Entrevistas
Cássio Martins – Entrevista sobre animais em extinção
Brasil tem mais de 633 espécies em risco
“A nova lista foi elaborada segundo os critérios da União Mundial para a Natureza. Assim, o Brasil passa a ter uma avaliação por critérios padronizados mundialmente, visando acompanhar as mudanças quanto à conservação das espécies a nível nacional e internacional”. Cássio Soares Martins, Coordenador do CDCB da Biodiversitas |
Brasil tem mais de 633
espécies em extinção
Silvestre Gorgulho, de Brasília
Cássio Soares Martins sabe das coisas. Experiente e dedicado, Cássio tem atuado há mais de 10 anos na elaboração de metodologias de gerenciamento de informações sobre a biodiversidade brasileira. O foco principal de seu trabalho é a interação entre a comunidade científica e setores governamentais em projetos envolvendo espécies e áreas prioritárias para conservação da nossa biodiversidade. Engenheiro-agrônomo formado em Viçosa, Ms. Geografia pela UFMG, Cássio Martins é o gerente de Geoprocessamento de Dados da Biodiversitas e o coordenador do Centro de Dados para Conservação da Biodiversidade – CDCB.
Folha do Meio – Quando foram elaboradas as listas de espécies ameaçadas no Brasil?
Cássio – A primeira lista de espécies da fauna brasileira ameaçada de extinção foi elaborada em 1972 e contava com 86 espécies. Na revisão de 1989, a lista passou para 208 espécies e excluiu grupos importantes como os peixes, quirópteros e diversos grupos de invertebrados devido à insuficiência de informações sobre as espécies.
A lista atual, elaborada no final de 2002, após 13 anos, já conta com 633 espécies.
FMA – Que mudanças metodológicas foram estas utilizadas na elaboração da lista atual?
Cássio – A revisão da Lista Oficial da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção foi encomendada pelo Ibama à Biodiversitas. Hoje a Biodiversitas é considerada centro de referência no levantamento e aplicação do conhecimento científico no desenvolvimento de programas envolvendo a conservação da biodiversidade brasileira, como a elaboração de listas vermelhas. Vale salientar que o Centro de Dados para Conservação da Biodiversidade da Biodiversitas conta com mais de 200 pesquisadores, ligados a conceituadas instituições científicas de ensino e de pesquisa em todo o País e no exterior. E o CDCB da Biodiversitas reuniu informações de aproximadamente 1,2 mil espécies candidatas, durante 11 meses na formação de um minucioso banco de dados referente às espécies brasileiras ameaças de extinção.
Os pesquisadores tiveram a Internet como um agente facilitador dos trabalhos através de uma ampla consulta por meio de um banco de dados on-line, ou seja, atualizado em tempo real em qualquer lugar. Esta metodologia permitiu democratizar o acesso entre os pesquisadores na busca de um consenso sobre as espécies a comporem a nova lista, além de reunir um maior volume de informações com um baixo custo operacional.
FMA – Quais as maiores mudanças em relação à lista anterior?
Cássio – A nova lista foi elaborada segundo os critérios de avaliação adotados pela IUCN na avaliação das espécies a nível mundial. Com isso, o Brasil passa a ter uma avaliação por critérios padronizados, visando acompanhar as mudanças quanto à conservação das espécies a nível nacional e internacional.
Com relação à lista de 1989, saíram da lista espécies como a harpia [a maior ave de rapina brasileira], a surucucu-bico-de-jaca, o pirarucu e o jacaré-de-papo-amarelo (Caiman latirostris). Para algumas dessas espécies, o manejo tem sido maior importância na preservação dessas espécies. No entanto, para a maioria das espécies da lista, a perda de habitat tem tornado as populações vulneráveis e de forma irreversível.
FMA – Qual a importância da publicação da lista pela Biodiversitas?
Cássio – Na desta publicação da Biodiversitas, além da categorização das espécies ameaçadas de extinção, foram incluídas também a lista das espécies consideradas “quase ameaçadas” e a lista das espécies avaliadas como “deficiente em dados”. Todas estas listas são importantes, pois servirão para direcionar as pesquisas, uma vez que a inclusão de uma espécie na lista sugere que seu ecossistema está fragilizado, além de que muitas outras espécies estão desaparecendo antes mesmo de sabermos de sua existência.
FMA – Que tipo de resultados a publicação desta lista tem trazido para a conservação das espécies?
Cássio – As listas vermelhas são um mecanismo utilizado internacionalmente como mecanismo de conter o tráfego e o comércio ilegal de espécies. Permitem ainda a priorização de recursos e ações de proteção das espécies, além de alertar a sociedade e os governos sobre a necessidade de adoção de medidas efetivas para sua proteção. Neste sentido, após a elaboração da lista a Biodiversitas lançou o Programa Espécies Ameaçadas, subsidiado pelo Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos. O objetivo máximo é promover a proteção e o manejo das espécies da fauna e flora ameaçadas da Mata Atlântica do Brasil.
Biodiversidade em perigo
Lista da fauna brasileira ameaçada de extinção
Os biomas Mata Atlântica e Cerrado, em conjunto, respondem
por mais de 78% da lista de espécies ameaçadas ou extintas
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Silvestre Gorgulho
No início deste ano, veio de Paris um sinal vermelho lançado por 1.230 cientistas de 35 países reunidos na Conferência Internacional sobre Biodiversidade: um terço dos anfíbios, uma quarta parte dos mamíferos e um de cada oito pássaros estão sob ameaça de extinção neste mundo de Deus e dos homens. Mais: a questão do desmatamento é gravíssima: quase 50% das florestas e mais de 10% dos corais estão perdidos. São 15.589 espécies animais e outras 60 mil espécies vegetais sob risco de desaparecer. Tudo isto tem sua causa: o desmatamento, a água doce dos rios e lagos sofrendo um processo acelerado de poluição, os resíduos de material plástico e cerca 21 milhões de barris de petróleo lançados ao mar, provenientes de enxurradas, resíduos industriais e vazamento de petroleiros. Em meio a tanta agressão e destruição, surgem pessoas e entidades lutando na busca de estratégias para a proteção deste ainda incalculável patrimônio natural. O lançamento do Livro Vermelho e a luta histórica do ambientalista Ângelo Machado, fundador e presidente da Fundação Biodiversitas, é um dos mais importantes instrumentos de política ambiental que possibilita o estabelecimento de programas prioritários para a proteção da biodiversidade
A Fundação Biodiversitas, em parceria com a Conservação Internacional do Brasil, lançou dia 16 de julho, o livro da Lista da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. O lançamento da publicação aconteceu paralelamente à programação do XIX Congresso Anual da Society For Conservation Biology, em Brasília. Segundo a Coordenadora Geral da Biodiversitas, Gláucia Drummond, para classificar as espécies foram propostas categorias de ameaças baseadas em critérios adotados pela União Mundial para a Natureza (IUCN), referência mundial na elaboração das Red Lists.
Os critérios IUCN buscam evidências relacionadas ao tamanho, isolamento ou declínio populacional das espécies e extensão de suas áreas de distribuição. A partir desses dados, as espécies são agrupadas conforme as seguintes categorias: Extinta, Extinta na natureza, Criticamente em perigo, Em perigo, Vulnerável, Quase Ameaçadas e Deficientes em Dados.
Números por biomas
Segundo informações da Fundação Biodiversitas, para se ter uma idéia da atual situação da fauna brasileira, do total de 633 táxons (1) apontados na Lista, 624 estão classificados em uma destas três categorias de ameaça: Criticamente em Perigo, Em Perigo e Vulnerável. Os Vertebrados somam 67% do total de espécies indicadas sendo que, entre estes, estão cerca de 13% das espécies brasileiras de mamíferos.
Mata Atlântica – O bioma Mata Atlântica é o que apresenta maior número de espécies ameaçadas ou extintas, com 383 táxons;
Cerrado – Logo em seguida, vem o bioma Cerrado com 112 táxons;
Mar – Em terceiro lugar vem a área marinha com 92 táxons;
Campos do Sul – O bioma vem em quarto lugar com 60 táxons;
Amazônia – A região amazônica está em quinto lugar com 58 táxons;
Caatinga – O bioma Caatinga, com 43 táxons, está em sexto lugar;
Pantanal – Em sétimo lugar está o bioma Pantanal com 30 táxons.
Pelo estudo da Fundação Biodiversitas, os biomas Mata Atlântica e Cerrado, em conjunto, respondem por mais de 78% das espécies da lista de espécies ameaçadas ou extintas, ou seja, 495 táxons.
Listas Vermelhas
Para Gláucia Drummond, as Listas Vermelhas que indicam as espécies ameaçadas de extinção são importantes instrumentos de política ambiental. Esse trabalho possibilita o estabelecimento de programas prioritários para a proteção da biodiversidade. As informações contidas nestes documentos fornecem subsídios para a formulação de políticas de fiscalização, criação de unidades de conservação e definição sobre a aplicação de recursos técnicos, científicos, humanos e financeiros em estratégias de recuperação da fauna ameaçada. As listas também são um importante mecanismo de combate ao tráfico e ao comércio ilícitos das espécies.
GLOSSÁRIO
(1)TÁXON – São as unidades hierárquicas de classificação dos organismos, a saber: Reino, Filo (Divisão) Classe, Ordem, Família, Gênero e Espécie.
[plural: taxa]
Informações gerais e exemplos (Por grupos)
Aves – Total: 160
Algumas Aves brasileiras ameaçadas na categoria Criticamente em Perigo:
— Pato-mergulhão – Mergus octosetaceus (Vieillot, 1817) – BA, GO, MG, PR, RJ, SC, SP, TO
— Arara-azul-de-lear – Anodorhynchus leari Bonaparte, 1856 – BA
Ave brasileira Extinta:
— Arara-azul-pequena – Anodorhynchus glaucus (Vieillot, 1816) – MS, PR, RS, SC
Espécies de aves brasileiras Extintas na Natureza:
— Mutum-de-Alagoas – Mitu mitu (Linnaeus, 1766) – AL, PE
— Ararinha-azul – Cyanopsitta spixii (Wagler, 1832) – BA, MA, PE, PI, TO
Mamíferos – Total: 69
Alguns mamíferos brasileiros ameaçados na categoria Criticamente em Perigo:
— Muriqui – Brachyteles hypoxanthus (Kuhl, 1820) – BA, ES, MG
— Mico-leão-de-cara-preta – Leontopithecus caissara (Lorini & Persson, 1990)- PR, SP
— Baleia-azul – Balaenoptera musculus (Linnaeus, 1758) – PB, RJ, RS
— Peixe-boi-marinho – Trichechus manatus (Linnaeus, 1758) – AL, AP, CE, MA, PA, PB, PE, PI, RN
Peixes – Total: 159
Alguns peixes brasileiros ameaçados na categoria Criticamente em Perigo:
— Cação-bico-doce – Galeorhinus galeus (Linnaeus, 1758) – PR, RJ, RS, SC, SP
— Peixe-serra – Pristis perotteti (Müller & Henle, 1841) – AM, AP, MA, PA, RJ, SP
— Andirá, anjirá – Henochilus wheatlandii (Garman, 1890) – MG
— Cascudo laje – Delturus parahybae (Eigenmann & Eigenmann, 1889) – MG, RJ
Répteis – Total: 20
Alguns répteis brasileiros ameaçados na categoria Criticamente em Perigo:
— Lagartixa-da-areia – Liolaemus lutzae (Mertens, 1938) – RJ
— Jibóia-de-Cropan – Corallus cropanii (Hoge, 1953) – SP
— Jararaca-de-Alcatrazes – Bothrops alcatraz (Marques, Martins & Sazima, 2002) – SP
— Tartaruga-de-couro – Dermochelys coriacea (Linnaeus, 1766) – AL, BA, CE, ES, MA, PE, PR, RJ, RS, SC, SP
Anfíbios – Total: 16
Alguns anfíbios brasileiros ameaçados na categoria Criticamente em Perigo:
— Sapinho-narigudo-de-barriga-vermelha – Melanophryniscus macrogranulosus (Braun, 1973) – RS
— Perereca-de-folhagem-com-perna-reticulada – Phyllomedusa ayeaye (B. Lutz, 1966) – MG
— Perereca-verde – Hylomantis granulosa (Cruz, 1988) – PE
Anfíbio brasileiro Extinto:
— Perereca – Phrynomedusa fimbriata (Miranda-Ribeiro, 1923) – SP
Invertebrados terrestres – Total: 130
Alguns invertebrados terrestres classificados na categoria Criticamente em perigo:
— Aranha-chicote – Charinus troglobius (Baptista & Giupponi, 2003) – BA
— Abelha – Exomalopsis atlantica (Silveira, 1996) – SP
— Borboleta – Drephalys mourei (Mielke, 1968) – RJ, SC
— Borboleta- Nirodia belphegor (Westwood, 1851) – MG
— Mariposa – Dirphia monticola (Zerny, 1923) – RJ
— Libélula – Mecistogaster pronoti (Sjöstedt, 1918) – ES
Alguns invertebrados terrestres classificados na categoria Extinta:
— Formiga – Simopelta minima (Brandão, 1989) – BA
— Libélula – Acanthagrion taxaensis (Santos, 1965) – RJ
— Minhocuçu, Minhoca-gigante – Rhinodrilus fafner (Michaelsen, 1918) – MG
Invertebrados aquáticos – Total: 79
Alguns invertebrados aquáticos classificados na categoria Criticamente em perigo:
— Marisco-do-junco – Diplodon koseritzi (Clessin, 1888) – RS, Sub Bacia rio Jacuí e Bacia Atlântico Sul;
— Ouriço-do-mar-irregular – Cassidulus mitis (Krau, 1954) – RJ – Ambiente marinho.
Mais informações:
Fundação Biodiversitas – (31) 2129-1300
www. biodiversitas.org.br
comunicacao@biodiversitas.org.br
Entrevistas
MARCOS TERENA

De filho pródigo à liderança internacional, o índio, piloto e cacique Marcos Terena, tornou-se um líder respeitado e o ponto de equilíbrio entre autoridades brancas e os povos indígenas.




Arne Sucksdorff – Uma vida dividida
A última entrevista dada por Arne Sucksdorff foi para o jornalista Silvestre Gorgulho, da Folha do Meio Ambiente, em abril de 1999. Logo depois ficou doente e morreu em julho de 2001.
Silvestre Gorgulho
Arne Sucksdorff, uma legenda do cinema e um dos pioneiros no movimento pela ecologia no mundo, tem uma história de vida fantástica e que a nova geração brasileira não conhece. Sucksdorff nasceu em Estocolmo, Suécia, em 1917, escreveu livros, roteiros, fotografou, dirigiu e produziu 15 filmes de longa-metragem e vários de curta-metragem. Mais do que um apaixonado pelo que faz, Arne foi um gênio que soube fazer. Com o documentário “Ritmo da Cidade”, ganhou o Oscar da Academia Americana de Cinema. Ganhou, ainda, a Palma de Ouro do Festival de Cannes com o filme “A Grande Aventura” e o Festival de Veneza com o filme “O Vento e o Rio”. Chegou ao Rio de Janeiro em 1962 para dar um curso de cinema para jovens brasileiros: eram seus alunos, Vladimir Herzog, Nelson Pereira dos Santos, Eduardo Escorel, Luiz Carlos Saldanha, Arnaldo Jabor, Joaquim Pedro de Andrade e até um nordestino que acabou sendo mais artista que cineasta, José Wilker. Mas algo não estava no roteiro e entrou no script, dividindo para sempre a vida de Arne Sucksdorff: sua paixão pelo Brasil. Fascinado pela natureza, do Rio de Janeiro resolveu conhecer e fotografar o Pantanal matogrossense. Nova paixão à primeira vista: no Pantanal morou durante 30 anos e lá escreveu, filmou fotografou, casou, teve filhos. Seu livro “Pantanal, um Paraíso Perdido” encantou o mundo. E hoje, véspera do Ano 2.000, nem o Brasil esqueceu Arne e nem Arne esqueceu o Brasil. O cineasta mineiro Fernando Carmargos acaba de colocar o ponto final em um belo filme sobre Arne Sucksdorff chamado “Uma Vida Dividida”. Já está acertado que o filme será mostrado no Festival de Cannes e de Estocolmo; E Arne acaba de anunciar um novo projeto para o Brasil, a criação da Fundação São Francisco de Assis, com a qual pretende voltar ao Pantanal para salvar índios, meninos de rua e as selvas brasileiras. São os planos de Arne – o Viking que conquistou e foi conquistado pelo Brasil – que o amigo leitor vai conhecer agora.
O senhor é respeitado pelo seu trabalho, já ganhou o Oscar de Hollywood, foi premiado em Cannes, Veneza, Nova York, Vaticano, Moscou, Berlim. O senhor é um homem realizado?
Arne – Com 83 anos, ainda estou à beira de entrar nas missões mais exigentes da minha vida. Tenho muitos planos e sonhos. Quero salvar os meninos de rua, quero salvar os índios e quero salvar as florestas. Esta nova geração não me conhece, mas quem tem uma certa idade lembra dos meus filmes, livros e fotos. Com 20 anos, no início da Segunda Guerra Mundial, eu já tinha feito uma série de filmes de curta metragem que chamou a atenção internacional. Mas ainda tenho muito o que fazer. E tudo que quero fazer, o principal está no Brasil.
Para o Sr qual foi seu melhor filme?
Arne – Ah, prá mim e muitos outros foi MITT HEM ÄR COPACABANA. Um filme sobre os meninos de rua do Rio de Janeiro, feito em 1962.
Depois de morar aqui 30 anos, o sr voltou para a Suécia em 1988. Como ficou sua relação com o Brasil?
Arne – Hoje o Brasil – Mato Grosso, Pantanal e as selvas – são mais a minha terra que a Suécia. Quando puder andar bem sem as muletas, vou voltar para o Brasil para realizar o maior projeto da minha vida: salvar índios, meninos de rua e a floresta com a ajuda de uma silvicultura sã para o meio ambiente.
Mas antes de falar de seus planos, conta para gente porque o sr, um homem de sucesso, deixou a Suécia em 62?
Arne – Isso foi depois do fiasco econômico com o filme POJKEN OCH TRÄDET, onde as únicas coisas boas foram o ator Tomas Bolme e a música de Quincy Jones. A “esquerda doida”, que tinha uma conjuntura bem forte, me carimbou como um reacionário anti-social. Todo mundo acha que os fascistas representavam a extrema direita, quando na verdade – exatamente como os nazistas – são socialistas na extrema esquerda. Comunistas e fascistas são crianças com a mesma alma e são os piores coveiros para a Democracia. Foi a maior razão que eu deixei a Suécia em 62 e emigrei para a Sardenha, na Itália. Nesse tempo recebi um convite da UNESCO e do Itamaraty para dar um curso de cinema no Rio. O curso, que era de poucos vezes, me segurou por aqui mais de 30 anos.
Sua vinda para o Brasil foi um divisor de água para o Cinema Brasileiro. Quem foram seus alunos?
Arne – Conhecer o Brasil, foi um atalho feliz em minha vida. Como cineasta e como defensor da natureza. Tive muitos alunos e guardo muitas saudades de todos eles. Mais do que alunos, foram grandes amigos. Joaquim Pedro de Andrade, Arnaldo Jabor, Nelson Pereira dos Santos, Vladimir Herzog, Escorel, Saldanha.
E como nasceu sua paixão pelo Pantanal?
Arne – Depois do curso no Rio, resolvi fazer fotos e filmes sobre o Pantanal. Nunca esqueço meu primeiro contato. Foi em 66. A sensação era como se eu tivesse chegado ao Jardim de Deus. Um parque zoológico natural. Tinha vida em cada lugar que eu pisava. Na beira do rio tinha jacarés tomando sol. De repente passava um bando de araras como uma rajada. Na planície os veados, capivaras e emas se misturavam ao gado zebu. Os abutres revelavam onde a vítima estava escondida. A onça pintada deixava os traços de sua pata redonda. Pássaros de todos os tipo. Uma maravilha e um drama em cada lugar!
E por quanto tempo o sr viveu essa experiência?
Arne – Foi uma experiência fantástica. Durante dois anos vivi como índio, da caça e da pesca. Foi muito interessante como o homem pode ter a experiência de viver em harmonia com a natureza e feliz sem a bênção da civilização. Não senti nem falta da música clássica, que eu gosto tanto. Isso me faz lembrar um lema antigo na Suécia, “é preferido caminhar livre nos terrenos desertos, do que estar na cadeira confortável recebendo comida dos outros”. Quanto mais eu amava o Pantanal, com mais intensidade eu me engajava contra a destruição que ameaça este paraíso.
E de onde vinha esta destruição?
Arne – Além da terrível caça e pesca predatórias, da queima da floresta, as cidades e as fazendas crescem pelo quatro cantos do Pantanal. Nenhuma das cidades tem instalações para tratamento de esgoto. E os esgotos vão diretamente para os rios que abastecem o Pantanal. É a mesma coisa com os agrotóxicos usados na agricultura. Era comum ver lagoas esbranquiçadas, tantos eram os peixes mortos boiando com ventre para cima. Quando pássaros e outros animais comem os peixes contaminados, os venenos se espalham na corrente alimentícia. O mercúrio produzido na lavagem de outro e a poluição industrial tornam a situação ainda mais sombria.
Como o sr vê a construção da Hidrovia no Pantanal?
Arne – O projeto da Hidrovia é muito caro, mas sou contra porque os rios que vêm do norte deverão ser dragados e alargados para se tornarem navegáveis e serem utilizados no transporte de cargas. Para que se tornem navegáveis e as rotas mais curtas, muitas curvas serão cortadas. Isso pode trazer a erosão, o desmatamento da mata ciliar. Tanta violência contra a natureza me faz lembrar o entomologista Ivar Trädgardh: “O homem precisa aprender como as malhas seguem no tecido da vida, antes que ele comece a desfiá-las”.
O sr fala do Pantanal e do Brasil como se ainda tivesse planos para eles?
Arne – E tenho. Com 30 anos de vivência na selva e no Pantanal, estou criando a Fundação São Francisco de Assis, que entre outras coisas tem o objetivo de determinar como estas regiões ricas podem ser exploradas sem a destruição da natureza. Para mim, arrumar e cuidar da casa dos seres humanos de uma maneira digna é uma questão humanitária.
Mas antes de falar de seus planos, como foi sua volta para a Suécia depois de morar esses 30 anos no Brasil?
Arne – Quando eu voltei para a Suécia, em 1988, eu estava pobre como um mendigo. Estava muito abatido com derrotas e acidentes. Maria, minha esposa e mãe dos meus filhos Cláudio e Anders, pequenos na época, sofreu uma doença mental devido a um trauma de infância. Além disso eu sofri um acidente de carro que quase me custou a vida. Em março do ano passado sofri uma fratura no fêmur. Quem não conhece o que é dor antes, conhece depois. Tudo isso acabou com minhas finanças. Mas tão logo eu largue estas muletas, volto ao Brasil para realizar o maior projeto de minha vida: salvar os índios e os meninos de rua, utilizando uma silvicultura sã para o meio ambiente.
O sr acha que encontrará apoio para seus projetos?
Arne – Acredito que sim. Sempre tive apoio da imprensa brasileira que me apelidou de “O Viking da Selva”. Também o Ministério das Relações Exteriores do Brasil sempre me apoiou. Recebi, há pouco, uma carta do Chanceler brasileiro. Foi uma carta de agradecimento, dizendo que minha luta foi um exemplo de pioneirismo e minha coragem foi importante para salvar os Parques e ajudar na elaboração de leis que protegessem a natureza. Terei apoio do Banco Mundial e também dos muitos amigos que fiz pelo mundo, especialmente aqui na Suécia. O rei e a rainha já me garantiram seu apoio.
E o sr ainda tem forças para levar em frente tantos planos?
Arne – Sou um perfeccionista idealista. A vida parece curta demais para se ocupar apenas de coisas que estão na média. Às vezes me acusam de ser um sonhador irrealista. Mas estou com o escritor sueco Ivar Johansson quando ele diz que o homem não está onde estão seus pés, mas onde estão seus sonhos. Quando eu tinha 7 anos, sonhei que era um índio. E já vivi com os índios. Quando tinha 9 anos sonhava em caçar tigres que comem homens. Também já fiz isso. Mulheres lindas também nunca faltaram em minha vida. E quem não sonha em ficar independente economicamente? Também vou ficar. Olha uma coisa. Trabalho como cidadão do mundo e meu lema é para quem segue sempre sua consciência, a vida nunca é vazia e sem sentido.
Conta, então, qual é seu projeto?
Arne – Meu plano é comprar uma grande fazenda de gado no Pantanal e lá montar um competente centro de pesquisas e demonstrações. Junto ao centro vou construir umas duas vilas ecológicas, para menino de rua, equipadas com escolas e assistência médica. A natureza exuberante é saudável para o corpo e a alma, portanto é o melhor lugar para recuperação. A verdade é que nas grandes cidades, como Cuiabá, os meninos de rua convivem com os riscos e acabam se afundando na prostituição e drogas. São presas fáceis para os traficantes.
E como realizar esse sonho?
Arne – Você quer saber onde vou arrumar o dinheiro? Lógico, preciso de muito dinheiro. Mas veja só, há 26 anos eu fui dono de 63 mil hectares de floresta no Mato Grosso. Em 71, durante a ditadura, essa terra foi confiscada, apesar de ter sido uma medida contra a Constituição. Por isso entrei com um processo no Supremo Tribunal de Justiça. Agora, tudo indica que vou receber uma indenização muito grande. Suficiente para realizar esse projeto. E como disse, tenho quase certeza que o Rei e a Rainha da Suécia vão ser os patrocinadores da Fundação São Francisco de Assis que vou criar.
E como vai funcionar esta Fundação?
Arne – Bem, é o que disse. Vou comprar uma fazenda no Pantanal e criar esta Fundação para administrar o projeto. Quero recuperar os meninos de rua, ajudar os índios e fazer todo um trabalho de preservação da natureza, com pesquisas e demonstrações agronômicas. Quero introduzir espécies de árvores no Pantanal, como o Leucena que não espalha raízes horizontalmente, mas penetram verticalmente na terra. Assim a Leucena é ideal para diminuir e parar a erosão na beira dos rios.
E esta Fundação terá outras finalidades?
Arne – Além destes trabalhos agronômicos, quero que ela dedique muito à educação. Tão importante quanto criar oportunidades para quem está excluído da sociedade é conscientizar e educar. Mostrar o valor da Cidadania. Tanto para quem vive nas cidades e como nos campos.
Alguma mensagem aos brasileiros?
Arne – Primeiro, pela Folha do Meio Ambiente, quero dizer que a natureza é o sorriso de Deus, um raio de luz na escuridão dos seres humanos. Quando eu era pequeno, tinha um professor de matemática que todos os alunos adoravam. E ele iniciava cada aula, lembrando o seguinte: “Pensar é bom. Pensar certo é melhor. Pensar grande é melhor ainda”. Temos que pensar e agir com amor, ter a verdade como arma e não esmorecer nunca. Cada um tem que cumprir bem sua missão e os governantes têm que cumprir as missões suas pessoais e as missões para as quais foram eleitos. Se Fernando Henrique Cardoso cumprir suas missões, como cidadão e como Presidente da República, também conseguir que cada brasileiro cumpra seus deveres e todos paguem seus impostos, a situação brasileira vai melhorar significativamente. Se o governador Dante de Oliveira me ajudar, eu mesmo vou cuidar para que o Mato Grosso não tenha mais meninos de rua e que esse Estado se torne um modelo para os outros. Mas tudo depende de pensar certo e grande. É como eu disse, para quem segue sua consciência, a vida nunca é vazia e sem sentido. Meus amigos, só os peixes mortos se vão pelas correntezas dos rios.
Entrevistas
Fernando Henrique Cardoso – Entrevista sobre Meio Ambiente e Cidadania
Meio ambiente, desenvolvimento e cidadania, segundo o presidente FHC

Progresso sem meio ambiente é estéril
Para Fernando Henrique Cardoso, é facinante como o direito a um meio ambiente saudável passou a fazer parte do conceito de cidadania
Silvestre Gorgulho, de Brasília
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” Cada vez mais, as pessoas se dão conta de que sem a adequada proteção ambiental, o próprio processo de desenvolvimento corre o risco de se tornar estéril.” |
Em 1983, o professor Fernando Henrique Cardoso deixou cátedra e livros para assumir uma cadeira no Senado na vaga de Franco Montoro, eleito governador de São Paulo. Dois anos depois, o então senador Fernando Henrique viu fracassar seu primeiro grande teste eleitoral: em 85 perdeu a prefeitura de São Paulo para o ex-presidente Jânio Quadros. Mas, FHC não voltou para a sala de aula. Se recompôs e enfrentou o desafio político. Em 1986 deixou de lado muitas posições teóricas e, no rastro do sucesso do Plano Cruzado, conquistou uma cadeira no Senado. Aí iniciou uma trajetória política de vitórias. O intelectual de sucesso fora e dentro do Brasil deu lugar ao político de sucesso dentro e fora do Brasil. Caso raro! São vocações antagônicas, por isso é difícil alguém se adaptar à função de intelectual e político. Como o professor e escritor Fernando Henrique Cardoso conseguiu? Esse é um dos segredos que FHC vai contar aos leitores da Folha do Meio. Bem, os outros segredos são vários. Uns dizem respeito às derrotas, vitórias, avanços e marcha-rés sobre preservação da natureza e melhoria da qualidade de vida no Brasil. Outros são mais particulares. Por exemplo, por que em nenhum de seus 24 livros o professor e intelectual reconhecido internacionalmente tratou explicitamente da questão mais importante deste final de século: a relação do homem com o meio ambiente?
Folha do Meio – Presidente, nada mais global do que o meio ambiente…
FHC – Não há como fazer uma fronteira política ou geográfica quando o assunto é ambiente. Não adianta um país aperfeiçoar suas leis ambientais, se os países vizinhos não fizerem o mesmo.
FMA – O meio ambiente pode mudar os acordos comerciais entre as nações?
FHC – Cada vez mais ganha terreno no cenário internacional a convicção de que os acordos comerciais entre as nações devem levar em conta a interação entre a formulação das políticas de desenvolvimento e o meio ambiente. Isso porque as preocupações ambientais afetam, potencialmente, as políticas de desenvolvimento e os fluxos comerciais globais. A incorporação da perspectiva do desenvolvimento sustentável permite a consideração conjunta do meio ambiente, da economia e do bem-estar humano nas questões comerciais. E isso constitui um degrau qualificativo nos debates regionais e internacionais. O meio ambiente está surgindo como um objetivo chave nessas relações, conceito compartilhado pelo Gatt, pelo Nafta e pelo Tratado de Maastricht, entre outros. O Brasil tem defendido a posição de que as iniciativas ambientais na área de comércio devem, contudo, constituir obstáculo adicionais aos fluxos de comércio dos países em desenvolvimento. Isso no sentido de que o combate à pobreza é o vetor essencial para o desenvolvimento sustentável.
FMA – E como o senhor vê a relação do Brasil com os outros países do Mercosul por ser a legislação brasileira ambientalmente mais avançada?
FHC – Tem um subgrupo de trabalho de Meio Ambiente do Mercosul estudando o problema. E tem buscado, a partir de realidades bastantes distintas, os ordenamentos legais nacionais para otimizar os níveis de qualidade ambiental nos países que integram o Mercosul. Nesse sentido, os princípios do desenvolvimento sustentável têm sido a base para todo o processo de cooperação entre os quatros países do bloco, influenciando as agendas negociadas e ajudando a superar as diferenças entre os países. Para ser eficiente, a política ambiental precisa tratar de questões que ultrapassam em muito o Ministério do Meio Ambiente. Expansão urbana, assentamentos fundiários, saúde, ciência e tecnologia, agricultura, energia e até relações exteriores têm ações na área ambiental.
FMA – O governo, isolando as ações no Ministério do Meio Ambiente, não está longe de fazer uma política ambiental pública preventiva? E com isso a questão ambiental não fica só na retórica?
FHC –A formulação da Política Nacional do Meio Ambiente está a cargo do Conama. Ou seja, pelo Conama toda a sociedade participa da elaboração da política ambiental brasileira. E para ampliar ainda mais a Política Nacional de Meio Ambiente foi instituído o Sisnama. Daí temos a interação com todos os atores envolvidos nas questões mais diversas do interesse nacional. A política ambiental do governo é, portanto, objeto de um amplo processo que se caracteriza pelo diálogo, pela negociação e pela conciliação dos interesses em jogo. Levantamentos do INESC sobre a execução orçamentária nos primeiros cinco meses do ano indicam que os programas executados pelo Ministério do Meio Ambiente tiveram gastos efetivos de apenas 0,63% do total orçado. Programas como o Piloto de Proteção às Florestas Tropicais até agora não receberam um centavo.
FMA – O senhor não acha que o meio ambiente está pagando caro para garantir as metas de redução do déficit público?
FHC – O PPG-7 já gastou este ano 13,4 milhões de dólares nos seus programas já aprovados. Um novo desenho deste programa foi aprovado recentemente, em Paris, trazendo para o governo brasileiro, por intermédio do Ministério do Meio Ambiente, a liderança do programa. O desembolso de recursos para os programas do PPG-7 deverá ser bastante agilizado nos próximos meses.
FMA – No Congresso há uma preocupação com o que alguns parlamentares chamam de ameaça de desmonte do Ibama. As superintendências estaduais já foram extintas e está havendo muita nomeação política. Maior temor: afrouxamento na fiscalização. Faz sentido?
FHC – Com a reestruturação aprovada agora em maio, o Ibama passou a ter uma nova estrutura que reforçou o seu papel de órgão responsável pela execução e fiscalização da política ambiental. A partir de agora, cabe ao Ibama executar as políticas nacionais de meio ambiente relativas à preservação, conservação, fiscalização e de controle do uso sustentável dos recursos ambientais. Além disso, o Ibama também apóia o ministério na execução da Política Nacional de Recursos Hídricos e desenvolve ações supletivas de competência da União na área ambiental. As mudanças feitas visavam, justamente, dar maior agilidade ao Ibama para cumprir seu novo papel. Vamos reforçar as atividades nas pontas, enxugando a estrutura central. No lugar das 27 superintendências extintas serão criados 90 escritórios de múltipla ação, com pelo menos uma unidade em cada estado. Também serão criadas oito coordenações regionais. Assim, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste terão, cada uma, duas coordenações do Ibama. As regiões Sul e Sudeste uma cada.
“Um dos aspectos mais fascinantes é a maneira como o direito a um meio ambiente saudável passou a fazer parte do conceito, mesmo, de cidadania, transformando-se em elemento central do que tenho chamado de radicalização da democracia.” |
FMA – Será mesmo criada a Agência Nacional de Água?
FHC – Sim. A Agência Nacional de Água (ANA) será criada para tornar as ações no campo da gestão dos recursos hídricos mais ágeis. A ANA será uma autarquia especial dotada de uma estrutura flexível, com autonomia orçamentária e financeira. A criação da ANA, em estudo pelo Ministério do Meio Ambiente sob orientação da Casa Civil da Presidência, é também uma conseqüência das definições estabelecidas no contexto da reforma do aparelho do Estado. A futura agência vai atuar na implementação dos instrumentos da política de recursos hídricos, sucedendo a secretaria de Recursos Hídricos nesta tarefa. Na Secretaria permanecerão as funções de formulação da política para o setor.
FMA – Presidente, há alguma justificativa na demora de mais de um ano para a regulamentação de uma lei que marcou seu governo: a Lei da Natureza ou a Lei contra os Crimes Ambientais? O processo já passou por todas as instâncias e está há algum tempo no Gabinete Civil. O que falta para a regulamentação?
FHC – Primeiro, cumpre destacar que a Lei 9.605/98 já está sendo aplicada no que diz respeito às sanções penais, que não implicam em regulamentação. Por outro lado, as sanções administrativas pecuniárias estão pendentes desse instrumento, o que, no entanto, não invalida a sua aplicação. Há, inclusive, a possibilidade da remessa dos autos de infração ao Ministério Público para que, como Curador do Meio Ambiente, adote as providências no âmbito de suas competências. Mas há, efetivamente, demora na publicação do decreto de regulamentação. Entretanto, todas as sanções administrativas estavam dispersas em vários atos normativos, como por exemplo, portarias e instruções normativas e havia necessidade de que esses atos fossem consolidados e sistematizados, o que coube ao Ibama fazer. Essa proposta foi então encaminhada ao Ministério do Meio Ambiente para revisão final. Nesse momento, a proposta do Ibama, previamente consolidada, foi objeto de consulta pública, via Internet. Após as sugestões recebidas terem sido analisadas e incorporadas, a proposta final de decreto foi encaminhada à Casa Civil, que se manifestou contrária a proposta, quanto a forma. Não tendo, entretanto, apreciado o mérito. Com base nessa análise, a proposta foi devolvida ao Ministério do Meio Ambiente que, neste momento, está estudando e revendo a forma de apresentação. O empenho do governo é grande nesse sentido, para que a regulamentação esteja disponível no menor prazo possível e a lei possa alcançar sua eficácia plenamente.
FMA – Já se foram sete anos deste a realização da RIO-92, a chamada Cúpula da Terra, que discutiu meio ambiente e desenvolvimento. Como o senhor vê a demora de definição para discussões importantes sobre clima, biodiversidade, definição de recursos dos países desenvolvidos para financiar projetos ambientais em países em desenvolvimento?
FHC – A RIO-92 deve ser entendida como um marco institucional que trouxe ao debate internacional, de forma integrada, todos os aspectos da ação humana sobre o planeta e o meio ambiente. A Cúpula da Terra definiu uma série de princípios e conceitos no plano internacional, dando ênfase à cooperação, que se traduzia em apoio financeiro, transferência de tecnologia e capacitação técnica, sobretudo para os países em desenvolvimento poderem fazer frente aos desafios ambientais em escala global. Evidentemente, as expectativas foram muito além das reais possibilidades de apoio material dos países desenvolvidos. Mas isso não quer dizer que deixaram de ser realizadas iniciativas relevantes. Na área de mudança do clima, por exemplo, estão sendo reforçados os compromissos dos países desenvolvidos. Não obstante, os resultados de Kioto são relevantes e constituem um passo adiante no processo, sobretudo com a aprovação da proposta brasileira do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Na área da biodiversidade, apesar das dificuldades encontradas, caminha-se para definir espaços claros no que diz respeito à repartição justa e eqüitativa do uso dos recursos genéticos. Esse é um tema de especial importância para o Brasil, pois somos detentores de megabiodiversidade. A esse respeito está em exame no Congresso Nacional a lei de acesso a esses recursos. Na área de desertificação, a Convenção das Nações Unidas de Combate aos Efeitos da Desertificação e da Seca examinará em novembro deste ano, no Recife, o mecanismo financeiro de apoio ao pré-investimento de projetos de combate à desertificação e à seca. Por esses avanços, não se pode dizer que os efeitos derivados da Cúpula da Terra possam ser considerados negligenciáveis.
“A correta atuação política |
FMA – Presidente, a questão ambiental surgiu de maneira explosiva há três décadas. Foi a partir de maio de 68 (o senhor estava no coração das manifestações estudantis, em Paris) que a percepção dos efeitos globais dos grandes desmatamentos, do emprego na energia nuclear, da queima de combustíveis, da formação dos grandes centros urbanos começou a motivar a comunidade científica, os intelectuais e a opinião pública para o problema. Nos seus 24 livros o senhor trata de tudo na relação homem, industrialização, desenvolvimento, democratização, capitalismo, mobilidade social, dominação e dependência. O senhor achava que meio ambiente estava fora da agenda do século?
FHC – Teria sido muita pretensão de minha parte buscar analisar na íntegra a “agenda do século”. Meus escritos acadêmicos, embora abarcando temas complexos como os que você mencionou, têm objetivo menos ambiciosos. Isso não quer dizer, em absoluto, que o meio ambiente não fizesse parte de minhas preocupações. A partir, sobretudo, da Conferência de Estocolmo, em 1972, o assunto realmente entra na agenda internacional, e não poderia ser desconsiderado por qualquer observador atento da evolução das sociedades contemporâneas. Nesse processo, em que os temas ambientais foram adquirindo cada vez mais importância e merecendo maior atenção dos diferentes setores da sociedade, um dos aspectos mais fascinantes é a maneira como o direito a um meio ambiente saudável passou a fazer parte do conceito, mesmo, de cidadania, transformando-se em elemento central do que tenho chamado de “radicalização” da democracia.
FMA – Presidente, é impressionante como o senhor soube se adaptar na função de intelectual e político. Essa dupla vocação raramente andam juntas. Existe algum segredo?
FHC – A dimensão acadêmica é parte essencial de minha formação. Tem, portanto, enorme influência sobre minha atuação como homem público. Haveria muito a dizer sobre a relação entre intelectual e político – muito além da distinção elementar entre teoria e prática, entre conceito e vivência – mas me limitaria a uma questão que considero muito importante. De forma simplificada, pode-se dizer que a correta atuação política consiste em recolher as demandas da sociedade, ordená-las, definir prioridades e estabelecer rumos de ação. Em boa medida, a formação intelectual, embora não se substitua à experiência política, complementa esta última e contribui para uma melhor compreensão daquele leque de demandas, entre as quais se inclui, crescentemente, a proteção ao meio ambiente.
FMA – Nas suas viagens ao exterior, em relação ao meio ambiente, quais as principais observações que o senhor escuta de outros chefes de estado. A Amazônia ainda domina as discussões sobre ecologia no Brasil?
FHC – O tema, sem dúvida, perdeu muito do aspecto de confrontação que teve há alguns anos. Os esforços realizados pelo governo para o desenvolvimento sustentável da região amazônica são reconhecidos internacionalmente, o que torna o diálogo sobre o assunto muito mais fluído e construtivo. Nunca nada me foi dito em termos de cobrança. Ao contrário. A preocupação internacional existe, e é legítima, mas hoje em dia as discussões versam muito mais sobre as formas efetivas de cooperação. A questão das florestas é importante, mas naturalmente é apenas um dos aspectos da ampla agenda internacional sobre meio ambiente.
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FMA – Presidente, acaba de ser criada a CPI da Borracha. Qual a solução que o senhor vê para a sobrevivência do seringueiro na Amazônia?
FHC – As populações envolvidas com a atividade extrativista na Amazônia já estão na floresta há muitas gerações. Portanto, trata-se de uma população adaptada ao ecossistema tropical. O governo dará todo o apoio ao setor por meio do programa Amazônia Solidária. Estou empenhado em viabilizar recursos solicitados pelo Ministério do Meio Ambiente para o programa, porque são de alta relevância para a região.
FMA – A questão ambiental envolve respeito à natureza. Mas como levar essa idéia às pessoas que, infelizmente, não respeitam nem seus semelhantes? Será que a sociologia pode explicar esse paradoxo?
FHC – Como disse antes, o direito a um ambiente saudável é, hoje, parte da noção mais ampla de cidadania. Cada vez mais, as pessoas se dão conta de que sem a adequada proteção ambiental, o próprio processo de desenvolvimento corre o risco de se tornar estéril. Há uma grande sabedoria por trás do conceito de “desenvolvimento sustentável”, e isso torna-se mais e mais evidente para todos, tanto no governo quanto na sociedade civil. No que se refere à ação individual – seja em relação ao meio ambiente, seja em relação a outros aspectos importantes da convivência social – o poder público tem, certamente sua responsabilidade na tarefa da conscientização de todos, mas parcela importante desse esforço cabe também às ONGs. A questão ambiental é uma das que mais se prestam ao desenvolvimento de parcerias eficazes entre o governo e a sociedade. É isso que estamos fazendo no Brasil.
FMA – Uma mensagem pelo Dia Mundial do Meio Ambiente.
FHC –No Dia Mundial do Meio Ambiente devemos ter um momento de reflexão sobre o mundo que vivemos. Um mundo cujos recursos naturais são limitados. Temos compromisso com o futuro. Por isso determinei que o Ministério do Meio Ambiente se empenhe em oferecer alternativas capazes de impulsionar o crescimento econômico, gerar trabalho e, sobretudo, garantir uma melhor qualidade de vida, mantendo e recuperando as nossas riquezas naturais. Queremos, ainda, a participação de todos na formação de uma nova cultura ambiental diferente. Um futuro em que o meio ambiente promova o desenvolvimento sustentável, que assegure um mundo melhor para as atuais e futuras gerações.
GLOSSÁRIO |
GATT – É o Acordo Geral de Comércio e Tarifas – Agência pertencente ao sistema da ONU, com sede em Genebra, que promove o livre comércio, organizando normas comuns e eliminando protecionismos. É também uma tribuna para solução de conflitos comerciais entre 123 países associados.NAFTA – É o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, um bloco que engloba EUA, Canadá e México.
TRATADO DE MAASTRICHT – Acordo assinado em 1991, em Maastricht, Holanda, que acelerou o processo de integração econômica e monetária européia. O tratado previu um mercado interno único, com moeda própria – o Euro – e estabeleceu políticas comuns aos países que fazem parte da União Européia. CONAMA – É o Conselho Nacional do Meio Ambiente, instância colegiada presidida pelo ministro do Meio Ambiente e integrado por representantes dos demais ministérios setoriais, governos dos estados e do DF e das Confederações da Indústria, do Comércio e da Agricultura. Tem poder normativo e poder de solução de conflitos. SISNAMA – É o Sistema Nacional do Meio Ambiente, é composto por órgãos e entidades da União, dos estados, do DF, dos municípios e pelas fundações instituídas pelo poder público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, tendo como órgão superior o Conama. LEI 9.605/98 – É a chamada Lei da Natureza ou Lei Contra os Crimes Ambientais, de 12 de fevereiro de 1989. É a lei que define sanções e punições nas áreas criminais, administrativas e reparação de danos para os crimes ambientais. PPG-7 – É um Programa Piloto de Proteção à Florestas Tropicais, financiado pelos sete países mais industrializados – Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido. Mais de 60% dos recursos são de origem alemã. MEGABIODIVERSIDADE – Biodiversidade é a variedade de gens, espécies e ecossistemas que fazem parte da biosfera. É a riqueza biológica do planeta. Megabiodiversidade é uma expressão que vem sendo usada para identificar regiões do planeta com alta diversidade biológica. DESERTIFICAÇÃO – É a transformação de solos férteis em desertos. A ação do homem, como o desmatamento e a agropecuária podem levar à degradação do solo e ao agravamento das secas – princípio mortal da desertificação. CIDADANIA – É o conjunto amplo de direitos e deveres civis, políticos, sociais, econômicos, ambientais e culturais dos habitantes de um Estado. Designa o fato de um indivíduo gozar dos direitos de um Estado, cumprindo também seus deveres para com este. Não importa qual a função que este indivíduo exerça na sociedade. KIOTO – Refere-se à Conferência de Kioto, realizada em dezembro de 1997, quando foi assinado um protocolo de mudança climática, que definiu compromissos de redução de gases poluentes dos países desenvolvidos, estabelecendo mecanismos flexíveis de cooperação entre os países, para cumprir metas no sentido de diminuir o efeito estufa. CÚPULA DA TERRA – É a representação política dos países associados à ONU. A expressão foi usada pela primeira vez por ocasião da RIO-92, quando se reuniu, então, a Cúpula da Terra, ou seja, os 114 chefes de Estado e 175 países representados na Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO – Foi a primeira Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, promovida pela ONU, realizada em junho de 1972. Reuniu 110 países. Foi o primeiro grande movimento oficial, respaldado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, que mostrou a necessidade urgente de conciliar meio ambiente com o desenvolvimento, mostrando a nossa responsabilidade com relação às futuras gerações. RIO-92 – Foi a 2a Conferência Mundial para Meio Ambiente e Desenvolvimento, promovida pela ONU e realizada no Rio de Janeiro, que teve início em 3 de junho de 1992. Foi a maior reunião planetária, pois 175 países se comprometeram com a causa ambiental. Participaram dela 114 chefes de Estado, representantes de praticamente todos os países da Terra, 10 mil jornalistas e mais de 500 mil pessoas representantes de ONGs e etnias diversas. AMAZÔNIA SOLIDÁRIA – É um programa que tem por objetivo promover à ascensão econômica e social dos seringueiros da Amazônia. Além de vários organismos do governo, atuam nesta parceria o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), o Conselho Nacional de Seringueiros, o Gabinete da senadora Marina Silva (PT/AC) e o Programa Comunidade Solidária, presidido pela Primeira-Dama, professora Ruth Cardoso. |
SUMMARY
Environment, Development and Citizenship
According to the President of the Republic
In 1983, the teacher Fernando Henrique Cardoso left behind his books and ivory tower when he accepted the post of senator filling the vacancy left by Franco Montoro, who had been elected governor of São Paulo. Two years later Senator Fernando Henrique experienced the failure of his first real political test, losing the 1983 race for mayor of São Paulo to the ex-president Jânio Quadros. But FHC did not retreat to the classroom. He regathered his forces to take on the political challenge. In 1986 he set aside many theoretical positions, and in the wake of the success of the PIano Cruzado, he gained a seat in the Senate. Thus began a rising trajectory of political victories. The intellectual, successful both in and outside of Brazil, was replaced by the politician, successful both in and outside of Brazil. A rare bird! These are usually mutually exclusive vocations, so it is unusual to find someone so well adapted to both roles of intellect and politician. How has Fernando Henrique Cardoso, writer and professor, achieved this? This is one of the secrets which FHC shares with the readers of the Folha do Meio. Well, there are many other secrets. Some speak of the defeats, victories, advances and retreats in the struggle to preserve nature and improve the quality of life in Brazil. Other secrets are more personal. For example, why none of the intellect professor’s 24 internationally recognized books deals explicitly with the most important question at the end of this century: the relationship between man and his environment.
FMA – Mr. President, there is nothing more global than the environment.
FHC – It is impossible to mark political or even geographic boundaries when the subject is the environment. It does no good for me to take care of my own back yard if my neighbor does not care for his. It does no good for one country to perfect its environmental laws if its neighboring countries do not do the same.
FMA – Is it possible that the environment could affect the international commercial agreements?
FHC – The conviction that commercial agreements among nations must take into account the interaction between the formulation of development policies and the environment is constantly gaining ground on the international scene. This is because these concerns over the environment have the potential to impact upon the policies of development and the flow of global commerce. The inclusion of the perspectives of sustainable development allows the joint consideration of the environment, the economy and human welfare in commercial affairs. And this constitutes a qualitative step up in regional and international debates. The environment is emerging as a key element in these relationships, as recognized by Gatt, by Nafta, and by the Treaty of Maastricht, among others. Brazil has defended the position, however, that environmental initiatives in the area of commerce should not be allowed to create additional obstacles to the flow of commerce in the developing countries. This in the sense that combating poverty is the essential vector towards sustainable development.
FMA – And how do you see the relationship of Brazil with the other countries of Mercosul since its environmental legislation is more advanced?
FHC: Mercosul has an environmental task force studying the problem. It has been seeking, within the quite different realities and with reference to the nations’ legal structures, to optimize the levels of environmental quality in the countries that comprise Mercosul. In this sense, the principles of sustainable development have been the basis for the entire process of cooperation among the four countries of the block, bearing upon the negotiating agendas and helping to overcome differences between the countries.
FMA – It has been 7 years since RIO-92, the so- called “Earth Summit”, was held to discuss the world’s environment and development. How do you interpret the delays in concluding the important discussions on global climate, biodiversity, and the allocation of resources from the developed countries to finance environmental projects in developing countries?
FHC: RIO-92 should be understood as an important institutional milestone, bringing in an integrated fashion all aspects of human action upon the planet’s environment to the forefront of international discussion. The Earth Summit defined a series of principles and concepts of international scope, emphasizing cooperation, which can be translated as financial support, the transfer of technologies and technical training, especially so that the developing countries can confront the environmental challenges of a global nature. Evidently, expectations were raised far beyond the realistic possibilities for material support from the developed countries. But this is not to say that relevant initiatives have not been undertaken. In the area of global climate change, for example, the commitments made by the developed countries are being reinforced. Nevertheless. the results of the Kyoto Conference art: relevant as a step forward in this process, especially with the approval of the Brazilian proposal for the Mechanism for Clean Development. In the area of biodiversity, in spite of difficulties along the way, we’ve come a long way toward defining clear areas for the ,sake of a just and equitable division in the use of genetic resources. This is an especially important topic for Brazil, for we arc the custodians of a mega biodiversity. In this regard, a law concerning access to these resources is under study in the National Congress. In the area of desertification, the United Nations Convention on Combating the Effects of Desertification and Drought will examine, this November in Recife, the financial mechanisms for giving pre-investment support to projects for combating desertification and drought. With all these advances, it cannot be said that the lasting effects of the Earth Summit have been negligible.
FMA – Mr. President, the environmental question seemed to explode on the scene some three decades ago. It was in May of 1968 (you your-self were at the heart of the student demonstrations, in Paris) that awareness of the global effects of large-scale deforestation, the use of nuclear energy, the burning of fossil fuels, and the formation of large urban centers gained the attention of the scientific community, intellectuals and public opinion. In your 24 books you dealt with every aspect of Man- industrialization, development, democratization, capital- ism, social mobility, dominance and dependence. Do you think that the environment has been left out of the agenda of the Twentieth Century?
FHC: It would be quite pretentious of- me to attempt a complete analysis of the “agenda of the century”‘. My academic writings, though encompasing complex topics such as you have mentioned, had a more modest aim. This is not to ,say, in the least. that the environment has not been one of my concerns. Indeed. ever Since the Stockholm Conference in 1972, tile subject really emerged on the international agenda. and the issue can no longer be dismissed by any attentive observer of the evolution of contemporary societies. In this process, in which environmental themes are taking on greater and greater importance and demanding greater and greater attention from the various sectors of society, one of the most fascinating aspects is the degree to which the right to a healthy environment has become an integral part of the concept of citizenship, becoming thereby a central element of what has been called the “radicalization” of democracy.
FMA – Mr. President, it is impressive how you have been able to adapt to the dual roles of intellectual and politician. These two vocations rarely co-exist. What is your secret?
FHC: The academic dimension was an essential part of my formation. It therefore has an enormous influence on my actions as a public figure. There is much to be said about the relation between the intellectual and the politician- -even more than the basic distinction between theory and practice, between conceptual and the day-to-day realities- but I will limit myself to one question I consider to be very important. To put it simply, it could be said that the correct approach to policy consists of collecting and analyzing society’s demands, then defining priorities and establishing lines of action. To a large measure, an intellectual training, although no substitute for political experience, complements it and contributes to a better comprehension of this array of social demands, among which is included, more and more, the protection of the environment.
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