Entrevistas
Rosana Beatriz Silveira – Entrevista sobre Cavalos Marinho
Salvando os cavalos-marinhos do Brasil – Projeto Hippocampus
![]() Rosana Silveira: “Estamos lutando muito pela confecção de leis específicas que protejam e regulamentem a pesca de cavalos-marinhos no Brasil |
Vamos salvar os cavalos-marinhos do Brasil
Silvestre Gorgulho, de Porto de Galinhas (texto e fotos)
Guardem este nome: Rosana Beatriz Silveira. Ela é mãe, defensora, pesquisadora e guardiã de um dos mais belos peixes da costa brasileira: os cavalos-marinhos. A paixão extrema e a dedicação da bióloga Rosana Silveira para com os cavalos-marinhos fez com que ela se mudasse até de Estado. Nascida no Rio Grande do Sul, formada em biologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rosana foi parar em Pernambuco. Mais precisamente, na belíssima praia de Porto de Galinhas. Toda essa paixão começou em 1994, quando Rosana fundou o Labaquac e criou o Projeto Hippocampus. Um dia, ao fazer um trabalho de revisão bibliográfica de literatura científica e de divulgação para compor o acervo do laboratório de cavalos-marinhos, ela levou um susto: o abandono total da espécie. O susto acabou por nortear seu trabalho: esses peixes estavam ameaçados de extinção e, mesmo assim, eram muito procurados para decoração e para medicação. Rosana não teve dúvida: passou a se dedicar inteiramente ao estudo dos cavalos-marinhos. Eles precisavam ser salvos. Enquanto se prepara para defender sua tese de doutorado pela PUC-RS, agora em abril, sobre dinâmica populacional de cavalos-marinhos, Rosana Silveira deu esta entrevista à Folha do Meio Ambiente:
Como foi implantar o projeto no Rio Grande do Sul e depois transferi-lo para Porto de Galinhas?
Rosana – O Projeto Hippocampus nasceu em 1994, juntamente com o Laboratório de Aqüicultura Marinha-Labaquac, em Porto Alegre. Em 1995, ao ingressar no mestrado em Biologia Animal com dissertação sobre o “Desenvolvimento ontogenético de Hippocampus reidi Ginsburg 1933, em laboratório”, oficializou-se o primeiro trabalho científico do Labaquac. Depois desenvolvemos outros trabalhos em meu laboratório, dando origem às publicações científicas e de divulgação. Mas todas essas publicações referiam-se à dados de laboratório, não possuíamos nenhum registro em ambientes naturais. E aqui em Porto de Galinhas, com o apoio da prefeitura de Ipojuca, tivemos a possibilidade de fazer esses registros naturais no Pontal Maracaípe.
Por que a transferência?
Rosana – Simples, os trabalhos do Projeto Hippocampus começaram a ganhar reconhecimento pelas publicações do Labaquac. Uma matéria feita pela revista Época, em 1998, lançou nosso trabalho ao conhecimento do Brasil. Foi quando aconteceu o convite para o Projeto se estabelecer em Ipojuca, Pernambuco. Mais precisamente em Porto de Galinhas. Este convite partiu da Prefeitura Municipal do Ipojuca, por meio da Secretaria do Desenvolvimento Econômico, Turismo e Meio Ambiente e o motivo foi a preocupação com a drástica redução dos cavalos-marinhos no Pontal de Maracaípe. Essa praia tem relevância turística para o município. pois é visitada por turistas do mundo inteiro. E um dos principais objetivos dos turistas é, justamente, ver os cavalos-marinhos em seu ambiente natural.
O projeto Hippocampus ainda continua no sul?
Rosana – A sede do Projeto, agora, está em Porto de Galinhas e, infelizmente, ainda não temos recursos para manter uma base no sul, porém temos uma importante parceria na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Departamento de Genética, Laboratório de Genética e Evolução de Drosophilas, cuja titular é a dra. Vera Gaisky e onde são desenvolvidos estudos do projeto pela colega dra. Rosane Garcia.
Tem outros projetos de pesquisa semelhantes em alguma outra parte do Brasil?
Rosana – O Projeto Hippocampus é pioneiro no estudo do cavalos-marinhos no Brasil. Como projeto de preservação e aplicação direta dos estudos para melhoria ambiental e das populações de cavalos-marinhos ele é único.
Existem pesquisadores individuais de singnatídeos que realizam importante contribuição científica (família do cavalo-marinho), mas é do meu conhecimento que nenhum deles dedica-se exclusivamente ao estudo dos cavalos-marinhos brasileiros.
Qual o futuro do Projeto Hippocampus?
Rosana – Crescer e servir. Um dos principais objetivos de nosso estudo é a formulação de um programa de manejo para as espécies brasileiras de cavalos-marinhos, que tornou-se possível após dois anos de estudos de dinâmica populacional no manguezal de Maracaípe e, ainda continua. Além deste programa, lutamos pela confecção de leis específicas de proteção e regulamentação da pesca desse peixe, que não existem. Para isto, assinamos um termo de atuação conjunta com o Ministério Público Federal/Procuradoria da República em Pernambuco, na pessoa do dr. Marcos Costa, que é procurador da República. Um outro objetivo, é promover o repovoamento do Pontal, esta é uma meta a ser atingida este ano.
Summary | |
Rosana Beatriz Silveira – ENTREVISTA Brazil tries to save the seahorse Remember this name: Rosana Beatriz Silveira. She is a mother, defender, researcher and guardian of one of the most beautiful fish found along the Brazilian coastline: the seahorse. The overwhelming passion for and dedication of the biologist Rosana Silveira to the seahorse has prompted her to even move from her native state of Rio Grande do Sul, where she graduated in biology from the Universidade Federal do Rio Grande do Sul, to the state of Pernambuco and more precisely the enchanting beach area of the Porto de Galinhas. This love affair began in 1994, when Rosana founder of Labaquac and creator of the Hippocampus Project was working on the revision of a literary scientific review to comprise the laboratory collection of seahorses. She was taken by surprise to learn that these fish had suffered from general abandonment and were threatened with extinction because they were highly sought after for decorative and medicinal purposes. She then turned her life around and had no doubts that she would from then on dedicate herself entirely to the study of seahorses. They needed to be rescued. The Hippocampus Project is a pioneer in the study of seahorses in Brazil. This project, which includes the preservation and direct application of studies for the environmental improvement of the seahorse population, is unique; although there are individual researchers on the seahorse and pipefish family, who have made significant scientific contributions, there are to my knowledge, none exclusively dedicated to the study of Brazilian seahorses. Industrial hatcheries Advanced research Education |
Quais as maiores dificuldades para a pesquisa?
Rosana – As dificuldades são de toda ordem. Esbarram no recurso financeiro, montagem de laboratórios e manutenção de pessoal qualificado. Não é pouca coisa. As atividades de cultivo para repovoamento não iniciaram ainda, por falta dos equipamentos para montagem do laboratório de alevinagem, cujo espaço físico já possuímos. Atrelados a este laboratório estão os laboratórios de fitoplâncton e zooplâncton, necessários a produção de alimentos aos cavalos-marinhos recém-nascidos e que já possuem condições básicas de funcionamento. Possuímos, ainda, o laboratório de parasitologia, onde ocorrem as necrópsias dos peixes para estudos parasitológicos/ecológicos e onde é feita a coleta, fixação e preparação do material para histologia e genética que são enviados às instituições parceiras: na área de genética, a Universidade Federal do RS. Em parasitologia e histologia/histopatologia, a Universidade Federal Rural de Pernambuco. Nossa mais nova parceira é a UFPE área de fisiologia. Os dados levantados por nosso laboratório de dinâmica populacional permitem sugerir ao Ibama, pelo Ministério Público Federal/PRPE, um tamanho mínimo para pesca comercial. É importante, também, a proibição da pesca de machos grávidos.
Vale a pena entrar no cultivo industrial de cavalos-marinhos como existe, por exemplo, com camarões?
Rosana – Essa é uma boa questão. Sem dúvida! Não só vale a pena para quem investe, como será esta a única maneira de preservar as espécies em seu ambiente. A pesca e o comércio são intensos no mundo inteiro.
Tem algum país ou empresa que tem pesquisas mais avançadas sobre cavalos-marinhos?
Rosana – Sim, os Estados Unidos (Havaí) e China. Já existem empresas especializadas no cultivo para comércio, porém a demanda é maior que a oferta.
O Projeto Hippocampus tem alguma atuação na área social?
Rosana – Sim, possuímos um programa de educação ambiental, no qual recebemos a visitação de escolas e universidades para exposição acerca da biologia dos cavalos-marinhos e a necessidade de preservação das espécies e do ambiente onde elas vivem. Também visitamos escolas e universidade fazendo palestras sobre este assunto. Criamos uma parceria com os jangadeiros do Pontal de Maracaípe que são os vigilantes ambientais do projeto, já que o passeio que realizam diariamente com turistas é para visualizar os cavalos-marinhos. O sustento destes jangadeiros e de suas famílias depende diretamente do bem-estar dos animais. Ainda assim, fornecemos quatro bolsas-auxílio em sistema de rodízio para 19 jangadeiros, verba de patrocínio repassada pela Prefeitura Municipal do Ipojuca.
Mantemos parceria com a Pastoral da Criança de Ipojuca, aqui em Porto de Galinhas, que monitora 90 crianças de zero a seis de idade acompanhando seu desenvolvimento e ganho de peso. O Projeto trabalha a comunidade carente, além das informações básicas sobre saúde, higiene, sexo e anticoncepção e educação ambiental, fornece o lanche do dia do peso para as 90 crianças. Possuímos também parceria com a Casa de Jesus (Instituição Espírita), onde a proposta é a montagem e manutenção de uma creche para as crianças carentes de nossa comunidade e geração de renda para os pais que confeccionam artesanatos vendidos no balcão do Projeto.
Tudo isso necessita apoio. Estamos abertos ao auxílio e patrocínio de empresas que queiram levar adiante a bandeira do cavalos-marinhos e tudo que se criou em volta dele.
O projeto que luta para salvar os
cavalos-marinhos do Brasil
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Silvestre Gorgulho, de Porto de Galinhas (texto e fotos)
Quando se fala em cavalos-marinhos, duas características vêm imediatamente à nossa mente: primeiro por serem um dos maiores atrativos dos aquários marinhos, pois além da beleza, eles são muito interessantes e têm a cabeça parecida com um cavalo; a segunda característica que é objeto de pergunta e da curiosidade das pessoas é que na verdade quem fica grávido é o macho. Mas atenção: ele é verdadeiramente ele e ela é verdadeiramente ela. Por quê? Simples, os cavalos-marinhos, como todos os peixes machos de sua família, ficam grávidos porque possuem na parte ventral da cauda uma bolsa incubadora onde são recolhidos os ovos da fêmea. O acasalamento dos cavalos-marinhos ocorre após uma dança nupcial, quando – no momento da cópula – a fêmea introduz o ovopositor no orifício da bolsa incubadora do macho e transfere para lá todos os ovos que produziu. O macho então libera seus espermatozóides dentro da bolsa e passa a ficar grávido, até concluir a evolução.
Como nascem?
Estando grávido, os embriões começam o desenvolvimento na bolsa incubadora do macho. Os estágios das larvas até o nascimento dos filhotinhos depende da temperatura da água e devem durar entre 12 e 21 dias. Nascem então os alevinos perfeitamente formados. Cada macho adulto pode incubar em sua bolsa cerca de 500 embriões, que ao nascerem são completamente independentes dos pais até para comer.
O que comem?
Os cavalos-marinhos são carnívoros, tanto em ambiente natural como em laboratório comem muito e sempre seu alimento deve ser constituído por presas vivas, em geral animais microscópicos: ratíferos, copépodas e náuplios de Artemia (crustáceos).
Summary | |
Hippocampus Project When one mentions seahorses, two things immediately come to mind: the first is that they are a major attraction at salt water aquariums not only because they are beautiful but also interesting with their horse shaped heads; the second reason that makes them the object of curiosity and questions is the fact that the male seahorse is the one who gets pregnant. But make no mistake, the male is truly male and the female is female. Why is this so? Just as all male fish of the same family, the males become pregnant because they have an incubating pouch located under the tail ventral, which collects the females eggs. Seahorses mate by first performing a type of ritual fertility dance, and when copulation takes place, the female introduces her ovipositor in the opening of the incubating pouch of the male and transfers her eggs. The male then releases his sperm within the pouch thereby becoming pregnant and gestating until they are ready to be hatched. What is born? What do they eat? Where do they live? How many species are there? Why the Hippocampus Project? |
Onde vivem?
No Brasil, os cavalos-marinhos habitam regiões estuarinas e águas costeiras de norte a sul, incluindo manguezais. Eles são animais de baixa mobilidade e podem ser encontrados com muita facilidade na maré baixa, agarrados à raízes dos mangues. Os manguezais têm uma importância ímpar na vida marinha, pois são os verdadeiros berçários da fauna dos mares.
Quantas espécies existem?
No mundo todo existem 33 espécies e no Brasil temos somente duas: Hippocampus reidi, o cavalo-marinho do focinho longo e o Hippocampus erectus, o cavalo-marinho do focinho curto. Os Hippocampus reidi, que são fontes de pesquisa no Projeto Hippocampus, em Porto de Galinhas, em Pernambuco, apresentam as mais variadas cores e tonalidades. Isso é explicado pelo fator genético, pois seus cromossomos carregam genes para expressar várias cores. Também o ambiente onde vivem determina muito as cores destes animais que costumam se confundir com algas e pedras para driblar seus predadores.
Manual de sobrevivência
Afrodisíaco?
Não existe nenhuma comprovação científica, mas a cultura popular diz que os cavalos-marinhos são bons para saúde humana, para curar unha encravada, câncer e muitas outras doenças.
E é aí que está o perigo, porque atraídos por estas fantasias farmacêuticas e pela fama de curadores, os cavalos-marinhos são caçados aos montes e vendidos como peças secas nos mercados pesqueiros por míseros R$ 5,00. Chegam a estar ameaçados de extinção. Evidente que além do comércio para remédios e simpatias, têm um outro comércio forte: peixes ornamentais para aquários. No exterior existem empresas fazendo o cultivo de cavalos-marinhos para venda como peixes ornamentais.
Aliado ao comércio desenfreado, existe uma outra grande preocupação: a degradação do ambiente, a poluição das áreas costeiras, o aterramento de mangues, a pesca predatória, tudo isso levou a espécie a entrar na lista dos animais ameaçados de extinção.
O que é o Hippocampus?
Quem explica é a bióloga Rosana Beatriz Silveira que coordena o projeto Hippocampus desde 1994, no Rio Grande do Sul. O projeto pesquisa a biologia dos cavalos-marinhos brasileiros em laboratório e em ambientes naturais para confecção de programas de manejo e repovoamento para as espécies. Há três anos, desde março de 2001, esse projeto foi transferido para o município de Ipojuca, em Pernambuco, e tem sua sede em Porto de Galinhas.
Manual de sobrevivência
E Rosana Beatriz Silveira deixa três lembretes importantes para quem quiser ajudar os cavalos-marinhos:
1 – Não comercialize, não compre e não use cavalos-marinhos como remédio e como decoração, pelo menos até que este animal sai da lista de espécies em extinção
2 – Cuide das águas estuarinas, dos manques e da água do mar. Eles precisam de muita qualidade de água para sobreviverem
3 – Não retire estes animais de seus habitats.
Entrevistas
MARCOS TERENA

De filho pródigo à liderança internacional, o índio, piloto e cacique Marcos Terena, tornou-se um líder respeitado e o ponto de equilíbrio entre autoridades brancas e os povos indígenas.



Entrevistas
Volney Garrafa – Entrevista sobre ética e transgênicos
Transgênicos: o nó não está na tecnologia, mas no seu controle

Transgênicos: o nó não está na tecnologia,
mas no seu controle
Uma coisa é certa: as mudanças genéticas possíveis – vegetais, animais e
humanas – já alteraram irreversivelmente o curso da história.
Silvestre Gorgulho, de Brasília
Na edição de abril, a Folha do Meio Ambiente fez uma longa matéria sobre os chçãoamados OGMs e transgênicos, mostrando justamente que a revolu causada por eles é irreversível. E mais: que eles são, sem dúvida, um dos principais e mais polêmicos assuntos do momento. A verdade é que a questão sobre os chaar algo sólido, verdadeiro e ao alcance de sua compreensão. E qual o desafio que se apresenta à sociedade do Século 21,mados OGMs e transgênicos divide cientistas, ambientalistas e, no meio do tiroteio, fica a opinião do consumidor, tentando agarr quando o mundo usufrui dos transgênicos de segunda geração e assiste à terceira revolução econômica mundial? Sim, porque, apesar da polêmica, um fato sobressai: a revolução provocada pelos OGMs e transgênicos é irreversível e está embutida num mundo de economia cada vez mais globalizada. Nesse quadro, qual o próximo passo? Evidente que o desafio maior fica na segurança e na certeza de que os transgênicos vão chegar apenas para fazer o bem.
O professor Volnei Garrafa, Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Bioética da Universidade de Brasília e Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, foi um dos primeiros no Brasil a se preocupar com os aspectos éticos da atividade científica voltada para a biologia, assunto que na Europa e nos Estados Unidos surgiu paralelamente com os questionamentos sobre a segurança dos inventos e descobertas na área da genética. Criaram-se neologismos para definir essas novas preocupações como biotecnologia. biossegurança e bioética. E foi com essa última que Volnei Garrafa se identificou. Nesta entrevista, ele analisa os conflitos gerados por essa revolução científica e explica até onde vai essa liberdade que está na dificuldade em trabalhar a relação entre a certeza do que é benéfico e a dúvida sobre os “limites”.
Inicialmente, professor, o que, exatamente, significa bioética?
Volnei Garrafa – Real-mente, é indispensável fazer um esclarecimento sobre o estatuto epistemológico da bioética, uma vez que grande parte daqueles que têm utilizado esta expressão no Brasil, o tem feito de forma errônea. A bioética não chegou pautada em proibições, limites ou vetos. E muito menos na necessidade imperiosa que muitos vêem de que tudo seja regulamentado, codificado, legalizado. Pelo contrário, baseada no respeito ao pluralismo moral, para ela o que vale é o desejo livre, soberano e consciente dos indivíduos e das sociedades humanas, desde que as decisões não invadam a liberdade e os direitos de outros indivíduos e de outras sociedades.
A modernidade da bioética está, exatamente, em libertar-se dos paternalismos que se confundem com beneficência. Historicamente, a humanidade vem carregando o peso do maniqueísmo entre o “certo” e o “errado”, entre o “bem” e o “mal”, entre o “justo” e o “injusto”. Para a bioética laica, o que é bem, certo ou justo para uma comunidade moral, pode não ser para outra, já que suas moralidades, ou costumes, podem ser diversas. Desta maneira, ao invés de pautar-se em proibições, vetos, limitações, normatizações ou mesmo em mandamentos, ela atua afirmativamente, de forma positiva. Para ela, portanto, a essência é a liberdade, porém com compromisso, com responsabilidade.
E quando a posição é inconciliável, como o caso do aborto?
VG – Bem, aí há que caracterizar-se por proceder à analise processual dos conflitos de modo a proporcionar – na medida do possível – a mediação e a solução pacífica das diferenças. Em situações nas quais “estranhos morais” cheguem a posições inconciliáveis no contexto de temas situados nas últimas fronteiras do diálogo, como é o caso do aborto e em alguns momentos o tema dos transgênicos. Nesses casos, provavelmente, durante um bom tempo estaremos trabalhando para a construção de um consenso universal. As únicas saídas parecem ser o diálogo e a tolerância, exercidos com responsabilidade.
A ciência tem que avançar. E como fica a vida humana?
VG – A ciência e a técnica não podem prescindir da ética.
Como aplicar a bioética no caso específico dos transgênicos?
VG – É impossível imaginar a atual estrutura biológica e societária como eterna e imutável. Como disse o rabino Henry Sobel na reunião do grupo de estudos sobre “bioética” desenvolvido durante o Encontro Internacional sobre Clonagem e Transgênicos promovido em Brasília pelo Senado Federal em junho de 1999: “a natureza é imperfeita, cria imperfeições biológicas nos campos vegetal, animal e humano. É papel da ciência, pois, consertar essas imperfeições”.
Um dos compromissos da ciência, portanto, é gestar o futuro, antecipando-se a ele por meio das descobertas que venham realmente proporcionar benefícios e segurança à espécie humana. A mutabi-lidade da sociedade e do mundo é uma certeza. A dúvida reside em estabelecer o limite ou ponto concreto até onde (e em que momento) os avanços da ciência devam acontecer.
Como o senhor vê a posição do Brasil face aos avanços científicos?
VG – Durante os Encontros Malraux, realizados em 1997, em Brasília, o francês Jacques Rigaud pronunciou as seguintes palavras , que talvez possam ajudar na nossa reflexão: “Nós marcamos um encontro com o Brasil e o Brasil faltou… outros chegaram. Nossa geração, nos anos 30, acostumou-se à idéia de que a América Latina e o Brasil eram a terra do futuro… amávamos tudo aqui. Mas o encontro não foi possível. Nós vos esperamos no século XXI”.
Realmente, no presente momento histórico, enfrentamos um paradoxo ético insustentável: ao mesmo tempo em que, por exemplo, hospitais dos centros desenvolvidos do país estão capacitados a realizar transplantes múltiplos de órgãos humanos, milhares de crianças e idosos morrem todos os anos completamente desassistidos nos campos e nas cidades.
Quanto aos transgênicos, podemos acreditar na ciência?
VG – Este parece-me um dos pontos mais cruciais a serem debatidos com a chegada dos transgênicos ao Brasil. Com tantos e tão agudos problemas remanescentes a resolver, não devemos abdicar ao futuro. Mas com que grau de certeza podemos acreditar na segurança que nos é oferecida por grandes empresas internacionais, que baseiam suas ações exclusivamente no lucro? E na ciência brasileira que, apesar de episódios pontuais de bravura, detém uma parcela de contribuição abaixo de 1% na produção mundial? Apesar do brilho inquestionável de algumas poucas estrelas nacionais e da luta diuturna de pesquisadores das nossas universidades e de algumas empresas públicas, em que pese seus magros recursos e salários, também nesse setor o Brasil é um país periférico e dependente. Já faz um bom tempo que ciência e tecnologia, juntamente com saúde e educação, não são prioridades brasileiras, seja no campo político ou orçamentário. As palavras de segurança, no que se refere ao plantio e ao consumo de transgênicos, são provenientes de alguns setores acadêmicos brasileiros. Portanto, apesar de singelas e provavelmente sinceras, são frágeis, inconsistentes no sentido de pensamento próprio. E, por isso mesmo, merecem ser consideradas com evidentes reservas.
E o futuro?
VG – A ciência tem que avançar. Mas é bom perguntar: a quanto chegará o preço da vida humana? Não se pode prever. A questão é como a maior parte dos habitantes do planeta vão ter condições de acesso aos benefícios dos avanços da ciência e, assim, prolongar e melhorar a qualidade de suas vidas. Mas a ciência precisa continuar avançando, com criatividade, prudência e sob controle.
Summary
Transgenic Products: the issue is not in the technology, but in its control
One thing is certain: the possible genetic changes – in vegetal, animal and human life forms – have already irreversibly modified the course of History.
In the April edition, the Folha do Meio shared a long article on the MGOs and transgenic products, showing that the revolution caused by them is irreversible. And more: that they are, without a doubt, one of the main and more controversial topics of the moment. The truth is that the issue on the MGOs and transgenic products divides scientists, environmentalists and, somewhere in this mess, is the opinion of the consumer, trying to grasp something solid, true and within the reach of his knowledge. So which is the challenge that is presented to 21st Century society, when the world makes use of second-generation transgenic products and attends the third world economic revolution? Because, despite the controversy, a fact clearly appears: the revolution provoked by the MGOs and transgenic products is irreversible and is inlaid in an economy world that further globalizes by the minute. In this context, which is the next step? Evidently the biggest challenge is in the security and the certainty that transgenic products will arrive only to perform good deeds.
Professor Volney Garrafa, Coordinator of the Study and Research Center in Bioethics of the University of Brasilia and Vice-president of the Brazilian Bioethics Society, was one of the first people in Brazil to worry about the ethical aspects of the scientific activity regarding biology, a matter that appeared simultaneously in Europe and the United States with the questionings on the security of inventions and discoveries in the field of genetic research. Neologisms were created to define these new concerns such as biotecnology. biosecurity and bioethics. Volney Garrafa has been working mostly on the last one in the list: bioethics. In this interview, he analyzes the conflicts generated by this scientific revolution and explains up to where this freedom can go that is in the difficulty in working the relation between the certainty of what is beneficial and the doubt on the ” limits “.
It is indispensable to make a clear statement on the epistemologic laws of bioethics, since most people that have used this expression in Brazil, used it incorrectly. The bioethics was not brought up surrounded by prohibitions, limits or vetoes. And even less in the imperious necessity that many people feel in regulating, codifying and legalizing everything. Actually, it is based on the respect to moral pluralism, valuing the free, sovereign and conscientious desire of individuals and human societies, as long as the decisions do not invade the freedom and the rights of other individuals and other societies.
The modern aspect of bioethics is, accurately, in freeing itself from the paternal control that is mistaken by charity. Historicaly, humanity has carried the burden of believing in the eternal fight between ” right ” and ” wrong ” , between ” good ” and ” evil “, between ” justice ” and ” injustice ,”. For the secular bioethics, what is good, right or fair for a moral community, may not be for another community, since their moralities, or customs, can be diverse. This way, instead of being caged by prohibitions, vetoes, limitations, procedures or even laws, it acts affirmatively, in a positive manner. For it, therefore, the essence is freedom itself, nonetheless with commitment and responsibility.
Entrevistas
José Carlos Carvalho – Entrevista sobre Reforma Tributária
Novo ministro do MMA pede política tributária e de crédito para meio ambiente

Meio Ambiente e a reforma tributária
Por que não existe dinheiro para plantar árvores
na sistemática de crédito rural?
Silvestre Gorgulho, de Brasília
![]() “Precisamos ter uma tributação mais favorável para as atividades econômicas que usam de forma sustentada os recursos naturais, em detrimento daquelas que ainda trabalham com o uso predatório desses recursos.” |
Um profissional do meio ambiente. Conciliador, duro quando é para defender a política ambiental e estudioso das questões que envolvem natureza, o novo ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, já é por demais conhecido: foi diretor do IBDF, ajudou a fundar o Ibama, foi presidente do Instituto Estadual de Floresta de Minas, foi o primeiro Secretário do Meio Ambiente de Minas Gerais e é um interlocutor seguro das causas ambientais. Seu pensamento é claro: a política ambiental tem que envolver o pobre; os avanços já foram muitos, mas temos desafios fantásticos ainda pela frente, pois muitos problemas só serão resolvidos com a adesão total da sociedade; a fiscalização e controle são peças importantes, mas não é tudo, pois veja o caso das “Pet” – temos que estimular a indústria de reciclagem que hoje paga 30% mais imposto que a indústria que opera com matéria virgem; para ter desenvolvimento sustentável temos que fazer mudanças na política tributária e de crédito… O novo ministro do Meio Ambiente – meio capixaba, meio mineiro – sabe das coisas, quer mudar para melhorar e, sobretudo, sabe onde quer chegar. Por esta entrevista, o leitor vai perceber o alcance de suas palavras.
O Brasil esgotou todos os mecanismos de comando e de controle do Estado para a política ambiental?
Ministro – Na minha avaliação, praticamente sim. Eu não afirmaria categoricamente que esgotou, porque ainda temos um déficit operacional para implementar as ações de controle e de fiscalização. Mas no plano político legal, essa questão parece bem resolvida, porque o Brasil deste a Constituição de 1988, e com a legislação ordinária que se seguiu, desenhou um arcabouço legal, extraordinariamente bem articulado, sendo um dos mais avançados do mundo em matéria de proteção ao meio ambiente. Isso começa com o capítulo de meio ambiente da Constituição, no reforço aos mecanismos de licenciamento ambiental, depois com a legislação infraconstitucional, culminando com a Lei de Crimes Ambientais. O Brasil é uma das poucas nações do mundo a criminalizar o dano ambiental. Desse modo, nós chegamos ao ponto máximo daquilo que poderíamos chegar no plano legal para trabalhar com mecanismos de comando e controle. É evidente que, a despeito do grande avanço que tivemos no plano institucional, tanto por parte do Governo Federal, como dos órgãos estaduais de meio ambiente, nossa capacidade operacional para aplicar essa formidável legislação ainda é deficitária. É preciso melhorar esse quesito, especialmente na fiscalização. Agora temos que começar uma nova etapa da política ambiental. Se os mecanismos de comando e controle são absolutamente necessários, em face da realidade brasileira, eles não são suficientes para promover o uso sustentável dos recursos naturais, que é o objetivo prioritário da política ambiental que o País adotou. Temos, portanto, que avaliar os instrumentos econômicos aplicados à gestão do meio ambiente, como a cobrança pelo uso das águas, já prevista na lei nacional de gerenciamento de recursos hídricos.
Essas mudanças econômicas incluiriam, por exemplo, a mudança da política tributária? O Ministério da Fazenda poderia tornar-se parceiro nesse processo?
Ministro – Eu tenho certeza que o Ministério da Fazenda será nosso parceiro, sobretudo pela percepção que o ministro Malan tem sobre esses temas. Temos tido oportunidade de conversar. Há um entendimento claro de que alguns importantes instrumentos de política econômica foram desenhados numa época em que a questão ambiental não tinha a importância que tem hoje. É evidente que, nesse processo, vamos ter, como já conseguimos fazer com a questão da cobrança pelo uso da água, uma parceria com a equipe econômica. Isso significa utilizar mecanismos da política tributária, de tal maneira que se possa ter uma tributação mais favorável para as atividades econômicas que usam de forma sustentada os recursos naturais, em detrimento daquelas que ainda trabalham com o uso predatório desses recursos. Isso implica utilizar também a política creditícia, principalmente as políticas de crédito destinadas às atividades rurais, um campo em que se pode atuar muito para melhorar os padrões de qualidade ambiental no Brasil.
O crédito rural pode e deve ser orientado para a proteção ao meio ambiente. Se, por exemplo, a implantação de um projeto agrícola exigir um desmatamento, o crédito financia essa operação de desmatamento. Mas se alguém vai a um banco pedir dinheiro para plantar árvores, não vai conseguir, pois essa operação não está prevista na sistemática do crédito rural. Acho, portanto, imprescindível que se faça esse redirecionamento, até como forma de reduzir as tensões no campo.
O programa ICMS-Ecológico, desenvolvido com grande sucesso onde foi implantado, tem chances de transformar-se em um programa nacional?
Ministro – Um dos pontos de nossa agenda de discussão com a equipe econômica é essa, que terá de ser travada no âmbito do Confaz, o Conselho de Política Fazendária que reúne todos os secretários de Fazenda dos Estados. O ICMS, como se sabe, tem uma administração compartilhada pelo Confaz, mas os estados podem livremente dispor sobre 25% desse tributo. Essa idéia de utilizar o ICMS como forma de estimular as ações ambientais, já foi adotada em Minas, no Paraná, em São Paulo e Pernambuco. Outros estados estão discutindo o assunto, como Rio de Janeiro, Espírito Santo, Mato Grosso e Bahia.
Como o senhor imagina uma política de incentivos à reciclagem e à reutilização dos materiais?
Ministro – Esse é um tema fundamental para a economia brasileira. Seja pelas próprias especificidades de nossa economia, sobretudo no segmento da economia de transformação, que se dedica a transformar recursos naturais em matérias primas. Aí temos um espaço amplo para operar no âmbito tributário. Além disso, nossa economia modernizou-se, especialmente face ao processo acelerado de urbanização da sociedade. E aí entra a outra questão, que é a grande produção de resíduos gerados por essa nova dinâmica da organização da sociedade brasileira. Temos que trabalhar intensamente o reuso e a reciclagem, o que implica políticas de comando e controle associadas a instrumentos econômicos. Porém é indispensável um grande programa de educação ambiental, para mudar o comportamento da sociedade e dos cidadãos, no sentido da plena aceitação da reciclagem e do reuso. Ou seja, não adianta o governo viabilizar recursos para ter um aterro sanitário em cada cidade brasileira, com padrão de primeiro mundo, se a sociedade continuar jogando lixo na rua. É indispensável que se utilize uma gestão integrada, combinando mecanismos de comando e controle, com instrumentos econômicos e uma educação ambiental. No caso do lixo isso é extremamente evidente.
E em relação ao saneamento?
Ministro – Em relação ao saneamento, destaco uma experiência nova e embrionária com a Agência Nacional de Águas, relacionada à utilização da água que, à medida em que ela for se consolidando e ganhando visibilidade, vai ajudar a mudar as políticas de saneamento no Brasil. Tradicionalmente, as políticas de saneamento no Brasil seguiram uma filosofia que eu chamo de obreirista. Só se financia obras de saneamento. Queremos mudar isso, e colocar o foco na qualidade da água. Este ano a agência vai aplicar mais de 100 milhões de reais na chamada compra de esgoto tratado. Ou seja, estaremos contratando metas de qualidade. O concessionário do esgoto, seja público ou privado, lança o esgoto in natura, e você vai contratar a qualidade desejada, ou seja, ele terá acesso ao crédito, desde que lance o esgoto dentro dos padrões definidos pelos órgãos ambientais. Com isso, pensamos numa mudança total na cultura, sobretudo do setor público, com ganhos para a sociedade.
![]() “Não adianta o governo viabilizar recursos para ter um aterro sanitário em cada cidade brasileira, com padrão de primeiro mundo, se a sociedade continuar jogando lixo na rua.” |
Qual o papel do ambientalista Fábio Feldmann, que acaba de ser designado para trabalhar junto ao presidente da República? Haverá algum choque com as atribuições do MMA?
Ministro – Não. O presidente designou o Fábio, por meio de um decreto, Coordenador da Rio + 10. Não tem nada a ver com a gestão do meio ambiente. Ele vai coordenar a participação do governo brasileiro na cúpula do desenvolvimento sustentável e não apenas de meio ambiente. A Rio + 10 permeia as várias estruturas do governo. E por isso, o presidente escolheu o Fábio para ser o seu articulador oficial, junto aos diversos segmentos envolvidos.
Como a Rio+10 será uma reunião de avaliação e não deliberativa, e como pouco se avançou em matéria de cumprimento da Agenda 21 nos últimos dez anos, há o risco do evento esvaziar-se?
Ministro – Sim, o risco do esvaziamento existe. De fato, é uma reunião mais voltada a avaliar os instrumentos que foram propostos no Rio de Janeiro. Mas o risco também existe em virtude da situação mundial. Vivemos um momento complicado no plano internacional, desde o 11 de setembro. Mas, por outro lado, acho que ficou evidente, sobretudo após os atentados nos Estados Unidos, que o mundo não resolve seus problemas sem solidariedade. Não há a menor chance de resolver os problemas com propostas de unilateralismo nas relações internacionais. Creio que essa percepção tende a fortalecer Johannesburgo, ou seja, que é fundamental construir uma solidariedade internacional para enfrentar os problemas que têm dimensão internacional, seja o terrorismo, seja a pobreza, seja o meio ambiente. Considero também que a questão da pobreza deverá ser muito discutida durante a Rio + 10. Ninguém pode dizer que isso não é importante. Porém não podemos ir a Johannesburgo para discutir só pobreza e deixar de lado o questionamento sobre os padrões de produção e de consumo dos países industrializados, que têm um impacto muito maior sobre o meio ambiente global. Não podemos deixar de lado, por exemplo, as emissões, a decisão dos Estados Unidos de não aderir à Convenção sobre a Mudança do Clima e de não aderir ao Protocolo de Kyoto. Entendo que a discussão de temas como esses ajudará a evitar o esvaziamento de Johannesburgo.
Entende-se que a posição brasileira continua sendo de forte apoio ao Protocolo de Kyoto. Mas estamos aguardando ainda uma reação do governo brasileiro à proposta alternativa do presidente Bush. Ela virá?
Ministro – Se a proposta do presidente Bush tem algum mérito, é apenas de romper o imobilismo do governo americano. Mas no mérito ela é absolutamente insatisfatória. É uma proposta de não fazer. Essa é a visão do Ministério do Meio Ambiente. A proposta americana é insatisfatória, sobretudo considerando que os Estados Unidos são responsáveis pela emissão de 25% dos gases poluentes do planeta.
Há recursos suficientes este ano para tocar o projeto de revitalização da Bacia do São Francisco?
Ministro – Nós temos um plano plurianual de recuperação do rio São Francisco previsto para ser executado em dez anos, com investimentos de um bilhão de reais. O ano passado, de transferências federais nós liberamos 70 milhões de reais que chegou a quase 100 milhões de reais com as contrapartidas dos estados e municípios. Este ano nós temos recursos orçamentários para repetir os investimentos de 2001. A idéia é que se possa manter esse patamar de investimentos, de tal maneira que se possa chegar ao fim dos próximos dez anos com as metas alcançadas. Essas metas contemplam a extinção completa dos lixões na calha principal do rio, com toda a destinação final adequada do lixo; queremos que o esgoto esteja tratado nos municípios próximos à calha principal e dos principais afluentes e queremos que estejam recuperadas as principais nascentes e mananciais, sobretudo no alto curso do rio, além de outras iniciativas previstas, como a biodiversidade, a implantação dos parques, a educação ambiental e o fortalecimento da capacidade de fiscalização. Porém nossas três metas fundamentais são: a recuperação das áreas degradadas, com prioridade para as nascentes e mananciais do alto curso do rio; a solução do problema do lixo e o tratamento do esgoto.
Está em tramitação no Congresso um projeto que cria um fundo destinado a investir em programas de combate à desertificação. Esse fundo teria 5% dos recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente. Qual a posição do Ministério?
Ministro – Essa é uma questão que nós estamos examinando, porque o Fundo Nacional do Meio Ambiente tem uma missão específica. Ele já opera com recursos escassos, de maneira que a questão ainda está em aberto para nós. De repente, esses fundos podem operar de maneira articulada. Eu também não quero entrar numa disputa hegemônica. Se, de repente, é mais fácil ter uma ação conduzida pelo Ministério da Fazenda, isso em nada me incomoda, desde que ela resulte em efetiva melhoria para o meio ambiente. Aliás, essa é uma questão que tem de ser bem avaliada, porque meio ambiente permeia todas as políticas. Você não pode cair naquela visão curta de achar que, porque o País criou um Ministério do Meio Ambiente, todos os demais ministérios estão desobrigados de cooperar na questão ambiental. Isso é um equívoco que explica essa disputa hegemônica da burocracia.O fato de existir o MMA não desobriga os demais ministérios da responsabilidade de proteger o meio ambiente. De fato, o Ministério do Meio Ambiente é apenas o ministério matricial. Todos os demais órgãos do governo têm claras responsabilidades na questão ambiental.
Como o MMA avalia, do ponto de vista ambiental, as iniciativas em curso no Congresso, visando a redivisão territorial na Amazônia?
Ministro – Do ponto de vista ambiental, é fundamental reforçar o Estado brasileiro na Amazônia. Não tenho informação suficiente para dizer se esse reforço pressupõe a criação de territórios federais. Mas se for considerado que a criação dos territórios é indispensável a esse reforço, certamente temos de apoiá-la.
Criar o território apenas por criar o território, sem essa consideração de que é preciso fortalecer o Estado brasileiro, por meio das instituições que podem ajudar a promover o desenvolvimento sustentável na Amazônia, não é aconselhável. Isso significa que você tem que ter um Ibama e uma Funai mais fortes na Amazônia.
A propósito, considero que o presidente Fernando Henrique acaba de dar um passo importante para o fortalecimento da Amazônia, que é a extinção da Sudam e sua substituição por uma agência de fomento, e a criação de um novo fundo de desenvolvimento da Amazônia, em substituição ao antigo sistema de incentivos fiscais.
Essas instituições foram criadas nos anos 60, quando não havia nenhuma preocupação ambiental. Agora, com os novos instrumentos, temos a oportunidade de reorientar toda essa atividade na Amazônia, no sentido de privilegiar as ações ambientais e de desenvolvimento sustentável da região.
Isso é muito mais importante para a Amazônia do que, por exemplo, contratar mais três mil fiscais do Ibama para atuar na região.
Existe algum programa no sentido de estimular a recuperação de áreas degradadas?
Ministro – Estamos elaborando um grande programa de recuperação de áreas degradadas na Mata Atlântica, com recursos do Pronaf, voltados principalmente para a agricultura familiar. Isso pode marcar uma diferença importante.
Até agora, todas as ações da política ambiental brasileira foram no sentido de evitar que o passivo ambiental aumentasse. Isso é o que fazem as políticas de comando e controle. Elas não têm nenhum instrumento para recuperar o passivo que já foi gerado. No nosso caso, é um passivo que já tem 500 anos. Não é uma coisa de ontem. Vamos usar recursos do Pronaf para estimular a recuperação de áreas degradadas, a silvicultura econômica, em que o plantio de madeira pode significar uma fonte adicional de emprego e de renda para a agricultura familiar, e também a silvicultura ecológica voltada para a recuperação das matas ciliares, das áreas de lençol freático, combinando o Pronaf, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Programa Nacional de Florestas do MMA, e as linhas de crédito fornecidas pelo Ministério da Fazenda e o Banco Central.
A idéia é lançar esse programa ainda este ano, inicialmente na Mata Atlântica, por se tratar de nosso bioma mais devastado. Todos os biomas merecem um programa de recuperação, inclusive o cerrado, que certamente será atendido no tempo devido, mas é preciso ter uma prioridade, e esta é, no momento, a Mata Atlântica.
O Projeto Sivam vai começar a operar. Há alguma preocupação do governo em relação a disponibilização dos dados levantados na Amazônia?
Ministro – Recentemente o presidente Fernando Henrique convocou uma reunião para discutir o arranjo institucional do Projeto Sivam nesta reta final, tendo em vista que, dentro de 90 dias ele já começa a entrar na fase operacional.
O governo está se mobilizando para definir a melhor forma para a fase de operação do projeto. Em relação às informações, devo dizer que o projeto tem duas vertentes: uma é militar, que terá de ser tratada como manda os regulamentos militares, com as cautelas e os cuidados necessários. As informações de natureza militar têm que ser tratadas como tal. A outra vertente do Projeto Sivam é o levantamento de dados e informações envolvendo a gestão ambiental e a gestão do território. Essas informações devem estar absolutamente disponíveis para o amplo conhecimento da sociedade.
Que conselhos relativos ao meio ambiente o senhor daria aos formuladores dos programas dos candidatos presidenciais?
Ministro – Como mencionei anteriormente, com a parte da legislação praticamente completa, é preciso partir para a operacionalização desse aparato legal, por exemplo, aumentando a fiscalização e adotando uma integração da política ambiental com as políticas econômicas. Mas é indispensável mudar os principais instrumentos da política de desenvolvimento do Brasil, do contrário, de nada adiantará mais fiscalização, que acabará sendo anulada pelas deformações das políticas públicas. Precisamos completar o esforço da fiscalização – e estamos fazendo isso agora, com a autorização para realizar um novo concurso no Ibama.
Agora vejam: temos mais de cinco mil fiscais de meio ambiente atuando no Brasil, mas a fiscalização é apenas parte do problema, juntamente com a mudança das políticas públicas. O crucial, no entanto, é mudar a mentalidade, a cultura do povo, a atitude do cidadão.
Eu costumo dizer que, por trás de um grande problema ambiental você tem um problema econômico e um problema cultural. Você pode ter investimento, pode ter tecnologia apropriada, mas o cidadão não participa, pois está absorvido por uma cultura de inesgotabilidade dos recursos, provinda, sobretudo da enorme extensão territorial do País e de seus imensos recursos naturais. É uma cultura que leva ao desperdício.
Romper com essa cultura é indispensável para a adoção de uma política de desenvolvimento sustentável para o País. E aí talvez a crise energética tenha nos dado a melhor de todas as lições. Aliás, antes de ser uma crise energética, ela foi uma crise ambiental, pois se tratava de escassez de água para gerar as turbinas das hidrelétricas.
Pela primeira vez, a sociedade brasileira lidou com a escassez, e percebeu que fazia uso perdulário da energia. Estávamos diante de duas opções: ir para o apagão, que poderia ser de até oito horas diárias, ou fazer um esforço para aderir ao racionamento. A sociedade, de forma madura, optou pela segunda alternativa. E tanto gostou, que continuou economizando, mesmo depois da suspensão do racionamento.
Mas as eleições estão aí. Que conselhos o senhor daria a candidatos e eleitores?
Ministro – O próprio cronograma eleitoral faz com que os candidatos, neste momento, estejam em fase de articulação de suas candidaturas. Só agora os candidatos estão trabalhando as suas propostas de governo.
Eu acho que é preciso aguardar essas propostas, para saber como cada candidato vai lidar com a questão do meio ambiente. Mas para mim é absolutamente claro que não há como tratar uma proposta séria para o Brasil hoje, sem entrar no debate da questão ambiental. Seja no que diz respeito ao meio ambiente urbano, seja com os problemas que acumulamos ao longo da existência do Brasil, como a poluição dos rios e das bacias hidrográficas, a falta de disposição adequada de lixo urbano, a questão da Amazônia, que é uma questão estratégica para nós.
É fundamental que o Brasil reafirme sua soberania sobre a Amazônia, demonstrando que o governo e a sociedade têm capacidade para proteger o imenso patrimônio natural da Amazônia. Isso, seguramente irá fazer parte das propostas dos candidatos.
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