Entrevistas

Klaus Toepfer – Esporte e meio ambiente

O Gol verde da Copa do Mundo





 


O Gol Verde da Copa da Alemanha


Klaus Toepfer  – Entrevista exclusiva


Silvestre Gorgulho, de Brasília



A grande indústria da saúde, do prazer e da paz chama-se esporte. O grande formador do caráter, da disciplina, da cooperação e da coragem chama-se esporte. A grande força da educação chama-se prática esportiva, pois desenvolve o corpo, a mente e alimenta o espírito de solidariedade, de respeito e de valores éticos. O esporte favorece a consciência do bem para o indivíduo e para o grupo. A competição sadia e o esforço para ultrapassar limites molduram corpo e espírito.


Nesse partilhar emoções, o esporte favorece as relações entre os povos e é um do mais fortes instrumentos para fortalecer o civismo. Em suma, o esporte significa a inclusão social, promoção da qualidade de vida e do meio ambiente. Por isso, a prática esportiva tem forte relação com o desenvolvimento sustentável. Não só na condução dos eventos e na organização dos jogos, mas também na gestão dos recursos materiais. Se muitos esportes precisam de água pura para suas promoções, todos não podem prescindir de ar puro e de ambiente saudável para o bom desempenho dos atletas e a feliz participação dos torcedores. E mais: a prática esportiva não pode nunca ser motivo de violência ou fonte de poluição.
E há outro dado fundamental. O esporte é uma alavanca econômica fortíssima. Além do segmento turismo, o esporte envolve muitos recursos na produção de equipamentos esportivos, no marketing de vendas, na construção de quadras e de estádios e nos direitos de imagem e de transmissão.


Por fazer ídolos – por sua exposição permanente em todas modalidades de mídia – e por ter poderosos patrocinadores, o esporte não é só uma atividade econômico-financeira de primeira grandeza, é também um gerador de conceitos e um fermento de civilidade e de conscientização ecológica. Tanto a nível de atletas e torcedores, em particular, como da população, em geral. Pelo esporte todas as comunidades e nações podem construir uma sociedade mais justa, mais saudável, mais alegre e mais equilibrada.


Não existe nenhuma outra atividade no mundo que tenha mais implicação na economia, no social, na política, na promoção de bens de consumo e até na segurança do que o esporte. Para se ter uma idéia desta força, é no esporte que as indústrias do mal (cigarro e bebidas alcoólicas) vão buscar parcerias para “encantar” seus produtos. É no esporte dos mais variados que estas indústrias gostam de plantar, pelo marketing, a força do belo, do forte, do alegre e do prazer.


Em tempo da Copa do Mundo, quando bilhões de pessoas se postam para torcer fanaticamente pela seleção de seu país ou para ver o mais importante torneio de futebol do planeta, vale a pena estudar a relação e a força do esporte com a gestão sustentável. A Alemanha montou para a 18a Copa do Mundo um evento de grandes proporções, mas que gere pouca poluição e que seja ecologicamente correto na produção, na organização e no consumo. Esse é um programa que nasceu ainda na década de 90 e se chama Gol Verde! Nomeou até um embaixador especial, em parceria com a Fifa, para o gerenciamento sustentável da Copa: o ambientalista Klaus Toepfer.


O que é o Gol Verde
A Copa da Alemanha implantou o programa Gol Verde [Green Goal] que vai marcar posição em quatro áreas: água, lixo, energia e mobilidade. Jogada de craque. O Gol Verde fará do evento, a Copa do Meio Ambiente. São 32 seleções, com cores variadas nos uniformes e bandeiras, mas todas ostentando uma mesma cor nos seus objetivos: o verde de desenvolvimento sustentável.
“Essa é uma Copa do Mundo que quer ter não apenas um, mas vários campeões ambientais”, explica o Diretor da Divisão de Comunicação e Informação Pública do Pnuma, Eric Falt. “Pela primeira vez os cuidados com o meio ambiente terão prioridade máxima nessa competição, com objetivos claros e mensuráveis, e esperamos que a iniciativa deixe um legado”. Todo o time do Gol Verde, capitaneado por Klaus Toepfer, quer neutralizar todas as 100 mil toneladas de dióxido de carbono geradas pelo sistema de transportes, construção e manutenção dos estádios da Alemanha. E, também, pela presença dos mais de 3,2 milhões de espectadores.


Ingresso: estádio e transporte
Eric Falt explica que como parte de um plano sólido de preservação ambiental, quem comprar os ingressos para qualquer uma das partidas nos 12 estádios da Copa poderá usá-los para ter acesso gratuito ao local do jogo por meio dos transportes públicos durante 24h, de acordo com o plano de ingresso Kombi. O acordo de ingressos Kombi irá custar cerca de 2 milhões de Euros ao Comitê de organização da Copa, mas deverá evitar a emissão de vários gases causadores do efeito estufa ao reduzir o uso de veículos particulares.


Energia elétrica
Outras táticas, como a de economizar energia elétrica, estão centradas nas atividades dos estádios. Por exemplo, sistemas de gerenciamento de energia de última geração foram instalados no estádio de Munique e devem promover uma redução de 20% no consumo de energia todos os dias, sejam eles dias de jogo ou não.


Reuso de água
Além disso, o gramado do Olympiastadion entre outros estádios será irrigado por um sistema especial que capta a água da chuva, e mictórios sem água nos banheiros masculinos serão utilizados em diversos locais selecionados.


Reutilizar
Com a questão de evitar o desperdício como prioridade, os organizadores apresentaram o “Copo da Copa” reutilizável. Os espectadores farão um depósito caução de um Euro pelo copo que utilizarem e poderão adquirir um só copo em cada evento.
Hoje também foi anunciado que 300 voluntários, treinados para educar os espectadores sobre os objetivos do Gol Verde, estarão em cada um dos 12 estádios.

Conscientização
Uma brochura sobre o Gol Verde, com os logotipos das organizações que apóiam a iniciativa, que inclui o Pnuma, o Ministério do Meio Ambiente, DBU, FIFA, Deutsche Telekom, Plastics Europe, Coca Cola, Deutsche Bahn, EnBW and Total, já está disponível em estações de trem e metrô nas 12 cidades que abrigarão o torneio. A brochura, elemento chave para a conscientização do público, foi enviada nessa semana para 25.000 jornalistas em todo o mundo.
“Impactos ambientais, inclusive aqueles que causam aumento das taxas de mudanças climáticas, estão sendo cada vez mais levados em consideração em eventos esportivos. O movimento olímpico, do qual o Pnuma é parceiro atuante, já é um desses caminhos”, disse o porta-voz do Pnuma.
“O Comitê Organizador da Copa do Mundo tem sido veemente na busca das mesmas considerações para o futebol. Nós fomos encorajados tanto por seus planos quanto por seu entusiasmo e esperamos ansiosamente trabalhar com o comitê e com a Fifa, bem como esperamos atingir resultados sólidos, confiáveis e aparentes em áreas como eficiência energética, cuidado com o desperdício e economia de água”, salientou Eric Falt.






Pnuma

Klaus Toepfer, o embaixador-artilheiro do Gol Verde da Copa

Klaus Toepfer – ENTREVISTA


Silvestre Gorgulho


Um craque ambiental entrou em campo para gerenciar o programa do Gol Verde. É Klaus Toepfer, ex-ministro da Alemanha, ex- diretor executivo do Pnuma e hoje o Embaixador do Gol Verde na Copa do Mundo. Com exclusividade,Toepfer falou à Folha do Meio.


Folha do Meio – Como começou esta história de se fazer a Copa do Mundo Verde?
Klaus Toepfer –
A idéia nasceu no inicio da década de 90, quando a Federação Alemã de Futebol começou a pensar em sediar a Copa do Mundo de 2006. Questões ambientais ainda não faziam parte da lista de deveres da FIFA relacionada aos estádios. No entanto, o Comitê Organizador Local sentiu a necessidade de incluir estas questões em todos os planos desde o começo.


FMA – Como o senhor está encarando este desafio de ser o Embaixador Verde da Copa do Mundo?
Klaus Toepfer –
À medida que a Copa do Mundo se aproxima, o interesse nos objetivos e atividades do Green Goal começa a decolar. Temos uma grande entrevista coletiva (26 de maio) marcada em Berlim com a lenda do futebol alemão Franz Beckenbauer. Estou certo que isso vai impulsionar o programa Gol Verde e elevar o papel do Embaixador.
É bom lembrar que um dos desafios é trazer algum realismo para as expectativas públicas do Gol Verde. Quando se estabele um projeto desse tipo, sempre haverá aqueles que dizem “Não é o suficiente, por que você não vai mais além?!” E isso é bom, nós precisamos ser pressionados pela opinião pública e pelas ONGs. Sabemos que estamos inovando. Essa é a primeira Copa em que o meio ambiente faz parte da agenda. Acho que podemos aprender com a Copa da Alemanha para que futuras Copas do Mundo se tornem mais verdes.


FMA – O senhor jogou futebol?
Klaus Toepfer –
Como qualquer garoto que cresce em ambientes não privilegiados, jogar bola com os amigos foi um dos poucos esportes acessíveis e disponíveis. Joguei até meus 26 anos, quando perdi contato com meu clube amador, localizado perto de Hanover. Quando criança, joguei de ala, pela direita. E era bastante ágil. Com o tempo, passei a jogar no meio de campo pela direita. Finalmente acabei jogando na lateral direita, onde espero ter sido uma boa barreira.


FMA – Quais seriam os principais impactos ambientais em relação ao esporte, em geral, e ao futebol, em particular?
Klaus Toepfer –
Alguns dos principais impactos ambientais vêm na fase de projeto e nas construções.
É vital levar em consideração nessa fase a acústica ambiental como energia solar ativa e passiva, reaproveitamento da água, boas linhas de transporte público etc. Se apenas no final das obras for levado em conta tudo isso, os custos vão ser muito mais elevados. Também é importante que novas estruturas sejam erguidas em locais apropriados, com vistas ao uso sustentável pós-evento.
A operação de grandes estruturas também pode consumir enorme quantidade de eletricidade e isso contribui para a emissão de gases de efeito estufa. Também vale citar a grande quantidade de lixo gerada tanto na construção como durante os eventos.
Os grandes torneios de futebol, em termos ambientais, têm os mesmos desafios das Olimpíadas.


FMA – Como o Pnuma, o governo alemão, a Fifa e os organizadores da Copa vão agir para conseguir incorporar as questões ambientais na preparação e execução de cada jogo?
Klaus Toepfer –
Com a aproximação da Copa, o Comitê Organizador está contente em dizer que o clima de equilíbrio ambiental para todo o torneio foi alcançado pela primeira vez na história das Copas do Mundo da FIFA. É essencial que se alcance todos objetivos que foram estabelecidos: redução de 20% de energia nos estádios, 20% de uso de água e 20% de lixo.
O Comitê Organizador vai trabalhar de perto e em conjunto com os estádios, com o governo alemão, com a FIFA, com as várias industrias e parceiros de negócios, e com a UNEP para alcançar esses objetivos e para comunicar todos os esforços ao público.
Quanto às seleções, como da Alemanha e do Brasil, houve um acordo para que os jogadores e comissão técnica usem o trem para as viagens, sempre que for possível.


FMA – E em relação aos torcedores nos estádios?
Klaus Toepfer –
Folhetos do Gol Verde estão sendo distribuídos aos torcedores nas estações de trens para que eles conheçam nossas metas. Há também o incentivo ao uso dos transportes públicos. Temos um ingresso chamado Kombi. Como parte dos planos de transportes ambientalmente corretos, torcedores que adquirirem esses tickets para qualquer um dos jogos, terão acesso livre ao transporte público por 24 horas.
O compromisso do “ticket Kombi”, isoladamente, vai custar ao Comitê de Organização cerca de 2 milhões de Euros. Mas vai diminuir as grandes quantidade de gases de efeito estufa, por reduzir o uso de carros particulares. Nós esperamos que um em cada dois torcedores usem o transporte público.
Quanto ao lixo, os organizadores introduziram o re-utilizável “Copo da Copa”. Os torcedores vão pagar 1 Euro pelo copo, que vai ser o único vendido e usado para as bebidas nos campos.
Haverá também 300 voluntários, treinados para educar os torcedores em relação aos objetivos do programa Gol Verde. Eles vão estar distribuídos em cada um dos 12 estádios.
Um filmete vai ser apresentado antes de cada partida. Esse filme tem como alvo não só torcedores, mas também os jogadores durante seus exercícios de aquecimento. O filme a ser apresentado pela primeira vez, em Berlim, na semana que vem, tem o slogan “Campeões Mundiais pelo Meio Ambiente – Estamos Trabalhando Nisso”.


FMA – E haverá um programa específico para trabalhar a mídia, os jornalistas e até os patrocinadores da Copa?
Klaus Toepfer –
Essa semana 25 mil folhetos do Gol Verde vão ser entregues aos jornalistas do mundo inteiro. Apesar da grande conferência de imprensa acontecer na semana que vem, o programa vem distribuindo e atualizando as notícias regularmente.


FMA – Como é ser a primeira Copa “climaticamente neutra”?
Klaus Toepfer –
O esquema do Clima Neutro vai compensar todas as 100 mil toneladas de dióxido de carbono geradas, na Alemanha, a partir de transportes, construção e manutenção dos estádios, além de 3.2 milhões de torcedores esperados. Parte dessas emissões será compensada por projetos de carbono como a plantação de árvores e produção de energia limpa em países em desenvolvimento.


FMA – Que mensagem o senhor acha que vai ficar para os bilhões de torcedores que verão a Copa?
Klaus Toepfer –
Espero que os torcedores desta Copa lembrem-se do evento como um fantástico espetáculo responsavelmente organizado e também, que se levou muito em conta as questões ambientais. Que as futuras Copas demandem medidas ambientais mais fortes ainda.


FMA – Agora, só para nós aqui: quais seleções vão fazer o final da Copa?
Klaus Toepfer –
Que pergunta! Meu coração espera que a Alemanha chegue lá. Mas, não será surpresa se o outro for esse mágico time do Brasil.


Maio de 2006


 


Summary


Klaus Toepfer – INTERVIEW
Klaus Toepfer is the former Executive Director of the United Nations Environment Programme (UNEP) and Green Goal Ambassador for the FIFA World Football (Soccer) Cup


The Idea
The idea was born in the early 90’s when the German Football Federation first thought about bidding for the 2006 FIFA World Cup. Environmental questions were not a part of the FIFA booklet of duties that is binding for the stadiums, but the Local Organizing Committee felt a need to include this issue in the overall plans from the very start.


The challenges
As the 2006 FIFA World Cup gets ever closer to kick off, the interest in the aims and activities of the Green Goal are really beginning to take off. We have a big press conference scheduled in Berlin (26 May) with German football legend Franz Beckenbauer.
I am sure that this will propel Green Goal and the role of the Ambassador to increasing heights. Let me add that one of the challenges is to bring some realism to the public expectations of the Green Goal. When you establish such a project there will always be those who say “It is not enough, why do you not go further?” And that is good, we need to be pressed by the public and by NGOs. But, you know, we are really breaking new ground here. This is the first World Cup where environment is being put firmly on the agenda.
I think we can learn from the event in Germany so that future World Cups become ever greener.


I played football (soccer Like any small boy growing up in a less than privileged background, kicking a ball around with friends was one of the few sports available and affordable. I played regularly until about aged 26 when I lost touch with my amateur club based in a small village not too far from Hanover. As a child, I played on the right wing and I was pretty fast. As the years progressed I switched first to right midfield and then finely right defense where I hope I was pretty tough and impregnable!


Environmental impacts
Some of the main environmental impacts come in the design and construction phase. It is vital that environmentally sound design, like passive and active solar, water recycling, good public transport links and so on, is factored in at the outset. Otherwise it can become much more expensive if added in at the end. It is also important that new structures are sensitively sited and that there is an eye on their sustainable use post the event they were built and designed for.
The operation of massive structures and buildings can also consume huge amounts of electricity and this adds to greenhouse gas emissions. There are also the large quantities of waste generated both in the construction phase and when large numbers of crowds are gathering to watch events or a match.
I think big football tournaments are really no different in terms of environmental challenges than say the Olympics.


Partners
As we’re approaching the tournament, the Local Organizing Committee is happy to say that climate neutrality for the overall tournament has been achieved – a first in FIFA World Cup history. Now it’s vitally important to reach the goals that were set for the stadiums – 20% less energy in the stadiums, 20% less water use, 20 % less trash The Local Organizing Committee will work in close cooperation with the stadiums, the German government, FIFA, the various industry and business partners and UNEP to reach these goals and to communicate all efforts to the public.
In terms of the teams, some like Germany and Brazil, have committed themselves to using the train as much as possible for traveling to venues.


Cup of the Cup
Our Green Goal brochure is being made available to fans at train stations so they know our aims. Other measures include encouraging fans to travel by public transport. We have a thing called a Kombi ticket. As part of an environmentally sound transport plan, fans purchasing tickets for the matches in the 12 World Cup venues will be able to use them for free access to local public transportation during 24h, as part of the Kombi ticket scheme.
The Kombi ticket commitment alone will cost the World Cup 2006 Organizing Committee some two million Euros, but should save large amounts of greenhouse gases by reducing private car use.
Indeed we hope every second fan will arrive and depart from matches on public transport. With the issue of waste avoidance foremost on their minds, the organizers have also introduced the reusable “Cup of the Cup”. Fans will pay a deposit of one Euro for the cup which will be the only one sold and used for drinks at the grounds. There will also be 300 volunteers, trained to educate fans about the aims and objectives of Green Goal, located inside each of the 12 stadia.


Journalists
This week 25,000 of the Green Goal brochures are being delivered to journalists world-wide and, apart from next week’s big press conference, Green Goal has been issuing regular press releases and updates.


Climate Neutral
The Climate Neutral scheme will offset all 100,000 tonnes of carbon dioxide generated within Germany by transportation, construction and maintenance of the stadia, and the presence of 3.2 million expected spectators.
Part of these emissions will be offset by carbon friendly projects like tree planting and clean energy schemes, in developing countries.


Future Word Cups
I hope the fans watching the 2006 FIFA World Cup will remember the event as a fantastic spectacle that was well and responsibly organized and that part of that responsibility extended to the environment in meaningful and verifiable ways. And that fans at future World Cups will demand ever stronger environmental measures.


Final Match
What a question!! My heart hopes for Germany to be there and my head tells me that, not surprisingly, the other team will be the wizards from Brazil!!


 

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Entrevistas

Kátia Queiroz Fenyves fala a respeito de sustentabilidade e meio ambiente

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Kátia Fenyves é Mestre em Políticas Públicas e Governança pela Sciences Po Paris e formada em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo. Ao longo de sua trajetória profissional, acumulou experiências em cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável no terceiro setor e na filantropia. Atualmente é Gerente do Programa de Finanças Verdes da Missão Diplomática do Reino Unido no Brasil.

 

1. Você estudou e tem trabalhado com a questão de sustentabilidade e o meio ambiente. Pode nos falar um pouco a respeito desses temas?
Meio ambiente é um tema basilar. Toda a vida do planeta depende de seu equilíbrio. A economia, da mesma forma, só se sustenta a partir dos recursos naturais e de como são utilizados. Sustentabilidade, portanto, foi o conceito que integrou as considerações aos aspectos ambientais, sociais e econômicos, revelando de forma mais sistêmica esta inter-relação e, sobretudo, colocando o meio ambiente como eixo estratégico do desenvolvimento, para além de seu valor intrínseco.

2. Quando se fala em sustentabilidade, pensa-se no tripé social, ambiental e econômico. Como você definiria esses princípios? Qual deles merece maior atenção, ou todos são interligados e afetam nossa qualidade de vida integralmente?
Exatamente, sustentabilidade é o conceito que revela as interligações entre os três pilares – social, ambiental e econômico e, portanto, são princípios interdependentes e insuficientes se tomados individualmente. Talvez, o ambiental seja realmente o único que escapa a isso. A natureza não depende da economia ou da sociedade para subsistir, mas, por outro lado, é impactada por ambos. Por isso, sustentabilidade é um conceito antrópico, ou seja, é uma noção que tem como referencial a presença humana no planeta.

3. Questões relacionadas à sustentabilidade, preservação do meio ambiente e consumo consciente são discutidas nas escolas e universidades?
Há entre as Diretrizes Curriculares Nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, que são normas obrigatórias, as específicas para Educação Ambiental que devem ser observadas pelos sistemas de ensino e suas instituições de Educação Básica e de Educação Superior a partir da Política Nacional de Educação Ambiental. Estas contemplam todos os temas citados na pergunta. Não sou especialista na área então é mais difícil avaliar a implementação, mas em termos de marco institucional o Brasil está bem posicionado.

4. Quando se fala em preservação do meio ambiente, pensa-se também nos modelos de descarte que causam tantos danos ao meio ambiente. Existe alguma política de incentivo ao descarte consciente?
Mais uma vez, o Brasil tem um marco legal bastante consistente para o incentivo ao descarte consciente que é a Política Nacional de Resíduos Sólidos de 2010, que é inclusive uma referência internacionalmente. Na verdade, mais que um incentivo ela é um desincentivo ao descarte inconsciente por meio do estabelecimento da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e a logística reversa. Isso significa que a PNRS obriga as empresas a aceitarem o retorno de seus produtos descartados, além de as responsabilizar pelo destino ambientalmente adequado destes. A inovação fica sobretudo na inclusão de catadoras e catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis tanto na logística reversa como na coleta seletiva, algo essencial para um país com nosso contexto social.

5. Você acha que os modelos de descarte atuais serão substituídos por novos modelos no pós-pandemia? O que fazer, por exemplo, para incentivar as pessoas a descartar de forma consciente as máscaras antivírus?
Sempre é preciso se repensar e certamente a pandemia deu destaque a certas fragilidades da implementação da PNRS. Grande parte dos hospitais brasileiros ainda não praticam efetivamente a separação e adequada destinação de seus resíduos e, na pandemia, este problema é agravado tanto pela maior quantidade de resíduos de serviços de saúde gerados como por uma maior quantidade de geradores, uma vez que a população também começa a produzir este tipo de resíduo em escala. Falta ainda muita circulação da informação, então talvez este seja o primeiro passo: uma campanha de conscientização séria que jogue luz nesta questão.

6. Na sua opinião, o mundo está mais consciente das necessidades de preservação do meio ambiente e dos recursos naturais para que gerações futuras possam deles usufruir?
Acredito que tenhamos passado do ponto em que estas necessidades de preservação eram uma questão de consciência e chegamos a um patamar de sobrevivência. Também não se trata apenas das gerações futuras, já estamos sofrendo as consequências do desequilíbrio ambiental provocado pela ação humana e do esgotamento dos recursos naturais desde já. A própria pandemia é resultado de relações danosas entre o ser humano e o meio ambiente e os conflitos por fontes de água, por exemplo, são uma realidade.

7. Quais as ações que mais comprometem e degradam o meio ambiente?
Nosso modelo produtivo e de consumo como um todo é baseado em uma relação predatória com o meio ambiente: retiramos mais do que necessitamos, sem respeitar os ciclos naturais de reposição e, além disso, quando descartamos os resíduos e rejeitos não cumprimos com os padrões adequados estabelecidos. Já temos conhecimento suficiente para evitar grande parte dos problemas, mas ainda não conseguimos integrá-lo nas nossas práticas efetiva e definitivamente.

8. O que na sua opinião precisa ser feito para que as sociedades conheçam mais a respeito de sustentabilidade, preservação do meio ambiente e consumo consciente?
Acredito que para avançarmos como sociedade precisamos tratar a questão das desigualdades socioeconômicas que estão intrinsicamente relacionadas a desigualdades ambientais, inclusive no que diz respeito às informações, ao conhecimento. A educação é, portanto, um componente estratégico para este avanço, mas é preciso ter um entendimento amplo que traga também os saberes tradicionais para esta equação. Além disso é preciso cada dia mais abordar o tema da perspectiva das oportunidades, pois a transição para modos de vida mais sustentáveis, que preservam o meio ambiente e que se baseiem em consumo conscientes alavancam inúmeras delas; por exemplo, um maior potencial de geração de empregos de qualidade e menos gastos com saúde.

9. A questão climática está relacionada com a sustentabilidade? Como?
A mudança do clima intensificada pela ação antrópica tem relação com nossos padrões de produção e consumo em desequilíbrio com o meio ambiente: por um lado, vimos emitindo uma quantidade de gases de efeito estufa muito significativa e, por outro, vimos degradando ecossistemas que absorvem estes gases, diminuindo a capacidade natural do planeta de equilibrar as emissões. Assim, a questão climática está relacionada com um modo de vida insustentável. A notícia boa é que práticas sustentáveis geram diretamente um impacto positivo no equilíbrio climático do planeta. Por exemplo, o Brasil tem potencial para gerar mais de 25 mil gigawatts em energia solar, aproveitando sua excelente localização geográfica com abundância de luz solar, uma medida sustentável que, ao mesmo tempo, é considerada uma das melhores alternativas para a diminuição das emissões de CO2 na atmosfera, que é um dos principais gases intensificadores do efeito estufa.

 

 

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Entrevistas

MARCOS TERENA

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De filho pródigo à liderança internacional, o índio, piloto e cacique Marcos Terena, tornou-se um líder respeitado e o ponto de equilíbrio entre autoridades brancas e os povos indígenas.

O índio, piloto e cacique Marcos Terena é uma liderança respeitada internacionalmente e o ponto de equilíbrio autoridades brancas e os povos indígenas. Terena tem uma de luta, de diálogos e de fé.
Voltemos no tempo. Em 1990, o jornalista Zózimo Barroso do Amaral deu em sua coluna do Jornal do Brasil uma nota, com o título “Procura-se” dizendo que o líder indígena Marcos Terena acabara de ser demitido da Funai, onde era piloto – mesmo tendo entrado em avião só como passageiro e morrendo de medo.
Foi na resposta de Marcos Terena ao JB, que se conheceu o valor, a grandeza, a altivez e a dignidade de um índio. Escreveu ele ao JB:
“Sou um dos 240 mil índios brasileiros e um dos seus interlocutores junto ao homem branco. Quando ainda tinha nove anos, fui levado a conhecer o mundo. Era preciso ler, escrever e falar o português. Um dia a professora me pôs de castigo, não sabia por quê, mas obedeci. Fiquei de frente para o quadro negro, de costas para a sala. Quando meus colegas entraram, morreram de rir. Não sabia o motivo, mas sentia-se orgulhoso por fazê-los rir. Eles riam porque descobriram meu segredo: meu sapato não tinha sola, apenas um buraco, amarrado por arame. Naquele momento, sem querer, acabei descobrindo o segredo do homem civilizado: suas crianças não eram apenas crianças. Apenas uma palavra as separava das outras crianças: pobreza.” 
E Terena continua sua carta:
“Um dia me chamaram de “japonês”. Decidi adotar essa identidade. E fiz isso por 14 anos.” 
Foi passando por japonês que Marcos Terena conseguiu estudar, entrar para a FAB, aprender a pilotar. Veio para Brasília. Deixou de ser japonês para voltar a ser índio. Ai descobriu que era “tutelado”. Mais: como tinha estudo, começou a explicar a lei para seus companheiros de selva. “Expliquei – diz ele – e fui acorrentado. Pelos índios, como irmãos. Pela Funai, como subversivo da ordem e dos costumes”. Veio o drama: continuar sendo branco-japonês e exercer sua profissão de piloto, ou voltar a ser índio, mesmo sendo subversivo. Marcos Terena era o próprio filho pródigo. Sabia ler, escrever, analisar o mundo, entender outras línguas. Mas, como índio, recebeu um castigo dos tutores da Funai: não podia exercer sua profissão, pilotar. Só depois de muita luta, recebeu seu brevê do Ministério da Aeronáutica. A carta de Terena ao JB continua. É linda. Uma lição! Quando publicada, mereceu uma crônica especial da Acadêmica Rachel de Queiroz.
E Terena, ao concluir sua carta, lembrou ao jornalista: “Não guardo rancores pela nota. Foi mais uma oportunidade de fazer valer a nossa voz como índio. Gostaria apenas que o jornalista inteirasse dessas informações todas e soubesse de minha vontade em tê-lo como amigo”. 
Respeitado por índios e brancos, sulmatogrossense de Taunay, Marcos Terena, 66 anos, maior líder do Movimento Indigenista Brasileiro – é um exemplo. Seu nome, sua obra e sua luta se confundem com a própria natureza: rica, dadivosa, exuberante, amiga e fiel.
CINCO BRANCOS E CINCO ÍNDIOS DE VALOR
1 – CINCO HOMENS BRANCOS QUE SOUBERAM OU SABEM VALORIZAR A CULTURA INDIGENISTA?
TERENA – O Marechal Cândido Rondon, o antropólogo Darcy Ribeiro, o escritor Antônio Callado, o cantor Milton Nascimento e o sertanista Orlando Villas Boas.
2 – QUAIS OS CINCO ÍNDIOS MAIS IMPORTANTES NA HISTÓRIA BRASILEIRA?
TERENA – Cacique Cunhambebe, da Conferência dos Tamoios; Cacique Mário Juruna, dos Xavantes; Cacique Raoni, dos Txucarramãe, Cacique Quitéria Pankararue; e Cacique Marcolino Lili, dos Terena.
3 – A POLÍTICA É UMA ARMA PARA SE FAZER JUSTIÇA OU UM CAMINHO MAIS FÁCIL PARA ENCOBRIR INJUSTIÇAS?
TERENA – O poder legislativo é um pêndulo necessário entre os três poderes. Mas a única participação que tivemos foi do Deputado Mario Juruna, eleito pelo voto do RJ. O ideal seria assegurar algumas cadeiras no Senado e na Câmara aos diversos setores sociais, como uma verdadeira “assembleia do povo brasileiro” e não somente aos sindicatos organizados ou aos cartéis dos ricos e poderosos.
POPULAÇÃO INDÍGENA HOJE
4 – NAS SUAS CONTAS, QUAL A POPULAÇÃO INDÍGENA HOJE NO BRASIL?
TERENA –  Já fomos mais de 5 milhões, com 900 povos. Hoje estamos em fase de reorganização e crescimento já beirando os 530 mil em aldeias, e depois dos eventos nacionais e internacionais de afirmação outros 500 mil em centros urbanos, com mais de 300 sociedades e 200 línguas vivas em todo o Brasil.
5 – AS MISSÕES RELIGIOSAS QUE ATUAM NAS ÁREAS INDÍGENAS SÃO BOAS OU RUINS?
TERENA – As missões religiosas sempre foram a parte a abençoar os primeiros contatos com os indígenas. Elas foram criadas para gerenciar os mandamentos bíblicos e cristãos, mas no caso indígena cometeram um grande pecado. Consideraram os índios como pecadores e sem almas por não usarem roupas e não terem a mesma fé dos brancos. Isso foi ruim pois sempre respeitamos de forma sagrado o Grande Espírito.
6 – OS ÍNDIOS JÁ SERVIRAM COMO MARKETING PARA OS PORTUGUESES (MOTIVO DE FINANCIAMENTO DE NOVAS EXPEDIÇÕES, POIS O MUNDO CATÓLICO TINHA QUE SALVAR ALMAS) JÁ SERVIRAM COMO MARKETING PARA CANTORES DE ROCK, PARA ONGS, PARA CANDIDATOS E PARA GOVERNOS. ÍNDIO É UM BOM MARKETING?
TERENA – Índio é uma marca muito boa, porque índio é terra, é ecologia, é bem viver. Isso não foi usado só por artistas da mídia, mas por fabricantes de joias, de produtos de beleza, de comida e medicina alternativas. Geralmente isso não traz nenhum retorno para nossa causa, basta ver o descaso como a Funai é tratada dentro do Governo e, com ela, os índios.
7 – QUEM PENSA GRANDE E QUEM PENSA PEQUENO NA FUNAI?
TERENA – Os índios pensam de forma ampla porque pensam nas suas terras, nos seus ecossistemas como fonte para o futuro do país. Em compensação os últimos presidentes da Funai foram passivos, paternalistas e incompetentes para a promoção dos valores indígenas e da própria instituição como empoderamento étnico, institucional e fonte de respostas para o País e para o mundo.
SONHO: DEMARCAÇÃO E CÁTEDRA ÍNDÍGENA
8 – JURUNA FOI UM LÍDER ELEITO PELO HOMEM BRANCO. VALEU, PARA OS ÍNDIOS, ESSA EXPERIÊNCIA PARLAMENTAR?
TERENA – A lembrança de Mário Juruna é um marco na história dos Povos Indígenas. Como Cacique foi o maior dos últimos tempos, sendo respeitado pelas autoridades brasileiras por sua forma de ser, mas como Parlamentar não foi bem assim. Houve falta de assessoria suficientemente hábil, para sua reeleição por exemplo, para abrir portas para novos valores indígenas, até hoje…
9 – QUAL O GRANDE SONHO DA FAMÍLIA INDIGENISTA PARA O ANO 2020?
TERENA – A demarcação de todas as terras. Cumprir a Constituição e não rasgá-la como querem alguns parlamentares como a bancada ruralista; eleger o maior número de vereadores e prefeitos índios; criar uma Cátedra Indígena com um perfil de Universidade Intercultural, e transformar a Funai num Ministério do Índio, e inovar nas relações com os poderes públicos, nomeando indígenas para esses cargos, pois eles existem.
10 – RELIGIÃO: O HOMEM BRANCO NÃO RESOLVEU SEUS PROBLEMAS COM A RELIGIÃO QUE TEM, MAS ACHA QUE DEVE LEVAR SUA RELIGIÃO PARA OS ÍNDIOS. O QUE ACHA DISSO?
TERENA – Os índios creem em Deus, o grande Criador. Muitas aldeias já aderiram aos costumes cristãos, tendo inclusive pastores e sacerdotes indígenas, que rezam e cantam na língua nativa. Acho que acima de tudo, Deus tem um plano para os índios. Ajudar o homem branco a conhecer o verdadeiro Deus, que fez os céus, a terra e a água, onde estão as fontes de sabedoria, de respeito às crianças e aos velhos, e dos alimentos e medicamentos do futuro. Lamentamos muito que em nome da Paz e do seu Deus, o homem branco continue matando.
11 – O QUE O ÍNDIO ESPERA DA CIVILIZAÇÃO, DO HOMEM BRANCO DE HOJE?
TERENA – Na verdade, agora estamos mais especializados em assuntos do branco, percebemos uma grande carência de metas e ideais que não dependem apenas de dinheiro ou poder. A sociedade do novo Milênio se perdeu entre as novas tecnologias e está gerando uma sociedade sem velhos e jovens, onde a Mulher por ser Mulher, poderá ser o equilíbrio, a tábua de salvação dos valores sociais, interétnicos, econômicos e religiosos. Um governo que defende o armamento de sua sociedade não está a favor do bem estar de seu Povo e sim dos interesses das indústrias de armas e guerras. O índio brasileiro não aceita ser parte da pobreza, mas quer mostrar que podemos ajudar, contribuir, mas dentro de um respeito mútuo.
“POSSO SER O QUE VOCÊ É, SEM DEIXAR DE SER QUEM SOU!”
12 – SUA LUTA É PROVAR QUE A DIFERENÇA CULTURAL É FATOR DE DISCRIMINAÇÃO QUANDO DEVERIA SER FATOR DE UNIÃO PELA PLURALIDADE ÉTNICA. VOCÊ CONSEGUE PASSAR ESSA MENSAGEM?
TERENA – Eu tive oportunidade de nascer em uma pequena aldeia, de estudar sem qualquer apoio ou cotas, e mesmo com a discriminação poder chegar a fazer um curso de aviadores na FAB. Aprendi muito com os valores militares. Tenho uma profissão rara, que é pilotar aviões. Outros índios não tiveram essa oportunidade. Muitos cansados, desiludidos voltaram para suas Aldeias para formar um novo espírito de lideranças tradicionais, religiosas e políticas. Mas no novo Milênio é impossível aceitar quaisquer argumentos que nos isolem das oportunidades, por isso quando começamos o movimento indígena nos anos 80, buscamos aliados para trocas de ideias dos nossos valores e da sociedade como um todo, organizando os índios, debatendo com mestres da Antropologia, da CNBB, da OAB, da SBPC, envolvendo artistas e personalidades – tudo isso ajudou a sermos melhores compreendidos. Ajudou-nos a levar uma nova mensagem aos brasileiros: “Posso ser o que você é, sem deixar de ser quem sou!”
CULTURA FORTE, MAS ECONOMIA FORTE
13 – OS ÍNDIOS PARECIS SÃO HOJE GRANDE PRODUTORES RURAIS. FAZEM DUAS SAFRAS POR ANO DE SOJA, MILHO, GIRASSOL E OUTROS PRODUTOS. TRÊS MIL ÍNDIOS FAZEM MAIS DE R$ 50 MILHÕES COM O AGRONEGÓCIO. TEM ÍNDIO PILOTO DE COLHEITADEIRA, AGRÔNOMO E TEM ÍNDIO ESPECIALISTA EM MERCADO. FUNAI E IBAMA CRIAM TODAS AS DIFICULDADES BUROCRÁTICAS A ELES. O QUE VOCÊ ACHA DISSO?
TERENA – Temos que olhar com desconfiança tudo que é mágico. Se todos os agricultores fossem plantar soja para ficarem ricos, não haveria pobreza e fazendeiros endividados com bancos e credores. Teríamos condições de plantar soja, mas também seguir os princípios indígenas de gerar a segurança alimentar familiar. O Agronegócio não funciona assim. Por outro lado, os irmãos indígenas estão se empenhando em fazer a sua parte, que é demonstrar sua inteligência no manejo com a terra e sua força de trabalho. Ainda não sabemos como foram feitos os acordos financeiros das partes envolvidas.
14 – VOCÊ ACHA QUE O GOVERNO ESTÁ MEIO INDECISO?
TERENA – O Ministério da Agricultura do governo Bolsonaro tem demonstrado sua contradição interna. Alguns assessores de alto nível emitem sons de discriminação histórica e até de ódio. Então como acreditar fielmente que esse Ministério é um aliado. Seria um marketing ou seria a reformulação do Anhanguera quando mentiu para os antigos donos dessas terras, ao ameaçar por fogo em todos os rios, ao acender um fogo com aguardente? O mais estranho é que os órgãos de fiscalização e controle e defesa dos povos indígenas como a FUNAI e o IBAMA, estão sendo descontruídos como tais, mas felizmente isso não acontece com o Ministério Público Federal, que certamente dará um norte nos encaminhamentos futuro.
De toda forma, sempre defendo a livre determinação dos Povos Indígenas, a começar pela demarcação territorial, com cultura forte, mas economia forte também.
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Entrevistas

Johan Dalgas Frisch – Entrevista sobre a ave símbolo do Brasil

O sabiá tem o espírito brasileiro

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Sabiá é a ave símbolo do Brasil
Poetas, escritores e ornitólogos pedem o sabiá como a ave nacional do Brasil

Silvestre Gorgulho, de São Paulo

O engenheiro e ornitólogo Johan Dalgas Frisch, presidente da Associação de Preservação da Vida Selvagem, em nome da diretoria da APVS, veio a Brasília trazer um estudo ao ministro José Carlos Carvalho, do Meio Ambiente, e fazer um pedido muito especial: a indicação do sabiá (Turdus rufiventris) como ave nacional do Brasil. O documento entregue ao ministro era assinado, além de Dalgas Frisch, pelo vice-presidente da APVS, jornalista Ciro Porto, e pelo diretor da entidade, Rogério Marinho, da Rede Globo. Nesta entrevista exclusiva à Folha do Meio Ambiente, Dalgas Frisch explica a importância sócio-cultural do pedido. Antes de conferir a entrevista, vale a pena conhecer esse empresário que faz da vida uma luta em prol dos pássaros.

Quem é Dalgas Frisch
Dalgas limpa o ar e água para proteger as aves O industrial Johan Dalgas Frisch retira do negócio da limpeza de ar e da água o fôlego financeiro para patrocinar sua paixão passarinheira

O brasileiro Johan Dalgas Frisch pertence a uma genuína família de ecologistas. Seu bisavô materno foi influente na Coroa dinamarquesa porque conseguiu transformar uma vasta região desértica daquele país em uma imensa floresta, contando com a única tecnologia disponível na época, os arados puxados por bois. Ele inventou um tipo diferente de arado, puxado não por um, mas por 12 bois. Era o único capaz de quebrar a superfície dura do solo, resultado de muitas queimadas. Rompida a crosta, as raízes das árvores podiam se desenvolver e em poucas décadas uma grande floresta estava de pé. Já seu pai, o pintor Svend Frisch, amigo de Pablo Picasso, não vacilou diante da oportunidade de mudar da Dinamarca para o exótico Brasil. Aqui, formou família e desde que o filho Dalgas, aos seis anos de idade, revelou seu amor pelas aves, o pai não parou mais de pintá-las. Ao longo de quatro décadas, Svend desenhou cerca de dois mil exemplares de aves, coletados pelo próprio Dalgas ou emprestados de algum museu ou colecionador particular. Em 1964, pai e filho publicaram a primeira edição do livro Aves Brasileiras. Obra atualizada em 1981, ainda hoje constitui o mais detalhado manual de identificação das espécies ornitológicas existentes no País.

Ainda nos anos 60, Dalgas Frish estava na divisa dos estados do Paraná e São Paulo fazendo exatamente o mesmo que tem feito desde que se conhece por gente. Mas ao ser avistado por alguns militares com seu “arsenal de passarinheiro” – gravadores, microfones, antena parabólica, máquina fotográfica – foi imediatamente confundido com um espião. Por sorte, sua personalidade cativante logo desfez o mal-entendido e como seus pequenos amigos de asas, pôde continuar livre para alçar novos e mais altos vôos.

Como se vê, a família Dalgas tem muitas histórias para contar, enredos que têm a natureza como pano de fundo e que misturam situações curiosas, comoventes e até engraçadas, mas que ainda não mereceram o devido registro. As aves, ao contrário, estão minuciosamente retratadas em livros e discos, de uma beleza tocante e acabamento impecável, editados pelos próprios Dalgas. Um exemplo é a encantadora obra Jardim dos Beija-Flores (1995), que foi acolhida com entusiasmo até por chefes de estado, como Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos.

Inspirado pela companheira do “passarinheiro”, Birte, o livro sobre os beija-flores proporciona uma grata surpresa, pois ensina como aquelas delicadas criaturas podem ser permanentemente atraídas até para uma humilde sacada de um apartamento situado numa grande cidade. O leitor também se emociona ao tomar contato com as fotos de uma centena de beija-flores, trabalho feito em doses exatas de técnica e paixão pelo filho de Dalgas, Christian, co-autor do Jardim dos beija-flores.

Ainda na década dos 60, foi lançado o disco Cantos das aves do Brasil, trabalho pioneiro na América do Sul e aclamado pela Rádio BBC de Londres. O disco vendeu milhares de cópias e acabou inaugurando uma série que hoje é composta de quase 20 volumes. Na época de lançamento do primeiro disco, Assis Chateaubriand, dono de um império de jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão, teve a idéia de mostrar o trabalho de Dalgas para Walt Disney.

“Graças ao Chatô, que me tratava como um filho, fui para os Estados Unidos viver mais esse episódio. A parceria não deu certo porque Disney queria os cantos das aves sem mencionar que eram brasileiras. Achei isso um abuso. Também discordávamos quanto a um ponto essencial: Disney queria compor novas músicas a partir do canto dos pássaros. Nos meus discos, eu junto músicas já existentes, que normalmente têm por tema as alegrias e tristezas humanas, com o canto dos pássaros, que são sempre de perpetuação e celebração da vida. É o casamento perfeito entre esses dois reinos”, acredita Dalgas.

A entrevista com DALGAS FRISCH

O que significa uma ave nacional?
Dalgas Frisch –
É justamente o retrato vivo de um país, de sua gente e de sua cultura. Como a logomarca representa uma empresa, os símbolos nacionais representam a nação, seu povo e seus costumes. E para que se mantenham vivos na mente dos cidadãos, é necessário respeitá-los e difundi-los. Uma ave nacional representa a alma, o folcore e a cultura de um país. Mas só tem legitimidade quando for oficializada pelo governo.

Por que existe o Dia da Ave no Brasil e até hoje não tem nenhuma ave nacional?
Dalgas –
Foi uma falha no decreto 63.234, publicado no Diário Oficial de 12 de setembro de 1968 e assinado pelo presidente Arthur da Costa e Silva. Durante reunião que tivemos no Palácio do Planalto, o presidente Costa e Silva falou com veemência sobre o sabiá, um pássaro que deu muitas emoções a ele, na sua infância no Rio Grande do Sul.
Todos os jornais da época noticiaram o sabiá como ave nacional, tanto que o sabiá foi festejado durante décadas. Em todas as solenidades, governadores, prefeitos e diretores de escolas soltavam um sabiá de uma gaiola como símbolo de liberdade e de poesia, para motivar os jovens estudantes.
Foram feitos todos anos diplomas comemorativos ao Dia da Ave e as crianças que faziam os melhores trabalhos sobre o tema recebiam de presente passagens aéreas com todas despesas pagas para diversos lugares do Brasil como Foz de Iguaçu, Bahia, Rio de Janeiro. Tudo financiado pela Associação de Preservação da Vida Selvagem.
Há pouco tempo, um jornalista descobriu que o Diário Oficial, que publicou o decreto do Dia da Ave no Brasil, não trouxe o nome da ave. Quando o senador Jorge Borhausen foi ministro da Educação, tentou-se corrigir a falha. Bornhausen fez um ofício ao então presidente José Sarney para retificar o Decreto número 63.234 que criou o Dia da Ave. O objetivo era fazer do sabiá a ave nacional. Mas um novo erro foi cometido, pois esqueceu-se de dar o nome científico do sabiá e acabou que a correção nunca foi publicada. A verdade é que até hoje este lamentável engano ainda permanece “em berço esplêndido”.

Todos países têm uma ave nacional?
Dalgas –
Praticamente todos tem! E é muito bonito ver ave típica como símbolo de uma nação. Tal qual o hino nacional, a bandeira e os brazões. A ave nacional acaba por ser um símbolo vivo de um país.

Por que a maioria dos ornitólogos e intelectuais defendem o sabiá como ave nacional brasileira?
Dalgas –
A resposta é simples! É só fazer uma consulta nos registros do ECAD (Escritório Central de Arrecadação de Direitos Autorais) sobre as músicas e letras referentes a aves no Brasil. A ave mais cantada, disparado, é o sabiá, por ser a ave mais conhecida de toda população brasileira. O sabiá vive junto às casas e até mesmo nas cidades, desde que haja um pé de laranjeira, jabuticabeira, amoreira, goiabeira, pitangueira. Na primavera, o sabiá é a primeira ave a cantar, ainda no escuro, antes do raiar do dia. Seu canto é sem dúvida nenhuma o que mais motivou poetas, músicos e escritores no Brasil.
O sabiá é uma maravilha de despertador vivo nas fazendas, nas roças e nas cidades bem arborizadas. Pelo seu canto, imagem, docilidade em viver junto às casas dos caboclos, o sabiá passou a fazer parte da vida, do sentimento dos brasileiros.

Gravar cantos de pássaros em CD é comercialmente rentável?
Dalgas –
Olha, Gorgulho, o canto de um pássaro é a perfeição da espécie. Aquele que canta mais bonito, mais melodioso vai atrair a fêmea. Mas é preciso entender que o sentimento humano é diferente.
Para que o CD seja comercialmente um sucesso é importante que, além da beleza da música, que a letra também mexa com o sentimento. Que reflita uma profunda sensibilidade. Algo nostálgico, do amor não correspondido, da dor de cotovelo, da conquista e da paixão.
Então o que funciona comercialmente é mesclar, é interagir o canto dos pássaros acompanhando as músicas dos homens. Misturar ritmos, trinados, melodias e gorgeios. Comercialmente correto, pois passarinho não compra CD…

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