiência única e fascinante.

A exploração espacial tem sido um dos empreendimentos mais empolgantes da humanidade nas últimas décadas. Diversas agências espaciais ao redor do mundo têm se dedicado a estudar e desvendar os mistérios de outros planetas, e Marte tem sido um dos alvos principais dessas missões. Com essa ‘live’ histórica, a ESA está abrindo uma janela para o público acompanhar de perto os avanços científicos e tecnológicos no estudo do Planeta Vermelho.

Uma das características mais intrigantes dessa transmissão ao vivo é a frequência com que as imagens serão transmitidas. A cada 50 segundos, o público terá acesso a novas informações visuais de Marte, proporcionando uma sensação quase real de estarmos lá, no solo marciano. Essa abordagem de transmissão em alta velocidade é uma conquista significativa e representa um marco importante no campo da exploração espacial.

A transmissão ao vivo de Marte não se trata apenas de compartilhar imagens impressionantes com o público. Ela também tem um propósito científico fundamental. Os cientistas da ESA poderão analisar as imagens em tempo real e obter informações valiosas sobre a superfície, a atmosfera e outros elementos do planeta. Esses dados serão essenciais para a compreensão mais aprofundada de Marte, além de subsidiar futuras missões espaciais e aperfeiçoar a tecnologia empregada nessas empreitadas.

A ESA tem desempenhado um papel vital na exploração espacial e na ampliação do conhecimento humano sobre o universo. A agência já lançou várias missões para Marte, como a Mars Express e a missão ExoMars, que têm sido cruciais para expandir nossa compreensão do Planeta Vermelho. Com a primeira ‘live’ de Marte, a ESA fortalece ainda mais seu compromisso com a divulgação científica e a exploração espacial acessível ao público.

Esse evento emocionante também pode despertar o interesse de novas gerações para a ciência e a exploração espacial. Ao permitir que as pessoas acompanhem as descobertas e os avanços em tempo real, a ESA pode inspirar jovens estudantes a seguirem carreiras científicas e tecnológicas. A divulgação de informações precisas e cativantes sobre o espaço pode desempenhar um papel crucial na formação de futuros cientistas, engenheiros e astronautas.

A primeira ‘live’ de Marte da Agência Espacial Europeia é um marco na história da exploração espacial e na forma como o público se envolve com essas missões. Essa transmissão ao vivo, com suas imagens em alta velocidade, nos aproxima do Planeta Vermelho como nunca antes. Acompanhar as novas descobertas e observar a beleza intrigante de Marte nos conecta com o cosmos e nos lembra da nossa busca incessante por conhecimento e exploração.

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