Entrevistas

Andreza Amaral – Entrevista sobre o risco de colisões entre aves e aviões

O perigo está no ar. E a polêmica também.


Risco de Colisões: Aves e Aeronaves


Andreza Amaral – Entrevista


Silvestre Gorgulho, de Brasília


O perigo está no ar. E a polêmica também. Existe um problema sério no Brasil e no mundo inteiro que é o risco de colisões entre aves e aeronaves. Em alguns aeroportos, o problema é maior porque existem focos de atração das aves, como lixões e aterros sanitários. Envolvidos neste debate e buscando soluções, estão vários órgãos como o Ibama, Infraero, DAC, sindicatos e as próprias companhias aéreas. Várias comissões trabalham constantemente para encontrar soluções e evitar – segundo os pilotos – essa “roleta russa” a cada decolagem e aterrissagem. Diante do problema, foi criado em 2002, o Centro de Pesquisa de Avifauna em Aeroportos – CPAA para buscar uma solução. O CPAA trabalha em parceria com o Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente – Lima/Coppe/UFRJ, e com a Superintendência do Meio Ambiente da Infraero. Em novembro, o Brasil vai sediar uma Conferência Internacional de Perigo Aviário, no Rio de Janeiro.


Folha do Meio – Há conflito entre o Ibama, a Aeronáutica e a Infraero quanto abater as aves próximas às pistas de pouso?
Andreza Amaral –
Para o Ibama, o abate seria o último recurso, apenas no caso de todas as outras alternativas terem se esgotado. Há casos que sou favorável ao controle da população, mas aí seria pela retirada de ninhos e ovos. É um controle menos violento. Claro que o abate é uma forma imediatista de acabar com um problema.
A forma correta de se acabar com este problema é atuando nas suas causas, não na sua conseqüência! Tem-se que acabar ou controlar os focos de atração das aves. Até porque, o nicho disponibilizado pelo abate tende a ser momentâneo, pois outras aves possivelmente virão ocupá-lo.


FMA – Os riscos que os aviões correm são, na verdade, pelo problema da má disposição dos resíduos sólidos das cidades. Enquanto houver lixões, haverá aves. Enquanto os lixões permanecerem próximos aos aeroportos, haverá esta polêmica. Como resolver o problema?
Andreza –
Este é um problema que compete mais à administração pública dos Estados e dos Municípios. Eles são mais responsáveis do que o próprio Ibama, ou a Infraero ou a Aeronáutica. Apesar de existir toda uma legislação que rege o uso do solo na Área de Segurança Aeroportuária, raramente ela é cumprida, seja por negligência ou por conveniência. Pois, infelizmente, as coisas não são tão bem conduzidas no nosso país.
É possível haver a liberação de uma construção inadequada numa área, sendo seu embargo muito mais complicado após a obra ter início. A única forma de resolver este problema, a meu ver seria, primeiro, o cumprimento da legislação. Depois, há que ter uma campanha de conscientização da própria sociedade e das populações sobre os riscos de se colocar o lixo no entorno dos aeródromos.


FMA – Quais os aeroportos que mais preocupam o Ibama?
Andreza –
O Cemave/Ibama atende demandas de todo o Brasil. E evidente, em defesa da sociedade, seja na segurança dos vôos, seja na defesa da natureza. De um modo geral, os aeroportos que têm mais problemas são os que têm lixões na Área de Segurança Aeroportuária. O Cemave já participou de atividade nos aeroportos do Rio de Janeiro, Salvador, Manaus, Imperatriz, Cuiabá, Paulo Afonso, Petrolina, João Pessoa, Natal, Fernando de Noronha, Porto Alegre, Aracajú e Teresina, tanto como colaborador na emissão de pareceres e sugestões de soluções, como implantando ações de manejo da avifauna, principalmente de urubus-de-cabeça-preta. Essa é uma das espécies mais populosas no entorno de aeroportos, justamente por causa dos lixões.
Existem, também, problemas nos aeroportos de Manaus, Guarulhos, Florianópolis e Joinville.

FMA – Será que o governo como um todo (Aeronáutica, Ibama, Infraero, Prefeituras, etc) não pode dar prioridade ao tema e resolver de vez esse problema dos lixões?
Andreza –
Questões que envolvem mais de uma instituição sempre são mais difíceis de serem resolvidas. Cada órgão tem suas prioridades, suas características administrativas, seus objetivos específicos e sua cultura. Mas sempre há a posição política, o desejo do governo como um todo. A única coisa que sei é que a parte mais fraca nesta demanda são as próprias aves.
O Cemave busca atender da melhor forma esta demanda. Os técnicos do Ibama acompanham os problemas, emitem parecerem e sugestões buscam soluções compartilhadas. Existe também em alguns casos, a necessidade da intervenção do Ministério Público.


FMA – Existe uma legislação para tratar deste problema?
Andreza –
Não existe uma legislação própria para nortear a solução do problema já instalado. A ausência desta legislação torna o andamento das soluções mais difícil e mais lento.


FMA – Quais os aeroportos brasileiros que tiveram licença ambiental para serem construídos?
Andreza –
Teoricamente, um empreendimento como o de um aeroporto só deve ser realizado após análise e emissão de licença. No entanto, algumas regrinhas óbvias não foram obedecidas, o que pode gerar problemas. É evidente que construir um aeroporto ao lado de um lixão, de um rio, do mar ou até mesmo de um porto ou marina onde atracam barcos pesqueiros é saber que vai ter problema. De uma forma geral, são poucos os aeroportos que não apresentam problemas com a avifauna. Justamente pelo adensamento das cidades, pelo mau uso do solo e porque as cidades vão crescendo em direção aos aeroportos.


Polêmica no ar


Risco de colisão entre aves e aeronaves
Na decolagem e aterrissagem, pilotos continuam enfrentando
uma “roleta russa” devido ao choque com urubus e quero-queros







Grandes jatos ou pequenas aeronaves, todos aviões correm risco e podem sofrer sérios danos quando atingidos por aves em pleno vôo.

Silvestre Gorgulho


O Centro de Pesquisa de Avifauna em Aeroportos tem por objetivo avaliar o risco de colisão entre aeronaves e aves nos diferentes sítios aeroportuários do Brasil. O projeto, na quarta fase de pesquisa, se chama “Ave como fator de risco para a aviação” e está na busca de soluções nas proximidades de aeroportos do Brasil. A equipe de estudo é formada pelos pesquisadores Giovannini Luigi, Fernando Moura e Mônica Magnani.


Segundo Mônica Magnani, bióloga da UFRJ, todo o esforço é no sentido de minimizar as chances de ocorrência de incidentes e acidentes aéreos que resultem da colisão entre aves e aeronaves civis e militares, no solo ou no ar. “Para isso – diz ela – estamos identificando os focos de atração das aves, avaliando, tratando, gerenciando e propondo soluções de casos, além de um estudo de ações necessárias a serem feitas no meio ambiente natural e antrópico. Sempre buscando desestimular a presença de aves nos aeroportos e entorno”.


Focos de atração
Para Mônica Magnani, os principais empecilhos encontrados são do conhecimento de todos: os lixões a céu aberto. “O lixo urbano é foco de atração para as aves que buscam alimentos em processo de decomposição. Também áreas alagadas, próximas aos aeroportos, atraem as aves. Além de serem fonte de alimento, servem para saciar a sede ou, até mesmo, para se refrescarem”, explica a bióloga.


A verdade é que, com o crescimento urbano desordenado, com as políticas de saneamento lentas e inadequadas e com o aumento do número de vôos, o número de incidentes e acidentes vem aumentando. E não é só no Brasil. É no mundo todo.


No Brasil, salienta Mônica Magnani, o tema ganha cada dia mais importância, sobretudo depois que o Cenipa – Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – disponibilizou um banco de dados atualizado com base em relatos de colisões ocorridas.


Manual de Perigo Viário
Só no ano de 2004, as empresas aéreas brasileiras contabilizaram 2,5 milhões de dólares em prejuízos provenientes de colisões. Informa a bióloga que o próprio CPAA está hoje comprometido a elaboração do Manual de Perigo Aviário para Aeroportos da Rede Infraero e com uma revisão bibliográfica do Manual de Perigo Aviário para Aeroportos da Rede Infraero. “É importante fazer a quantificação e discriminação das espécies de aves e o mapeamento dos diversos ambientes relacionados à ocorrência de cada uma das espécies relatadas” diz ela. Mônica Magnani explica que os trabalhos de pesquisa em campo vem ocorrendo em diversos aeroportos do Brasil, como: Rio de Janeiro, Porto Alegre, Manaus, Maceió, Belo Horizonte e Salvador.


No Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, foram identificados cerca de 64 espécies de aves que se alimentam, nidificam ou apenas cruzam o espaço aéreo. As mais comuns são a garça-grande-branca (Casmerodius albus) o caracará (Caracara plancus), o quero-quero (Vanellus chilensis) e o urubu (Coragyps atratus).


Todos os estudos do CPAA e todas nossas parcerias são de fundamental importância – salienta Mônica Magnani. “Imagina – diz ela – que uma ave de aproximadamente um quilo e meio ao se chocar com uma aeronave a 600km/h gera um impacto de cerca de cinco toneladas. Sendo assim, os incidentes ou acidentes resultantes de colisão de aeronaves com aves representam um perigo real para a aviação. No caso do Brasil, para a vida de cinco milhões de passageiros que usam os aviões como meio de transporte”.


Evento internacional no RJ
Vale ressaltar que esses riscos de acidentes entre aves e aeronaves não estão restritos ao Brasil. “A situação é igual no mundo todo, lembra o Major-aviador Flávio Antônio Coimbra Mendonça, do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – Cenipa. “É bom lembrar – diz Coimbra Mendonça – que nossos trabalhos vêm sendo reconhecidos e o Brasil foi até convidado para sediar a Conferência Internacional de Perigo Aviário, a ser realizado no Rio de Janeiro, de 28 de novembro a 2 de dezembro deste ano. Esse evento tem o aval da Organização de Aviação Civil Internacional, Nesta mesma ocasião ocorrerá, também, o Terceiro Seminário Internacional de Perigo Aviário, que terá a participação de palestrantes de todos os continentes.


Prejuízo das empresas aéreas


Só em Porto Alegre, cinco acidentes este ano


Empresas aéreas tiveram prejuízos de mais de US$ 7 milhões por colisão de pássaros nos aeroportos no ano passado, diz o major-aviador Flávio Antônio Coimbra Mendonça, Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – Cenipa. Segundo Coimbra Mendonça, no Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, ocorreram pelo menos 15 acidentes, de 2003 a 2005. E de maio e junho deste ano foram cinco. Para o major-aviador, a desordenada ocupação de áreas vizinhas aos aeroportos brasileiros é um dos motivos das colisões, principalmente no que diz respeito ao uso inadequado do solo urbano.


“A deficiência na coleta, tratamento e destinação final do lixo dos municípios é o fator de atração dos urubus-da-cabeça-preta que são responsáveis por 56% das colisões no País em que a espécie de ave pode ser identificada”, explica.


Um pássaro que pese dois quilos gera um impacto de sete toneladas em uma aeronave cuja velocidade seja de 300 km/hora que é a média de aproximação para pouso. A colisão das aves com os aviões ocorre com freqüência na asa, motor e cabine do piloto”, acrescenta Mendonça.


Em Porto Alegre, a preocupação é com os quero-queros, além de garças e andorinhas. Este ano, a Infraero registrou a presença de 81 aves quero-quero, falcões e garças na região do aeroporto. Para o superintendente-adjunto da Infraero, Marco Aurélio Franceschi, a preocupação é com a cabeceira 29 da pista, onde residem os moradores das vilas Dique e Nazaré, que depositam lixo e atraem as aves. “Sempre recolhemos o lixo, para evitar uma tragédia”, acrescenta.


A Infraero espera a remoção das famílias por dois motivos: a ampliação da pista em mil metros e a eliminação do risco de acidentes.


Conama e Projeto de lei


Existe a resolução número 4 do Conama, de outubro de 1995, que proíbe a instalação de atividades atrativas de aves dentro da área de segurança aeroportuária. Porém não prevê punições. Existe, também, um projeto de lei em andamento na Câmara dos Deputados que é mais detalhado e prevê vários tipos de sanções.


Projeto de Lei 4464/2004


Autor: Deputado Deley (PV-RJ)


Ementa: Estabelece medidas para o controle de avifauna nas imediações de aeródromos.


Explicação: Estabelece normas para redução do risco de acidente ou incidente aeronáutico decorrente de colisão de aeronave com ave, dispondo que a exploração de aeródromo dar-se-á no âmbito da Área de Segurança Aeroportuária – ASA.


Despacho: Às Comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; Viação e Transportes e Constituição e Justiça e de Cidadania (Art. 54 RICD) – Art. 24, II.


Acidentes desde 1912 até 2005








Uma ave de um quilo e meio ao se chocar com uma aeronave a 600km/h gera
um impacto de cinco toneladas



As colisões das aves com aviões ocorrem com freqüência na asa, motor e cabine do piloto



Embora, na maioria das vezes, os impactos produzam danos leves às aeronaves, cerca de 11% dos incidentes geram conseqüências que podem afetar seriamente a segurança do vôo, diz o editor da Air on Line, Edmundo Ubiratan. Segundo ele, mesmo que o acidente não seja fatal, dado os novos materiais com que são feitos os motores, o custo de recuperação do motor de um grande avião muitas vezes ultrapassa os US$ 4 milhões. Alguns acidentes famosos de colisão de 1912 a 2005:


Em 1911, o americano Calbraith Rogers ganhou um prêmio de 20 mil dólares ao atravessar, a bordo do Vin Fiz Flyer, os Estados Unidos de costa a costa, Foram 5 mil km, 68 escalas e 16 acidentes em 49 dias.


Em abril de 1912, uma queda em Long Beach, na Califórnia, acabaria com seu sucesso. E com sua vida. Seu biplano caiu porque uma gaivota enroscou-se nos cabos de comando.


1960 (04/outubro) – Um Lockheed Electra [Eastern Airlines] atingiu um bando de aves após decolagem. Teve três dos quatro motores danificados, estolou e caiu. Morreram 62 pessoas.


1962 (23/novembro) – Um Viscount (United Airlines) colidiu com um bando de pássaros a seis mil pés. O impacto causou a separação do estabilizador horizontal. A aeronave caiu e morreram seus 18 ocupantes.


1993 a 2003 – Entre 1993 e 2003 foram registradas 244 colisões no Aeroporto de Guarulhos e 191 no Aeroporto do Galeão. Mas o Cenipa – Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos estima que apenas 20% das colisões são reportadas, o que elevaria para, aproximadamente, 1.500 o número de colisões anuais.


2003 a 2004 – Entre janeiro de 2003 e junho de 2004 foram reportados ao Cenipa 460 colisões, sendo que o número de ocorrências nos grandes aeroportos brasileiros vem crescendo a cada ano.


2005 – Só no aeroporto Salgado Filho, de Porto Alegre, foram cinco acidentes de maio e julho deste ano.


Aeronaves diferentes, riscos diferentes


Para a bióloga paulista Maria Martha Argel de Oliveira, as aves representam uma ameaça séria para as aeronaves. Entre 1912 e 1997, mais de 200 mortes no mundo todo foram atribuídas a acidentes ocorridos com aeronaves civis e militares, em decorrência de colisões com aves. “Aeronaves diferentes apresentam riscos diferentes de colisão – explica a bióloga. “E de forma geral, tanto os aviões modernos quanto os mais antigos têm características que tornam possível uma colisão. Por exemplo, muitas aeronaves antigas, ainda em serviço, não cumprem as exigências atuais quanto à resistência em caso de sucção de aves, mas continuam sendo usadas devido à expansão do mercado de viagens aéreas”, lembra Argel de Oliveira.


Segundo a bióloga, pelas exigências atuais, os jatos modernos de grande porte devem ser capazes de aterrissar em segurança após serem atingidos, em velocidades normais de operação e em qualquer ponto, por uma ave de 4 libras (cerca de 1,8 kg)


No entanto, os aviões a jato são rápidos e silenciosos. “Quanto mais veloz e silenciosa a aeronave, maior o risco de colisão”, diz a bióloga que é Ph. D. em Ecologia.


 

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Kátia Queiroz Fenyves fala a respeito de sustentabilidade e meio ambiente

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Kátia Fenyves é Mestre em Políticas Públicas e Governança pela Sciences Po Paris e formada em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo. Ao longo de sua trajetória profissional, acumulou experiências em cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável no terceiro setor e na filantropia. Atualmente é Gerente do Programa de Finanças Verdes da Missão Diplomática do Reino Unido no Brasil.

 

1. Você estudou e tem trabalhado com a questão de sustentabilidade e o meio ambiente. Pode nos falar um pouco a respeito desses temas?
Meio ambiente é um tema basilar. Toda a vida do planeta depende de seu equilíbrio. A economia, da mesma forma, só se sustenta a partir dos recursos naturais e de como são utilizados. Sustentabilidade, portanto, foi o conceito que integrou as considerações aos aspectos ambientais, sociais e econômicos, revelando de forma mais sistêmica esta inter-relação e, sobretudo, colocando o meio ambiente como eixo estratégico do desenvolvimento, para além de seu valor intrínseco.

2. Quando se fala em sustentabilidade, pensa-se no tripé social, ambiental e econômico. Como você definiria esses princípios? Qual deles merece maior atenção, ou todos são interligados e afetam nossa qualidade de vida integralmente?
Exatamente, sustentabilidade é o conceito que revela as interligações entre os três pilares – social, ambiental e econômico e, portanto, são princípios interdependentes e insuficientes se tomados individualmente. Talvez, o ambiental seja realmente o único que escapa a isso. A natureza não depende da economia ou da sociedade para subsistir, mas, por outro lado, é impactada por ambos. Por isso, sustentabilidade é um conceito antrópico, ou seja, é uma noção que tem como referencial a presença humana no planeta.

3. Questões relacionadas à sustentabilidade, preservação do meio ambiente e consumo consciente são discutidas nas escolas e universidades?
Há entre as Diretrizes Curriculares Nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, que são normas obrigatórias, as específicas para Educação Ambiental que devem ser observadas pelos sistemas de ensino e suas instituições de Educação Básica e de Educação Superior a partir da Política Nacional de Educação Ambiental. Estas contemplam todos os temas citados na pergunta. Não sou especialista na área então é mais difícil avaliar a implementação, mas em termos de marco institucional o Brasil está bem posicionado.

4. Quando se fala em preservação do meio ambiente, pensa-se também nos modelos de descarte que causam tantos danos ao meio ambiente. Existe alguma política de incentivo ao descarte consciente?
Mais uma vez, o Brasil tem um marco legal bastante consistente para o incentivo ao descarte consciente que é a Política Nacional de Resíduos Sólidos de 2010, que é inclusive uma referência internacionalmente. Na verdade, mais que um incentivo ela é um desincentivo ao descarte inconsciente por meio do estabelecimento da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e a logística reversa. Isso significa que a PNRS obriga as empresas a aceitarem o retorno de seus produtos descartados, além de as responsabilizar pelo destino ambientalmente adequado destes. A inovação fica sobretudo na inclusão de catadoras e catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis tanto na logística reversa como na coleta seletiva, algo essencial para um país com nosso contexto social.

5. Você acha que os modelos de descarte atuais serão substituídos por novos modelos no pós-pandemia? O que fazer, por exemplo, para incentivar as pessoas a descartar de forma consciente as máscaras antivírus?
Sempre é preciso se repensar e certamente a pandemia deu destaque a certas fragilidades da implementação da PNRS. Grande parte dos hospitais brasileiros ainda não praticam efetivamente a separação e adequada destinação de seus resíduos e, na pandemia, este problema é agravado tanto pela maior quantidade de resíduos de serviços de saúde gerados como por uma maior quantidade de geradores, uma vez que a população também começa a produzir este tipo de resíduo em escala. Falta ainda muita circulação da informação, então talvez este seja o primeiro passo: uma campanha de conscientização séria que jogue luz nesta questão.

6. Na sua opinião, o mundo está mais consciente das necessidades de preservação do meio ambiente e dos recursos naturais para que gerações futuras possam deles usufruir?
Acredito que tenhamos passado do ponto em que estas necessidades de preservação eram uma questão de consciência e chegamos a um patamar de sobrevivência. Também não se trata apenas das gerações futuras, já estamos sofrendo as consequências do desequilíbrio ambiental provocado pela ação humana e do esgotamento dos recursos naturais desde já. A própria pandemia é resultado de relações danosas entre o ser humano e o meio ambiente e os conflitos por fontes de água, por exemplo, são uma realidade.

7. Quais as ações que mais comprometem e degradam o meio ambiente?
Nosso modelo produtivo e de consumo como um todo é baseado em uma relação predatória com o meio ambiente: retiramos mais do que necessitamos, sem respeitar os ciclos naturais de reposição e, além disso, quando descartamos os resíduos e rejeitos não cumprimos com os padrões adequados estabelecidos. Já temos conhecimento suficiente para evitar grande parte dos problemas, mas ainda não conseguimos integrá-lo nas nossas práticas efetiva e definitivamente.

8. O que na sua opinião precisa ser feito para que as sociedades conheçam mais a respeito de sustentabilidade, preservação do meio ambiente e consumo consciente?
Acredito que para avançarmos como sociedade precisamos tratar a questão das desigualdades socioeconômicas que estão intrinsicamente relacionadas a desigualdades ambientais, inclusive no que diz respeito às informações, ao conhecimento. A educação é, portanto, um componente estratégico para este avanço, mas é preciso ter um entendimento amplo que traga também os saberes tradicionais para esta equação. Além disso é preciso cada dia mais abordar o tema da perspectiva das oportunidades, pois a transição para modos de vida mais sustentáveis, que preservam o meio ambiente e que se baseiem em consumo conscientes alavancam inúmeras delas; por exemplo, um maior potencial de geração de empregos de qualidade e menos gastos com saúde.

9. A questão climática está relacionada com a sustentabilidade? Como?
A mudança do clima intensificada pela ação antrópica tem relação com nossos padrões de produção e consumo em desequilíbrio com o meio ambiente: por um lado, vimos emitindo uma quantidade de gases de efeito estufa muito significativa e, por outro, vimos degradando ecossistemas que absorvem estes gases, diminuindo a capacidade natural do planeta de equilibrar as emissões. Assim, a questão climática está relacionada com um modo de vida insustentável. A notícia boa é que práticas sustentáveis geram diretamente um impacto positivo no equilíbrio climático do planeta. Por exemplo, o Brasil tem potencial para gerar mais de 25 mil gigawatts em energia solar, aproveitando sua excelente localização geográfica com abundância de luz solar, uma medida sustentável que, ao mesmo tempo, é considerada uma das melhores alternativas para a diminuição das emissões de CO2 na atmosfera, que é um dos principais gases intensificadores do efeito estufa.

 

 

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Entrevistas

MARCOS TERENA

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De filho pródigo à liderança internacional, o índio, piloto e cacique Marcos Terena, tornou-se um líder respeitado e o ponto de equilíbrio entre autoridades brancas e os povos indígenas.

O índio, piloto e cacique Marcos Terena é uma liderança respeitada internacionalmente e o ponto de equilíbrio autoridades brancas e os povos indígenas. Terena tem uma de luta, de diálogos e de fé.
Voltemos no tempo. Em 1990, o jornalista Zózimo Barroso do Amaral deu em sua coluna do Jornal do Brasil uma nota, com o título “Procura-se” dizendo que o líder indígena Marcos Terena acabara de ser demitido da Funai, onde era piloto – mesmo tendo entrado em avião só como passageiro e morrendo de medo.
Foi na resposta de Marcos Terena ao JB, que se conheceu o valor, a grandeza, a altivez e a dignidade de um índio. Escreveu ele ao JB:
“Sou um dos 240 mil índios brasileiros e um dos seus interlocutores junto ao homem branco. Quando ainda tinha nove anos, fui levado a conhecer o mundo. Era preciso ler, escrever e falar o português. Um dia a professora me pôs de castigo, não sabia por quê, mas obedeci. Fiquei de frente para o quadro negro, de costas para a sala. Quando meus colegas entraram, morreram de rir. Não sabia o motivo, mas sentia-se orgulhoso por fazê-los rir. Eles riam porque descobriram meu segredo: meu sapato não tinha sola, apenas um buraco, amarrado por arame. Naquele momento, sem querer, acabei descobrindo o segredo do homem civilizado: suas crianças não eram apenas crianças. Apenas uma palavra as separava das outras crianças: pobreza.” 
E Terena continua sua carta:
“Um dia me chamaram de “japonês”. Decidi adotar essa identidade. E fiz isso por 14 anos.” 
Foi passando por japonês que Marcos Terena conseguiu estudar, entrar para a FAB, aprender a pilotar. Veio para Brasília. Deixou de ser japonês para voltar a ser índio. Ai descobriu que era “tutelado”. Mais: como tinha estudo, começou a explicar a lei para seus companheiros de selva. “Expliquei – diz ele – e fui acorrentado. Pelos índios, como irmãos. Pela Funai, como subversivo da ordem e dos costumes”. Veio o drama: continuar sendo branco-japonês e exercer sua profissão de piloto, ou voltar a ser índio, mesmo sendo subversivo. Marcos Terena era o próprio filho pródigo. Sabia ler, escrever, analisar o mundo, entender outras línguas. Mas, como índio, recebeu um castigo dos tutores da Funai: não podia exercer sua profissão, pilotar. Só depois de muita luta, recebeu seu brevê do Ministério da Aeronáutica. A carta de Terena ao JB continua. É linda. Uma lição! Quando publicada, mereceu uma crônica especial da Acadêmica Rachel de Queiroz.
E Terena, ao concluir sua carta, lembrou ao jornalista: “Não guardo rancores pela nota. Foi mais uma oportunidade de fazer valer a nossa voz como índio. Gostaria apenas que o jornalista inteirasse dessas informações todas e soubesse de minha vontade em tê-lo como amigo”. 
Respeitado por índios e brancos, sulmatogrossense de Taunay, Marcos Terena, 66 anos, maior líder do Movimento Indigenista Brasileiro – é um exemplo. Seu nome, sua obra e sua luta se confundem com a própria natureza: rica, dadivosa, exuberante, amiga e fiel.
CINCO BRANCOS E CINCO ÍNDIOS DE VALOR
1 – CINCO HOMENS BRANCOS QUE SOUBERAM OU SABEM VALORIZAR A CULTURA INDIGENISTA?
TERENA – O Marechal Cândido Rondon, o antropólogo Darcy Ribeiro, o escritor Antônio Callado, o cantor Milton Nascimento e o sertanista Orlando Villas Boas.
2 – QUAIS OS CINCO ÍNDIOS MAIS IMPORTANTES NA HISTÓRIA BRASILEIRA?
TERENA – Cacique Cunhambebe, da Conferência dos Tamoios; Cacique Mário Juruna, dos Xavantes; Cacique Raoni, dos Txucarramãe, Cacique Quitéria Pankararue; e Cacique Marcolino Lili, dos Terena.
3 – A POLÍTICA É UMA ARMA PARA SE FAZER JUSTIÇA OU UM CAMINHO MAIS FÁCIL PARA ENCOBRIR INJUSTIÇAS?
TERENA – O poder legislativo é um pêndulo necessário entre os três poderes. Mas a única participação que tivemos foi do Deputado Mario Juruna, eleito pelo voto do RJ. O ideal seria assegurar algumas cadeiras no Senado e na Câmara aos diversos setores sociais, como uma verdadeira “assembleia do povo brasileiro” e não somente aos sindicatos organizados ou aos cartéis dos ricos e poderosos.
POPULAÇÃO INDÍGENA HOJE
4 – NAS SUAS CONTAS, QUAL A POPULAÇÃO INDÍGENA HOJE NO BRASIL?
TERENA –  Já fomos mais de 5 milhões, com 900 povos. Hoje estamos em fase de reorganização e crescimento já beirando os 530 mil em aldeias, e depois dos eventos nacionais e internacionais de afirmação outros 500 mil em centros urbanos, com mais de 300 sociedades e 200 línguas vivas em todo o Brasil.
5 – AS MISSÕES RELIGIOSAS QUE ATUAM NAS ÁREAS INDÍGENAS SÃO BOAS OU RUINS?
TERENA – As missões religiosas sempre foram a parte a abençoar os primeiros contatos com os indígenas. Elas foram criadas para gerenciar os mandamentos bíblicos e cristãos, mas no caso indígena cometeram um grande pecado. Consideraram os índios como pecadores e sem almas por não usarem roupas e não terem a mesma fé dos brancos. Isso foi ruim pois sempre respeitamos de forma sagrado o Grande Espírito.
6 – OS ÍNDIOS JÁ SERVIRAM COMO MARKETING PARA OS PORTUGUESES (MOTIVO DE FINANCIAMENTO DE NOVAS EXPEDIÇÕES, POIS O MUNDO CATÓLICO TINHA QUE SALVAR ALMAS) JÁ SERVIRAM COMO MARKETING PARA CANTORES DE ROCK, PARA ONGS, PARA CANDIDATOS E PARA GOVERNOS. ÍNDIO É UM BOM MARKETING?
TERENA – Índio é uma marca muito boa, porque índio é terra, é ecologia, é bem viver. Isso não foi usado só por artistas da mídia, mas por fabricantes de joias, de produtos de beleza, de comida e medicina alternativas. Geralmente isso não traz nenhum retorno para nossa causa, basta ver o descaso como a Funai é tratada dentro do Governo e, com ela, os índios.
7 – QUEM PENSA GRANDE E QUEM PENSA PEQUENO NA FUNAI?
TERENA – Os índios pensam de forma ampla porque pensam nas suas terras, nos seus ecossistemas como fonte para o futuro do país. Em compensação os últimos presidentes da Funai foram passivos, paternalistas e incompetentes para a promoção dos valores indígenas e da própria instituição como empoderamento étnico, institucional e fonte de respostas para o País e para o mundo.
SONHO: DEMARCAÇÃO E CÁTEDRA ÍNDÍGENA
8 – JURUNA FOI UM LÍDER ELEITO PELO HOMEM BRANCO. VALEU, PARA OS ÍNDIOS, ESSA EXPERIÊNCIA PARLAMENTAR?
TERENA – A lembrança de Mário Juruna é um marco na história dos Povos Indígenas. Como Cacique foi o maior dos últimos tempos, sendo respeitado pelas autoridades brasileiras por sua forma de ser, mas como Parlamentar não foi bem assim. Houve falta de assessoria suficientemente hábil, para sua reeleição por exemplo, para abrir portas para novos valores indígenas, até hoje…
9 – QUAL O GRANDE SONHO DA FAMÍLIA INDIGENISTA PARA O ANO 2020?
TERENA – A demarcação de todas as terras. Cumprir a Constituição e não rasgá-la como querem alguns parlamentares como a bancada ruralista; eleger o maior número de vereadores e prefeitos índios; criar uma Cátedra Indígena com um perfil de Universidade Intercultural, e transformar a Funai num Ministério do Índio, e inovar nas relações com os poderes públicos, nomeando indígenas para esses cargos, pois eles existem.
10 – RELIGIÃO: O HOMEM BRANCO NÃO RESOLVEU SEUS PROBLEMAS COM A RELIGIÃO QUE TEM, MAS ACHA QUE DEVE LEVAR SUA RELIGIÃO PARA OS ÍNDIOS. O QUE ACHA DISSO?
TERENA – Os índios creem em Deus, o grande Criador. Muitas aldeias já aderiram aos costumes cristãos, tendo inclusive pastores e sacerdotes indígenas, que rezam e cantam na língua nativa. Acho que acima de tudo, Deus tem um plano para os índios. Ajudar o homem branco a conhecer o verdadeiro Deus, que fez os céus, a terra e a água, onde estão as fontes de sabedoria, de respeito às crianças e aos velhos, e dos alimentos e medicamentos do futuro. Lamentamos muito que em nome da Paz e do seu Deus, o homem branco continue matando.
11 – O QUE O ÍNDIO ESPERA DA CIVILIZAÇÃO, DO HOMEM BRANCO DE HOJE?
TERENA – Na verdade, agora estamos mais especializados em assuntos do branco, percebemos uma grande carência de metas e ideais que não dependem apenas de dinheiro ou poder. A sociedade do novo Milênio se perdeu entre as novas tecnologias e está gerando uma sociedade sem velhos e jovens, onde a Mulher por ser Mulher, poderá ser o equilíbrio, a tábua de salvação dos valores sociais, interétnicos, econômicos e religiosos. Um governo que defende o armamento de sua sociedade não está a favor do bem estar de seu Povo e sim dos interesses das indústrias de armas e guerras. O índio brasileiro não aceita ser parte da pobreza, mas quer mostrar que podemos ajudar, contribuir, mas dentro de um respeito mútuo.
“POSSO SER O QUE VOCÊ É, SEM DEIXAR DE SER QUEM SOU!”
12 – SUA LUTA É PROVAR QUE A DIFERENÇA CULTURAL É FATOR DE DISCRIMINAÇÃO QUANDO DEVERIA SER FATOR DE UNIÃO PELA PLURALIDADE ÉTNICA. VOCÊ CONSEGUE PASSAR ESSA MENSAGEM?
TERENA – Eu tive oportunidade de nascer em uma pequena aldeia, de estudar sem qualquer apoio ou cotas, e mesmo com a discriminação poder chegar a fazer um curso de aviadores na FAB. Aprendi muito com os valores militares. Tenho uma profissão rara, que é pilotar aviões. Outros índios não tiveram essa oportunidade. Muitos cansados, desiludidos voltaram para suas Aldeias para formar um novo espírito de lideranças tradicionais, religiosas e políticas. Mas no novo Milênio é impossível aceitar quaisquer argumentos que nos isolem das oportunidades, por isso quando começamos o movimento indígena nos anos 80, buscamos aliados para trocas de ideias dos nossos valores e da sociedade como um todo, organizando os índios, debatendo com mestres da Antropologia, da CNBB, da OAB, da SBPC, envolvendo artistas e personalidades – tudo isso ajudou a sermos melhores compreendidos. Ajudou-nos a levar uma nova mensagem aos brasileiros: “Posso ser o que você é, sem deixar de ser quem sou!”
CULTURA FORTE, MAS ECONOMIA FORTE
13 – OS ÍNDIOS PARECIS SÃO HOJE GRANDE PRODUTORES RURAIS. FAZEM DUAS SAFRAS POR ANO DE SOJA, MILHO, GIRASSOL E OUTROS PRODUTOS. TRÊS MIL ÍNDIOS FAZEM MAIS DE R$ 50 MILHÕES COM O AGRONEGÓCIO. TEM ÍNDIO PILOTO DE COLHEITADEIRA, AGRÔNOMO E TEM ÍNDIO ESPECIALISTA EM MERCADO. FUNAI E IBAMA CRIAM TODAS AS DIFICULDADES BUROCRÁTICAS A ELES. O QUE VOCÊ ACHA DISSO?
TERENA – Temos que olhar com desconfiança tudo que é mágico. Se todos os agricultores fossem plantar soja para ficarem ricos, não haveria pobreza e fazendeiros endividados com bancos e credores. Teríamos condições de plantar soja, mas também seguir os princípios indígenas de gerar a segurança alimentar familiar. O Agronegócio não funciona assim. Por outro lado, os irmãos indígenas estão se empenhando em fazer a sua parte, que é demonstrar sua inteligência no manejo com a terra e sua força de trabalho. Ainda não sabemos como foram feitos os acordos financeiros das partes envolvidas.
14 – VOCÊ ACHA QUE O GOVERNO ESTÁ MEIO INDECISO?
TERENA – O Ministério da Agricultura do governo Bolsonaro tem demonstrado sua contradição interna. Alguns assessores de alto nível emitem sons de discriminação histórica e até de ódio. Então como acreditar fielmente que esse Ministério é um aliado. Seria um marketing ou seria a reformulação do Anhanguera quando mentiu para os antigos donos dessas terras, ao ameaçar por fogo em todos os rios, ao acender um fogo com aguardente? O mais estranho é que os órgãos de fiscalização e controle e defesa dos povos indígenas como a FUNAI e o IBAMA, estão sendo descontruídos como tais, mas felizmente isso não acontece com o Ministério Público Federal, que certamente dará um norte nos encaminhamentos futuro.
De toda forma, sempre defendo a livre determinação dos Povos Indígenas, a começar pela demarcação territorial, com cultura forte, mas economia forte também.
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Entrevistas

Luciano Cordoval – Entrevista sobre Barraginhas

As águas vão rolar

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em

 

Barraginhas: a salvação das lavouras

A solução para os desertos de Gilbués

Silvestre Gorgulho

Desde a primeira reportagem da Folha do Meio Ambiente sobre o deserto vermelho de Gilbués, em outubro de 2005, o tema não saiu mais da mídia. Depois vieram as matérias sobre as barraginhas. Primeiro em Minas Gerais, depois as experiências feitas pelo técnico da Embrapa, Luciano Cordoval, no Piauí. Mais precisamente na região do entorno do Parque da Serra da Capivara. Cordoval, coordenador do projeto, preparou 30 técnicos da Emater-PI e da COOTAPI – Cooperativa de Técnicos Agrícolas do Piauí que treinaram outros multiplicadores das comunidades locais. Todos foram responsáveis pela implantação de mais de 300 das 3.600 barraginhas programadas na zona rural de 12 municípios: São Raimundo Nonato, Guariba, Paes Landim, Oeiras, São Lourenço, Caracol, Jurema, Acauã, Paulistana, Santa Luz, Coronel José Dias e Aniz de Abreu. E agora as barraginhas chegaram ao município de João Costa, que tem desertos vermelhos à semelhança de Gilbués. Se a iniciativa salvar as terras de João Costa, com certeza Gilbués, também, estará salva. Graças às barraginhas e ao trabalho incansável de um técnico persistente e sonhador: Luciano Cordoval.

A foto mostra o estado avançado de degradação. As casinhas, ao fundo, é a prova
de que já houve um apogeu, onde tudo era verde coberto de matas, mas a ação do homem foi tornando o cenário desertico

 

Folha do Meio – O que o motivou a trabalhar para tentar reverter a degradação das terras de Gilbués?
Luciano Cordoval
– Quando vimos pela primeira vez, na Folha do Meio Ambiente, a reportagem sobre o deserto vermelho de Gilbués, em outubro de 2005, ficamos extremamente estarrecidos.
Olha, foi impressionante  ver aquelas imagens publicadas. Mas, imediatamente, este estarrecimento deu origem a uma empolgação. Sim, porque comecei a buscar uma solução. Queria enfrentar aquele desafio. Queria montar uma equipe para desenvolver tecnologias sociais de conservação de solos e água. Não é fácil trabalhar à distância. Mas este problemão de Gilbués é uma questão humanitária e de solidariedade.

FMA – Você tem acompanhado na mídia o desdobramento da questão dos desertos de Gilbués?
Luciano 
– Sim, estou acompanhando tudo desde aquela primeira matéria que saiu na Folha do Meio. Depois vieram os desdobramentos como no Globo Rural – que até mostrou o jornal de vocês – Globo Repórter, novamente a Folha do Meio Ambiente, com as cartas dos leitores, e muitas citações na Internet.
E o tempo foi passando. Iniciamos nossos trabalhos de captação de águas superficiais de chuvas, pelas barraginhas, para conservação dos solos e água e revitalização de mananciais e córregos, no Semi-Árido e Sub-Úmido piauienses.
Dentre os municípios abrangidos pelo projeto, destacamos o de João Costa, pelo elevado grau de degradação de seus latossolos vermelhos, sob vegetação de Cerrado, após desmatamentos, o que o torna muito parecido ao deserto de Gilbués.

FMA – João Costa está longe de Gilbués. Como você descobriu o deserto vermelho de João Costa ?
Luciano –
O avanço das barraginhas, no Piauí, foi planejado para contemplar doze municípios, sendo oito do Semi-Árido e quatro na transição para o Sub-úmido. Em março e abril de 2007, após caminhada pelos sete municípios vizinhos, para implantar o sistema, chegamos a João Costa.
Eles já tinham ouvido falar do projeto e tiveram o privilégio de assistir recentemente, por meio de suas parabólicas, a uma reportagem da TVE, no programa Mobilizando o Brasil, mostrando o avanço das barraginhas no Semi-Árido piauiense e já estavam ansiosos. Isso porque 60 a 70% dos solos do município encontram-se em elevado grau de degradação. Essa situação criou um am-
biente contagiante, favorável, que está contagiando a todos.

“O que for bom para a região de João Costa será bom para Gilbués. João Costa será uma vitrine demonstrativa para a solução dos desertos vermelhos”

FMA – Por que esses municípios piauienses foram contemplados?
Luciano –
Porque as barraginhas, ao serem premiadas e certificadas como tecnologia social da Fundação Banco do Brasil, em 2003, receberam um aval para serem disseminadas pelo país, e o estado escolhido foi o Piauí. Mais especificamente a região de seu Semi-Árido e um pouco da transição ao Sub-Úmido.
Na verdade foi pela repercussão do sucesso de nossas experiências em Minas Gerais, nos últimos dez anos. Além de nove municípios do Semi-Árido, foram escolhidos três do Sub-Úmido, sob vegetação de Cerrado. Guaribas, Santa Luz e João Costa se enquadram nessa categoria e são mais parecidos com as regiões de Minas onde já vimos desenvolvendo nosso trabalho com as barraginhas. Desde o início, esperávamos muito desses municípios e eles estão correspondendo.

“É preocupante tendência atual de converter enormes áreas em cultivos para a
produção de etanol. O homem avança, come o filé e deixa os ossos: os desertos vermelhos
”.

FMA – Você acredita que João Costa possibilitará o desenvolvimento de um protótipo para Gilbués?
Luciano
– Mesmo estando a 400km de distância, João Costa tem muita similaridade com a região degradada de Gilbués, quanto a solos, predominando os latossolos vermelhos, muito frágeis frente à erosão, além de um regime de chuvas parecido, acima de 1.000 mm. E como nós já estamos familiarizados com a região, as  pessoas  já  estão mobilizadas e motivadas.
Também já foram implantadas as primeiras 300 barraginhas. Agora, nós também estamos motivados e encantados, principalmente com o clima favorável instalado. E também com  todo esse envolvimento que está nos motivando buscar mais recursos para complementar nossa experiência. Estamos  utilizando esse município como nossa base para introduzir uma cultura de plantios em nível, terraceamentos, plantio direto e trabalhar a educação ambiental sustentável.
Assim, queremos mais e mais barraginhas nas fissuras/erosões maiores e milhares de microbarraginhas, não dispersas, mas coladas umas às outras, como alvéolos no “favo de mel”, nas microenxurradas capilares, nas encostas degradadas.

FMA – Como é mesmo esse sistema “favos de mel”?
Luciano
– As barraginhas tradicionais serão feitas nas grandes enxurradas, que já apresentam os sulcos feitos pela erosão. Os milhares de alvéolos (microbarraginhas) serão nas enxurradas minúsculas, capilares, quase imperceptíveis, serão como guarda-chuvas invertidos e dentro de cada alvéolo será plantada uma árvore leguminosa nitrificadora, como leucena e algaroba, que deixará suas folhas caírem, para recuperar o solo.
Enquanto se gasta uma hora de máquina para uma barragi-nha, fazem-se de 8 a 12 microbarraginhas nesse mesmo tempo.

FMA – Então, João Costa será o laboratório?
Luciano
– Justamente, será o laboratório que pensávamos ter na própria região de Gilbués. Já nos encantamos com a região, com o povo, com a problemática, há reciprocidade, é tudo que necessitávamos.
O que for bom para a região de João Costa será bom para Gilbués. Assim, pretendemos tornar João Costa uma vitrine demonstrativa para a solução desse problema de desertos vermelhos de regiões com solos sob vegetação de Cerrado. Domados os solos-problemas, daí a levar para regiões similares, é questão de arranjos adaptativos, ajustes, sintonia fina.
O importante é o homem, o envolvimento com o povo e esse já é nosso parceiro em João Costa, é meio caminho andado. O mais, é correr atrás dos recursos e trabalhar, trabalhar, estamos otimistas.

FMA – Você acredita que outros desertos poderão surgir?
Luciano
– Creio que isso é inevitável, em face do avanço dos desmatamentos e a introdução de pastagens e lavouras sem a aplicação dos cuidados necessários e das técnicas conservacionistas e, principalmente, sem reposição de nutrientes.
Nesse sentido, é preocupante a apressada tendência atual de converter enormes áreas em cultivos para a produção de etanol. O homem avança, come o filé e deixa os ossos, os desertos vermelhos. O Brasil Central está cheio disso.

FMA  – Você é otimista mesmo assim?
Luciano
– Essa é a minha missão, tentar regenerar solos degradados, veredas e matas ci-liares, revitalizar mananciais, nascentes e córregos, implantar capões no entorno das barragi-nhas e nos eixos úmidos formados por elas.Com a umidade readquirida e o sol, vêm o verde, as nascentes, volta a vida, volta a esperança, somos geradores de esperanças e temos conseguido isoo, o que nós torna otimistas.

FMA  – Então,você mudou de estratégia?
Luciano –
Sim, pois desco-brimos nosso sítio de trabalho, tropeçamos no nosso tesouro. Numa região em que a mídia não está fazendo pressão, pode-remos gradativamente, e sem as tensões e cobranças externas, apenas as nossas, ter tranqüilidade para desenvolver nossos planos, não será uma corrida contra o tempo, mas um avanço natural. Penso que nada é por acaso, há momentos em que, como se diz em Minas Gerais, o cavalo está passando arreado à nossa frente…

Os desertos vermelhos de Gilbués estão à espera dos resultados dos experimentos com as barraginhas de João Costa. Uma esperança a caminho.      (Foto: André Pessoa)

 

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