Reportagens

Temas indígenas predominam na última noite da mostra competitiva

Dirigido por Bruno Jorge, filme ‘Invenção do Outro’ narrou o périplo de uma etnia perdida no coração da selva amazônica

 

Lúcio Flávio, da Agência Brasília | Edição: Chico Neto

 

E a cereja do bolo ficou para a última noite da mostra competitiva da 55ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, neste sábado (19), no Cine Brasília. Tendo como linha condutora a epopeia em busca de indígenas “perdidos” no coração das trevas da floresta amazônica, o documentário A Invenção do Outro, de Bruno Jorge, arrebatou a plateia, que, atenta à exibição, mal piscava os olhos.

O filme é uma obra impactante sobre um Brasil profundo e invisível ao olhar das grandes massas, mas com cenas e narrativas que resvalam no inconsciente popular por conta da figura do indigenista Bruno Pereira, brutalmente assassinado juntamente  com o jornalista britânico Dom Phillips em junho deste ano. Ele protagoniza a trama com o índio Xuxu, da etnia Korubos, distanciado da família e em conflito com povos adversários da região.

Nas telas, aparece o registro de uma expedição da Funai realizada em 2019 na fronteira da Amazônia peruana para garantir a integridade de povos ancestrais. “A gente ficou muito tempo num ambiente fechado, no estúdio, e exibir o filme nessa sala, compartilhando esse momento com a experiência de tantas vidas, é incrível”, contou Bruno Palazzo, que assina a trilha sonora do filme. “O desafio dessa missão foi como desenhar a música do filme com o som e a imagem que ele [o diretor] conseguiu captar”.

Igualmente  enveredando pelo tema indígena, a gaúcha Paola Mallmann abriu a sessão da mostra competitiva com o curta também antropológico Um Tempo Para Mim, narrando a trajetória de Florência, uma menina da etnia Mbya Guarari que vive um rito de passagem: a primeira menstruação. “É um trabalho fruto de muitos sonhos, e também é o papel da arte de ‘transver’ outras realidades”, disse a diretora. “O filme trata de um tema muito feminino e íntimo que pertence a todo um ciclo da vida”.

Já Lugar de Ladson, do paulistano Rogério Borges, retoma o ambiente urbano e percorre a trajetória do personagem-título, um jovem cego que luta por um lugar ao sol na sociedade ao mesmo tempo em que tenta, com a ajuda do celular, marcar seu primeiro encontro amoroso. A produção tem forte apelo inclusivo. “Esse filme traz uma pesquisa visual interessante, com algumas dessas informações trazidas pelo personagens”, observou o diretor de fotografia, Yuji Kodato.

Mostra Festival dos Festivais

Idealizada para prestigiar filmes bem-sucedidos em festivais do Brasil afora, a mostra paralela retornou à programação do FBCB trazendo  três trabalhos surpreendentes. O primeiro foi o drama familiar A Filha do Palhaço, oitavo longa-metragem do cearense Pedro Diógenes, que fala sobre a relação de aproximação entre pai e filha. Premiado nos festivais do Rio de Janeiro (RJ) e de Tiradentes (MG), o filme se debruça sobre questões pertinentes, como a luta pela afirmação de gêneros e a reconstrução de afetos destruídos.

Já a comédia Três Tigres Tristes, de Gustavo Vinagre, narra a trajetória de três personagens à margem do sistema, lutando pelo pão de cada dia e para conseguir pagar o aluguel de uma quitinete em uma São Paulo surrealista, tomada pela pandemia. Impagável a cena com a participação do veterano ator paraibano Everaldo Pontes.

Sensação da mostra Festival dos Festivais e uma das pérolas desta edição do FBCB, o drama Fogaréu, de Adriana Neves, traz à tona uma realidade de pesadelo ambientada no interior de Goiás. Flertando com o fantástico, o filme reflete sobre a herança do período colonial na região e a avassaladora interferência do agronegócio nos dias atuais.

“É uma outra maneira de ver o mundo, ou seja, falar desses corpos invisíveis”, resumiu a atriz mineira Barbara Colen, protagonista de Fogaréu. Ao apresentar parte da programação do evento, ela falou sobre essa intrincada relação de casa-grande e senzala que perpassa a trama a partir da ótica de personagens afetados por algum tipo de deficiência neurológica.

Debates

Os realizadores dos dois curtas-metragens e do longa da Mostra Competitiva exibidos na sexta-feira (18) interagiram com os participantes do debate do dia seguinte à sessão realizada no Hotel Grand Mercure. O tema foram as produções que falam sobre afetos e, como disse Belchior, da “solidão das pessoas dessas capitais”.

Diretor do divertido e provocativo Capuchinhos, Victor Laet arrancou gargalhadas dos presentes ao explicar o processo de criação do seu filme, que flerta com o experimentalismo e o absurdo: “Fazer o filme foi um processo catártico e metamorfósico, depois de um marasmo emocional e espiritual com tanta coisa ruim que estava acontecendo no Brasil. O filme é uma provocação mesmo, dá para construir histórias, desconstruindo tudo”.

Exaltando o Coletivo Mangaba, grupo de realizadores do audiovisual da Paraíba formado por mulheres com projetos voltados ao universo feminino, a diretora Mayara Valentim falou do desafio de registrar a delicadeza do real, sem cair na “tosquice”. Destrinchou com poesia uma das cenas mais belas exibidas na tela nesta edição do FBCB, em que a atriz Laís de Oyá, em seu primeiro filme como protagonista, se banha com um regador em um jardim de Éden em quintal suburbano da cidade portuária de Cabedelo (PB).

“Me tocou muito ver a cena, fiquei emocionada, porque é o meu corpo, emprestado ou não, que está ali, se confundindo com as plantas”, disse a atriz. “O filme é isso, nasce dessa complexidade e beleza da realidade de uma cidade portuária”, resumiu a diretora Mayara.

Sobre as produções

Lembranças das histórias de troca de cartas de uma amiga com seu pai distante no filme O Atalante (lançado em 1934 pelo diretor francês Jean Vigo), o universo musical de Gal e Caetano Veloso e a recusa em se adaptar às novas tecnologias foram as impressões que nortearam a diretora Clarissa Campolina a dirigir o drama Canção ao Longe. “Inseridos nesse contexto, os personagens mostram seus dois lados, o bom e o mau, evidenciado nas tensões entre si”, destacou.

Nos debates deste domingo (20), com filmes exibidos na última noite da mostra competitiva do 55º FBCB, a equipe de Rio Claro (SP) falou sobre os processos experimentais e de pesquisa visual desenvolvidos a partir da experiência de vida do personagem-título de Lugar de Ladson, de Rogério Borges. Com grande dificuldade para enxergar, Ladson vive em um mundo de limitações espaciais norteado por impressões sensoriais.

“O aspecto sensorial neste filme é muito interessante, porque a gente acessa o mundo por pequenos detalhes vistos pelo personagem”, observou o diretor de fotografia do filme, Yuji Kodato. “Fizemos muitas experimentações na utilização dos filtros de fotografia.”

Universo indígena

Diretora do curta gaúcho Um Tempo Para Mim, Paola Mallmann relatou como a oralidade dos povos guarani e os sonhos que fazem parte da cosmologia dessa etnia ajudaram na construção narrativa do filme, que aborda o rito de passagem de uma indígema com a chegada da menstruação. “A questão da transição do saber, da tradição, pelos mais velhos é evidente nesse projeto dentro de uma dimensão das relações sociais”, ressaltou.

Com um título que é poesia pura, A Invenção do Outro, de Bruno Jorge, foi responsável pelo momento de catarse do debate, com depoimentos emocionados sobre a relação e dedicação de um grupo de indígenas da Funai a um grupo de índios da etnia Korubos, no seio da floresta amazônica. “Estabelecemos um jogo de tentativa de identificar o outro com essa presença estranha entre os índios”, comentou o diretor Bruno Jorge.

Viúva do indigenista Bruno, Beatriz Matos falou sobre a beleza desse testamento audiovisual antropológico em que o filme se transformou, coroando o difícil trabalho de um grupo dedicado à causa indígena. “O Bruno tinha muita paixão pelo que fazia; e, pela clareza dessa conversa com os korubos, sabia que estava em missão diplomática nesse drama existencial vivido por essa etnia”, descreveu a antropóloga. “É um filme feito com arte, beleza e respeito, valorizando o trabalho dessas pessoas. Foi emocionante ver o filme e saber que o nosso filho vai poder conhecer o pai por esse tipo de registro lindo e não pela sua presença”.

 

 

 

Continue Lendo
Clique para comentar

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Reportagens

DF entra em alerta com onda de calor e população deve manter cuidados

Capital registra temperatura 5ºC acima da média prevista para o mês de setembro. Especialistas recomendam muita água, roupas leves e pouco exercício físico ao ar livre nos períodos críticos

Publicado

em

 

Victor Fuzeira, da Agência Brasília I Edição: Débora Cronemberger

 

O Distrito Federal está em alerta laranja de perigo para baixa umidade relativa do ar e para altas temperaturas. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a capital federal vive uma onda de calor e tem registrado nos últimos dias temperaturas 5ºC acima da média prevista para o mês de setembro. A maior máxima do ano foi registrada nessa terça-feira (19): 34,5°C, no Gama.

Meteorologistas alertam que a próxima semana será ainda mais quente; população deve adotar cuidados como manter uma boa hidratação e não praticar esportes entre 10h e 16h | Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília

O aviso emitido pelo Inmet teve início às 11h desta quarta-feira (20) e está previsto para durar, pelo menos, até o domingo (24). No entanto, os meteorologistas acreditam que a próxima semana será ainda mais quente. “Estamos observando a possibilidade de estender esse alerta para a semana que vem. A expectativa é que tenhamos uma próxima semana ainda mais quente, com temperaturas acima de 35ºC”, explica Cleber Souza, do Inmet.

O especialista explica que o país está sob o domínio do fenômeno El Niño, que altera significativamente a distribuição da temperatura da superfície do Oceano Pacífico. “A atuação desse fenômeno favorece esse episódio de temperaturas mais elevadas. Estamos sofrendo com uma massa de ar seca e quente, atuando como um bloqueio para a formação de nuvens e, consequentemente, de chuvas, e intensificando a incidência de radiação solar”, prossegue.

Em função do calor intenso e da baixa umidade, é preciso que a população se atenha aos cuidados recomendados pela Subsecretaria de Proteção e Defesa Civil do Distrito Federal. “As orientações são as mesmas tanto para o calor quanto para baixa umidade: que as pessoas utilizem roupas leves e que façam refeições leves, sempre mantendo uma boa hidratação. Outra dica é umedecer com frequência a região dos olhos e das narinas”, enfatiza o tenente-coronel Ricardo Costa Ulhoa, coordenador de Planejamento, Monitoramento e Controle.

Ulhoa também afirma que não é recomendada a prática esportiva ao ar livre entre 10h e 16h. “Esse horário é característico das maiores temperaturas, por isso não é recomendado fazer exercícios no período. O ideal é sempre utilizar hidratantes, protetor solar e labial durante a prática esportiva e no próprio dia a dia”, completa.

A coordenadora de Atenção Primária à Saúde, Fabiana Fonseca, afirma que a população deve ficar atenta aos sinais de desidratação. “Alguns sintomas mais comuns são fraqueza, tontura, mal estar, aquela sensação de: ‘Não sei o que tenho, mas não estou bem’. Por isso, precisamos estar mais atentos; aumentar a ingestão de água, evitar exposição ao sol e redobrar cuidados com crianças, idosos e pessoas que têm doenças crônicas”.

 

 

Continue Lendo

Reportagens

Arrendatário leva multa de R$ 8,7 mil após derrubar 29 árvores nativas para plantar soja em fazenda em Santo Anastácio

Homem, de 40 anos, só tinha autorização para o corte de 10 exemplares.

Publicado

em

 

Um homem, de 40 anos, arrendatário de uma fazenda em Santo Anastácio (SP), recebeu nesta quarta-feira (20) uma multa de R$ 8,7 mil em decorrência da derrubada irregular de árvores nativas na propriedade rural.

Ele tinha autorização para cortar apenas 10 árvores, mas no local a Polícia Militar Ambiental constatou a derrubada de 29 exemplares.

Os policiais compareceram à fazenda para realizar uma fiscalização em área onde houve a supressão de árvores nativas através da emissão de Via Rápida Ambiental (VRA).

Através da comparação de imagens via satélite, foi identificado o corte de 29 árvores nativas isoladas das espécies canafístula, ipê e farinha-seca, ou seja, em desacordo com a autorização obtida, que continha apenas 10.

Segundo a polícia, o homem alegou que havia arrendado a área para o cultivo de soja e ainda admitiu que tinha feito a retirada de “algumas” árvores para realizar o plantio.

Ele recebeu um auto de infração ambiental no valor de R$ 8,7 mil por explorar qualquer tipo de vegetação nativa, mediante supressão isolada de 29 árvores, em área fora de reserva legal, de domínio privado.

 

 

 

Continue Lendo

Reportagens

Distritais divergem sobre análise do STF acerca da descriminalização do aborto

Foto: Renan Lisboa/ Agência CLDF

Publicado

em

 

A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, colocou em pauta a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que vai analisar a descriminalização do aborto até 12 semanas de gravidez. A decisão repercutiu na sessão ordinária da Câmara Legislativa desta quarta-feira (20) e dividiu a opinião dos deputados distritais.

O deputado Thiago Manzoni (PL) foi o primeiro a abordar o tema e informou que esteve na semana passada numa manifestação contra o aborto e em defesa da vida em frente ao STF, organizada por um grupo católico. Manzoni se manifestou contra a descriminalização e, na tribuna, exibiu pequeno boneco de um feto de 12 semanas. O deputado argumentou que o feto está em formação, mas “já é um ser vivo e está em desenvolvimento”. Manzoni se disse “embasbacado” com as pessoas que defendem o direito ao abordo. “Canalhas, assassinos e covardes” foram algumas palavras usadas pelo deputado para descrever os defensores do aborto.

Na mesma linha, o deputado Pastor Daniel de Castro (PP) destacou ato no qual participou da Frente Parlamentar Evangélica da Câmara dos Deputados e falou contra o aborto. O deputado também exibiu bonecos de fetos e ainda um vídeo, em que o médico e deputado federal Fernando Máximo relata o desenvolvimento do feto com 12 semanas. “Estamos diante da possibilidade da legalização do homicídio, com os homens decidindo quem pode viver ou não”, completou o deputado.

O deputado Iolando (MDB) também ocupou a tribuna e se alinhou aos colegas que o antecederam contra a possível legalização do aborto.

“Quem morre de aborto são as mulheres negras e pobres”

O deputado Fábio Félix (Psol) explicou que a ADPF 442 é uma ação de integrantes do seu partido e que tem como objetivo discutir a política pública do direito reprodutivo no País. Na opinião do deputado, o debate sobre o aborto é sempre polêmico porque a maioria das pessoas não estuda devidamente o tema. “Quando você descriminaliza o aborto, você não estimula uma prática. Você abre o debate sobre essa prática. Quem morre de aborto são as mulheres pobres, negras e periféricas”, argumentou. Para ele, a descriminalização vai possibilitar o acesso a políticas públicas e ao atendimento psicossocial.

O deputado Gabriel Magno (PT) disse que a decisão do STF sobre o tema é de fundamental importância para o País. Para ele, o que está se discutindo é o entendimento sobre normativas já existentes no Brasil. “Discutir o aborto é discutir a vida de meninas e mulheres. Em 2020, 48 meninas entre 10 e 14 anos entraram em trabalho de parto por dia neste País. O debate tem que passar pela vida dessas meninas. A maioria negras e pobres. Se acontecesse com pessoas com melhor condição, não chegaria a este ponto. A morte por aborto inseguro é a quarta causa de morte materna no Brasil”, assinalou.

Para a deputada Paula Belmonte (Cidadania) o tema é importante e “passa sim pelo viés religioso, mas principalmente pela questão educacional”. Para ela, crianças estão fazendo aborto porque existe uma sexualização precoce no País. “Não existe feto, se não houver relação sexual. Mas temos que discutir o que está acontecendo com a sexualização das jovens e a permissividade de muitos pais. Defendemos a vida dentro do ventre, mas também precisamos defender as crianças que nasceram e estão passando fome”, analisou.

Belmonte citou o caso de crianças contaminadas pelo Rio Melchior e outras que estão morrendo de fome e que não merecem a mesma atenção dos deputados. “Este debate é muito mais profundo do que um debate feminista ou religioso. É um debate da dignidade humana”, finalizou.

Luís Cláudio Alves – Agência CLDF

 

 

Continue Lendo

Reportagens

SRTV Sul, Quadra 701, Bloco A, Sala 719
Edifício Centro Empresarial Brasília
Brasília/DF
rodrigogorgulho@hotmail.com
(61) 98442-1010