Reportagens
Prevenção e solidariedade são as tônicas de sessão solene para dia mundial de combate ao câncer
Foto: Rinaldo Morelli/CLDF

A Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) realizou sessão solene para marcar o Dia Mundial de Combate ao Câncer, cuja data oficial é 4 de fevereiro. A reunião ressaltou a importância da prevenção e da precocidade no diagnóstico como fatores fundamentais para o sucesso no combate à doença. Além disso, divulgou o trabalho realizado em instituições saúde que atendem pelo SUS ou realizam trabalho voluntário com apoio da sociedade civil.
O deputado Jorge Vianna (PSD), autor do requerimento que deu origem ao evento foi o primeiro a falar, relatando a importância do evento para o trabalho de prevenção. “É necessário que a população seja informada sobre o ciclo de combate ao câncer, que envolve, prevenção, detecção e tratamento. É fundamental fazer o diagnóstico precoce. A secretaria de Saúde oferece exames de prevenção como o papanicolau, mamografia e o exame de próstata. Precisamos fortalecer o SUS para que a saúde pública possa atuar com mais eficácia em cada uma das três frentes. Com acolhimento e sensibilidade a batalha contra a doença fica muito mais fácil”, disse o parlamentar. O papanicolau é um exame simples e rápido que colhe células do colo do útero para análise em laboratório, tendo como principal objetivo a prevenção contra o câncer de colo de útero.
Chefe da Assessoria de Política de Prevenção e Controle do Câncer, o médico oncologista Gustavo Bastos Ribas participou como representante da secretaria de Saúde DF e reforçou o valor da prevenção no combate ao câncer. “No DF temos estimados 7.200 novos casos de câncer para esse ano. Sabemos que 40% da incidência estão relacionados aos hábitos de vida. Por isso, precisamos atuar nesse fator de forma efetiva e duradoura. Apenas 10% estão relacionados às condições genéticas e agora há o advento da oncogenética, que permite abordar esses pacientes de forma preventiva”, afirmou o médico. Segundo ele, conforme preconizado na secretaria, a paciente tem acesso ao exame de mamografia a partir de 50 anos na rede pública de saúde. O Papanicolau é liberado a partir dos 24 anos e vai até os 65 anos. Já a colonoscopia é feita a partir dos 50 anos.
Fluxo
Ribas também explicou como é o fluxo de atendimento para prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer no sistema público. Há duas leis federais sobre a questão. A lei 12.732/2012, conhecida como lei dos 60 dias, determina que a partir do diagnóstico, em prazo máximo de dois meses, seja instituído o primeiro tratamento cirúrgico, radioterápico ou quimioterápico ao paciente oncológico.
Já a lei 13.896/2019, conhecida como lei dos 30 dias, determina que, a contar da primeira suspeita, o sistema público deve atender o paciente para realizar exames diagnósticos neste prazo máximo. “O fluxo assistencial se dá na atenção básica. Uma vez que há suspeita identificada, o paciente é inserido no processo de regulação do sistema público de saúde. Então, é encaminhado às unidades secundárias para que sejam feitos a avaliação e o diagnóstico. Caso necessário, o paciente é encaminhado para as unidades de alta complexidade”, esclareceu.
Regulação
Entre os participantes, representando a Rede Feminina de Combate ao Câncer, Ana Paula Soares Fernandes sugeriu que o paciente oncológico seja tratado como uma prioridade específica no sistema de regulação, facilitando a realização de exames de alta complexidade como a tomografia, por exemplo. “O câncer é uma doença complexa, que ameaça nossa vida. Quando há necessidade de uma tomografia, o paciente oncológico está sujeito ao mesmo sistema de regulação, incluído na mesma fila. Todos precisam do exame, mas será que todos os tipos de doença têm o tempo correndo no relógio como o câncer? E não tem na lei qualquer previsão para isso. Ano passado a Rede Feminina fez uma opção de não realizar campanha pela mamografia, mas sim pela tomografia porque as mulheres não retornavam, pois não conseguiam fazer a tomografia. Minha ideia é tratar o paciente oncológico em uma prioridade específica neste sistema de regulação”, sugeriu a psicóloga. O deputado Jorge Vianna concordou com a proposta.
A superintendente-executiva do Hospital da Criança de Brasília José Alencar, Dra. Valdenize Tiziane registrou que no caso de câncer infantil não há prevenção. “A criança precisa ser atendida imediatamente. Não pode entrar no sistema de regulação porque o acesso rápido ao tratamento é fundamental para o sucesso. As células multiplicam-se muito rapidamente e se a atuação não for imediata, a gente acaba perdendo a criança”, afirmou. Ela registrou ainda que o sucesso do trabalho se reflete em números. “Temos aumentado significativamente nossas taxas de cura, que hoje estão perto de 80%, semelhantes aos países desenvolvidos. Já foram atendidas mais de 2 mil crianças e temos uma média de 200 casos novos por ano. Esse é um patrimônio de Brasília, que precisa ser cuidado e levado adiante”, relatou.
No mesmo sentido, o diretor-geral do Hospital de Apoio de Brasília, Dr Alexandre Lyra Lisboa disse que a instituição atua principalmente na área de cuidados paliativos oncológicos, sendo um hospital que atende 100% SUS. “Temos uma equipe multidisciplinar que analisa e trabalha para que o paciente tenha uma qualidade de vida, mesmo que seja no final da sua vida”. Ele testemunhou sobre a prevenção para o sucesso do combate ao câncer. “Sou prova viva da importância da prevenção. Há seis anos fiz meu periódico e tinha alteração no exame. Corri atrás, fiz a cirurgia e hoje estou aqui curado. Faça o papanicolau, a ultrassonografia de mama, o exame proctológico, a colonoscopia, a endoscopia digestiva alta. Faça! Não deixe para depois, porque esse depois pode ser que você tenha perdido o tempo de tratar o câncer”, conclamou.
Chefe da Assessoria de Relações Institucionais do Iges-DF, Delmo Menezes reforçou a importância das questões relacionadas à prevenção. “Todos temos pessoas que já foram acometidas pela doença. Eu mesmo já perdi sobrinhos e uma irmã. Agora meu pai está lutando neste momento contra o câncer de pele. Essas iniciativas precisam ser feitas”, disse.
Ajuda solidária
Médico da Oncologia e Hematologia do Hospital da Criança de Brasília, Dr. José Carlos Martins Córdoba ressaltou como o apoio da sociedade civil é relevante para o trabalho. “Não tem como prevenir o câncer da criança, mas tem como tratar. O tratamento é complexo, exigindo atenção de vários setores da saúde e muita ajuda da sociedade civil, que foi fundamental para chegarmos até aqui. Antes, havia um índice de abandono do tratamento em torno de 40% e hoje isso reduziu muito, principalmente, devido a esse sistema de apoio”, afirmou.
A história do Hospital da Criança começou com a equipe que atua há 40 anos, inicialmente no Hospital de Base, depois no Hospital de Apoio. Em 2011 foi inaugurado o bloco 1, totalmente construído e equipado pela Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace), permitindo condições ideais para o atendimento de crianças com câncer. Em 2018, começou a funcionar o bloco 2, que prevê ala de internação e ala hospitalar. “Desde então, podemos dar um tratamento integral. Como exemplo dos resultados proporcionados pelo trabalho que envolve a sociedade civil. Cito o laboratório de pesquisa translacional, que foi viabilizado com arrecadação das campanhas do Mc Dia Feliz, quando toda renda obtida com a venda do principal sanduíche da rede é revertida para instituições de combate ao câncer. O laboratório nos permite fazer um diagnóstico molecular, de precisão. Assim, cada criança tem um diagnóstico individualizado com a possibilidade da medicina de precisão e da terapia alvo para casos em que já existem medicamentos e a tecnologia disponível”, relatou Valdenize. Outro exemplo citado foi a arrecadação de recursos do Fundo da Criança e do Adolescente que permitiu investir R$10 milhões em equipamento de ressonância nuclear magnética. “Isso tudo é um patrimônio público à disposição de toda a saúde do DF”, finalizou a superintendente-executiva.
Por sua vez, a Rede Feminina faz um trabalho voluntário no Hospital de Base há mais de 26 anos e tem ajuda de doações para levar à frente o suporte a pacientes tratados no serviço público de saúde. “Atendemos o paciente que está em uma situação vulnerável. Por exemplo, a pessoa que trabalha por diária, sem carteira assinada, e quando vai fazer o tratamento fica sem renda. Então ajudamos com cesta básica, pagando para fazer algum exame, ou quitando contas do cotidiano, como de energia e gás. Além disso, oferecemos apoio emocional com atendimento psicológico e construímos um pequeno salão de beleza dentro do Hospital de Base para apoiar com questões de autoestima. Também doamos prótese mamária externa para usar enquanto a paciente não pode fazer a cirurgia reconstrutora da mama. Tudo isso é feito com ajuda da comunidade, de doações. Nossa missão é doar amor, enxugar lágrimas e provocar sorrisos”, contou Ana Paula.
História
O Dia Mundial de Combate ao Câncer, comemorado dia 04 de fevereiro, é uma iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS). Tem por objetivo promover a conscientização e a educação das pessoas e influenciar entidades governamentais sobre a prevenção, tratamento e controle do câncer.
Já o Dia Nacional foi criado por meio da Portaria do Ministério da Saúde GM nº 707/1988, sendo celebrado em 27 de novembro, tem como objetivo ampliar o conhecimento da população brasileira sobre o câncer, principalmente sobre a sua prevenção.
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o Brasil poderá ter 704 mil novos casos de Câncer, sendo aqueles relacionados à mama e à próstata os de maior incidência.
Ao fim da solenidade, foram entregues moções de louvor pelos relevantes serviços prestados à população do DF em defesa da vida por ocasião do Dia Mundial de Combate ao Câncer.
Francisco Espínola – Agência CLDF
Reportagens
Ação educativa em bares orienta contra direção após consumo de álcool
Com o projeto Rolê Consciente, o Detran promove intervenções artísticas sobre os riscos de beber e dirigir; iniciativa acontece nesta sexta, na Asa Norte

Agência Brasília* I Edição: Débora Cronemberger
Na noite desta sexta-feira (29), acontece mais uma edição do projeto Rolê Consciente do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF). A ação educativa percorre bares e restaurantes levando conscientização ao público para não dirigir, se beber. A ação de hoje ocorre na Asa Norte, de 18h às 21h.

O Rolê Consciente é uma ação que envolve intervenções artísticas com bonecos, MCs do trânsito com suas rimas e, também, um papo sério com a entrega de material educativo e palestras dos professores de trânsito do Detran-DF. Toda a ação é voltada ao tema sobre os efeitos do álcool no organismo, orientações de segurança quanto à utilização de celular ao volante, a importância do respeito à velocidade máxima das vias, faixa de pedestre, respeito aos ciclistas e muito mais.
De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, dirigir após o consumo de álcool é infração gravíssima, com multa no valor de R$ 2.934,70 e suspensão do direito de dirigir por um ano. O Rolê Consciente acontece às quintas e sextas-feiras e, a partir de outubro, será aos sábados e domingos também.
*Com informações do Detran
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Parceria visa fortalecer o esporte inclusivo no DF
Secretarias de Esporte e Lazer e da Pessoa com Deficiência vão elaborar ações para ampliar o acesso das pessoas com deficiência à prática esportiva em todas as suas esferas e em todas as faixas etárias

Agência Brasília* | Edição: Igor Silveira
A Secretaria de Esporte e Lazer (SEL-DF) e a Secretaria da Pessoa com Deficiência (SEPD-DF) se uniram para potencializar o paradesporto e esporte inclusivo no DF. As ações serão efetivadas por meio do Programa de Esporte Inclusivo.
A SEL-DF tem trabalhado para fomentar a visibilidade e valorização do paradesporto na cidade. Para isso, a pasta vem realizando eventos com o objetivo de dar celeridade ao acesso das pessoas com deficiência à prática esportiva em todas as suas esferas e em todas as faixas etárias.

O secretário Julio Cesar Ribeiro explica que uma das principais prioridades da pasta tem sido criar ações para dar visibilidade ao paradesporto. “A valorização e o investimento no paradesporto são fundamentais para construir uma comunidade mais inclusiva, onde cada cidadão, independentemente de suas habilidades, encontre espaço e oportunidades no universo esportivo do Distrito Federal”, destaca. O esporte é uma ferramenta essencial para a superação de barreiras”, completa Ribeiro.
Para o secretário da Pessoa com Deficiência, Flávio Santos, as duas secretarias poderão estabelecer uma política pública específica e efetiva voltada para atender às pessoas com deficiência nessa área. “As ações já existiam, mas serão ampliadas e melhoradas por meio desse trabalho porque, aí sim, vai ser construído um programa de esporte inclusivo”, afirma.
As pastas já trabalhavam de forma conjunta em ações pontuais, com o apoio aos paratletas por meio dos programas Compete Brasília e Bolsa Atleta, além das atividades oferecidas nos Centros Olímpicos e Paralímpicos. “Eu, como secretário e como atleta, sempre evidenciei a importância do esporte como uma poderosa ferramenta de inclusão”, finaliza Flávio.
Inclusão
Em maio deste ano, o Centro Olímpico e Paralímpico do Gama, recebeu mais de 350 inscrições para o Festival Paralímpico, que, pela primeira vez, ocorreu em Brasília. O evento realizado pela SEL-DF proporcionou aos participantes a inclusão por meio da vivência lúdica nos esportes paralímpicos.
O Campeonato Regional Centro-Oeste de Bocha Paralímpica foi outro marco na capital federal. O evento, que recebeu o apoio inédito da pasta, serviu como etapa classificatória para o Campeonato Brasileiro de Bocha Paralímpica, além de ter proporcionado aos atletas a oportunidade de ter representado suas associações e região em uma competição de nível nacional.
Outro evento que contou com o apoio da pasta foi a etapa regional das Paralimpíadas Escolares, que fomentou a inclusão e o progresso dos jovens atletas com deficiência, reunindo a participação de mais de 900 competidores. Os jogos ocorreram entre os dias 31 de agosto e 1º de setembro.
Outras competições paradesportivas também foram apoiadas pela SEL, como o Brasileiro de Adestramento Paraequestre, Centro-oeste de Handebol de Surdos e o Campeonato Regional de Goalball.
*Com informações da Secretaria de Esporte e Lazer do Distrito Federal (SEL-DF)
Reportagens
Poeta vencedora do Prêmio Jabuti transita do slam à literatura grega
Autora voltou à Estação Guilhermina para lançamento de seu livro

Foi na praça ao lado da Estação Guilhermina do Metrô, na zona norte paulistana, que Luiza Romão começou a declamar versos em público. Ali, acontece desde 2012, toda última sexta-feira do mês, a batalha de rimas conhecida como Slam da Guilhermina. Agora, dez anos depois desse encontro com a poesia falada, a autora retornou ao espaço para fazer um dos eventos de lançamento de Também Guardamos Pedras Aqui, seu livro que venceu o último Prêmio Jabuti.
“Quase pedir a benção”, resume a poeta sobre os sentimentos sobre esse momento que ela enxerga como o fechamento de um ciclo. “Acho que é bastante significativo, fazer isso bem antes de ganhar o mundo, assim, sabe? Antes de ir pro mundão”, comenta a respeito da turnê que se aproxima nos próximos dias. Até janeiro de 2024, a previsão é que Luiza tenha passado pela França, Argentina, México e Alemanha para divulgar o livro premiado, que já tem prontas traduções para o francês e espanhol.
Formada em artes cênicas, Luiza se aproximou da poesia atraída pelo modelo performático do slam, que começou a frequentar em 2013. As batalhas de rimas foram criadas por Marc Smith, nos Estados Unidos, na década de 1980. As competições, que atualmente acontecem em diversas partes do mundo, começaram, segundo a autora, como uma forma de tornar a leitura de poesia mais atraente nos saraus. “Em geral, em noites de cabaré, quando músico ia se apresentar, todo mundo prestava atenção. Quando ia uma pessoa do stand up, todo mundo prestava atenção. Na hora que o poeta ia declamar, era o momento que geral ia no banheiro, comprar cerveja, acender cigarro”, conta.
A performance da poesia falada, que compõe a cena cultural das periferias paulistanas, acabou atraindo Luiza, que tinha vindo em 2010 para a cidade, para estudar na Universidade de São Paulo. “Não estava no meu horizonte de vida virar poeta. Foi através do encontro com as batalhas de slam, com os microfones abertos, com o movimento saraus, que eu comecei a escrever”, lembra.
Uma estética que se relaciona com as temáticas que atravessam a juventude, especialmente a que vive fora dos bairros mais privilegiados. “Uma poesia muito engajada. Uma poesia que pensa o seu tempo histórico, que é fundamentada na dimensão coletiva da palavra. Toda essa partilha da performance”, enumera sobre as razões que a aproximaram dos versos e das rimas.
Atualmente com 31 anos, Luiza tem quatro livros publicados. O Também Guardamos Pedras Aqui é diretamente inspirado no épico grego Ilíada, de autoria atribuída a Homero, que retrata a conquista de Troia.
Veja os principais trechos da entrevista com a autora:
Vamos começar falando um pouco do livro Também Guardamos Pedras Aqui. Queria entender um pouco por que essa opção pela poesia grega e também o que isso significa na sua trajetória.
Eu sou formada em teatro. Tem algo que, de certa forma, eu discuto no livro, talvez de uma maneira não tão direta, que é essa obsessão nossa pelos gregos, que não diz respeito só a mim, Luiza, mas a nossa sociedade que passou por esse processo brutal de colonização e que ainda hoje continua referenciando de maneira tão intensa nos currículos escolares, nas produções culturais, esse imaginário cânone greco-latino. Então, na faculdade de artes cênicas, por exemplo, eu estudei dois anos de Grécia antiga.
Isso é algo que também se verifica nos cursos de letras e em muitos outros cursos. Você estuda tragédia grega. Você estuda comédia grega. Você estuda poética de Aristóteles, O Banquete do Platão. Uma tradição que é tão distante a nós. E, muitas vezes, a gente acaba não olhando para outras tradições e cosmovisões que estão mais próximas. As diferentes tradições latino-americanas andinas, maias e tudo mais ou as tradições africanas.
Quando eu termino [o curso universitário] eu vou fazer EAD, que a escola de artes dramáticas da USP, eu tenho que retomar essa galera [os gregos]. Eu estava lá, lendo pela segunda vez a mesma tradição, e faltava a Ilíada.
Então, eu estava indo viajar, fazer um mochilão pela Bolívia e pelo Chile. Eu falei: ‘Ah, vou pegar a Ilíada. Por que não? [risos]. É pesado, mas, pelo menos, é um volume só’. Meu irmão, Caetano, tinha uma edição que era leve, de papel bem fininho.
Foi onde eu li e fiquei muito chocada. Eu costumo dizer que o Pedras nasce um pouco desse horror a essa narrativa fundante da tradição ocidental, que é narrativa muito violenta. Eu sabia que era a história de uma guerra, que é como é contada, né? Mas, na verdade, não é a história de uma guerra, é a história de um massacre.
O que diferencia uma guerra de um massacre?
A guerra é quando, minimamente, você tem pé de igualdade. Você tem possibilidades reais dos dois lados ganharem. É algo que vai ser disputado na batalha. E, quando você lê a Ilíada, você vê que os troianos nunca tiveram chance de ganhar, porque os deuses eram gregos. Acho que foi a maior indignação para mim, porque isso eu não sabia antes de ler. Mas você tem o tempo inteiro a batalha acontecendo no campo terreno, entre gregos e troianos, e uma batalha acontecendo no plano divino, digamos assim, no Olimpo. Então, você tem os deuses que são pró-troianos e os deuses que são pró-gregos. E tem um momento que tem uma treta gigante, e Zeus [deus do trovão e líder do panteão grego] fala: ‘ninguém intervém na guerra, nenhum dos deuses’. E aí os troianos passam a ganhar a guerra.
Só que aí tem uma coisa que é muito doida, porque a gente tem essa ideia de perfeição atrelada à divindade, no catolicismo. No panteão dos gregos, na mitologia grega, são deuses que estupram, que têm inveja, que trapaceiam. Hera [esposa de Zeus] faz uma trapaça com Zeus. Ela vai até o fundo do oceano, pega um sonífero e Zeus dorme. Aí, ela e Atena [deusa associada a sabedoria] voltam para a guerra, quebram o pacto.
Os deuses são trapaceiros e Ulisses [herói grego] é trapaceiro também, porque é uma trapaça o que ele faz com cavalo. Não é fair play [jogo justo]. Eu acho que tem essa dimensão do massacre. Além de toda a devastação de um povo, das inúmeras formas de aniquilação, de tortura de subjugação, de estupro, de violência que estão no livro, tem isso de que é impossível esse povo ganhar. [Por orientação de Ulisses, os gregos fingem se retirar do campo de batalha e oferecem um cavalo gigante de madeira como presente aos troianos. Porém, uma parte dos soldados gregos se esconde dentro da escultura para, durante a noite, abrir os portões da cidade e provocar a derrota de Troia.]
No poema Homero, você diz que os gregos “foram capazes de” e traz uma lista, que seria de atrocidades, mas que está coberta por uma tarja preta, de censura, para em seguida dizer que, apesar desses horrores, eles, ao menos devolveram o corpo de Heitor, príncipe de Troia, ao contrário do que se fez, muitas vezes na ditadura militar brasileira. Você quer dizer que vivemos horrores maiores do que os troianos?
Isso tem muito a ver com dimensão quase que performativa da minha leitura. Eu estava lendo nessa viagem e passei pelo local onde Che Guevara [guerrilheiro que participou da revolução cubana] foi assassinado, no interior da Bolívia. Inclusive, tinha uma menina lá [parte do grupo], que era Tânia. Eles estavam tentando articular uma revolução comunista no coração da América Latina. A ideia seria sair do coração da Bolívia e se espalhar pelo continente inteiro. Eles são delatados, passam por uma emboscada e são assassinados.
O Che Guevara morre. A cabeça dele fica exposta em uma dessas vilas e o corpo fica desaparecido, por medo de que o local em que ele estivesse enterrado virasse um mausoléu de peregrinação comunista, um lugar de memória. O corpo dele só é encontrado 30 anos depois. Um dos militares disse que ele estava enterrado numa pista de pouso militar. Hoje você tem um museu do Che Guevara nesse local.
Eu queria aprofundar um pouco o uso desse recurso da censura, que aparece em outras partes do livro.
Eu acho que essa questão da censura ou do apagamento de arquivos é algo que também está muito presente quando a gente fala dessa história, dessa imposição de uma história única, dessa construção de um relato produzido pelo poder. Então, desses arquivos que são censurados, apagados e tudo mais.
Também, de certa forma propõe esse jogo com os leitores, da mesma forma que eu estou tentando reconstituir uma história que é muito apagada, vamos tentar reconstituir juntos. Talvez seja exercício imaginativo nosso também.
Você disse que Ulisses não jogava no fair play [jogo justo]. Tem um texto em que parece que você fala disso, invertendo a condição de herói e vilão, no poema Polifemo [gigante de um olho só que comia pessoas]. “Ninguém te cegou não/ não foi Ulisses/ aquela noite o policial não tinha identificação”
Ulisses, para mim, é um personagem que a gente, enquanto ocidente, vai emular como a inteligência. Primeiro, tudo que a gente sabe das viagens dele [narradas na Odisseia], é ele o que conta. Ou seja, ele pode estar mentindo, ele pode ter inventado tudo. Para mim, é um narrador nada confiável. Principalmente, porque do que a gente sabe, sim, de dados dele, é o personagem que faz o Cavalo de Tróia, que ganha na trapaça.
Então, Polifemo estava lá e, de repente, chegam esses homens, se metem [nos domínios dele] e ainda o cegam. E tem essa que a grande sabedoria do Ulisses é falar: “Eu não sou ninguém”. Então, Polifemo começa a gritar [após ter o olho furado]: “ninguém me cegou”.
Isso também foi uma chave de leitura para o caso do Sergio Silva [fotógrafo que perdeu o olho nas manifestações de 2013] e de vários e várias manifestantes que foram baleados com bala de borracha nos últimos anos, seja no Brasil, seja no Chile, onde a gente teve de fato uma forma sistemática da polícia de dilacerar o globo ocular de muitas pessoas.
E que ninguém cegou essas pessoas. É a mesma situação bastante recorrente quando a gente fala das ações das polícias militares, seja pelo não uso de identificação, seja porque cada vez mais são policiais que estão com balaclava ou com capacete.
Você fala em diversos momentos sobre violência (policial, contra a mulher), que é uma temática muito recorrente nos slams. Como o movimento dos slams atravessa a sua trajetória?
Minha trajetória é completamente atravessada pelo slam. Eu vim do teatro, sou das artes cênicas. Não estava no meu horizonte de vida virar poeta. Foi através do encontro com as batalhas de slam, com os microfones abertos, com o movimento saraus, que eu começo a escrever. Principalmente, por ser uma poesia muito engajada. Uma poesia que pensa o seu tempo histórico, que é fundamentada na dimensão coletiva da palavra. Toda essa partilha da performance é uma forma poética também de encarar esses temas.
O slam não dissocia política e poética. É óbvio que é indissociável. Mas tem alguns lugares que se tem ilusões que é possível dissociar disso. Então, eu começo a frequentar em 2013 e continuo, não mais como slammer. Já aposentei as chuteiras faz um tempo. Mas, de vez em quando, fazendo a parte de produção. Fui fazer um mestrado sobre isso.
Em que momento você se aposentou do slam?
Como slammer, é muito normal a gente ter ondas, né? É tipo jogador de futebol, a carreira é curta. A gente vai lá, batalha uma, batalha outra, brinca durante dois ou três anos. É muito normal. Assim, você tem uma renovação da cena muito constante. Então, eu comecei a frequentar em 2013, já tinha tido uma onda antes de mim. Eu sou dessa segunda geração e já estão na sexta geração, agora.
Então, eu fui fazer outras paradas em termos de artista, de criação artística. Mas, ao mesmo tempo, é um lugar que eu gosto muito de estar. Eu continuo frequentando muito nesses últimos anos.
De alguma forma, tentei elaborar bastante a reflexão sobre a cena na dissertação. Acho que é uma forma de agradecer também esses anos todos de trajetória. É um trabalho que é a primeira parte é bastante dedicada a pensar historiografia do slam nos Estados Unidos. Eu traduzi muita coisa que não está disponível em português.
Também analiso quatro poemas da Luz Ribeiro, de Pieta Poeta, do Beto Bellinati e da Ana Roxo. Pensando como que essas questões todas vão para o corpo do poema. Porque, muitas vezes, quando a gente fala de slam, a gente só faz uma abordagem antropológica ou socializante, sendo que a gente está falando de poesia. E eu acho que ler esses poemas também na sua potência estética, o que eles têm de disruptivo, no que eles propõem de linguagem, no que eles contestam em toda uma tradição literária brasileira, isso é muito potente também.
Edição: Sabrina Craide
ebc
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