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Parque indígena do Xingu o milagre da preservação

O Parque Indígena do Xingu é a maior reserva do gênero no Planeta. Uma “ocupação imemorial e contínua por povos originários”.

 

Milagres acontecem. O Parque Indígena do Xingu é um milagre dos homens de bem e dos deuses da floresta. E o milagre é ainda maior por ele ter resistido ao tempo e se transformado na primeira grande área indígena multiétnica reconhecida e demarcada do Brasil. É a maior reserva do gênero no planeta. O Parque foi idealizado pelos irmãos Villas-Bôas (Orlando, Cláudio e Leonardo) e criado em 1961 pelo então presidente Jânio Quadros. Sua criação, na época, teve como motivação tanto a proteção das paisagens florestais quanto a proteção das populações indígenas que habitavam a região. Com 2,6 milhões de hectares o Parque abriga hoje 16 povos que falam diferentes línguas.

 

PRIMEIRA EXPEDIÇÃO E A CRIAÇÃO DO PARQUE

 

Índios kuikuro recebem roupas por ocasião do contato com a expedição Roncador-Xingu, dos irmãos Villas Bôas. Foto: Acervo Museu do Índio, década de 50.

 

HISTÓRICO – Segundo registros do Serviço de Proteção aos Índios (hoje a Funai) os índios que habitam o Parque Indígena do Xingu possuem um histórico do contato com a sociedade não-indígena peculiar em relação à maioria dos outros índios no Brasil, uma vez que tiveram como principal agente mediador do contato um etnólogo Karl von den Steinen. Os primeiros contatos não se deram improvisadamente por bandeirantes, fazendeiros, garimpeiros ou missionários.

 

Karl von den Steinen foi um médico, explorador, etnólogo e antropólogo alemão. Pesquisador da Universidade de Berlim. Em 1884, com alguns auxiliares, partiu de Cuiabá, desceu pelo Rio Xingu da nascente até a foz, indo até o Pará. Steinen faleeu em novembro de 1929.

 

Foram as duas expedições do etnólogo alemão Karl von den Steinen, de 1884 e 1887, que deram aos brancos o conhecimento da existência dos povos indígenas dessa região. Partindo de Cuiabá e atravessando o rio Paranatinga, no divisor de águas Xingu-Tapajós, a equipe alcançou os Baikairi de Paranatinga e manteve breve contato com os Suyá na primeira viagem. Na segunda, subiu o Kurisevo e deteve-se entre os povos do Alto Xingu.

Depois de von den Stein, sucederam-se visitantes à região, como Hermann Meyer (que publicou escritos sobre a viagem em 1897, 1898, 1900), Hintermann (1925), Petrillo (1932) e Max Schmidt (1942). Tais expedições estimularam a procura por instrumentos de metal (como facas, tesouras, machados) e a disseminação de doenças contagiosas entre os índios.

 

EXPEDIÇÃO RONCADOR

A MARCA PARA O OESTE

Até a década de 1940, a ocupação das regiões Norte e Centro-Oeste – já habitadas por povos indígenas – constituía um desafio para o governo central. Mapear e colonizar essas regiões, reeditando a empreitada dos bandeirantes nos séculos XVII e XVIII, era um dos objetivos do Estado Novo (1937-1945), instaurado por Getúlio Vargas.

Em 1945, Orlando Villas-Bôas e os irmãos Leonardo e Cláudio assmiram a liderança da Expedição Roncador-Xingu.

 

O projeto de interiorização do desenvolvimento, que se denominou Marcha para o Oeste, pretendia criar novas vias de comunicação, abrir campos de pouso e fixar núcleos populacionais. Paralelamente, havia a motivação de preencher os vazios demográficos, que – segundo a doutrina do “espaço vital”, difundida pelo nazismo – poderiam servir aos países europeus para o assentamento de seus excedentes populacionais.

Gerenciada pela Fundação Brasil Central, a Expedição Roncador-Xingu representou a principal frente do projeto e seu objetivo – na etapa inicial – era alcançar a Serra do Roncador (Mato Grosso) e os formadores do rio Xingu. Em 1943, uma composição férrea com 19 vagões, que comportavam uma colossal carga, além do pessoal efetivo, transportou a expedição de São Paulo até Uberlândia (MG). O trecho seguinte, com 900 quilômetros, foi feito em caminhões e outros veículos de transporte, que se deslocaram por precárias estradas de terra até Aragarças, às margens do rio Araguaia. Nesse ponto, foi instalada a primeira base de operações, com edificações para os serviços e alojamentos. Feita a transposição do rio, a expedição avançou 150 quilômetros, desbravando trilhas com o auxílio de muares, até alcançar – em meados de 1945 – o rio das Mortes e as primeiras elevações da Serra do Roncador. Embora a Força Aérea Brasileira provesse os serviços de retaguarda, o grupo de expedicionários enfrentava condições difíceis devido ao suprimento irregular de víveres e medicamentos, à malária e à hostilidade dos índios Xavante. Em 1946, os irmãos Villas Bôas – que passaram a liderar a expedição – atingem as cabeceiras do rio Xingu e estabelecem contato amistoso com os povos indígenas, debilitados por epidemias e pela alta mortalidade infantil.

Em sua rota, a expedição abriu 1.500 quilômetros de trilhas, construiu 19 campos de pouso, instalou três bases operacionais e fixou mais de 40 núcleos de povoamento.

 

O presidente Jânio Quadros, mato-grossense, decreta a criação do Parque Nacional do Xingu, no nordeste de Mato Grosso, na parte sul da Amazônia. O PIX está totalmente inserido na bacia do rio Xingu. A decisão é uma vitória de indigenistas e antropólogos pela demarcação de uma área de proteção indígena e ambiental capaz de deter a redução da população local, vitimada pela violência e pelas doenças trazidas por colonizadores.

 

QUANDO O SUPREMO ENTROU EM AÇÃO

 

A existência do Xingu era ameaçada por uma ação aberta havia mais de 30 anos pelo Mato Grosso, que processou a União e a Funai (Fundação Nacional do Índio) em busca de indenizações. Se o processo fosse aceito e as indenizações pagas, seria meio caminho andado para que questionassem as próprias dimensões do parque do Xingu. Em 2017, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, por 7 votos a 0, que toda a área que compõe o Parque Indígena do Xingu é, comprovadamente, de “ocupação imemorial e contínua por povos originários”, não cabendo assim indenização ao Estado em decorrência da criação da área de proteção.

 

O plenário do STF decidiu, por 7 votos a 0, que toda a área que compõe o Parque Indígena do Xingu é, comprovadamente, de “ocupação imemorial e contínua por povos originários”. Foto: Nelson Jr.

 

Mato Grosso afirmava na ação que teriam sido incluídas “ilicitamente” terras no perímetro do parque, já que algumas áreas na época não eram ocupadas por indígenas e seriam de posse do Mato Grosso. “Nos termos da Constituição Federal de 1946, vigente à época da criação do ‘Parque Nacional do Xingu’, a localização permanente era condição ‘sine qua non’ para a proteção da posse das terras onde se encontrassem silvícolas”, argumentou o Estado na ação.

Mas foi exatamente essa a estratégia dos irmãos Villas-Bôas na época: quando o presidente Jânio Quadros assinou o decreto autorizando a criação do parque, os Villas-Bôas deslocaram aldeias inteiras para a porção norte do Mato Grosso populações indígenas não-originárias do Alto Xingu (Ikpeng, Kaiabi, Kisêdiê, Tapayuna e Yudja). A ideia era povoar o parque e proteger o maior número possível de índios antes que o governo resolvesse voltar atrás.

 

VOTO DO MINISTRO MARCO AURÉLIO MELLO

“Documentos históricos e diversos estudos comprovam a existência do parque do Xingu desde épocas imemoriais, mesmo antes do decreto que o criou formalmente”, disse o ministro Marco Aurélio Mello, relator da ação. Ele também citou o laudo da perícia histórico-antropológica elabora por Rinaldo Sérgio Vieira Arruda, da UNASUS/Unifesp, que aponta que a primeira notícia referente à existência de índios Paresi (ou Parecis) na região “data de 1553, quando o soldado português Antônio Rodrigues subiu o rio Paraguai”.

Mesmo afirmando ser contrário à indenização, o ministro Gilmar Mendes, notório campeão em suspender homologações de terras indígenas, ironizou que, a se considerar a ocupação imemorial, “até a praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, deveria ser devolvida aos índios”

Sete dos oito ministros do STF presentes à sessão – Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Cármen Lúcia – negaram a indenização ao governo matogrossense no caso do Parque Indígena do Xingu e obrigaram o Estado a arcar com os custos do processo, avaliados em 100 mil reais.

 

NAMBIKWÁRA E PARECIS

A decisão do STF abrange também as Reservas Indígenas Nambikwára e Parecis, criadas em 1968, por decreto de Costa e Silva, que eram objeto da mesma contestação por parte do Mato Grosso, numa segunda ação conexa também julgada nesta quarta-feira. Segundo a AGU, a decisão evita um prejuízo de 2,1 bilhões de reais aos cofres da União.

 

ETNIAS E LÍNGUAS do PARQUE DO XINGU

ETNIAS:

Aweti, Ikpeng, Kaiabi, Kalapalo, Kamuiurá, Kisêdjê, Kuikuro, Matipu, Mehinako, Nahukwá, Naruvotu, Waujá, Tapayuna, Trumai, Yudja, Yawalapiti.

LÍNGUAS:

Kamaiurá e Kaiabi (família Tupi-Guarani, tronco Tupí); Yudja (família Juruna, tronco Tupí); Aweti (família Aweti, tronco Tupi); Mehinako, Wauja e Yawalapiti (família Aruák); Kalapalo, Ikpeng, Kuikuro, Matipu, Nahukwá e Naruvotu (família Karíb); Kĩsêdjê e Tapayuna (família Jê, tronco Macro-Jê); Trumai (língua isolada).

 

 

 

 

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Dia Mundial da Água

Cerrado pode perder quase 34% da água até 2050

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Cenário considera impacto do ritmo de exploração agropecuária no bioma

 

O Cerrado pode perder 33,9% dos fluxos dos rios até 2050, caso o ritmo da exploração agropecuária permaneça com os níveis atuais. Diante da situação, autoridades e especialistas devem dedicar a mesma atenção que reservam à Amazônia, uma vez que um bioma inexiste sem o outro. O alerta para situação é do fundador e diretor executivo do Instituto Cerrados, Yuri Botelho Salmona. Nesta terça-feira (22), é celebrado o Dia Mundial da Água, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Salmona mensurou o efeito da apropriação da terra para monoculturas e pasto, que resultou em artigo publicado na revista científica internacional Sustainability. A pesquisa contou com o apoio do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).

Ao todo, foram analisadas 81 bacias hidrográficas do Cerrado, no período entre 1985 e 2022. Segundo o levantamento, a diminuição da vazão foi constatada em 88% delas em virtude do avanço da agropecuária.

A pesquisa indica que o cultivo de soja, milho e algodão, assim como a pecuária, têm influenciado o ciclo hidrológico. O estudo também evidencia que mudanças do uso do solo provocam a redução da água em 56% dos casos. O restante (44%) está associado a mudanças climáticas.

“Quando eu falo de mudança de uso de solo, a gente está, no final das contas, falando de desmatamento e o que você coloca em cima, depois que você desmata”, disse Saloma, em entrevista à Agência Brasil. Segundo o pesquisador, o oeste da Bahia é um dos locais onde o cenário tem mais se agravado.

Quanto às consequências climáticas, o pesquisador explica que se acentua a chamada evapotranspiração potencial. Salmona explicou ainda que esse é o estudo com maior amplitude já realizado sobre os rios do Cerrado.

“O que está aumentando é a radiação solar. Está ficando mais quente. Você tem mais incidência, está ficando mais quente e você tem maior evaporação do vapor, da água, e é aí em que a mudança climática está atuando, muito claramente, de forma generalizada, no Cerrado. Em algumas regiões, mais fortes, como o Maranhão, Piauí e o oeste da Bahia, mas é geral”, detalhou.

Chuvas

Outro fator que tem sofrido alterações é o padrão de chuvas. Conforme enfatizou Salmona, o que se observa não é necessariamente um menor nível pluviométrico.

“A gente viu que lugares onde está chovendo menos não é a regra, é a exceção. O que está acontecendo muito é a diminuição dos períodos de chuva. O mesmo volume de água que antes caía em quatro, cinco meses está caindo em dois, três. Com isso, você tem uma menor capacidade de filtrar essa água para um solo profundo e ele ficar disponível em um período seco”, comentou.

Uma das razões que explica o efeito de reação em cadeia ao se desmatar o cerrado está no fato de que a vegetação do bioma tem raízes que se parecem com buchas de banho, ou seja, capazes de armazenar água. É isso que permite, nos meses de estiagem, que a água retida no solo vaze pelos rios. Segundo o pesquisador, em torno de 80% a 90% da água dos rios do bioma tem como origem a água subterrânea.

Edição: Heloisa Cristaldo

EBC

 

 

 

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VENTO DA ARTE NOS CORREDORES DA ENGENHARIA

Lá se vão 9 anos. Março de 2014.

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No dia 19 de março, quando o Sinduscon – Sindicato das Indústrias da Construção Civil do DF completava 50 anos, um vendaval de Arte, Musica, Pintura adentrou a casa de engenheiros, arquitetos e empresários e escancarou suas portas e janelas para a Cultura.
Para que o vento da arte inundasse todos seus corredores e salões, o então presidente Júlio Peres conclamou o vice Jorge Salomão e toda diretoria para provar que Viver bem é viver com arte. E sempre sob as asas da Cultura, convocou o artista mineiro Carlos Bracher para criar um painel de 17 metros sobre vida e obra de JK e a construção de Brasília. Uma epopeia.
Diretores, funcionários, escolas e amigos ouviram e sentiram Bracher soprar o vento da Arte durante um mês na criação do Painel “DAS LETRAS ÀS ESTRELAS”. O mundo da engenharia, da lógica e dos números se transformou em poesia.
Uma transformação para sempre. Um divisor de águas nos 50 anos do Sinduscon.
O presidente Julio Peres no discurso que comemorou o Cinquentenário da entidade e a inauguração do painel foi didático e profético:
“A arte de Carlos Bracher traz para o este colégio de lideranças empreendedoras, a mensagem de Juscelino Kubitschek como apelo à solidariedade fraterna e à comunhão de esforços. Bracher é nosso intérprete emocionado das tangentes e das curvas de Oscar Niemeyer e Lucio Costa. Nos lances perfomáticos de seu ímpeto criador, Bracher provocou um espetáculo de emoções nas crianças, professores, convidados, jornalistas e em nossos funcionários.
Seus gestos e suas pinceladas de tintas vivas plantaram sementes de amor à arte. As colheitas já começaram.”
Aliás, as colheitas foram muitas nesses nove anos e serão ainda mais e melhor na vida do Sinduscon. O centenário da entidade está a caminho…
Sou feliz por ter ajudado nessa TRAVESSIA.
SG
Fotos: Carlos Bracher apresenta o projeto do Painel. Primeiro em Ouro Preto e depois visita as obras em Brasília.
Na foto: Evaristo Oliveira (de saudosa Memória) Jorge Salomão, Bracher, Julio Peres, Tadeu Filippelli e Silvestre Gorgulho
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METÁFORAS… AH! ESSAS METÁFORAS!

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Sou fascinado com uma bela metáfora. Até mesmo porque não há poesia sem metáfora. Clarice Lispector é a rainha das metáforas. Maravilhosa! Esta figura de linguagem é uma poderosa forma de comunicação. É como a luz do sol: bate n’alma e fica.
Incrível, mas uma das mais belas metáforas que já li é de um naturalista e geógrafo alemão chamado Alexander Von Humbolt, fundador da moderna geografia física e autor do conceito de meio ambiente geográfico. [As características da fauna e da flora de uma região estão intimamente relacionadas com a latitude, relevo e clima]
Olha a metáfora que Humbolt usou para expressar seu encantamento pelo espetáculo dos vagalumes numa várzea em terras brasileiras.
“OS VAGALUMES FAZEM CRER QUE, DURANTE UMA NOITE NOS TRÓPICOS, A ABÓBODA CELESTE ABATEU-SE SOBRE O PRADOS”.
Para continuar no mote dos vagalumes ou pirilampos tem a música do Jessé “Solidão de Amigos” com a seguinte estrofe:
Quando a cachoeira desce nos barrancos
Faz a várzea inteira se encolher de espanto
Lenha na fogueira, luz de pirilampos
Cinzas de saudades voam pelos campos.
Lindo demais! É a arte de vagalumear.
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